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IZECKSOHN, Vitor. Resistência ao recrutamento para o exército durante as guerras civil e do Paraguai

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Resistência ao recrutamento para o 
Exército durante as guerras Civil 
e do Paraguai. 
Brasil e Estados Unidos na 
década de 1860 
Vitor Izecksohn 
Parte significativa das análises comparativas entre Brasil e Estados 
Unidos produzidas por historiadores norte-americanos confere grande im­
portância ao tema da cultura política. Uma tradição que vai do trabalho pioneiro 
de Frank Tannenbaum (1949) a alentado artigo comparativo de Richard Graham 
(1981: 655) defende que os padrões históricos de evolução de cada sociedade 
seriam diretamente responsáveis por diferenças acentuadas no desenvolvimento 
institucional dos dois países. Sem dúvida, a força da organização de uma demo­
cracia de massas e o desenvolvimento de uma sociedade de consumidores desde 
Nota: A pesquisa para este trabalho retebeu suporte financeiro do CNPq. Sou grato aos editores da revista 
Estudos Históricos e aos dois pareceriSl3s pelos comentários. 
Escudos Históricos, Rio de Janeiro, nO 27, 2001, p. 84-109. 
• 
Resistência ao recrutameJlto para o Exército 
as primeiras décadas do século retrasado foram fatores que diferenciaram os 
Estados Unidos de quase todas as outras sociedades. A questão a saber é se os 
problemas relacionados à organização e administração da guerra podem ser 
incluídos nessa perspectiva idealista.l Teria a rápida ampliação dos respectivos 
exércitos, em tempo de guerra, sido muito diferente nos dois casos? Em minha 
opinião, os exemplos apresentados a seguir contradizem as hipóteses desses 
historiadores, apontando para semelhanças muito maiores do que as possíveis 
diferenças. Conseqüentemente, a trajetória política dos dois países não teria 
contribuído para atitudes distintas no que concerne ao enfrentamento do 
problema da escassez de soldados, durante as crises do recrutamento que ocor­
reram em períodos importantes de cada uma dessas guerras. 
Os cenários 
As tradições militares brasileira e norte-americana divergiram substan­
cialmente desde o período colonial, divergências essas ampliadas após as inde­
pendências. No entanto, foi através das guerras contra a Confederação (1861-65) 
e o Paraguai (1864-70) que os Estados Unidos e o Brasil consolidaram, definiti­
vamente, as respectivas unidades nacionais. Parte importante de ambos os 
processos passou pelo estabelecimento de exércitos nacionais pellllanentes, que 
seriam independentes das influências regionais. A consolidação, mesmo que 
temporária, dessas instituições afetou a operação dos sistemas de clientela, que 
tinham sido importantes nas organizações militares dos dois países no período 
anterior. Sem entrar em detalhes sobre os antecedentes do funcionamento dos 
aparatos militares, parece ser consensual a idéia de que grandes organizações 
militares, dotadas de poder e influência, não faziam parte dos planos das elites 
dos dois países. Elas foram circunstancialmente necessárias, devido a problemas 
surgidos durante as duas guenas, que levaram à ampliação dos exércitos de cada 
país. No entanto, os esforços de guerra, nos dois casos, criaram embaraços 
constitucionais cuja complexidade pretendo tentar explicar nas páginas que 
seguem 2 
Durante ambas as guerras, os governos brasileiro e norte-americano 
defrontaram-se com os problemas proporcionados pela rápida ampliação dos 
seus exércitos e agravados pela ausência de uma burocracia adequada ao recru­
tamento militar. Através da análise comparativa procurarei mostrar que, mal­
grado as diferenças quanto à cultura política, os dilemas de cada governo foram 
muito parecidos. Mostrarei também que as soluções implementadas expressaram 
antes os limites do desenvolvimento burocrático de cada uma das sociedades do 
que perspectivas di vergentes quanto à divisão de poderes ou à idéia de nação em 
ambos os países. Não obstante as diferenças quanto à cultura política, e ao caráter 
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estudos históricos • 2001 - 27 
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e diversidade das instituições com as quais cada governo contava, as soluções 
postas em prática foram bastante similares, ainda que seus efeitos em teIlllOS da 
ampliação dos direitos políticos e do funcionamento do sistema partidário 
tenham diferido acentuadamente nos anos que se seguiram ao final de cada 
conflito. 
o problema 
A mobilização para a guerra é sempre uma questão delicada. Ela implica 
um aumento da intervenção governamental e a invasão das prerrogativas locais 
a partir de autoridades distantes. Durante a Guerra Civil norte-americana e no 
curso das campanhas militares contra o Paraguai, os governos americano e 
brasileiro tiveram de responder a diversas questões: quais liberdades individuais 
deveriam ser sacrificadas primeiro? Quais grupos sociais contribuiriam mais para 
o esforço de guerra? Como o poder central poderia intervir na vida local sem 
interferir substancialmente nas relações de poder estabelecidas? 
Muitos desses problemas tinham sido comuns às nações da Europa 
ocidental, mas nos cenários em questão eles eram agravados, porque nesses países 
o exército nacional nao tinha sido essencial para o processo de construção do 
Estado. Por volta de 1860, nenhuma dessas sociedades contava com um exército 
nacional de graBde porte, dependendo da cooperação de milícias organizadas nas 
localidades, para a manutenção da ordem e a defesa do território. Conseqüente­
mente, essa intervenção se dava contra o pano de fundo de lideranças locais que 
tradicionalmente controlaram o processo de extração de recrutas. Muitas dessas 
lideranças resistiram à possibilidade de que o poder central viesse a exercer um 
monopólio legítimo dos meios de coerção, tal como sugerido por Max Weber para 
os países europeus.3 
Durante o curso de cada uma das guerras, a questão central do recru­
tamento foi a da transferência de forças locais para o front e sua submissão à 
autoridade de um exército centralizado. Nos Estados Unidos, essa transferência 
envolveu o controle do comando e do recrutamento das milícias estaduais pelo 
presidente da República, interferindo com práticas consideradas como basilares 
pela tradição política liberal daquele país. No Brasil, ela passou pela transferência 
dos corpos da Guarda Nacional para o teatro de guerra, levando a uma alteração 
profunda no papel daquela instituição. Ambos os processos demandaram al­
terações intensas, ainda que temporárias, nos procedimentos ligados ao funciona­
mento das organizações militares, e ambos fracassaram espetacularmente na 
tarefa de prover os exércitos com os contingentes necessários para enfrentar 
campanhas de longa duração. A tentativa de centralização tensionou as disputas 
sobre o controle local do recrutamento, aumentando a politização em torno do 
Resistência ao recnltamento para o Etército 
serviço militar. Esses problemas tinham tradicionalmente interferido na capaci­
dade militar dos dois países, porém, sob o impacto de campanhas militares mais 
longas, revelaram-se contradições agudas, alannando os setores responsáveis pela 
defesa nos dois países num nível nunca antes alcançado. Muitos grupos identi­
ficaram o alargamento do poder do Estado como um mal permanente e resisti­
ram, com os meios disponíveis, à invasão de suas prerrogativas. 
A Campanha do Paraguai - a commte de fogo elétl1co 
A primeira onda de recrutamento para a guerra (dezembro de 1864 a 
maio de 1865) forneceu um contingente que, aliado às forças de linha e às 
guarnições da Marinha de Guerra, foi suficiente para expulsar as forças para­
guaias do Rio Grand!! do Sul e completar a invasão do Uruguai, em curso desde 
o ano anterior. Durante essa fase das operações, o entusiasmo dos voluntários 
impressionou as autoridades, muitas delas acostumadas a lidar com populações 
extremamente resistentes a qualquer forma de recrutamento. Parte da motivação 
vinha das características da campanha. Afinal, a invasão do território brasileiro,sem uma declaração de guerra, gerou revolta e alimentou demonstrações patrióti­
cas em muitas regiões do Império. Chama a atenção apenas o fato de que muitas 
dessas regiões tivessem pouco ou nenhum contato com os problemas pia tinos. 
Os exemplos de patriotismo multiplicaram-se pelas diversas províncias. 
Em Alagoas, a mais de três mil quilõmetros do from, José Severiano de Mello 
requereu ao presidente da província que aceitasse três filhos e três filhas como 
voluntários, declarando que seus sentimentos eram devidos a "essa corrente de 
fogo elétrico que me puxa para os campos de batalha para tomar parte na gloriosa 
campanha de meus concidadãos contra os paraguaios,,!4 A corrente de fogo 
elétrico parecia forte. Em muitas províncias, era comum que cidadãos se apre­
sentassem, trazendo protegidos, agregados e parentes para alistarem-se juntos 
nos corpos recém-criados de Voluntários da Pátria. O presidente da Bahia 
resumiu o otimismo desses primeiros tempos em carta ao ministro da Justiça, na 
qual reclamava da falta de recursos para acolher o grande número de voluntários, 
reconhecendo que: "O único limite [ao recrutamento] era devido às ordens do 
governo [Imperial] ( ... ) paralisando a organização de novos corpos e estabele­
cendo que somente mais um deveria partir para o from". De outra maneira, 
assegllrava, "o movimento não teria outro limite que o sentimento que o inspi­
rava".5 
Em outras províncias, esse esforço se traduzia em contribuições pe­
cuniárias. Como observado por Ricardo Salles (1990: 98-101), as doações não 
eram restritas aos setores mais ricos, envolvendo também funcionários públicos, 
pequenos sitiantes, alfaiates e outros cidadãos. Esse foi o caso da vila de São José 
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da Penha, no Maranhão, onde tanto o professor quanto o prático mor da 
localidade doaram 10% dos seus vencimentos para o esforço de guerra.6 O 
patriotismo era reforçado pela certeza de que a precária organização militar do 
Império seria suficiente para pôr fim à guerra. Através de uma batalha decisiva, 
os paraguaios logo se renderiam. O presidente da província do Rio de Janeiro, 
Bernardo de Souza Franco, licenciado por motivo de saúde, expressou esse 
mesmo otimismo na cana em que passou a província ao seu sucessor, José Tavares 
Bastos, observando que . 
o gabinete, inspirado pelo entusiasmo nacional e através 
da criação dos corpos de voluntários, viu eles chegarem de todos os cantos 
do Império para tomar parte nesta guerra santa. Tornou-se então uma 
verdade reconhecida que o Brasil não necessita de um exército �erma­
nente numeroso para manter sua integridade e seus direitos ( ... ). 
Apesar do entusiasmo, o governo imperial produziu algumas inovações 
administrativas, antecipando os possíveis obstáculos. A primeira medida foi 
acionada pelo Decreto 3.371, de 7 de janeiro de 1865. Através desse ato, foram 
criados os corpos de Voluntários da Pátria. Confotme Peter Beattie (1994: 93-4) 
observou, a criação dos Voluntários era parte de uma estratégia mais ampla para 
tornar o Exército um espaço aceitável para brasileiros de todas as classes. Sua 
criação pretendia cruzar as barreiras de região e de classe, favorecendo a naciona­
lização e a democratização do recrutamento. Para reforçar o voluntariado, o 
governo imperial estabeleceu incentivos materiais, tais como: maiores salários, 
menores termos de serviço, pensões e terras para os veteranos. Os homens que se 
alistassem nos batalhões de Voluntários da Pátria teriam sua baixa assegurada tão 
logo a guerra tivesse acabado. Essa situação contrastava com a dos recrutas 
regulares, cujos termos de serviço poderiam chegar a até nove anos. 
Uma segunda e mais controversa medida foi o Decreto 3.383, de 21 de 
janeiro do mesmo ano. Através desse ato, 14.796 soldados da Guarda Nacional 
foram transferidos para o fron!. As conseqüências dessa medida foram muito 
sérias. De acordo com a Lei 602, de 19 de setembro de 1850, dado o caso de 
rebelião ou de invasão repentina do território, tropas da Guarda Nacional 
deveriam auxiliar o Exército de linha. Os artigos I e 117 a 134 prescreviam 
exatamente os procedimentos implementados pelo Estado imperial a partir de 
1865. No entanto, essa lei não era clara em relação ao prosseguimento dessa 
cooperação quando a campanha fosse levada para o território de um outro país 8 
Foram feitas exceções às tropas gaúchas, mas essas serviam em áreas fronteiriças, 
normalmente por períodos bastante limitados, sob o comando dos mesmos chefes 
locais que as haviam recrutado. As unidades do Rio Grande do Sul subordi­
navam-se ainda a um regulamento especial, o Decreto 520, de 14 de fevereiro de 
Resistência ao recnltamento para o Exército 
1850, que regulamentava uma qualificação especial para as Guardas Nacionais 
das províncias limítrofes com os estados vizinhos.9 Quando o governo imperial 
designou guardas de províncias não fronteiriças para servir em território es­
trangeiro, colocando-os sob o comando de oficiais profissionais pelo período de 
duração da guerra, ele tocou numa área bastante sensível, porque aquela insti­
tuição era um bastião do poder local. Ser um membro da Guarda era uma das 
melhores desculpas que um homem livre podia oferecer para escapar ao recru­
tamento. Sob a proteção da Guarda muitos indivíduos podiam evitar os procedi­
mentos brutais associados ao recrutamento. Por outro lado, o prestígio de muitos 
chefes locais era tradicionalmente associado à proteção que podiam proporcionar. 
Ao transferir corpos da Guarda para o from externo e subordiná-los ao Exército, 
o governo imperial interferia diretamente na autoridade desses homens. Essa 
autoridade era sancionada pelo costume e por uma série de leis não escritas, 
aceitas como tradiçao.10 
Apesar das medidas extremas, o impacto da transferência de Guardas 
Nacionais não foi sentido imediatamente. A fragilidade da organização militar 
brasileira ficou evidente apenas após a batalha de Curupaiti, em 22 de setembro 
de 1866. A derrota naquela batalha paralisou a campanha, criando um estado de 
grande perplexidade entre as tropas brasileiras estacionadas no Sul do Paraguai. 
Mas a paralisia apenas acentuou circunstâncias que vinham sendo observadas 
desde a segunda metade do ano 1865. Se o entusiasmo popular tinha sido a marca 
dos estágios iniciais do recrutamento brasileiro, sua abrangência parece ter sido 
superdimensionada, pois deserções foram comuns desde o princípio, crescendo 
no decorrer da guerra. O fogo elétrico já não queimava com a mesma intensi­
dade.ll 
A marcha da cJJasão 
Em contraste com o entusiasmo dos primeiros meses, os problemas no 
recrutamento são uma constante nos relatórios e cartas dos presidentes de 
província escritos a partir de 1866. 
O presidente de Minas Gerias produziu um quadro detalhado das suas 
dificuldades, na tentativa de justificar os péssimos resultados obtidos naquela 
província, uma das mais refratárias ao recrutamento em todo o Império. Em carta 
confidencial, ele se queixou ao ministro da Guerra sobre a falta de estrutura para 
alojar convenientemente aqueles que deveriam seguir para a Corte, enfatizando 
que: "Na prisao eles recebem visitas de pessoas importantes que os aconselham 
a resistir aos guardas, forçar as portas e fugir". Esse presidente explicava que a 
sabotagem partia de pessoas importantes da sociedade mineira, incluindo padres, 
médicos e juízes da paz, que acreditava estarem movidos pela antipatia à Liga 
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Progressista, então no poder. No entanto, é mais provável que obedecessem às 
suas próprias redes de relações pessoais, libertando agregados, parentes e conhe­
cidos cuja lealdade lhes era muito mais importante que os compromissos com a 
guerra. 
Por pior que fosse a falta de confiança na condução da guerra, ela não era 
tão chocante quanto o destinodaqueles recrutas que finalmente seguiam para a 
capital do Império. Os trechos mais impressionantes daquela confidencial são 
aqueles onde foram detalhadas as condições em que os recrutas marchavam. Ao 
discutir esse aspecto da questão, Vicente Pires da Mora oferece algumas das mais 
contundentes imagens sobre o grau de apoio popular à deserção. Ao descrever o 
risco de motim ao longo da marcha entre Ouro Preto e a Corte, ele justificava o 
uso de correntes, mesmo levando em consideração o forte impacto que a visão de 
recrutas algemados podia ter sobre a população ao longo dos caminhos: "Dei 
ordens para que as algemas sejam retiradas em Petrópolis, para evitar que eles 
cheguem à Corte algemados, como partem dos diversos pontos de onde são 
enviados. " 
Esse presidente lamentava o uso de práticas tão bizarras, mas reconhecia 
que sem elas seria virtualmente impossível entregar os voluntários na Corte. 
Respondendo à sugestão do ministro de que, para manter as aparências, as 
algemas poderiam ser retiradas cada vez que passassem por alguma vila, o 
presidente reclamou: 
Sempre que precisássemos desacorrentá-los preci­
saríamos de um ferreiro, mas onde encontrá-lo? De qualquer modo, 
nessas vilas, fugas seriam inevitáveis. Qualquer habitante, qualquer 
fazendeiro e mesmo qualquer autoridade tentaria esconder aqueles que 
pudesseY 
Teria de fato havido um contraste entre as motivações dos primeiros 
meses e a resistência a partir do segundo ano da guerra? Para responder a essa 
pergunta é necessário observar os relatórios provinciais que apresentam o fluxo 
de recrutas para a Corte. Num dos poucos quadros comparativos disponíveis, o 
presidente de Alagoas observou uma grande disparidade entre o número total de 
indivíduos alistados naquela província e aqueles que efetivamente foram en­
viados para a guerra. 
A terceira coluna permite a comparação entre o número originalmente 
recrutado e aqueles que foram efetivamente remetidos para a Corte, demons­
trando que, mesmo no começo das operações, a evasão era um fato significativo. 
Durante o primeiro ano da guerra, quando os relatórios provinciais esforçavam­
se para demonstrar o melhor cenário possível, a evasão total em Alagoas estava 
acima dos 30%. 
Resistência ao recrutamento para o Exército 
Tabela 1 
Recrutamento na Província de Alagoas, 1865 
Apre- Enviados Percentagem da 
sen· para a evasão por 
tados Corte cate orla 
Voluntários 134 129(%,3%) 3,73 
Guardas nacionais 101 73 (72,3%) 27,72 destacados 
Recrutas 680 422 (61,9%) 38,08 
Libenos 26 26 (100,0"10) 0,00 
To"" 941 650 (69,2%) 30,92 
Fome: Relatório da Província de Alagoas, 1865. 
A situação em Alagoas não parece atípica, quando observamos outras 
províncias_ De um total de 910 guardas maranhenses designados em 1865, 
somente 546 (60%) embarcaram para o Rio. De 12 guardas que marcharam da 
vila de Tutóia naquele ano, somente um se apresentou em São Luis. 
A análise dos números apresentados pela província de São Paulo mostra 
um crescimento substancial dos segmentos nao voluntários a partir do segundo 
semestre de 1865. 
Assim, na fOIlnação do segundo e terceiro corpos do Exército, a porcen­
tagem das rubricas "recrutas" e "guardas nacionais designados" sofreu um 
considerável acréscimo, quando comparada às rubricas "voluntários da pátria" e 
"voluntários", que preponderaram nas primeiras levas.13 
Tabela 2 
Soldados recrutados em São Paulo de outubro de 1866 a maio de 1867 
Fome Número 
-r 
% 
Voluntários 87 6,5 
Voluntários para o Exército 81 6,1 
Voluntários para a Marinha 51 3,8 
Recrutas 693 52,0 
Guardas nacionais destacados 419 31,6 
Total 1.331 100,0 
F01JU: Relatório da Província de S. Paulo, 1867. 
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Mesmo no Rio Grande do Sul, tradicional provedor de tropas e animais, 
a situação deteriorou-se rapidamente. Numa carta ao ministro da Guerra, em 
novembro de 1866, o general Osório, o mais prestigioso líder militar liberal 
daquela região, descrevia a precariedade da situação: "Muitas pessoas estão 
-
escondidas nas matas enquanto outros se refugiaram no Estado Oriental. E muito 
dificil reunir estes elementos dispersos".1 4 
Um problema comum a quase todas as províncias era o alto grau de 
politização na designação dos guardas nacionais. A expansão do Exército não 
ocorria em paralelo com o crescimento de uma burocracia especializada. Uma 
alternativa às demandas crescentes era o recrutamento de adversários políticos. 
Os presidentes de província indicavam partidários políticos que se esmeravam 
em recrutar os adversários. O presidente de Minas Gerais advertiu que os 
trabalhos de qualificação eram bastante irregulares, "ditados pelo espírito de 
partido" (RMPG, 1865: 22). No entanto, é preciso notar que essa prática foi 
comum a todos os partidos, conforme observou na mesma época Joaquim Manoel 
de Macedo, um influente conselheiro imperial: "Nenhum partido ou facção pode 
jogar pedras na outra. Todos eles empregam o recrutamento forçado com o fim 
imoral de oprimir o povo pObre".lS 
De fato, os pobres eram o principal alvo do recrutamento, que tinha sido 
tradicionalmente centrado em um grupo específico: os pobres indesejáveis, quer 
dizer, migrantes, mendigos, vadios, em suma, aqueles que não gozavam de algum 
tipo de proteçãol6 Mas o volume exigido pela Guerra do Paraguai forçou a 
algumas modificações na relação entre o governo central, os chefes locais e os 
seus agregados. O esforço de guerra forçou 11m número expressivo de agregados 
e protegidos para dentro das fileiras do exército. Isso muitas vezes era feito contra 
a vontade dos seus protetores, causando grande constrangimento nas localidades. 
O resultado imediato foi um aumento espantoso do número de deserções que, 
pelo final de 1866, tornou-se um fenômeno nacional. Partidários dos grupos 
selecionados em cada comunidade viam o recrutamento como perseguição 
política. Conseqüentemente, as disputas sobre quem deveria ou não servir 
erodiram a posição da Guarda, demonstrando a sua falta de potencial para ajudar 
o país no caso de uma guerra mais intensa. O relatório do Ministério da Justiça 
de 1867 claramente reconheceu essa deficiência, enfatizando: "A experiência da 
guerra atual confirmou a necessidade de refoIllla da Guarda Nacional. Essa 
milícia, que foi criada para defender a ordem e as liberdades públicas, encontra-se 
muito longe da sua finalidade" (RMJ, 1867: 4). 
A deserção, individual ou coletiva, expressava a insatisfação com a lei e 
atrapalhava os esforços dos recrutadores. Seguiu-se um grande número de 
rebeliões contra o recrutamento. Essas revoltas expressaram a desilusão de vários 
setores com a intromissão de agentes do governo nas suas vidas particulares. 
• 
Rcsistêllcia ao recnltamCllto para o Exército 
Muitas delas contaram com o apoio de importantes autoridades locais, que não 
viam com bons olhos a interferência do poder central. Sob o impacto de forças 
externas, a resistência pela inércia deu lugar a manifestações coletivas violentas. 
Isso acontecia porque o recrutamento interferiu em lealdades estabelecidas, que 
assumiam a forma de contratos privados entre os chefes locais e seus agregados. 
Quando a autoridade local mostrou-se impotente para impedir o recrutamento, 
uma explosão de rebeliões buscou retirar os recrutadores das localidades, res­
taurando as condições de convivência previamente existentes. Nenhuma dessas 
rebeliões atingiu o nível das revoltas provinciais dos anos 1830, mas algumas 
delas afrontaram, seriamente, a execução do poder governamental.)7 
Não havia um padrão definido para a eclosão da violência. Alguns 
episódios expressaram a aversão individual ao recrutamento, tal como ocorrido 
na cidade de Penedo, Alagoas, no dia 13 de outubro de 1866. Num típico 
confronto pessoal, AlbinoVieira de Castro, um guarda nacional designado, 
matou a pranchadas de espada Manoel Leandro do Nascimento, o segundo 
tenente encarregado do recrutamento. O assassinato teve lugar numa praça 
pública, quando Albino recebeu voz de prisão (RMJ, 1867: 4). 
Muitas vezes a resistência opunha vizinhos, divididos pelas linhas par­
tidárias. Enquanto alguns tentavam executar as ordens do governo, outros 
resistiam a elas. Isso aconteceu na cidade de Imperatriz, em Alagoas, onde um 
inspetor de quarteirão foi morto enquanto recrutava. Na localidade de Maiobá, 
no Maranhão, um garoto foi morto por uma bala perdida do tio de um outro 
recruta, que resistia à escolta (RMJ, 1967: 4). 
Outras vezes, a resistência unia toda a comunidade contra os recru­
tadores. Nessas ocasiões, a ação podia chegar a um estado de rebelião aberta, como 
aconteceu na cidade de Pacatuba, em Sergipe. Muitos desertores estavam escon­
didos nas matas. Uma patrulha foi enviada para recapturá-Ios. O que se seguiu 
foi descrito como uma "luta tenaz", durante a qual três pessoas morreram, entre 
elas a mãe de um dos foragidos (RMJ, 1866: 4). 
Nenhum conjunto de ações minou a autoridade imperial de uma forma 
tão intensa quanto os ataques a escoltas e cadeias. 
De 1866 a 1868, os relatórios do Ministério da Justiça estão repletos de 
casos que se multiplicaram na medida em que aumentou a demanda por recrutas. 
Alguns desses incidentes resultavam de rumores sem fundamento. Este foi o caso 
em Mar de Espanha, Minas Gerais, onde alguns portugueses que trabalhavam 
na estrada União e Indústria atacaram a prisão. Eles supunham, erroneamente, 
que alguns concidadãos tinham sido ilegalmente recrutados. O ataque visava a 
impedir que marchassem para o Rio. O delegado e alguns dos soldados em serviço 
na delegacia ficaram seriamente feridos enquanto resistiam ao inesperado ataque 
(RMJ, 1866: 4). 
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estudos hist6ricos .2001 - 27 
Gráfico I 
Ataques a cadeias - 1867 - Percentagem por regiáo 
Sudoeste 
Norte • 
Sul 
Nordesle I 
10 30 50 70 
Fonu: Relatório do Ministério da justiça, 1868. 
Algumas vezes, após serem capturados, os recrutas conseguiam escapar 
no caminho para a prisão. Esse foi o caso de São João Del-Rei, Minas Gerais, onde 
um grupo de 17 recrutas e desertores recapturados se amotinou contra a escolta, 
o que resultou na morte de uma pessoa e em três feridos. Outras vezes, os ataques 
partiam dos próprios desertores, que organizavam grupos de resgate. No distrito 
de Cruz do Espírito Santo, Rio Grande do Norte, o que foi descrito como "um 
grupo de desertores e criminosos" atacou uma escolta do recrutamento e a cadeia 
, 
locai, libertando todos os prisioneiros. Na paróquia de Aguas Belas, em Pernam-
buco, um soldado foi morto quando grupos armados atacaram a patrulha (RMJ, 
1868: 7). 
Em certas ocasiões, esses ataques eram comandados por parentes dos 
recrutas. Algo que havia começado como um simples ato de defesa acabava 
evoluindo para um protesto contra o recrutamento. Na cidade de Icó, Ceará, um 
grupo numeroso de parentes e amigos libertou o guarda nacional designado. 
Satisfeita com o sucesso da ação, a multidão desfilou em triunfo pelas ruas da 
cidade carregando o homem libertado. O presidente daquela província culpou a 
linguagem pouco conveniente da imprensa conservadora, que segundo ele, tinha 
como finalidade "( ... ) desmoralizar a guerra e derramar na população o gérmen 
da resistência". Cinqüenta praças foram enviados para "restaurar ali a força moral 
da autoridade".18 
Resistência ao rccnltamento para o Exército 
Normalmente, os revoltosos valiam-se do apoio das autoridades locais. 
Este apoio podia ser indireto, como na vila de Pau D'Alho, em Pernambuco. Um 
grupo de homens armados atacou a cadeia, libertando 34 pessoas, entre recrutas 
e presos comuns, e matando três sentinelas. Os desertores buscaram refúgio nas 
matas em volta do engenho do tenente coronel Luiz Albuquerque Maranhão, 
que foi indiciado como o principal mandante do movimento (RMJ, 1866: 3) . 
• 
Outras vezes, o envolvimento podia ser mais direto. Isso aconteceu em Aguas-
Belas, Pernambuco, onde o segundo tenente da Guarda Nacional Manoel Caval­
canti de Albuquerque Barão, seguido por vários indivíduos, assaltou a cadeia 
local para liberar um recruta (RMJ, 1866: 3). Muitas vezes, a ação coletiva era 
seguida pelo envolvimento de autoridades, como ocorreu no distrito de São 
Caetano da Raposa, Pernambuco, onde parentes do guarda nacional Joaquim 
Manoel Outeiró atacaram a cadeia municipal para libertá-lo. Manuel foi solto 
durante a luta, mas outro membro da família, Antonio Leite Lima, que havia 
comandado a ação, foi aprisionado. Imediatamente, dois grupos se apresentaram 
em frente à casa do chefe de polícia para demandar a sua libertação: um era 
comandado pelo juiz de paz e o outro por um segundo tenente da Guarda. Ao 
falharem no intento de libertar Antonio, eles invadiram a cadeia (RMJ, 1866: 3). 
Na vila de Imperatriz, Pernambuco, o tenente coronel Joaquim da Silva Corrêa 
apelou ao chefe de polícia pela liberdade de um dos seus soldados. Não con­
seguindo o seu objetivo por "meios pacíficos", o mesmo tenente coronel reuniu 
150 homens e, em aliança com o subdelegado, atacou a cadeia, sendo impedido 
por 19 guardas nacionais que se mantiveram leais ao delegado de polícia, 
repelindo o ataque. Usando de seu prestígio social, esse tenente atacou a vila 
uma segunda vez, sendo seguido por uma multidão que incluía familiares e 
amigos. O bando realizou o que foi descrito como "uma série de depredações", 
mas não foi possível descobrir se conseguiram libertar o guarda designado. De 
acordo com o Relatório do Ministério da Justiça, "este espírito vertiginosos não 
se coaduna[va] com o espírito pacífico dos brasileiros, e não poderia perdurar 
( 
.
.. )
"
. 
Depois de enfrentar todos os problemas trazidos pelas designações, o 
presidente de São Paulo reconheceu amargamente a ineficácia da Guarda num 
comentário cético: 
Desde que foi convertida para a sua presente finalidade 
a Guarda Nacional tornou-se muito opressiva para a maioria da popu­
lação. Atualmente foi preciso banir todas as esperanças associadas à 
expressão nação em armas ( ... ) A experiência da guerra atual apagou todas 
as ilusões ( . . . ) A resistência oferecida pela inércia é pior do que aquela 
oferecida pela violência. (RMJ, 1868: lI) 
95 
• 
_. 
• 
96 
• 
estudos históricos. 2001 - 27 
A Guerra Civil americana: do voluntarismo à conscrição 
Quando a Guerra Civil americana começou, a capacidade do Norte para 
estabelecer um exército forte estava limitada pelas rradições da cultura cívica 
norte-americana. A maioria dos americanos era historicamente hostil à idéia de 
um exército permanente e centralizado, assim como tinha sido historicamente 
hostil a um Estado centralizado e a autoridades centrais tributadoras. Localismo, 
militarismo e liberdade individual eram prezados acima de quase todas as outras 
questões. A interferência governamental nessas questões era vista com preocu­
pação pela maioria dos cidadãos. Como assinalado por Alex de Tocqueville (1969: 
228), o recrutamento compulsório era tão contrário aos hábitos do povo dos 
Estados Unidos que "eu duvido que qualquer pessoa arriscaria algum dia intro­
duzir esta lei". 
No decorrer do século XIX, a principal força militar era aquela fornecida 
pelas milícias estaduais. O exército profissional era pequeno, variando entre 
quatro e 16 mil homens, espalhados em vários destacamentos nas fronteiras. Os 
estados detinham a responsabilidade pelo recrutamento das tropas quando 
alguma situação o requeria. Os governadores de cada estado tinham o controle 
virtual de todo o processo. Para manter esse controle, os governadores baseavam­
se no sistema partidário e numa cadeia de lealdades locais, que historicamentetinha constituído a principal fonte de soldados. Vale ressaltar que grande parte 
da liderança política do país, na época da Gutna Civil, tinha servido em 
companhias da milícia durante a juventude, incluindo o presidente Lincoln e 
boa parte dos seus secretários de governo. 
o NOIte e a mobilização inicial 
Quando forças confederadas atacaram o Forte Sumter na Carolina do 
Sul, no dia 12 abril de 1861,fizeram mais do que iniciar a guerra, elas conseguiram 
unir a opinião pública do Norte, que estava muito dividida desde a eleição 
presidencial. O patriotismo cresceu com o ataque e, com ele, o estímulo ao 
alistamento voluntário. Durante os dois primeiros anos da guerra, a maioria dos 
que se alistaram o fizeram por livre escolha. O secretário da Guerra da União, 
Simon Cameron, refletiu o entusiasmo inicial no relatório da sua pasta: "Aqui 
cada homem tem um interesse [pessoal] no governo e acorre em sua defesa 
quando perigos o assaltam". 19 
No dia IS de abril, Lincoln convocou 7S mil soldados para alistarem-se 
por três meses de serviço. Essa convocação inaugurou a mobilização do Norte 
para a guerra, mas também expressou um cálculo pouco realista das dimensões 
do conflito. Da mesma forma como aconteceria durante a Guerra do Paraguai, 
Resistência ao recrutame1Jto para o Exército 
alguns anos depois, as primeiras convocações produziram grandes demons­
trações de patriotismo, cujo enrusiasmo surpreendeu mesmo aqueles obser­
vadores acostumados ao ímpeto voluntário da sociedade norte-americana. Re­
uniões de apoio à causa da União foram realizadas pelo país afora. A febre da 
guerra estendeu-se a todas as idades e classes, cruzando as linhas partidárias. Na 
cidade de Keokuk, no estado de Iowa, um jornal local refletiu esse estado de 
espírito em abril de 1861, observando que alguns cidadãos declararam publi­
camente já nao se reconhecer como democratas ou republicanos, mas como 
amantes da liberdade e partidários da Constiruição dos Estados Unidos, "tal 
como estabelecida pelos fundadores do país" (apud Sterling, 1974: 31). Henry 
Tapen, um importante quadro republicano, expressou o mesmo espírito quando 
escreveu à Lincoln: "Não somos mais democratas ou republicanos. Nós estamos 
sob uma única bandeira-a gloriosa bandeira da União" (apud McPherson, 1997: 
16) 20 
Nessa etapa, a organização das tropas encontrava-se totalmente nas mãos 
dos governadores. De acordo com David Osher (1992: 95), esse estado de espírito 
refletia a "privatização das responsabilidades cívicas", ou seja, um compromisso 
entre a frágil organização do governo federal e o poder das comunidades. Mas 
essa cooperação era facilitada pelo fato de que, no início da guerra, todos os 
governadores dos estados leais eram republicanos, representando ao mesmo 
tempo organizações estaduais e a coalizão nacional que levou Lincoln para 
Washington. Esses governadores competiam para apresentar cotas cada vez 
maiores de soldados, enquanto milhares de voluntários acorriam para se alistar 
antes que a guerra acabasse. As capitais dos estados leais tomaram-se grandes 
acampamentos durante os primeiros meses.21 O governador de Ohio, William 
Dennison, respondeu à primeira convocação de uma cota de 13 regimentos, 
informando que uma cota muito maior havia sido obtida e observando que "sem 
que se reprimisse seriamente o ardor popular seria muito difícil parar antes que 
20 regimentos tivessem sido organizados". 
Apesar de controlarem o processo de recrutamento, os governadores 
dependiam da boa vontade dos chefes locais, que aspiravam tornar-se oficiais nas 
companhias recém-fOIlIladas. No plano local, o recrutamento estava relacionado 
com a popularidade desses notáveis, cujo prestígio era fundamental para que 
novos regimentos fossem criados e equipados. Na falta de uma burocracia 
nacional, o empenho pessoal e as estruturas partidárias locais forneciam as 
melhores fontes para um recrutamento bem-sucedido. Essa dependência foi 
observada na retórica de uma convenção republicana local, em 1862, que infor­
mou ao presidente Lincoln que: "A organizaçao republicana, em todos os seus 
princípios e práticas, e por todos os seus membros, encontra-se empenhada na 
97 
98 
estudos históricos . 2001 - 27 
preservação da União e na derrota da rebelião. Ela é o poder do Estado e o poder 
da nação"n 
O localismo era tão forte que, na maioria das companhias, os oficiais eram 
recrutados nas mesmas comunidades dos soldados, o que aumentava o grau de 
paroquialismo envolvido no recrutamento. Conseqüentemente, ambos, a cadeia 
de comando e um complexo sistema de parentesco, governavam as relações 
hierárquicas militares no interior dessas unidades. Esses laços eram reforçados 
na prática, comum no início da guerra, de eleição dos oficiais de baixa-patente. 
Como James McPherson (1987: 54) sublinhou: "Na tradição americana, ( ... ) os 
soldados cidadãos permaneciam cidadãos mesmo quando se IOrnavam soldados. 
Eles votavam para o congresso e para governadores; por que não deveriam eles 
votar para capitães e coronéis?" 
O orgulho local e étnico reforçava os vínculos de camaradagem entre 
soldados, cuja grande maioria era branca e protestante. O medo de adquirir uma 
reputação de covardia nas suas comunidades de origem forçava muilOs a superar 
o medo e lutar junto com amigos e vizinhos. Essa forma particular de disciplina 
era reforçada pelo falO de que muitas unidades eram organizadas a partir de 
atividades comunitárias, tais como: associações antialcoólicas, escolas domini­
cais, igrejas etc. Em outros casos os regimentos eram diretamente recrutados em 
comunidades étnicas específicas, reforçando os vínculos entre as comunidades 
imigrantes e o orgulho local. As relações entre os primeiros voluntários e suas 
comunidades permaneceram fortes até o final da guerra. Elas mantiveram muitos 
dos veteranos empenhados na causa da união, aliando o prosseguimento da 
guerra com um senso forte de identidade de grupo23 
Problemas 
As dificuldades para organizar um exército começaram a aparecer assim 
que os primeiros regimentos foram reunidos nos campos. A tradição mili tar 
norte-americana, o facciosismo político e a falta de estrutura, aliados à falta de 
equipamento militar adequado e à má administração, contribuíram para uma 
deterioração rápida das condições nos campos. Após as primeiras batalhas, as 
concepções românticas sobre glória e heroísmo rapidamente se dissiparam. A 
Guerra Civil introduziu novas tecnologias de armas de longo alcance que IOr­
naram obsoleta a concepção napoleônica de baralha decisiva. As novas armas 
reforçaram a capacidade defensiva, favorecendo os confederados nos confrontos 
direlOs. Essas circunstâncias prolongaram a guerra, multiplicando o grau de 
severidade das baixas para além de qualquer patamar conhecido. Elas também 
transformaram a natureza da guerra, de forma que os exércitos foram obrigados 
a empreender períodos longos e constantes de terror e violência, em que a 
Resistência ao recrutamento para o Exército 
infra-estrutura civil de transportes, indústrias e agricultura tornaram-se alvos 
críticos. Ilustrações e gravuras feitas nos campos de batalha e publicadas nos 
magazines expunham as realidades da guerra para populações muito distantes 
dos combates. Dessa forma, as comunidades do Norte logo estavam bem infor­
madas sobre os riscos enfrentados por aqueles que se alistavam. A circulação de 
listas de baixas também contribuiu para o decréscimo do entusiasmo, uma vez 
que elas mostravam que grande parte dos soldados morria devido à ação de 
doenças infecciosas, que avançavam em razão da falta de boas condiçoes . 
, 
. samtanas nos campos. 
Durante o inverno de 1862, o recrutamento no Norte foi praticamente 
paralisado. A maioria dos recrutas potenciais estava com medo de sofrer as 
conseqüências da falta de cuidados. O medo de perder a chance de ajudaramigos 
e parentes nas colheitas também contribuía para arrefecer o ímpeto guerreiro, 
pois a guerra não seria curta como fora apregoado nos chamados iniciais. Aliada 
a tudo isso havia uma inflação crescente, que contrastava com os salários 
congelados dos soldados. Na medida em que a guerra se arrastava, a permanência 
no Exército tornava-se mais custosa para os familiares na retaguarda. Ela também 
impedia os indivíduos alistados de aproveitar as oportunidades oferecidas pelo 
bool/l econõmico que se alastrou em muitas partes do Norte, como conseqüência 
das demandas cada vez maiores da guerra. As eleições do segundo semestre de 
1862 refletiram a insatisfação popular. O Partido Democrata ampliou considera­
velmente a sua representaçao no Congresso e nos legislativos estaduais2 conquis­tando também os governos dos estados de Nova Iorque e Nova Jersey. 4 
A crise no recrutamento, aliada à resistência confederada, levou os 
membros da coalizão no poder a perceber que seria preciso tomar medidas 
drásticas para ganhar a guerra, entre as quais incluía-se o reforço do poder 
federal. "Esses inimigos precisam entender", Lincoln explicou a August Bel­
mont durante o verão de 1862, "que eles não podem experimentar dez anos 
tentando destruir o governo e, se eles falham ( ... ) voltar para a União ilesos" 
(apud Nevins, 1960: 166). Nos dois anos seguintes, uma guerra entre exércitos se 
tornaria um conflito entre sociedades, levando ao aniquilamento das forças 
confederadas. Essa transformação implicou enormes mudanças na organização 
do Exército norte-americano assim como na estrutura do governo americano, 
especialmente no que se refere ao escopo da capacidade federal para recrutar, 
interferindo em tradições e práticas de comunidades grandes e pequenas através 
do país. O governo federal centralizou decisões a um nível sem precedentes, 
estendendo o alcance do recrutamento a ponto de incluir um grande número de 
cidadaos que não se alistariam voluntariamente. Silas Wright, um assessor do 
governador republicano de Indiana, expressou a transformação desse estado de 
espírito na mente daqueles diretamente envolvidos nos esforços militares: "Nós 
99 
1 00 
estudos históricos. 2001 - 2 7 
aprendemos C ... ) que a guerra era uma instiruição tão bárbara que não podia ser 
conectada aos princípios democráticos da nossa autoridade civil" Capud Osher, 
1992: 233). 
No outono de 1862, os líderes da União estavam enfrentando um dilema 
parecido com aquele que os burocratas do Império iriam confrontar quatro anos 
depois: mudar sua estratégia ou parar a guerra. A decisão foi no sentido de tornar 
a guerra ainda mais violenta, o que demandou um alto grau de cooperação das 
comunidades do Norte e um governo central forte o suficiente para garantir que 
essa cooperação acontecesse. Ainda que houvesse muitas semelhanças entre os 
dilemas brasileiro e norte-americano, Lincoln contava com uma estrutura muito 
mais sofisticada para enfrentar as dissensões políticas. O destino do Partido 
Republicano estava amarrado à derrota da Confederação. Conseqüentemente, o 
Partido Republicano funcionou como a força motriz que cimentou a aliança entre 
os governadores de estado e o governo federal. Na falta de uma estrurura 
burocrática adequada, o partido forneceu a melhor alternativa para aumentar a 
capacidade extrativa do governo, limitando os impulsos centrífugos nos estados 
e transformando a guerra naquilo que um autor definiu como "uma empresa 
modernizadora" CLevine, 1981 : 830) 25 
Os congressistas republicanos buscaram uma legislação mais 
abrangente, que previa um aumento substancial do controle do governo federal 
sobre o recrutamento. Em 16 de fevereiro de 1863, o senador Henry W ilson 
apresentou um projeto que visava a dar ao governo federal poderes excepcionais 
para o alistamento de tropas. O projeto foi alvo de muitas críticas dos dois 
partidos, que não impediram no entanto a sua aprovação por uma maioria fiel. 
O Enrollment Act, como essa lei ficaria conhecida, foi sancionado pelo presidente 
Lincoln em 3 de março de 1863. Essa medida deu ao presidente poderes para 
criar e organizar regimentos sem a assistência dos estados e tornou todos os 
homens entre 20 e 35 anos e todos os homens casados entre 35 e 45 anos sujeitos 
ao recrutamento militar. Num passo ainda mais radical, a lei absorveu as milícias 
estaduais dentro das forças nacionais. Esse estatuto centralizou e militarizou o 
recrutamento, estendendo sua abrangência para muitos grupos que, como os 
funcionários públicos estaduais, haviam sido previamente isentos. As eleições de 
oficiais e outros vínculos democráticos entre os soldados e as suas comunidades 
foram severamente reduzidos ou suspensos. Os soldados também perderam a 
capacidade de escolher as suas unidades porque o serviço militar tornou-se 
repentinamente compulsório, nacional e burocrático. Refletindo a mudança, um 
senador republicano defendeu a supressão dos procedimentos democráticos e a 
introdução no Exército de disciplina puramente militar, argumentando que: "( .. ·t 
exércitos controlados pelo sentimento democrático não passam de uma turba". 2 
Resistência ao recnltamento para o Exército 
A mudança mais significativa veio com a designação dos agentes recru­
tadores federais (provoSl marsha/s), subordinados a um agente geral em Washing­
ton. Esses agentes tinham poderes militares, podendo exigir que se realizasse um 
sorteio nos distritos que não obtivessem a cota mínima. Eles tinham pemlÍssão 
para definir traição e conter qualquer oposição ao governo federal. De acordo 
com Iver Bernstein, o Enrollment Act, mais que qualquer outra legislação, "( ... ) 
trouxe a presença do governo federal para a comunidade, o local de trabalho e o 
lar, envolvendo todos os aspectos da vida da classe trabalhadora". 27 
As comunidades do Norte reagiram ao impacto das novas demandas por 
soldados de formas diferentes. Algumas levantaram fundos para a contratação de 
substitutos, outras, para pagar a taxa de trezentos dólares para comutação. Mas 
essa estratégia só era válida para as cidades e vilas mais ricas. Nas áreas mais 
pobres, o resultado imediato foi uma onda de protestos que estourou durante o 
verão daquele mesmo ano em várias cidades da costa leste e em alguns estados 
do Meio-Oeste. Essas comunidades viam os novos parâmetros como um instru­
mento da hegemonia política do Partido Republicano e do poder econômico de 
industriais e comerciantes. Para eles, o recrutamento compulsório penalizaria 
principalmente os democratas, os pobres e os imigrantes. Acusações de incom­
petência, desonestidade e imoralidade política proliferaram contra a nova 
máquina recrutadora. Robert Sterling, analisando a situação nos estados do 
Meio-Oeste, demonstrou ter havido uma correlação forte entre a resistência 
popular e as variáveis classe, filiação partidária e religião. Os condados de­
mocratas com menor renda e maiores percentagens de imigrantes, especialmente 
irlandeses e alemães, tinham maior possibilidade de sofrer distúrbios do que as 
comunidades afluentes da mesma região. A resistência foi mais forte nos estados 
de Wisconsin, Illinois e Indiana, no Meio Oeste. Nessas áreas, a resistência 
popular variou dos protestos na imprensa até a insubordinação aberta, incluindo 
ataques às pessoas e propriedades dos agentes federais. Normalmente os revol­
tosos visavam os livros e as listas que continham os nomes daqueles sujeitos à 
conscrição, mas muitas vezes os distúrbios podiam ser tão ou mais violentos do 
que aqueles que ocorreram no Brasil. Trinta e oito agentes federais foram mortos 
em emboscadas ou por linchamento durante a guerra. Conseqüentemente, mui­
tos agentes passaram a visitar os condados acompanhados de escoltas armadas, 
para escapar à fúria das multidões, o que aumentava ainda mais o ressentimento. 
Na região carbonífera da Pensilvânia, o recrutamentofoi usado como uma arma 
política das grandes mineradoras contra os sindicalistas, levando a greves e outras 
manifestações contra a sua extensão.28 
Um dos mais dramáticos episódios de resistência contra a federalização 
do recrutamento ocorreu na cidade de Nova Iorque, em julho de 1863. Durante 
cinco dias, multidões armadas interromperam a execução da primeira conscrição 
101 
102 
estudos históricos. 2001 -27 
federal, desafiando a autoridade federal na mais importante cidade dos Estados 
Unidos. Os manifestantes voltaram seu ódio contra os republicanos e os negros, 
o que resultou na morte de mais de cem pessoas e na destruição de prédios 
públicos e propriedades, entre eles um orfanato para crianças negras. Os distúr­
bios tiveram origem na situação política e no ambiente social da cidade, mas 
foram potencializados pelas circunstâncias da guerra, especialmente pelas ofen­
sas resultantes da iminência de um recrutamento forçado cujo peso, acreditavam, 
iria recair sobre os ombros dos habitantes mais pobres da cidade. Para alguns dos 
participantes, os distúrbios significaram um conflito político entre os imigrantes 
democratas e os reformistas republicanos. Para muitos observadores, eles eram 
simplesmente um desafio às novas regras e leis decorrentes da guerra. 
De acordo com Iver Bernstein, a principal autoridade contemporânea 
no assunto, os distúrbios podem ser vistos no contexto de um processo sem 
paralelo de mudanças urbanas com ramificações nos níveis regional e nacional. 
Um aspecto importante foi proporcionado pelas disputas sobre o controle do 
mercado de trabalho. Analisando a situação, um editorial do New York Tribltlle 
publicado pouco depois dos motins fornece uma indicação de como os partici­
pantes se sentiram: "A turba exulta na crença de que se ela falhou nos seus 
objetivos, pelo menos conseguiu assegurar a posse do [mercado de] trabalho na 
cidade, expulsando os negros para buscar trabalho em outras paragens" (apud 
Foner e Lewis, 1969: 22). 
No plano nacional, a principal motivação para os distúrbios veio da 
tentativa de implementação do Enrollment Act na cidade. As cláusulas daquele 
ato tocavam em três questões explosivas para a vida social de Nova Iorque: as 
relações entre ricos e pobres, entre brancos e negros e entre a cidade e a nação. 
Conseqüentemente, o que havia começado como um protesto contra o recru­
tamento compulsório tornou-se um ataque direto contra as instituições do 
Partido Republicano, assim como umMfom racial grotesco, que só foi interrom­
pido com a chegada de tropas federais.2 
Como conseqüência dos cinco dias de distúrbios, o governo federal 
cancelou o recrutamento em Nova Iorque. A administração federal eximiu-se de 
uma intervenção mais séria nos assuntos locais, reconhecendo a hegemonia 
democrata naquela cidade em troca da sua lealdade táci ta. As cotas de Nova 
Iorque foram supridas através do crescimento do recrutamento em outros 
estados, num processo que traria novos episódios de tensão política e social nos 
• meses segumtes. 
Pelo final de 1863, um grupo de negociantes e industriais de Boston 
expressou bem como o recrudescimento do recrutamento no Norte podia cruzar 
as barreiras sociais, afetando até mesmo os grupos mais diretamente beneficiados 
pelo esforço de guerra. Numa petição ao secretário da Guerra, eles apontavam 
Resistência ao recrutamento para o Erército 
para as repercussões negativas do recru tamento, no que se refere ao funciona­
mento da economia da Uniao: 
Nos estados livres o grande número de indivíduos reti­
rados das oficinas e campos já comprometeu seriamente muitos ramos 
da indústria dos quais depende a economia do país (. , ,)é desejável reduzir 
a pressão sobre esses recursos para o ponto mais baixo que seja consis­
tente com o prosseguimento da guerra.30 
COJlsiderações filiais 
A análise desenvolvida ao longo deste trabalho demonstrou que os 
problemas do recrutamento foram muito similares nos dois países, aproxi­
mando-se do modelo materialista descrito por Eugene Genovese (1969: 238-55). 
No decorrer das guerras Civil e do Paraguai, a falta de entusiasmo popular aliada 
ao estágio pouco avançado da burocracia e à longa duração das campanhas 
criaram uma série de conflitos que refletiram a tensão social no campo e nas 
cidades dos EUA e do Brasil. Esta análise também demonstrou que, apesar dos 
padrões da evolução histórica terem sido muito diferentes, Brasil e Estados 
Unidos enfrentaram problemas logísticos similares e que, apesar das culturas 
políticas distintas, os esforços governamentais para solucioná-los foram pareci­
dos. 
Os conflitos surgidos dessas situações indicaram os limites da ação estatal 
nesses períodos de emergência nacional, especialmente quando cada um dos 
Estados confrontou suas demandas nacionalistas centrípetas com os interesses 
locais de indivíduos e grupos. A maior parte dos conflitos deu-se em função da 
extensão do recrutamento e de suas conseqüências para a estabilidade social. Eles 
reforçaram a percepção mantida pelos contemporâneos, de sociedades limi tadas 
pela falta de especialistas militares e burocratas. Os problemas de Lincoln com 
seus generais e a instabilidade do comando brasileiro no Paraguai ilustram bem 
esse ponto. 
Os esforços de guerra criaram novos problemas, forçando cada um dos 
governos a procurar os meios adequados para suprir as suas necessidades. O 
recrutamento só se tornou a grande questão quando ficou claro que os sistemas 
existentes não eram capazes de manter um fluxo de soldados relevante o sufi­
ciente para abastecer os exércitos invasores. Foram situações emergenciais e 
temporárias, que envolveram o levantamento de tropas para enfrentar inimigos 
cuja capacidade de resistência não havia sido corretamente prevista no início das 
-operaçoes. 
103 
104 
estudos históricos. 2001 - 27 
Multidões armadas no interior do Brasil, assim como os distúrbios 
anti-recrutamento nos Estados Unidos eram percebidos como elementos 
perigosos e como uma ameaça ao progresso e à estabilidade social. As ameaças 
trazidas por esses movimentos de resistência local eram mais simbólicas do que 
reais, como ficou claro no decorrer das duas guerras. Elas refletiam atitudes de 
desespero em função das mudanças do estilo de vida, não apresentando risco à 
ordem social. Apesar disso, os protestos contribuíram para mudanças na formu­
lação das políticas de recrutamento em cada uma das guerras. No Brasil, elas 
levaram à formulação de novas propostas no que concerne à organização do 
Exército, à introdução do recrutamento universal e à abolição gradual da Guarda 
Nacional. Nos Estados Unidos, elas permitiram uma intervenção crescente do 
poder federal no Sul, assim como o nascimento de uma concepção nacional de 
cidadania cuja implementação foi longa e tortuosa. 
A Guena Civil norte-americana produziu uma série de mudanças insti­
tucionais que redefiniram a soberania daquele país em vários aspectos. Houve 
mudanças profundas no que concerne às concepções acerca dos direitos dos 
estados, às leis de liberdade individual, à centralização do poder e da estrutura 
do recrutamento militar. O esforço de guerra reforçou o papel do governo federal 
como principal agência recrutadora para as forças armadas. A ênfase nos direitos 
estaduais foi progressivamente substituída por uma crescente centralização, com 
o governo federal assumindo o papel principal nos assuntos militares, na política 
fiscal e no desenvolvimento econômico.31 Essas transformações interferiram em 
práticas políticas tradicionais, afetando as relações entre os indivíduos e suas 
comunidades, bem como a base social de apoio que muitas comunidades davam 
ao governo Lincoln nos seus esforços para expandir e abastecer o Exército. 
Simultaneamente à luta contra a Confederação, um conflito sobre a identidade 
da União emergiu na retaguarda, numadas mais sérias crises constitucionais 
• norte-amencanas. 
As elites de cada um desses países enfrentaram desafios nas crises que 
emergiram como resposta à expansão da ação do Estado. Em cada um dos países, 
prevaleceu uma escolha clara pela obtenção de uma vitória militar completa, 
apesar dos obstáculos e custos humanos envolvidos nessas opções. Essa determi­
nação limitou os compromissos tanto das lideranças republicanas quanto dos 
burocratas imperiais com as localidades de seus respectivos países. 
A retórica dos membros das elites em ambas as sociedades expressaram 
as principais preocupações sobre o recrutamento, revelando ao mesmo tempo os 
limites das definições da cidadania nos dois países. No Brasil, a retórica gover­
namental enfatizou a insegurança trazida pela exacerbação da politização par­
tidária, resultando numa intervenção maciça do poder central para suprimir os 
movimentos locais de oposição e manter os esforços para a guerra. No limite, essa 
Resistência ao remltamento para o Exército 
intervenção levou ao cancelamento das eleições na província do Rio Grande do 
Sul e à derrubada da Liga Progressista, provocando o retorno dos conservadores 
sob a influência de Caxias.32 Nos Estados Unidos, o governo interferiu na vida 
dos cidadãos de várias maneiras. Além da legislação centralizadora, já descrita, 
houve também mecanismos mais sutis. Para contrabalançar o desgaste político, 
Lincoln valeu-se da utilização de um extenso sistema de patronagem cuja base 
era o próprio exército da União. Entretanto, ainda que a guerra fortalecesse o 
papel do executivo norte-americano, não houve suspensão do calendário elei­
toral, mesmo nas áreas mais afetadas pelas rebeliões. Nos estados de Nova Iorque 
e Nova J ersey, administrações democratas contrárias à radicalização da guerra e 
a emancipação continuaram no poder. Conseqüentemente, o governo federal 
podia influenciar o sistema partidário, mas não podia substituí-lo, nem alterar o 
seu calendário. Nessas circunstâncias, a reeleição de Lincoln em novembro de 
1864 estaria amarrada à lógica da guerra, enquanto no Brasil, a lógica da guerra 
dependeu mais profundamente da vontade política do imperador. 
N o tas 
1. O tema da escravidão forneceu o maior 
volume de comparações históricas entre 
os dois países. Estudos feitos após o 
término da Segunda Guerra criaram um 
campo de análise histórica rico e 
multidisciplinar. Ao discutir as diferentes 
corren tes de análise sobre a escravidão, 
Eugene Genovese dividiu-as em dois 
grupos: um, formado pela corrente 
"idealista", constituída por Frank 
Tannenbaum, Stanley Elkins e seus 
seguidores; e outro, pela corrente 
"materialista", constituída pelos críticos 
do modelo Tannenbaum-Elkins, com 
destaque para os trabalhos de David B. 
Davis e earl Degler. Para uma discussão 
mais detalhada dessas correntes ver 
Genovese (1969: 238-55), Fredrickson 
(1875: 30-58) e Higham (1989: 251-6). 
Z. Para um esrudo da tradição militar 
none-americana, ver John Whiteclay 
Chambers II (1987: 1 3-40). O debate 
sobre a minimização do papel do 
Exército no Brasil desde o período 
regencial é feito por Schulz (1994: 23-52). 
Coelho (1976: 3445) definiu a política 
imperial até a guerra contra o Paraguai 
como erradicação. Izecksoho (1992: 64) 
observou que: "A monarquia não foi, em 
princípio, avessa à profissionalização do 
exército; apenas destinava a ele um papel 
um papel técnico e secundário na vida 
política nacional". 
3. Max Weber (1982: 98) definiu o Estado 
como "C . . . ) uma comunidade humana que 
pretende, com êxito, o monopólio do uso 
legítimo da força fisica dentro de um 
determinado território". Weber partia da 
afirmação de Leon Trotsky, em Brest­
Litovsky, segundo a qual: "Todo Estado 
se fundamenta na força". O uso do termo 
"pretende", por Weber, sugere que os 
Estados modernos não conseguiram 
estabelecer completamente esse monopólio. 
4. José Severiano de Mello para 
Desembargador João Baptista Gonçalves 
Campos. Taperaguá, 4 de abril de 1 865. 
RPA (1865: 23-4). 
1 05 
106 
estudos históricos . 2001 - 27 
5. Comendador Manuel de Souza Damas 
para José Tomás Nabuco de Araújo. 
Salvador, 1° de março de 1 866. RPB 
(1866: 21). 
6. Augusto César Reis para Visconde de 
Camamú. São Luis, 25 de abril de 1 865. 
Arquivo Nacional, SPE/lG 125, folha 186. 
7. Bernardo de Souza Franco para José 
Tavares Bastos. Niterói, 10 de maio de 
1865. RPRJ ( 1865: 5). 
8. CLIB, tomo XI, parte I, parágrafos I e 
1 1 7 a I 34, p. 237- 58. 
9. Idem, p. 3. De acordo com Fernando 
Uricoechea (1978: 251-52), no Rio Grande 
do Sul, "o impactO burocrático dos 
militares profissionais sobre a corporação 
(Guarda Nacional) foi mais permanente, 
mais sistemático e mais generalizado que 
em outras regiões do país". 
10. A referência direta é o trabalho de E. 
P. Thompson (1991: 185-258) sobre o 
universo da revoltas populares inglesas 
do século XVIII. Para as hierarquias 
ligadas à economia moral do 
recrutamento no Brasil, ver Mendes 
(1998: 81-96). 
11. Sobre o desânimo após a batalha de 
Curupaiti e as alternativas políticas 
disponíveis, ver Izecksohn (200 1 : 157-86). 
12. Vicente Pires da Mota para o Marquês 
de Paranaguá. Ouro Preto, 24 de maio de 
1 867. Arquivo Histórico do Museu 
Imperial, I-DPP-22.1-1867 - met.c. 
13. Tenente Coronel José Caetano Vaz 
Júnior para o Conselheiro José Antônio 
Saraiva. Sâo Luis, 14 de agosto de 1865. 
Arquivo Nacional, SEP/lG 125 - Caixa 
530, folha 76. 
14. Do General Osório para o Visconde 
de Paranaguá. Pelotas, 15 de dezembro de 
1866. Instituto Histórico e Geográfico do 
Brasil, lata 312, pasta 31, Coleção 
Marquês de Paranaguá. 
15. Joaquim Manoel de Macedo para o 
Conde D'Eu. Rio de Janeiro, 5 de 
setembro de 1867. IHGB, caixa 276, pasta 
19. Também citado em William Dudley 
(1972: 68). 
16. Uma visão ampla do impacto do 
recrutamento sobre os pobres 
desprotegidos pode ser encontrada em 
Joan E. Mezoar, (1992: 335-51). Ver 
também Hendrik Kraay (1995: 234-5). 
Para Kraay, cuja pesquisa centra-se no 
recrutamento na Bahia: "In the 
impressment ofsuch men, as in the 
repression of lhe Sabinada, state and 
ruing-class inrerests coincided, as both 
collaborared to prateet propeny righls, 
maimain public arder, and obligate rhe 
free poor to work - in short, to uphold 
class rule". 
17. Nada poderia definir melhor o 
conceito de "resistência da inércia" que a 
descrição feita por Marc Bloch (1968: 352) 
sobre a situação na Europa medieval: "O 
abuso da força pelos senhores não 
encontrava qualquer contrapeso exceto 
pela impressionante capacidade da inércia 
das massas rurais, que era geralmente 
muito eficiente, e da desordem da própria 
administração senhorial". 
18. Pedro Leão Veloso para Zaearias de 
Góes e Vasconcelos. Fortaleza, 3 de 
fevereiro de 1868. Museu Imperial 1 -
ZGV - 6 -1- 868, caixa 6, n. 2. RMJ 
( 1868: 8). 
19. Simon Cameron, I'Reporl from Lhe 
Secretary ofWar", dezembro de 1861. 
20. McPherson (1997) definiu esse estado 
de espírito como rage miliraire - uma 
expressão normalmente associada às 
experiências francesas no início da 
Primeira Guerra Mundial. 
Desconhecendo os riscos e as 
conseqüências da guerra total, que iriam 
experimentar em breve, muitos desses 
voluntários partiram para o que 
pensavam ser uma aventura curta, que 
ofereceria a oportunidade de conhecerem 
realidades diferentes das de suas cidades 
e vilas. 
Resistência ao recrutamento para o Exército 
21. Uma boa descrição das relações en tre 
Linco!n e os governadores leais pode ser 
encontrada em Hesseltine (1972). 
22. Atas da Convenção Republicana do 
Condado de Oneida, Nova Iorque, 
realizado em 26 de setembro de 1862 
(apud Skowronek, 1993: 30). 
23. A relação estreita entre os voluntários 
e suas comunidades durante os primeiros 
anos da GuerraCivil foi discutida em 
Wiley ( 1992: 17·44). 
24. Para as eleições de 1 862, uma boa 
fonte é o trabalho de Silbey (1977: 30-61). 
25. De acordo com Levine (198 1 : 830), 
"rcpublicans insistence on the lack of 
conflict berween social classes and their 
basically middle-c1ass perspective failed 
to obscure an obvious disdain for a 
permanent underclass incessant toiling 
for wages and incapable to economic 
independence because of an inability to 
conform to lhe values and virtues 
necessary for success in a modernizing 
sociery. " 
26. Senador James W. Nesmith (Oregon), 
16 de fevereiro de 1863. Congressional 
Globe, 37° congresso, 33 sessão, 989. 
27. Uma descrição pormenorizada da 
trajetória desa legislação e dos debates no 
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Congresso norte-americano pode ser 
encontrada em James W. Gcary ( 1984: 
562-82). 
28. As lutas dos mineiros da Pensilvânia 
contra o recrutamento compulsório 
foram descritas no excelente trabalho de 
Grace Palladino ( 1990). 
29. Alessandra Lorini (1990) descreveu 
os ritos de violência desenvolvidos 
durante os distúrbios em Nova Iorque. 
30. Amos A. Lawrence et a1. para E. M. 
Stanton, 10 de dezembro de 1863 (apud 
Berlin et aI., 1982: 1 08-9). 
31. Uma síntese dessas transformações 
pode ser encontrada em Curry (1968). 
31. O cancelamento das eleições no Rio 
Grande do Sul foi discutido na Reunião 
do Conselho de Estado, realizada em 23 
de agosto de 1866. A maioria dos 
conselheiros entendeu que a realização 
das eleições e a violência inerente ao 
processo cleiLOral naquela província não 
• 
• 
• seriam compauvels com o processo 
eleitoral. Para maiores detalhes, ver 
Rodrigues (1978: VI, 49-59). A derrubada 
do gabinete progressista foi discutida em 
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(Recebida para publicação em 
janeiro de 2001) 
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