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UNIDADE 5 A CONSTRUÇÃO DA PESSOA: abordagem Walloniana e implicações educacionais .......................................................... 133 Ideias Básicas de Henry Wallon ............................... 135 EMOÇÃO E AFETO: o papel do outro no desenvolvimento .. 139 As fases do desenvolvimento ................................. 145 Implicações educacionais .................................... 149 SUMÁRIO UNIDADE 6 A INCLUSÃO NAS ESCOLAS E O PAPEL DA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ........................................................... 153 O que é inclusão? .............................................. 155 DIFERENÇAS: o desafio nas escolas ......................... 159 As ideias de Piaget e de Vygotsky a respeito das pessoas com necessidades especiais ....................................... 165 UNIDADE 7 ADOLESCÊNCIA: desenvolvimento Biopsicossocial e Cultural .... 175 Siginficado evolutivo da adolescência e seu caráter Biopsicossocial e Cultural .................................... 177 A adolescência sob a perspectiva de diversos teóricos ..... 183 Característica do desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social e as questões relativas à sexualidade, à escolha profissional e às drogas ....................................... 191 PALAVRAS FINAIS ..................................................... 223 REFERÊNCIAS ......................................................... 225 NOTAS SOBRE AS AUTORAS ......................................... 235 UNIDADE OBJETIVOS DESTA UNIDADE: Estabelecer as relações entre os conceitos e as implicações pedagógicas na abordagem walloniana; Analisar o papel da emoção, do afeto e do outro no processo de desenvolvimento da pessoa; Caracterizar o processo de desenvolvimento e aprendizagem sob a perspectiva de Wallon. 5 ROTEIRO DE ESTUDOS • Ideias básicas de Henri Wallon. • Emoção e afeto: o papel do outro no desenvolvimento. • As fases do desenvolvimento. • Implicações educacionais. A CONSTRUÇÃO DA PESSOA: abordagem Walloniana e Implicações Educacionais FILOSOFIA134 PARA INíCIO DE CONVERSA Nesta unidade, focalizamos a concepção dialética de Henri Wallon sobre o desenvolvimento, a qual pressupõe a determinação recíproca entre fatores orgânicos e fatores sociais, constituindo, assim, a pessoa humana. A teoria walloniana é conhecida como a teoria da “pessoa completa”, uma vez que, em seus estudos, ele levou em conta a multidimensionalidade do ser, dado que integrou os campos da inteligência, da motricidade e da afetividade. Para que você estude esta importante contribuição, dividimos a presente unidade em quatro seções. Na primeira buscamos esclarecer as ideias básicas da visão dialética de Wallon, e o seu olhar para o desenvolvimento da pessoa. Na segunda seção temos como foco a compreensão do papel da emoção no desenvolvimento, o desenvolvimento da afetividade e a análise do papel do outro no desenvolvimento humano. A terceira aborda a visão de Wallon sobre o desenvolvimento, apresentando seus princípios e as características de cada estágio. A quarta seção é dedicada à apresentação de algumas implicações educacionais da teoria walloniana. Estudar Wallon e refletir sobre suas contribuições à educação é o desafio que propomos a você, caro estudante. Que suas leituras e reflexões sejam profícuas, e que você tenha um bom aproveitamento. Vamos a Wallon, então? 135PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 IDEIAS BÁSICAS DE hENRI WALLON Henri Wallon (1879-1962) foi um grande humanista. Viveu em Paris, França, onde construiu uma fecunda produção intelectual e engajou-se ativamente nos acontecimentos sociais e políticos de sua época. Formado em Filosofia na Escola Normal Superior, atuou como professor e mais tarde formou- se médico psiquiatra até envolver-se com a Psicologia e com a Educação novamente. De sua biografia constam os encontros com a I e a II Guerras, a sua participação na resistência francesa, a perseguição dos nazistas, a vida clandestina, a sua atuação como militante político de esquerda e como professor universitário capaz de uma ampla produção científica, mesmo em meio às inúmeras adversidades (LAROCCA, 2002). Em seus estudos, ao invés de separar, integrou os campos da inteligência, da afetividade e da motricidade, considerando a criança e sua atividade a partir das suas reais condições de existência (TRANGTHONG, 1983; GALVÃO, 1995). Wallon adotou uma visão de desenvolvimento que se destaca pela abordagem concreta e multidimensional do ser humano. N FILOSOFIA136 Segundo Galvão (1995), buscando compreender o psiquismo humano, Wallon volta sua atenção para a criança, pois através dela é possível ter acesso à gênese dos processos psíquicos. De uma perspectiva abrangente e global, investiga a criança nos vários campos de sua atividade e nos diversos momentos de sua evolução psíquica. Enfoca o desenvolvimento em seus domínios afetivo, cognitivo e motor, procurando mostrar quais são, nas diferentes etapas, os vínculos entre cada campo e suas implicações com o todo, representado pela personalidade. PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA CAMPOS FUNCIONAIS CORPO DIMENSÃO MOTORA INTELIGÊNCIA DIMENSÃO COGNITIVA AFETIVIDADE DIMENSÃO EMOTIVA/ RELACIONAL A perspectiva walloniana em Psicologia contou com a contribuição de sua formação e atuação em Medicina Psiquiátrica. Para a sua tese de doutoramento (publicada com o nome de L’Enfant Turbulent, em 1925), Wallon coletou cerca de 200 casos clínicos de retardos e anomalias, referentes ao desenvolvimento mental e motor de crianças. Além disso, as experiências com feridos de guerra, que tinham sofrido lesões cerebrais, fortaleceram, em Wallon, a crença de que havia uma estreita relação entre as manifestações orgânicas e psíquicas, particularmente entre o dinamismo motor e a atividade mental, ambos associados aos desequilíbrios emocionais (DANTAS, 1983). Como método de análise, Wallon adotou a perspectiva filosófica dialética, fundada no Materialismo Histórico de Marx. Por conseguinte, concebeu um movimento dialético, de determinação recíproca, entre fatores orgânicos e fatores sociais. 137PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 FATORES ORGÂNICOS FATORES SOCIAIS Para Wallon, nosso psiquismo é uma síntese dialética entre o orgânico e o social, em que os equipamentos orgânicos são condição para as funções mentais, enquanto os objetos das ações mentais provêm do meio exterior, ou seja, do grupo social do indivíduo. No processo de desenvolvimento da pessoa, Wallon explica que os fatores orgânicos são mais determinantes no início do desenvolvimento infantil, cedendo lugar aos fatores sociais, à medida que o ser humano cresce e é por eles afetado. Os fatores sociais dependem das condições oferecidas pelo meio e do grau de apropriação de cada sujeito. São fatores sociais: a cultura, a linguagem e o conhecimento. Tais fatores são decisivos na aquisição das condutas psicológicas superiores, as quais podem progredir sempre, num processo permanente de especialização e sofisticação. Galvão (1995, p.29) descreve a relação entre o orgânico e o social, na teoria de Wallon, da seguinte maneira: Entre os fatores de natureza orgânica e os de natureza social as fronteiras são tênues, é uma complexa relação de determinação recíproca. O homem é determinado fisiológica e socialmente, sujeito, portanto, a uma dupla história, a de suas disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao longo de sua existência. 139PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO| UNIDADE 5 EMOÇÃO E AFETO: o papel do outro no desenvolvimento ara Wallon, a emoção é um instrumento de sobrevivência típico de nossa espécie, acionado, desde o nascimento, para suprir a incapacidade de o bebê alcançar sozinho o atendimento de suas necessidades mais primárias. Você pode verificar, por exemplo, que outros animais quando nascem são muito mais independentes do que o filhote humano: buscam o alimento, locomovem-se com mais desenvoltura. Assim, em face de sua dependência, é através da emoção (choro, gritinhos, risos) que o bebê mobiliza as pessoas do seu ambiente para atender às suas necessidades (fome, sede, temperatura, conforto etc.). São as emoções que exprimem e fixam na sensibilidade do sujeito algumas disposições, atitudes que irão garantir o aparecimento de reações sensório-motrizes. Essas reações introduzem o bebê no ambiente físico que o rodeia, permitindo que o explore e atue sobre ele. A emoção fornece, portanto, os primeiros e mais fortes P FILOSOFIA140 vínculos que irão suprir a imperícia do ser humano no início de seu desenvolvimento. A discussão sobre o valor da emoção é uma das maiores contribuições de Wallon (1998). Para ele, as estruturas da consciência e da personalidade vão surgir das oposições provocadas pela emoção, recurso inicial do bebê para agir. Segundo Wallon, será pela emoção que a criança passará a usar, de forma adequada, os instrumentos que a atividade cognitiva lhe propicia. É graças ao vínculo estabelecido com o meio social, através da emoção, que o ser em desenvolvimento terá acesso à cultura e ao universo simbólico elaborado ao longo da história da humanidade. A emoção permite, então, que nos apropriemos dos instrumentos da atividade cognitiva, estando, portanto, na sua origem, na sua gênese. Para Wallon, a razão nasce da emoção e viverá da sua morte (DANTAS, 1992). Tais palavras mostram que, se a emoção está na origem da inteligência ou razão, há um antagonismo que a emoção guarda em relação à atividade cognitiva, pois, à medida que esta se desenvolve, a ação da emoção tende a reduzir-se, tornando os comportamentos mais lúcidos. Nesse sentido, podemos dizer que a emoção faz a transição entre o orgânico e o cognitivo, por meio da mediação cultural. Vejamos como Wallon classificou dois tipos de emoções: Quanto ao efeito que produzem no corpo: a) Hipotônicas são aquelas que produzem redução do tônus muscular, como o amolecimento corporal que existe em sustos e depressões. b) Hipertônicas são as emoções que geram tônus muscular, como o endurecimento corporal que observamos ou sentimos na cólera, raiva e ansiedade. O ideal para o ser humano é que se estabeleça um fluxo tônico que leve a emoção a se produzir e se escoar imediatamente através de movimentos expressivos, como é o caso da alegria, razão pela qual ela nos é prazerosa. Quanto à origem e natureza das alterações emocionais: a) Emoções produzidas por agentes químicos (ex: efeitos de drogas, como Imperícia = condição de quem não é perito, ou seja, não sabe fazer alguma coisa. 141PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 o álcool); b) Emoções produzidas por componentes mecânico- musculares (ex: atividades rítmicas intensas); c) Emoções de natureza abstratorepresentacional (ex: diante de reflexões suscitadas por um poema, uma música) (DANTAS, 1992). Estudando as características da vida emocional, Wallon concluiu que a emoção se origina de sensibilidades orgânicas e primitivas: sensibilidade visceral que permite sentir seus órgãos e proprioceptiva que permite à criança sentir o estado de seus músculos. Segundo Dantas (1992, p. 87) “A toda alteração emocional corresponde uma flutuação tônica”, de modo que a emoção provoca manifestações corporais visíveis para as outras pessoas. Wallon chamou tais manifestações de “atividade proprioplástica”, uma vez que a emoção imprime certas formas ao corpo. Essas manifestações podem ser percebidas, ainda que de forma inconsciente, pelas pessoas que estão ao redor do sujeito. Tal aspecto mostra, também, o caráter contagioso ou epidêmico da emoção, pois ela tende a transmitir-se para os outros por meio de uma espécie de diálogo tônico, uma forma de comunicação primitiva, permitida pelas alterações da tonicidade muscular das pessoas. Vejamos, agora, características do comportamento emocional, para que você possa reconhecê-lo: • possui um caráter contagioso, isto é, passa para outras pessoas; • nutre-se da presença de pessoas, pois a existência de uma plateia tende a fazer aumentar a emoção; • tende a reduzir o funcionamento cognitivo, pois emoção e razão são dimensões antagônicas; • o grau de emoção será tanto mais forte quanto maior for a inaptidão ou a imperícia da pessoa perante dada necessidade; • provoca uma revolução orgânica, capaz de concentrar no corpo toda a sensibilidade do sujeito e diminuir sua capacidade de perceber o que realmente se passa no mundo exterior; • manifesta-se corporalmente e é visível para as outras pessoas; • passa para os outros através de um diálogo tônico postural. FILOSOFIA142 Wallon (1968) distinguiu sentimento de emoção. Os sentimentos resultam de representações e conhecimentos que agem sobre as emoções de maneira a reduzir o caráter instantâneo das mesmas. Em geral são mais duradouros. As emoções são acompanhadas de componentes orgânicos/corporais (alterações nos batimentos cardíacos, sudorese, respiração, alterações tônicas visíveis na postura do corpo, gestos, expressão facial). As emoções concentram a sensibilidade do sujeito no corpo, de modo que diminuem a percepção do sujeito sobre o mundo exterior (WALLON, 1979). Entre os comportamentos afetivos, as emoções procedem do mais baixo nível de funcionamento cerebral – o nível subcortical. Apesar de constituírem a primeira forma de o ser humano estabelecer seus vínculos com o meio social, as emoções também aparecem em todas as idades, diante do problema da imperícia. No entanto, são as emoções que permitirão as relações que afinarão a expressividade do sujeito, transformando-a em um instrumento cada vez mais especializado da sociabilidade humana (LAROCCA, 2002). Dessa maneira, há uma transformação funcional que implica, ao longo do processo de desenvolvimento, a evolução de formas emocionais, que a princípio são puramente tônicas, para formas simbólicas de expressão emocional e, posteriormente, categoriais de afetividade. Observe no quadro os três momentos da relação entre afetividade e inteligência, ao longo do nosso desenvolvimento: EVOLUÇÃO DAS FORMAS DE AFETIVIDADE EM FACE DA RELAÇÃO COM A INTELIGÊNCIA CARACTERÍSTICAS 1ª FASE AFETIVIDADE EMOCIONAL-TÔNICA - a afetividade reduz-se às manifestações somáticas; é pura emoção; - as trocas afetivas dependem inteiramente da presença concreta de outras pessoas através do contato tônico- epidérmico; 2ª FASE AFETIVIDADE SIMBÓLICA - incorpora a linguagem (primeiro oral, depois escrita); - a nutrição afetiva acrescenta o toque e a entonação da voz; 143PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 3ª FASE AFETIVIDADE CATEGORIAL - as relações afetivas passam a se submeter a exigências racionais, através de categorias como respeito, justiça, igualdade. Ao explicar a dimensão afetiva da constituição da pessoa, conforme Wallon, Dér (2004, p.61-62) diz o seguinte: A afetividade é um conceito amplo que, além de envolver um componente orgânico, corporal, motor e plástico, que é a emoção, apresenta também um componente cognitivo, representacional, que são os sentimentos e a paixão. O primeiro componente a se diferenciar é a emoção, que assume o comando dodesenvolvimento logo nos primeiros meses de vida; posteriormente, diferenciam-se os sentimentos e, logo a seguir, a paixão. A afetividade é o conjunto funcional que responde pelos estados de bem-estar e mal-estar, quando o homem é atingido e afeta o mundo que o rodeia. Ela se origina nas sensibilidades orgânicas e primitivas, denominadas sensibilidades interoceptivas e proprioceptivas que, juntamente com os automatismos, são vistas por Wallon como os recursos que a criança tem para se comunicar e sobreviver. A sensibilidade interoceptiva é uma sensibilidade visceral que permite à criança sentir como estão os seus órgãos, como estômago, intestino etc.; e a sensibilidade proprioceptiva é uma sensibilidade tônica ou postural que está relacionada às sensações ligadas ao equilíbrio, às atitudes e aos movimentos, e possibilita à criança sentir como está o estado de seus músculos. Ambas as sensibilidades provêm do próprio corpo, mas, enquanto a sensibilidade interoceptiva se reporta aos órgãos internos, a proprioceptiva se distingue dela, pois os seus estimulantes, em vez de se situar nas vísceras, se localizam nos tendões, articulações e nos próprios músculos. A abordagem walloniana do desenvolvimento dá especial destaque ao lugar do outro na constituição do eu. Gulassa (2004) explica que o par dialético “eu-outro” passará gradativamente a constituir o mundo psíquico de cada pessoa de modo que um não pode viver sem o outro e ambos dialogam e debatem. FILOSOFIA144 Para Gulassa (2004, p.96): A relação eu-outro vivida cotidianamente é uma relação ao mesmo tempo de acolhimento e de oposição, que no processo de desenvolvimento é incorporada e internalizada, sendo constitutiva do mundo psíquico. O outro que é interiorizado, também chamado por Wallon de socius, contém e sintetiza o contexto cultural e simbólico presente no meio, trazendo deste, por um lado, as referências, alimento cultural fundamental, e por outro as regras e imposições sociais, que vêm a ser contraponto da singularidade e da autonomia do eu (ênfases na fonte). Mediante o exposto, podemos compreender que há uma tensão constante do par dialético eu-outro no nosso mundo psíquico, em que o eu necessita do outro para sobreviver e para evoluir, no entanto somente se constituirá como eu construindo sua própria identidade pela oposição ao outro, libertando-se dele. • O grupo é o espaço das relações interpessoais. • É no grupo que a criança vive efetivamente a construção da sua personalidade, desde a sua consciência simbiótica inicial, até a construção do seu eu diferenciado. • É no grupo que ela adquire consciência de si e dos outros. • É no grupo que ela aprende a desempenhar as práticas sociais e os papéis que estão definidos pela sua cultura. • É no grupo que ela aprende a cooperar ou competir. • O grupo é o espaço privilegiado de aprendizagem. • O grupo é o espaço de humanização. Nesse sentido, os grupos de que o sujeito participa terão importante papel na constituição do eu, pois a vivência grupal permite, desde cedo, que a criança aprenda sobre suas regras e normas, bem como tome consciência de sua própria capacidade e de seus sentimentos. Galassa (2004) destaca os seguintes aspectos a respeito da importância do grupo para a constituição da pessoa. A seguir, veremos como Wallon explica as fases do desenvolvimento. 145PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 AS FASES DO DESENVOLVIMENTO desenvolvimento, para Wallon, é um processo descontínuo, pois apresenta oscilações tais como rupturas, conflitos, reviravoltas, antecipação de funções, regressões. Tais conflitos ou crises podem ser desencadeados por dois tipos de fontes: as endógenas (que estão no organismo do sujeito) e as exógenas (que estão no meio que o sujeito vive). Exemplo de fonte endógena é a ausência de certas possibilidades sensoriais e motoras que dependem da maturação nervosa. As fontes exógenas derivam sempre da ação do sujeito no meio exterior (WALLON, 1968, 1995). Apesar de funcionarem como molas propulsoras do desenvolvimento, se os conflitos permanecerem na forma de emoção pura, terão um efeito desintegrador. Para que isso não aconteça, é necessária a participação da inteligência na resolução deles. Podemos dizer que há três grandes princípios do desenvolvimento, segundo o teórico (1968): a predominância funcional; a alternância funcional; a integração funcional. Nesse momento, é bom lembrar que o comportamento emocional do ser humano surge diante da imperícia, ou seja, da incapacidade de solucionar de forma independente os seus problemas e necessidades. O FILOSOFIA146 O princípio da predominância funcional implica momentos ou estágios predominantemente afetivos e outros predominantemente cognitivos. Isso significa que as fases de domínio afetivo caracterizam-se pela construção da subjetividade, através da interação com o outro, sendo centrípetas – ou seja, orientadas do mundo exterior para o eu e permitindo o acúmulo de energia psíquica. As fases de domínio cognitivo caracterizam-se pela construção do objeto (realidade externa) e pelo dispêndio ou gasto da energia psíquica anteriormente acumulada. Por isso, foram chamadas de fases centrífugas – isto é, orientadas do eu para o mundo. O princípio da alternância funcional supõe que há formas de atividade que são predominantes em cada fase, as quais se alternam. Desse modo, cada fase do desenvolvimento porta nuanças nas atividades preferenciais do sujeito, que estão relacionadas aos recursos de que ele dispõe para interagir com o mundo exterior. Graças à alternância funcional, podemos dizer que ocorrem mudanças na orientação do “eu para o mundo” e “das pessoas para as coisas”. O princípio da integração funcional supõe que as funções mais evoluídas, adquiridas recentemente, não implicam o desaparecimento de funções anteriores, mas as controlam. Isso quer dizer que as funções elementares vão perdendo autonomia conforme são integradas às funções mais aptas. A integração funcional, contudo, não é definitiva. Seu processo é impulsionado por crises ou conflitos que são inerentes ao processo de desenvolvimento. FASE IDADE CARACTERÍSTICAS IMPULSIVO-EMOCIONAL até um ano de idade Predomínio da emoção, que dá um colorido especial às trocas que a criança realiza com seu meio, orientando suas relações com as outras pessoas e com sua ajuda, com o mundo. A criança depende totalmente das outras pessoas para sobreviver, estado esse que Wallon chama de imperícia (nada saber fazer por si). Ela está conhecendo seu próprio corpo e explorando seus movimentos. Cada movimento representa algo para ela. Você agora vai observar no quadro que se segue os estágios propostos por Wallon e que foram reorganizados por Galvão (1995, p.43-46). A autora coloca que, para Wallon, a pessoa se desenvolve progressivamente, através de fases onde há predominância ora afetiva, ora cognitiva, mas esses aspectos ocorrem sempre inter-relacionados. 147PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 SENSÓRIO-MOTOR E PROJETIVO até o terceiro ano A criança explora o mundo físico, manipulando objetos e explorando o espaço, tendo mais autonomia. É projetivo porque ela usa os gestos para expressar seus pensamentos e se comunicar (o ato mental projeta-se em ato motor). Aí existe o predomínio da cognição (inteligência prática e simbólica). Utilizando a linguagem, a criança faz descobertas; através da denominação dos objetos, tenta localizá-los e identificá-los. PERSONALISMO dos três aos seis anos Acontece a formação da personalidade e a consciência de si, que resulta das trocas que faz com outras pessoas,na diferenciação do eu outro. “[...] é pela expulsão do que há de alheio dentro de si que se fabrica o Eu”. (DANTAS, 1990, p.94). Aí aparece primeiro a oposição ao outro, quando busca se firmar contradizendo e confrontando as outras pessoas; surge então a sedução ou idade da graça, como chama Wallon. A criança quer ser admirada, apreciada pelos outros. Depois surge a imitação, pela qual ela cria personagens representando pessoas que admira, representando papéis para realizar isso. Nessa fase há o predomínio da afetividade sobre a cognição. CATEGORIAL dos seis aos onze anos Dá-se a consolidação da função simbólica e diferenciação da personalidade, iniciada no estágio anterior. A criança volta-se para o mundo, tentando conquistá-lo. Isso acontece junto com o processo de escolarização, quando as exigências da família e da escola fazem com que a criança desempenhe papéis variados. Nessa fase há o predomínio da cognição, e o desenvolvimento da inteligência infantil é enorme. PUBERDADE E ADOLESCÊNCIA dos onze aos dezesseis anos Ocorrem as modificações fisiológicas provocadas pelo amadurecimento sexual, bem como mudanças psicológicas, trazendo à tona questões pessoais, morais e existenciais. As transformações do corpo acentuam as diferenças entre os dois sexos, e é necessário que o esquema corporal seja reorganizado pelos jovens. Passa a ser afetivo o predomínio dessa fase. No processo de desenvolvimento a pessoa deverá, por meio de seu potencial intelectual, reconhecer um eu diferenciado e, ao mesmo tempo, integrado. FILOSOFIA148 Para Wallon (1975), em sua relação com o ambiente, a pessoa assume determinadas ações considerando os recursos funcionais que já construiu (suas competências motoras, cognitivas, sociais, linguísticas) como condições para a realização de seus objetivos. Cada estágio de desenvolvimento representa um sistema de comportamentos, realizando uma maneira específica e ótima de trocas com o meio, integrando, a cada momento, os comportamentos do indivíduo em um sistema unitário, dentro de um processo de equilíbrio funcional, no qual em cada estágio prepondera uma forma particular de comportamento sobre as demais. Wallon coloca ainda que: De etapa em etapa, a psicogênese da criança mostra, através da complexidade dos fatores e das funções, através da diversidade e da oposição das crises que a assinalam, uma espécie de unidade solidária, tanto em cada uma como entre todas elas. Em cada idade ela constitui um conjunto indissociável e original. Na sucessão de idades, ela é um único e mesmo ser em curso de metamorfoses. Feita de contradições e de conflitos, a sua unidade será por isso ainda mais suscetível de desenvolvimento e de novidades (WALLON, 1998, p. 214). 149PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS ocê pode constatar que Wallon (1975) vê o processo de socialização como o desenvolvimento progressivo da consciência do eu para a consciência social, pelas interações que existem entre as pessoas. Sua preocupação com a formação dos professores é evidente. Podemos dizer que foi muito marcante a estreita ligação que Wallon procurou manter entre Psicologia e Pedagogia, envolvendo-se com formação de professores e escolas, vindo a ter, inclusive, uma efetiva participação na política educacional francesa (DANTAS, 1983; WEREBE; NADEL-BRULFERT, 1986). Apresentamos a você uma síntese de tópicos que trazem implicações para a sua prática pedagógica, como professor. Preste atenção nestas contribuições de Wallon. A meta máxima da educação não é apenas o desenvolvimento intelectual, mas o desenvolvimento da pessoa total (afeto, inteligência e motricidade). • Compreensão dos significados das condutas dos alunos através da fala, ações, posturas, jeito de caminhar, gestos, expressões faciais. V FILOSOFIA150 • Valorização dos conteúdos de ensino para que os alunos tenham maior domínio e diferenciação dos sistemas de significação. • Valorização da aprendizagem linguística como auxiliar no progresso do pensamento. • Valorização da dimensão estética e da expressividade do sujeito em termos de estados internos e vivências subjetivas. • Compreensão de que é importante que a escola ofereça oportunidades de os alunos se expressarem e valorize currículos que integram ciência e arte. • Compreensão de que há necessidade de planejar o ambiente escolar, não só em termos de conteúdos e temas de ensino, mas também no que diz respeito ao espaço escolar, mobiliário, objetos, organização do tempo, interações sociais que a escola oferece, bem como a participação do aluno em grupos variados. • Reflexões e análises sobre situações de conflitos na prática pedagógica como, por exemplo, as dinâmicas envolvendo professor e alunos (irritação, raiva, antagonismos, medos). • Necessidade de o professor avaliar e compreender suas próprias motivações e reações, aprendendo a analisar intelectualmente a atmosfera emocional das classes. Finalmente, podemos dizer que Wallon propõe que cada educador procure conhecer seus alunos, tente saber em que etapas do desenvolvimento se encontram para, a partir daí, auxiliá-los a se desenvolver, adequando as atividades escolares às suas necessidades e possibilidades. O processo de mediação através de signos possibilitou ao homem controlar e dominar o seu próprio comportamento, tornando a atividade psicológica muito mais sofisticada, pois os sinais exteriores forneceram um suporte concreto para sua relação com o mundo. 151PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 5 DANTAS, Heloysa. A infância da razão: uma introdução à psicologia da inteligência de Henri Wallon. São Paulo: Manole, 1990. GALVÃO, Izabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento. ALMEIDA, Laurinda Ramalho. Ser professor: um diálogo com Henri Wallon. In: MAHONEY, Abigail A. e ALMEIDA, Laurinda Ramalho. A constituição da pessoa na proposta de Henri Wallon. São Paulo: Loyola, 2004. p.119-140. SíNTESE Nesta unidade, você estudou as ideias de Wallon a respeito do desenvolvimento humano. Constatou que ele fez sua análise adotando a perspectiva filosófica dialética, fundada no materialismo histórico de Marx. Para Wallon, cada atividade da criança resulta da integração do cognitivo com o afetivo e o motor. No processo de desenvolvimento da pessoa, ele considera que os fatores orgânicos são mais determinantes no início do desenvolvimento, cedendo, depois, lugar aos fatores sociais. São estágios propostos por ele: Impulsivo-emocional; o Sensório- motor e Projetivo; Personalismo; Categorial; o da Puberdade e Ado- lescência. Wallon apresenta como princípios do desenvolvimento: a predominância funcional, a alternância funcional e a integração funcional. Ainda propõe que cada educador procure considerar a pessoa do aluno, para auxiliá-lo a se desenvolver, adequando as atividades escolares às suas necessidades e possibilidades. Destaque duas ideias de Wallon que possam ajudar sua prática pedagógica. FILOSOFIA152 Lembre-se do que Wallon afirmava e coloque V para as alternativas verdadeiras e F para as falsas: ( ) A personalidade da pessoa e a sua consciência surgem e se desenvolvem dentro de um contexto social, pela e na vida social. ( ) Considera Wallon que a cultura, a linguagem e o conhecimento não são decisivos na aquisição de condutas psicológicas superiores. ( ) Para Wallon, a pessoa sofre influências do aspecto biológico e de seu contexto histórico e social. ( ) Wallon propõe que cada educador procure conhecer a criança, procure saber em que etapa do desenvolvimento ela seencontra, para, assim, auxiliá-la a se desenvolver. Numere a segunda coluna de acordo com a primeira, identificando o que acontece em cada fase: (1) Impulsivo-emocional (2) Sensório-motor e projetivo (3) Categorial (4) Puberdade e Adolescência ( ) A criança explora o mundo físico, manipulando objetos e explorando espaço ( ) A criança depende totalmente das outras pessoas para sobreviver ( ) Nela ocorrem as modificações fisiológicas provocadas pelo amadurecimento sexual. ( ) A criança volta-se para o mundo tentando conquistá-lo. UNIDADE OBJETIVOS DESTA UNIDADE: Reconhecer que todas as pessoas têm condições de aprender e de se desenvolver, e que são as diferenças entre elas que possibilitam que isso aconteça; Analisar as ideias de Piaget e Vygotsky acerca da inclusão; Refletir sobre seu papel como educador frente ao aluno com necessidades especiais. 6 ROTEIRO DE ESTUDOS • O que é inclusão? • Diferenças: o desafio nas escolas. • As ideias de Piaget e de Vygotsky a respeito das pessoas com necessidades especiais. A INCLUSÃO NAS ESCOLAS E O PAPEL DA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO FILOSOFIA154 PARA INíCIO DE CONVERSA Nas unidades anteriores, estudamos os principais quadros teóricos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem, e procuramos estabelecer relações entre as teorias e a prática pedagógica. No entanto, sempre que discutimos o desenvolvimento e a aprendizagem humana, é necessário que procuremos entender que as pessoas que apresentam necessidades especiais se desenvolvem biológica, psicológica e socialmente como qualquer outra pessoa. Devemos compreender que elas têm sentimentos, que podem estar alegres ou tristes, que agem sobre os objetos porque são ativas, que pensam, imaginam e podem se expressar. Sabemos também que inúmeros documentos asseguram a todo cidadão o direito legítimo de poder se desenvolver e aprender. Nesta unidade, que se subdivide em três seções, trataremos do tema Inclusão. Na Seção 1, estabelecemos algumas discussões preliminares sobre o tema da inclusão, trazendo seu conceito e um pouco da história dos movimentos da sociedade em relação às pessoas com necessidades especiais. Na Seção 2, procuramos mostrar o papel da escola e da comunidade neste processo de educação voltado para auxiliar essas pessoas a construirem seu conhecimento, apesar de suas limitações. A Seção 3 traz as ideias de Piaget e de Vygotsky sobre as diferenças, no que diz respeito às possibilidades de todas as pessoas, inclusive as com necessidades especiais, de serem educadas, se desenvolverem e participarem da vida da comunidade. Mais uma vez, esperamos que você, que será um professor, faça sua leitura ser proveitosa e que seus estudos feitos até aqui iluminem as suas reflexões e as suas ações pedagógicas. Esperamos que você acredite que todas as pessoas podem se desenvolver e mudar, desde que sejam respeitadas e estimuladas. 155PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 O qUE é INCLUSÃO? Conceitua-se inclusão social como processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em seus sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis na sociedade (SASSAKI, 1997, p.41). omeçamos explicando o que é inclusão, como surgiu essa ideia e o que se pretende alcançar através dela. A semente da inclusão foi plantada em 1981, em Singapura, de acordo com Sassaki (1997), por meio de uma organização não-governamental de pessoas deficientes físicas, que elaborou uma declaração de princípios, em que definiu a ideia de equiparação de oportunidades. Seu nome é “Disabled People’s International” (DPI). Esta organização proclamava, também, a necessidade de que todos os sistemas gerais da vida na sociedade, tais como: habitação, transporte, serviços sociais e de saúde, meio físico, as oportunidades de educação e trabalho, as esportivas e de Incluir não é favor, mas troca. Quem sai ganhando nessa troca? Todos em igual medida. Conviver com as diferenças humanas é direito do pequeno cidadão, deficiente ou não. Juntos construirão um país diferente (WERNECK, 1997, p.65). C FILOSOFIA156 recreação, devessem ser acessíveis a todos. Almejando uma qualidade de vida semelhante para todas as pessoas, explicava- se que deveriam ser removidas as barreiras que impossibilitavam a plena participação das pessoas com necessidades especiais em todas essas áreas. Sendo assim, vemos que a ideia de inclusão exige que a sociedade se modifique para dar conta de todas as pessoas que nela existem, de forma adequada, possibilitando seu desenvolvimento. Pupo Filho (2003, p.3) explica que: Atualmente uma nova forma de relacionamento da sociedade com as pessoas deficientes está ganhando força. É a inclusão, uma verdadeira revolução pacífica que transforma o deficiente em cidadão. A partir dela, cabe à sociedade abrir espaços, criar alternativas para que qualquer pessoa, com qualquer deficiência, possa conviver com os demais nos mesmos locais e atividades das pessoas de sua idade, respeitada em suas limitações. Em abril de 1993, essa instituição organizou uma constituição reafirmando as ideias e princípios que foram estabelecidos em 1981, e em seu Art.1, Inciso 2, dispõe que: A finalidade da Disabled People’s International é obter a justiça com a igualação das oportunidades para todos os povos com inabilidades através do desenvolvimento da sustentação de suas organizações (DPI, 1993, p. 2). Tomando conhecimento desses princípios, não podemos ficar indiferentes, pois eles são fundamentais na construção de uma sociedade democrática, na qual devem existir cooperação e fraternidade, um lugar para todas as pessoas, em que sejam dadas oportunidades de conviver e de viver em igualdade de condições com os demais. Em 1990, aconteceu a Conferência Mundial sobre Educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, realizada de 05 a 09 de março, na cidade de Jontiem, na Tailândia, iniciando um amplo movimento mundial para a concretização desse direito. O movimento de inclusão social começou incipiente na segunda metade dos anos 80 nos países mais desenvolvidos, tomou impulso na década de 90 também em países em desenvolvimento e vai se desenvolver fortemente nos primeiros dez anos do século 21 envolvendo todos os países. Este movimento tem por objetivo a construção de uma sociedade realmente para todas as pessoas, sob a inspiração dos seguintes princípios, dentre os quais se destacam: celebração das diferenças; direito de pertencer; valorização da diversidade humana; solidariedade humanitária; igual importância das minorias; cidadania com qualidade de vida (SASSAKI, 1997, p.17). 157PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres, homens, de todas as idades, no mundo inteiro; Entendendo que a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação internacional; Sabendo que a educação, embora não seja suficiente, é de importância fundamental para o progresso pessoal e social; Reconhecendo que o conhecimento tradicional e o patrimônio cultural têm utilidade e valor próprios, assim como a capacidade de definir e promover o desenvolvimento; Admitindo que, em termos gerais, a educação que hoje é ministrada apresenta graves deficiências, que se faz necessário torná-la mais relevantee melhorar sua qualidade, e que ela deve estar universalmente disponível; Reconhecendo que uma educação básica adequada é fundamental para fortalecer os níveis superiores de educação e de ensino, a formação científica e tecnológica e, por conseguinte, para alcançar um desenvolvimento autônomo; Reconhecendo a necessidade de proporcionar às gerações presentes e futuras uma visão abrangente de educação básica e um renovado compromisso, a favor dela, para enfrentar a amplitude e a complexidade do desafio, proclamamos a seguinte: Declaração Mundial sobre Educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem (DECLARAÇÃO MUNDIAL, 1990, p.1-2). Desta declaração podemos retirar inúmeras ideias sobre como todas as pessoas devem ter acesso a uma educação de qualidade, que lhes permita usufruir de todos os direitos como pessoa e cidadão. Mais tarde, na Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, que aconteceu de 7 a 10 de junho de 1994, na cidade de Salamanca, na Espanha, com o patrocínio da UNESCO e do governo espanhol, foi elaborado um documento FILOSOFIA158 onde estão colocadas as bases da inclusão. Neste evento, estavam presentes mais de 300 participantes que representavam 92 países e 25 organizações internacionais (CORDE, 1994). Este documento, cujo título completo é Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre Necessidades Educativas Especiais, reafirma o compromisso das nações com a “Educação para todos” e reconhece a urgência de se garantir uma educação de qualidade para as pessoas com necessidades especiais, não importando se são crianças, jovens ou adultos. Dele resultaram normas que deverão ser cumpridas pelos estabelecimentos de ensino para que esses direitos sejam garantidos a todos. As ideias que nele constam o tornaram um dos textos mais completos sobre a inclusão no sistema educacional e se referem não somente às pessoas deficientes, mas a todos que tenham necessidades educativas especiais, em caráter temporário ou permanente. Esse documento mostra a urgência de ações que venham transformar em realidade uma educação que seja capaz de reconhecer as diferenças, de promover a aprendizagem e atender às necessidades individualmente e de conclamar as escolas para se ajustarem às necessidades dos alunos, quaisquer que sejam (CORDE, 1994).Leia e conheça na íntegra a Declaração de Salamanca: http://www.dhnet.org. br/direitos/sip/onu/ deficiente/lex63.htm Esse documento reafirma o compromisso de “Educação para todos”. Aborda os princípios, a política e a prática que devem nortear a inclusão de crianças, jovens e adultos com necessidades especiais, no sistema regular de ensino. 159PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 DIFERENÇAS: o desafio nas escolas e acordo com a Declaração de Salamanca: [...] as escolas devem acolher todas as crianças com suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Devem acolher crianças com deficiências e crianças bem dotadas, crianças que vivem nas ruas e que trabalham, crianças de populações distantes ou nômades, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavorecidas ou marginalizadas (CORDE, 1994, p.17-18). Compreendemos que a sociedade precisa estabelecer políticas escolares, tanto públicas como particulares, que reconheçam e considerem a diversidade. É preciso que subsidiem a elaboração de propostas pedagógicas inclusivas e, também, que cuidem da organização e implementação de programas de formação continuada para professores e educadores, nos quais exista um espaço para a reflexão sobre a prática educativa inclusiva. Entendemos que é dessa maneira que se dará a efetivação do processo de ensino D FILOSOFIA160 e aprendizagem dentro do contexto escolar, e que poderão ser atendidas as especificidades e as necessidades de todos os alunos. A Declaração de Salamanca explicita, também, a flexibilidade que deve existir nos programas de estudos e nas opções curriculares das escolas, para se adaptarem às necessidades da criança, suas capacidades e interesses. A aquisição de conhecimentos não é apenas uma simples questão de instrução formal e retórica. O conteúdo do ensino deve atender às necessidades dos indivíduos a fim de poderem participar plenamente no desenvolvimento. A instrução deve ser relacionada com a própria experiência dos alunos e com seus interesses concretos, para que assim se sintam mais motivados (CORDE, 1994, p.34) . Compreendemos que as escolas devem adequar o currículo para atenderem as necessidades de toda sua clientela, bem como a preparação dos professores deve ser levada em conta. Sendo assim, acreditamos que o processo inclusivo traz em seu bojo a ideia de que, para que se concretize a inclusão, devemos possibilitar ao professor uma preparação apropriada para isso, bem como garantir que seu desenvolvimento profissional seja contínuo, isto é, abranja toda sua vida (MITTLER, 2003). Acreditamos que essa mudança deve ser iniciada na vida familiar, mas que a escola não pode deixar de lado essa incumbência, cumprindo seu papel, que é o de educar todas as pessoas. Concordamos com Gomez (1998, p.26) quando afirma: É preciso transformar a vida da aula e da escola, de modo que se possam vivenciar práticas sociais e intercâmbios acadêmicos que induzam à solidariedade, à colaboração, à experimentação compartilhada, assim como a outro tipo de relações com o conhecimento e a cultura que estimulem a busca, a comparação, a crítica, a iniciativa e a criação. Podemos até afirmar que a inclusão exige de toda comunidade escolar uma tomada de consciência de seu papel no processo [...] uma coisa é clara: as escolas e o sistema educacional não funcionam de modo isolado. O que acontece na escola é reflexo da sociedade em que elas funcionam. Os valores, as crenças e as prioridades da sociedade permearão a vida e o trabalho nas escolas [...]” MITTLER, 2003, p.24). 161PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 de inclusão. Pois será exigida uma reorganização radical nas escolas, tanto com a adequação do espaço escolar às diversas especificidades de cada pessoa com necessidades especiais que deverá acolher, como em termos de elaboração e organização curricular, com a promoção de novas formas de agrupamentos dos alunos e a dinamização de práticas educativas. Mantoan (2008, p.61) explica: [...] que uma escola se distingue por um ensino de qualidade, capaz de formar pessoas nos padrões requeridos por uma sociedade mais evoluída e humanitária, quando consegue aproximar os alunos entre si, tratar as disciplinas como meios de conhecer melhor o mundo e as pessoas que nos rodeiam e ter como parceiras as famílias e a comunidade na elaboração e cumprimento do projeto escolar. Ainda, no que diz respeito às modificações que devem acontecer no processo educacional, encontramos em Mittler (2003, p.25), que: No campo da educação, a inclusão envolve um processo de reforma e de reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de assegurar que todos os alunos possam ter acesso a todas as gamas de oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola. Isto inclui o currículo corrente, a avaliação, os registros e os relatórios e aquisições acadêmicas dos alunos, as decisões que estão sendo tomadas sobre o agrupamento dos alunos nas escolas ou nas salas de aula, a pedagogia, e as práticas de sala de aula, bem como as oportunidades de esporte, lazer, recreação. Verificamos que, para atender a esta proposta, a escola inclusiva deverá implementar um estilo diferente de ensino,bem como desenvolver ações educativas próprias que tenham como objetivo central garantir a todas as pessoas o acesso a uma educação de qualidade. O objetivo é comum, promover a transformação da realidade servindo-se do conhecimento disponível, e através dele garantir as mudanças necessárias para que isso seja concretizado. FILOSOFIA162 Entendemos que educar é uma via de duas mãos, ou seja, ela acontece na interação do sujeito com o objeto do conhecimento, com outros sujeitos e com o meio. Portanto, as influências das transformações e modificações devem acontecer em todas estas instâncias. Assim, quando deparamos com um sistema educacional cristalizado, inflexível às mudanças, percebemos visivelmente que as possibilidades de fracasso e exclusão do aluno na escola são maiores. É preciso ressaltar que não cabe à escola apenas ensinar, é necessário que ela viabilize novas estratégias, procedimentos e, sobretudo, práticas pedagógicas que possibilitem a aprendizagem de todos os seus alunos (MENDONÇA e MORO, 2006, p. 23). Ainda, em relação às mudanças que devem ocorrer no campo educacional e nas políticas das nações para que isto aconteça, alguns teóricos posicionam-se de maneira não muito otimista explicando que isso é muito difícil de ser realizado. Mantoan (2003, apud Mittler, 2003, p.xi), referindo-se à questão, diz: Sem entender toda a extensão e a profundidade das transformações dos contextos educacionais e sociais, as políticas educacionais e os sistemas de ensino não conseguirão enfrentar os problemas criados pela adoção da inclusão escolar em suas interconexões, nem darão conta das soluções a serem criadas para atender às exigências dessa inovação na nossa escola brasileira e em escolas de outros países, as quais têm o mesmo objetivo a alcançar. Constatamos que a adequação das ideias inclusivas no contexto da educação comum é um trabalho que ainda não se concretizou. O que se pretende fazer está posto, mas sua concretização é que está demorando a ocorrer. Além disso, precisamos lembrar que o ensino e a educação estão interligados, e que a pessoa necessita tanto de um quanto do outro, para poder se desenvolver plenamente. Ao construirmos uma sociedade inclusiva, estaremos realizando a vinculação da educação ao ensino e possibilitando o desenvolvimento de todas as pessoas. [...] as escolas de qualidade são espaços educativos de construção de personalidades humanas, autônomas, críticas, nos quais as crianças aprendem a ser pessoas. Nesses ambientes educativos ensina-se os alunos a valorizar a diferença, pela convivência com seus pares, pelo exemplo dos professores, pelo ensino ministrado nas salas de aula, pelo clima socioafetivo das relações estabelecidas em comunidade escolar – sem tensões, competição de forma solidária e participativa. Escolas assim concebidas não excluem nenhum aluno de suas classes, de seus programas, de suas aulas, das atividades e do convívio escolar mais amplo. São contextos educacionais em que todos os alunos têm possibilidade de aprender, frequentando uma mesma e única turma (MANTOAN, 2008, p. 61). Procure ler: MANTOAN, Maria Teresa Égler (Org.). O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis: Vozes, 2008. 163PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 De acordo com O’Brien e O’ Brien (1999, p.64): A educação afasta as crianças e os adultos das rotinas confortáveis levando-os em direção aos prazeres de extrair lições da experiência humana no enfrentamento da realidade da vida. A educação acontece no contato com os outros, e as potencialidades e as falibilidades das pessoas moldam a extensão e a textura de cada um de nós. O ensino oferece mais recursos para a educação na medida em que adultos e alunos colaboram para construir uma comunidade consciente, que sustente o trabalho da escola [...] Os alunos com deficiências importantes e seus pais podem liberar a criatividade de uma comunidade escolar. Para isso é necessário coragem para renegociar limites, relacionamentos e estruturas familiares [...]. No Brasil, o conceito e a prática da inclusão são recentes, e essa tendência está se tornando a maior preocupação relacionada à formação dos profissionais da educação, tanto dos que exercem suas funções no ensino regular comum como daqueles que atuam no ensino especial. Segundo Godofredo (1999), estamos vivendo um momento crucial, pois precisamos formar professores para atuar com as pessoas que serão inclusas. Inclusão, numa sociedade de excluídos, passa a ser palavra- chave para se alcançar a verdadeira democracia. A cidadania se estabelece pela igualdade dos direitos e deveres e pela oportunidade de poder exercê-los plenamente. Vamos discutir a inclusão do ponto de vista educacional, embora este movimento seja muito mais amplo, norteando, também, todas as ações que emanam dos direitos sociais, políticos e civis. Nossa preocupação é com relação aos portadores de deficiência, porque fazem parte das chamadas minorias excluídas, como os negros, pobres e miseráveis, analfabetos e desempregados. Precisamos, então, atender à premente necessidade de uma “educação para todos”. Diante do paradigma da inclusão precisamos pensar na educação dos portadores de deficiência, desde a educação infantil até a superior (GODOFREDO, 1999, p. 67). FILOSOFIA164 Você já pensou a esse respeito? Ao mesmo tempo que se propõe essa interação entre as pessoas, proporcionando que cada uma desenvolva ao máximo suas potencialidades, estaremos admitindo que todas devem ter direitos iguais e, como Sassaki (1997) explica, a inclusão é o início da construção de uma sociedade para todos, onde as pessoas possam usufruir, no convívio com as outras, o direito a uma vida de qualidade e a aspiração à felicidade. O deficiente é uma pessoa com direitos. Existe, sente, pensa e cria. Tem uma limitação corporal ou mental que pode afetar aspectos do comportamento, aspectos esses muitas vezes atípicos, uns fortes e adaptativos, outros fracos e poucos funcionais, que lhe dão um “perfil intraindividual” peculiar. Possui igualmente discrepâncias no desenvolvimento biopsicossocial, ao mesmo tempo que aspira a uma relação de verdade e de autenticidade e não a uma relação de coexistência conformista e irresponsável (FONSECA, 1987, p.11, grifo do autor). Como você pode ver, para o autor, a pessoa, mesmo possuindo alguma limitação, espera ser tratada de forma igual aos demais membros da sociedade, de maneira justa, tendo um relacionamento autêntico com os outros, sendo tratada como alguém que é capaz. Esse reconhecimento é um direito que, muitas vezes, lhe é negado. A sociedade precisa mudar seus conceitos para que isso aconteça, e essa mudança só acontecerá quando o valor de cada pessoa for reconhecido pelo grupo social. 165PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 AS IDEIAS DE PIAGET E DE VyGOTSky A RESPEITO DAS PESSOAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS s autores interacionistas que estudamos nas seções anteriores – Piaget e Vygotsky - reconhecem esse direito e acreditam que todas as pessoas, inclusive aquelas que têm necessidades especiais, podem ser educadas, desenvolver suas potencialidades e conviver em igualdade de condições na sociedade, desde que lhes seja dada essa oportunidade. A seguir, estudaremos as ideias desses dois teóricos, para ver como se posicionam a respeito da educação e do desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais. A contribuição piagetiana está relacionada à área das pessoas com déficit mental; para o autor, se lhes forem dadas condições favoráveis, se elas forem estimuladas a se adequarem à realidade, corresponderão ao que delas se espera. SegundoMantoan (1997, p.34-35, grifo da autora): O impacto das novas concepções de apoio a pessoas com déficit mental tem propiciado a concretização de projetos que condizem com a interpretação de Piaget, em 1943, ao prefaciar um estudo de Inhelder sobre o raciocínio dos débeis mentais, e, segundo a qual, a deficiência intelectual seria análoga a uma “construção mental inacabada”. O FILOSOFIA166 Pesquisas piagetianas na área da deficiência mental confirmam a identidade estrutural do desenvolvimento intelectual de normais e deficientes mentais e sugerem o estudo de condições mais favoráveis de se estimular os deficientes a aplicarem seus conhecimentos, com vista a uma adaptação crescente à realidade. Referindo-se à utilidade do diagnóstico, Piaget (1971 apud AJURIAGUERRA, 1987, p.135) explica que: [...] não se limita à constatação do êxito ou do fracasso em uma determinada prova, mas também possibilita analisar a atividade manifestada pelo sujeito e que está em relação com suas aquisições anteriores, com sua capacidade de integrar o novo ao já adquirido. O autor ainda enfatiza que “[...] Dessa maneira é possível obter- se um quadro que não evidencia o déficit, mas também um quadro positivo do funcionamento, de suas possibilidades de adaptação e de utilização de ajudas externas”. (PIAGET, 1971 apud AJURIAGUERRA, 1987, p.135). A autora, ainda, explica que os estudos piagetianos fundamentaram propostas inovadoras e arrojadas para o ensino das pessoas com déficit mental. A ideia que difundem é a seguinte: A questão não é mais saber se os alunos deficientes mentais necessitam de programas e serviços educacionais especiais, diferentes, mas se a classificação e destinação dessas pessoas a um sistema escolar específico trazem benefícios ao desenvolvimento de sua escolarização (MANTOAN, 1997, p.35). Isto significa que, para Piaget, são as escolas que devem se adequar aos alunos inclusos, oferecendo reais oportunidades para que essas pessoas possam se desenvolver e viver bem. Veja o que Mantoan diz: O fim último da educação inclusiva é a conquista da autonomia moral e intelectual das pessoas com deficiência. [..] a valorização dos papéis sociais foi acrescentada a esse fim, mas pressupondo a igualdade de valor entre as pessoas e não apenas a mera oportunidade de participação desses sujeitos no meio produtivo geral. Em consequência dos fins educacionais propostos, o desenvolvimento das habilidades, talentos pessoais, papéis sociais, conforme a cultura, a idade, o gênero dos deficientes mentais, passou a ser enfatizado em todos os serviços de apoio mais atualizados, inclusive os escolares (1997, p.35). 167PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 Como vemos, é competência das escolas e do processo educativo propiciar condições para que essas pessoas possam, no convívio com as demais, conquistar sua autonomia, tanto intelectual, como social e moral. Vygotsky é o outro autor que estudamos e que, também, se preocupava com a educação e o desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais. Em sua biografia, apresentada por Oliveira (1993), como um capítulo de seu livro chamado “História pessoal e história intelectual”, e no de Rego (1995) como “A vida breve e intensa de Vygotsky”, encontramos várias referências de seus trabalhos publicados sobre as pessoas surdas, cegas, com deficiências múltiplas, entre outras, que evidenciam sua preocupação com essas pessoas. Ainda, em sua biografia, consta que Vygotsky em 1925 fundou um Laboratório de Psicologia para crianças com necessidades especiais (para ele, deficientes). Esse laboratório é que deu origem ao Instituto Experimental de Defectologia, do qual Vygotsky foi diretor de 1931 a 1934. Nesse Instituto, ele fez pesquisas, ensinou e organizou programas para as crianças com necessidades especiais. Trabalhou com crianças que tinham déficit mental, com as cegas, surdas, cegas-surdas, crianças difíceis. Percebemos que as ideias de Vygotsky eram bem avançadas para sua época, visto que ele morreu em 1934. Acreditava que os professores, pais e psicólogos deveriam procurar trabalhar com os pontos fortes e com as potencialidades das pessoas, estimulando-as para que seu desenvolvimento se processasse. Para ele, quem fosse estudar ou trabalhar com essas crianças deveria levar em conta os seguintes pontos: o grau de dificuldade apresentado pela criança, a maneira como utiliza os instrumentos culturais e psicológicos e o modo de uso de suas funções psicológicas. Isto porque os educadores precisam ter em mente que devem estar sempre buscando caminhos alternativos para possibilitar o desenvolvimento dessas pessoas. Quando acontecer que, ao executarem as atividades, não consigam alcançar os objetivos, elas devem ser estimuladas e motivadas para tentar de outra forma o alcance dos objetivos que foram propostos (Vygotski, 1989). A palavra Defectologia foi utilizada por Vygotsky para denominar a ciência que trata do estudo qualitativo do processo de desenvolvimento das crianças com necessidades especiais, bem como dos objetivos, métodos e teorias que norteiam os trabalhos realizados nas escolas especiais soviéticas. FILOSOFIA168 O autor entende que a pessoa deficiente tem possibilidade de se desenvolver, desde que esteja dentro de um contexto social, e por isso é que afirma que cabe ao grupo social descobrir suas potencialidades, enxergar o que essa pessoa poderá vir a ser, oferecer os estímulos adequados para ela desenvolver suas funções psicológicas e, ao mesmo tempo, propiciar que lhe sejam dadas condições para que isso aconteça. “A sociedade é a fonte do desenvolvimento dessas funções e, em particular, da criança com atraso mental” (VYGOTSKI, 1989, p.109, tradução nossa). Vygotsky visualizou o desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais procurando enxergar apenas os aspectos qualitativos de suas diversidades, das potencialidades, de seu relacionamento social. Ele tenta ver os aspectos favoráveis de seu desenvolvimento, acreditando que podem se desenvolver de outra maneira. Ele explica que todas as crianças podem atingir a plenitude de seu desenvolvimento, e que aquelas que têm necessidades especiais farão isso através do que chama de “rotas alternativas”, que lhes darão energia para realizar isso. Ele explica também que os princípios do desenvolvimento são os mesmos para todas as pessoas, e que são as limitações que servem de impulso, de motivação, para a busca desses caminhos alternativos (VYGOTSKI, 1989). Podemos entender que, para ele, a pessoa com necessidades especiais, ao encontrar situações que a estimulem, pode interagir, relacionar-se e, até mesmo, competir com as outras pessoas utilizando outros recursos que sua capacidade de adaptação e reorganização lhe proporcionam, quando lhe são dadas condições de igualdade. [...] Luria ressalta que, diferentemente de muitos pesquisadores que estudavam a criança deficiente, Vygotsky concentrou sua atenção nas habilidades que tais crianças possuíam, habilidades que poderiam formar a base para o desenvolvimento de suas capacidades integrais. Assim, interessava-se mais por suas forças 169PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 do que por suas faltas, e rejeitava as descrições simplesmente qualitativas, em termos de traços psicológicos, refletidos nos testes psicológicos, porque estes instrumentos apenas indicavam uma visão incompleta ou unidimensional sobre a criança. Preferia, então, confiar nas descrições qualitativas da organização de seus comportamentos (MONTEIRO, 1998, p.74). As práticas educativas que estavam sendo utilizadas para o ensino nas instituições que atendiam crianças com necessidadesespeciais eram motivo de preocupação e de pesquisa para Vygotsky. Ele acreditava que a aprendizagem tinha um papel relevante no processo de desenvolvimento das pessoas e, por essa razão, dedicou-se ao estudo e à pesquisa dessa área com grande entusiasmo, procurando dar subsídios para os educadores, psicólogos e qualquer pessoa que quisesse trabalhar e conviver com as pessoas portadoras de necessidades especiais. Compreendemos que, para ele, os educadores precisavam sempre estar preocupados com o que esses alunos poderiam realizar, com as suas conquistas futuras, seu processo de desenvolvimento, com o desabrochar de suas potencialidades, com aquilo que poderiam vir a realizar. Assim, como se pode ver, ele dava um valor muito grande às relações entre as pessoas e ao papel da sociedade no desenvolvimento de todas elas. O papel da escola e da aprendizagem no desenvolvimento da criança é para Vygotsky fundamental, pois afirma que é o aprendizado que irá possibilitar o despertar dos processos internos do desenvolvimento, e que é competência dos grupos sociais providenciar para que isso aconteça. Aprendizado ou aprendizagem – é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, atitudes, valores etc., a partir de seu contato com a realidade, o meio ambiente e as outras pessoas. [...] em Vygotsky, justamente por sua ênfase nos processos sócio-históricos, a ideia de aprendizado inclui a interdependência dos indivíduos envolvidos no processo (OLIVEIRA, 1993, p. 57). FILOSOFIA170 O aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar, e é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento, determinando o destino de seu desenvolvimento mental (VYGOTSKY, 1987, p.74). As ideias de Vygotsky, para o trabalho educativo, que era realizado com as pessoas com necessidades especiais, são consideradas revolucionárias, pois para ele não é o defeito que irá decidir a vida da pessoa, o que pode determinar isso, mas sim como ele é visto pela sociedade. Diz: [...] o defeito por si só não decide o destino da pessoa, mas as consequências sociais e sua realização sociopsicológica. [...] para o psicólogo se faz indispensável a compreensão de cada ato psicológico, não só em relação ao passado, mas também com o futuro da pessoa (Vygotski, 1989, p.29, tradução nossa). Uma das grandes preocupações de Vygotsky foi a da segregação das crianças com necessidades especiais dentro de instituições e separadas do mundo real. Ele questionou: “Como pode progredir o desenvolvimento se a criança é segregada do mundo?” (Frase retirada do vídeo: As borboletas de Zagorski). Vemos então que Vygotsky era favorável ao processo de inclusão, supondo que todas as pessoas, não importando as diferenças, devem conviver realizando trocas, uma possibilitando o desenvolvimento da outra. Por intermédio de suas ideias podemos, portanto, alimentar a esperança da participação de todas as pessoas num mesmo contexto social, com as escolas sendo organizadas e estruturadas para esse fim. É um grande desafio, mas devemos nos mobilizar para isso, pois assim essa realidade poderá se concretizar. veJa o docuMentário intitulado “As borboletAs de ZAgorski”, série “os transforMadores”, da tv cultura de são paulo. 171PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 MANTOAN, Maria Teresa Égler. Inclusão Escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006. MANTOAN, Maria Teresa Égler (Org.). O desafio das diferenças nas escolas. Petrópolis: Vozes, 2008. MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos et al. (Orgs.). INCLUSÃO: compartilhando saberes. Petrópolis: Vozes, 2006. STAINBACK, Susan e STAINBACK, William. INCLUSÃO: um guia para educadores. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. Caro cursista, agora que você já leu esta unidade, releia-a com atenção e faça as atividades propostas: Posicione-se quanto ao que você entendeu sobre o processo de inclusão social. Todas as pessoas devem ser sujeitos e promotores de seu desenvolvimento porque todas têm valor. Como você, futuro educador, poderá auxiliar a concretizar isso? Destaque três ideias de cada um dos seguintes documentos: Declaração Mundial e Declaração de Salamanca, e diga por que escolheu estas ideias. FILOSOFIA172 Explique o que entendeu das ideias defendidas por Piaget sobre pessoas deficientes. Explique qual deve ser o papel da escola no processo de desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais, segundo Vygotsky. SíNTESE Você estudou nesta unidade que a inclusão é um processo pelo qual a sociedade se adapta para inserir, dentro de seus sistemas, as pes- soas com necessidades especiais. Todos os sistemas sociais, de habitação, transporte, serviços, saúde, recreação, educação, entre outros, devem trabalhar intensamente para que sejam removidas as barreiras que impedem as pessoas com necessidades especiais de participarem plenamente da vida cidadã. Em 1990, aconteceu a Conferência Mundial sobre Educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem, realizada de 05 a 09 de março, na cidade de Jontiem, na Tailândia, iniciando um amplo movimento mundial para concretização desse direito. A Declaração de Salamanca (1994) enfatiza que todas as crianças devem ser acolhidas pela escola, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou linguísticas. Como no Brasil, a ideia e a prática da educação inclusiva é recente, é importante que a formação dos professores abrace este desafio, preparando-se para realizá-lo com qualidade. As contribuições de Piaget e de Vygotsky sobre as possibilidades das pessoas com necessidades especiais vêm ao encontro da inclusão. A pesquisa 4 5 173PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 6 piagetiana vem mostrando que a deficiência mental é semelhante a uma construção inacabada, sendo importante que as escolas ofereçam condições estimuladoras, que levem a criança com déficit mental à conquista da autonomia. Vygotsky, em sua época, já trabalhava com crianças com necessidades especiais, entendendo que todas elas tinham possibilidades de aprender e se desenvolver, desde que não ficassem isoladas do convívio social. Quem aceita o processo de inclusão também acredita que todas as pessoas com deficiência têm possibilidade de se desenvolver no convívio com as outras pessoas. A escola inclusiva deve não só acolher todas essas pessoas, mas dar-lhes oportunidade de ter uma educação verdadeiramente de qualidade. Destaque quais são as pessoas consideradas portadoras de necessidades especiais. Explique o que entendeu a respeito das escolas de qualidade propostas por Mantoan. Nesta atividade de verdadeiro (V) ou falso (F), você pode avaliar a sua compreensão sobre as ideias de Piaget e de Vygotsky acerca do desenvolvimento das pessoas com necessidades especiais: ( ) A contribuição de Piaget está relacionada à área das pessoas com déficit mental: acredita que se forem dadas condições favoráveis a tais pessoas, se elas forem estimuladas a se adequarem à realidade, corresponderão ao que delas se espera. ( ) Para Piaget, são as escolas que devem se adequar aos alunos inclusos, oferecendo reais oportunidades para que eles possam se desenvolver e viver bem. FILOSOFIA174 ( ) A questão, segundo Piaget, é saber se os alunos deficientes mentais necessitam de programas e serviços educacionais especiais, diferentes. ( ) Vygotsky concluiu que os princípios fundamentais do desenvolvimento são idênticos para as crianças com e sem deficiências. ( ) Vygosky acreditou que o defeito, ou a diferença, não pode limitar o desenvolvimento, ao contrário,deve mostrar possibilidades, ser motivo de força de vontade, perseverança, busca, sempre tendo uma conotação positiva. ( ) As ideias de Vygotsky para o trabalho educativo com as pessoas com necessidades especiais não foram consideradas suficientes. Parabéns! Você completou o estudo da sexta unidade. Na próxima unidade você será introduzido no estudo da adolescência para vir a compreender melhor seu futuro aluno dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. UNIDADE OBJETIVOS DESTA UNIDADE: Compreender o significado evolutivo da adolescência e seu caráter biopsicossocial e cultural; Diferenciar puberdade e adolescência; Compreender o fenômeno da adolescência sob a perspectiva de diversos teóricos; Caracterizar as mudanças físicas, cognitivas, afetivas e sociais que ocorrem nessa fase da vida; Refletir sobre seu papel de educador junto ao adolescente, em questões sobre sexualidade, escolha profissional, violência intrafamiliar e as drogas. 7 ROTEIRO DE ESTUDOS • Significado evolutivo da adolescência e seu caráter biopsicossocial e cultural. • A adolescência sob a perspectiva de diversos teóricos. • Características do desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social e as questões relativas à sexualidade, escolha profissional e as drogas. ADOLESCêNCIA: desenvolvimento biopsicossocial e cultural FILOSOFIA176 PARA INíCIO DE CONVERSA Na unidade anterior, você pôde compreender o significado da inclusão nas escolas e as ideias de Piaget e Vygotsky a respeito dessa questão. Nesta unidade, seus estudos em psicologia vão se voltar para a compreensão da fase evolutiva humana chamada Puberdade e Adolescência, uma vez que os alunos dos anos finais do ensino Fundamental encontram- se nessa fase. Como educar o adolescente? Quais os interesses que predominam nessa fase? Que aspectos diferenciam a fase da Puberdade e a fase da Adolescência? A adolescência é um fenômeno psicossocial e cultural ou tem características universais? Qual a visão dos teóricos da Psicologia sobre a Adolescência? Quais as mudanças evolutivas que ocorrem no aspecto físico, cognitivo, afetivo e social do adolescente? O que pensam os jovens? Quais são seus sonhos? Quais os desafios da tarefa de educar a juventude do século XXI? Sem dúvida, são questões que nos preocupam e diante das quais muitas vezes não sabemos que caminho tomar. Para auxiliá-lo na condução do trabalho educativo com os adolescentes organizamos os conteúdos desta unidade! Iniciamos com o significado evolutivo da adolescência e uma breve retrospectiva histórica, mostrando a adolescência como fenômeno recente tal como a conhecemos no ocidente em princípios do século XXI. Na sequência, revisamos as mais significativas teorias sobre a adolescência. Dando continuidade, procedemos à caracterização e análise das profundas mudanças evolutivas que ocorrem no aspecto físico, cognitivo, afetivo e social e que marcam a passagem da infância para a idade adulta. Por fim, abordamos algumas das questões importantes relacionadas à afetividade e sexualidade, à escolha profissional e ao problema das drogas. Até algum tempo atrás, a adolescência era considerada meramente uma etapa de transição entre a infância e a idade adulta. Nas últimas décadas, contudo, a adolescência vem sendo concebida como uma fase crucial do desenvolvimento humano, porque nela culmina todo o processo de maturação biológica, psicológica, sociocultural do indivíduo e marca não só a aquisição da imagem corporal definitiva como também a estruturação final da personalidade. Portanto, torna-se importante compreender os adolescentes para ajudá-los a enfrentar as tarefas evolutivas que lhes cabem nessa etapa da vida e assumir posturas educacionais conscientes e claras, que facilitem o convívio harmônico das gerações, ou seja, entre você, futuro professor, e seus alunos adolescentes. 177PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 7 SIGNIFICADO EVOLUTIVO DA ADOLESCêNCIA E SEU CARÁTER BIOPSICOSSOCIAL E CULTURAL as sociedades tribais primitivas, a passagem do mundo infantil para o adulto era muito breve e seguia normas rígidas. Seu início e seu fim eram claramente definidos por rituais. Em poucas semanas ou meses, o adolescente era instruído nas artes necessárias para obter alimento e defender seu povo; casava-se e assumia de modo pleno a condição de guerreiro, ou seja, de adulto. Até o final do século XIX, segundo Palácios e Oliva (2004, p.310), a adolescência não era compreendida como um estágio particular de desenvolvimento. Nessa época começava a se esboçar a diferenciação entre infância / adolescência / idade adulta. Nas sociedades urbano–industriais modernas, a incorporação ao mundo do trabalho e a atribuição das responsabilidades adultas costumam ser mais precoces no meio rural e nos níveis socioeconômicos mais baixos do que nos níveis normais altos e nas zonas urbanas mais desenvolvidas. Atualmente constata-se uma tendência para N FILOSOFIA178 o prolongamento da adolescência nos níveis sociais mais altos e zonas urbanas mais desenvolvidas. Por que isso vem acontecendo? A extensão dos estudos universitários, exigência de maior capacitação via estudos de pós-graduação e estágios, para que o jovem possa inserir-se no mercado de trabalho com possibilidades de êxito, dificulta a emancipação psicológica e econômica em relação à família e não favorece a aceitação plena do papel e da responsabilidade do adulto. Diferentemente de sociedades precedentes, nas quais o fim da adolescência era claramente definido, hoje ocorre uma passagem lenta e difusa para a maturidade. Pode-se afirmar que a adolescência é um fenômeno universal para todos os membros da espécie humana? Para responder a essa questão é necessário estabelecer a distinção entre dois termos que têm significado e alcance diferentes: puberdade e adolescência. Embora alguns considerem a puberdade – do latim pubertate, sinal de pêlos, barba, penugem – como uma primeira fase da adolescência – do latim adolescere, crescer - chama-se puberdade ao conjunto de modificações biológicas dessa faixa etária em que há transformação do corpo infantil em um corpo adulto, capacitado para a reprodução, e adolescência às transformações psicossociais que as acompanham. A adolescência, embora seja também um fenômeno universal, é um fato psicossocial e tem características peculiares conforme o ambiente sociocultural do indivíduo. Considera-se concluída a puberdade e com ela o crescimento físico e o amadurecimento gonadal em torno dos 18 anos, coincidindo com a soltura das cartilagens de conjugação das epífises dos ossos longos, o que determina o fim do crescimento esquelético. O término da adolescência, assim como o seu início, é bem mais difícil de determinar porque obedece a uma série de fatores socioculturais. A puberdade é um fenômeno biológico universal para todos os membros de nossa espécie, e seu início cronológico coincide em todos os povos e latitudes, com raríssimas exceções, como no caso dos pigmeus. 179PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO | UNIDADE 7 Numa tentativa de discriminar os elementos mais universais, na atualidade, que possibilitariam assinalar o término da adolescência, Osório (1992, p.12) relaciona as seguintes condições: • estabelecimento de uma identidade sexual e possibilidade de estabelecer relações afetivas estáveis; • capacidade de assumir compromissos profissionais e ter independência econômica; • relação de reciprocidade com a geração precedente, sobretudo os pais; • aquisição de um sistema de valores pessoais, “moral própria”. Em termos etários, isso ocorre por volta dos 25 anos
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