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Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 630-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL DEFENSORIA PÚBLICA Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções. DIREITO ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária = direito subjetivo à nomeação. SERVIDORES PÚBLICOS São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de perseguição política praticada na época da ditadura militar. DIREITO CIVIL USUCAPIÃO É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda. DIREITO DO CONSUMIDOR INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária mesmo no Programa Minha Casa, Minha Vida. DIREITO EMPRESARIAL SOCIEDADES Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ATO INFRACIONAL Superveniência da maioridade penal. DIREITO PROCESSUAL CIVIL CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Qual é o recurso cabível contra o pronunciamento que julga a impugnação ao cumprimento de sentença? RESTAURAÇÃO DE AUTOS Tribunal de Justiça não pode editar provimento fixando prazo para a propositura da ação de restauração de autos. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2 DIREITO PROCESSUAL PENAL FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO As autoridades listadas no art. 105, I, “a”, da CF/88 somente terão foro por prerrogativa de função no STJ para os crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Iminência da ocorrência da prescrição fez com que o STJ permanecesse competente para julgar Desembargador que praticou crime fora do exercício de suas funções. TRIBUNAL DO JÚRI Jurado que fala “é um crime” durante a sessão de julgamento viola o dever de incomunicabilidade acarretando a nulidade absoluta da condenação. DIREITO PREVIDENCIÁRIO PREVIDÊNCIA PRIVADA Não é possível incluir, nos cálculos dos proventos de complementação de aposentadoria pagos por entidade fechada de previdência privada, as horas extraordinárias habituais incorporadas por decisão da Justiça trabalhista à remuneração do participante. Em ação de revisão de benefício de previdência privada, o patrocinador não possui legitimidade passiva para figurar em litisconsórcio com a entidade previdenciária. DIREITO CONSTITUCIONAL DEFENSORIA PÚBLICA Defensor Público não precisa de inscrição na OAB para exercer suas funções Importante!!! Os Defensores Públicos NÃO precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. O art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/94 deve receber interpretação conforme à Constituição de modo a se concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da Defensoria Pública. O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao Estatuto da OAB por se tratar de previsão posterior e específica. Vale ressaltar que é válida a exigência de inscrição na OAB para os candidatos ao concurso da Defensoria Pública porque tal previsão ainda permanece na Lei. STJ. 2ª Turma. REsp 1.710.155-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/03/2018 (Info 630). O candidato ao cargo de Defensor Público precisa de inscrição na OAB? O candidato precisa ser advogado? Em regra, sim. Essa é uma exigência prevista na LC 80/94 (Lei Orgânica da Defensoria Pública) para os cargos de Defensor Público Federal e de Defensor Público do Distrito Federal. Veja: Art. 26. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la (ex: o candidato é Delegado), e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense, devendo indicar sua opção por uma das unidades da federação onde houver vaga. (...) § 2º Os candidatos proibidos de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil comprovarão o registro até a posse no cargo de Defensor Público. Obs: o art. 26 trata sobre a DPU. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3 Essa mesma disposição é encontrada no art. 71, caput e § 2º, que versa sobre a Defensoria Pública do Distrito Federal: Art. 71. O candidato, no momento da inscrição, deve possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, e comprovar, no mínimo, dois anos de prática forense. (...) § 2º Os candidatos proibidos de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil comprovarão o registro até a posse no cargo de Defensor Público. No caso das Defensorias Públicas estaduais, a LC 80/94 não traz uma exigência semelhante porque, na época da sua edição, entendeu-se que exigir ou não OAB do candidato (requisito para a posse) seria uma decisão relacionada com a autonomia de cada Defensoria Pública estadual, a ser definida em lei estadual. Logo, uma lei federal não poderia impor essa determinação. Assim, se você observar as leis estaduais das Defensorias Públicas, algumas exigem do candidato a inscrição na OAB e outras, não. • Exemplo que exige: DPE/AC, DPE/AL, DPE/SP, DPE/AM e a imensa maioria. • Exemplo que não exige: DPE/RJ. Editais dos concursos Diante disso, vários editais de concursos para o cargo de Defensor Público exigem a inscrição na OAB como sendo um dos requisitos da posse. Exemplos: DPU 2017 3 DOS REQUISITOS BÁSICOS PARA A INVESTIDURA NO CARGO (...) 3.7 Estar inscrito na OAB, ressalvada a situação dos candidatos que exerçam atividade incompatível com a advocacia DPE MA 2.1 O candidato deverá declarar, na solicitação de Inscrição Preliminar: (...) d) estar inscrito na OAB, na data da posse, dispensado deste requisito os incompatibilizados com o exercício da advocacia; DPE AC 2017 3 DOS REQUISITOS BÁSICOS PARA A INVESTIDURA NO CARGO (...) 3.11 Possuir registro na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, ressalvada a situação dos proibidos de obtê-la, comprovado mediante cópia autenticada da carteira de advogado ou certidão emitida pelo órgão, nos termos do art. 15 da Lei Complementar Estadual nº 158/2006. O Defensor Público precisa ter inscrição na OAB para exercer as suas funções? O Defensor Público, para exercer suas atribuições, precisa ser advogado? 1ª corrente: SIM 2ª corrente: NÃO Se a LC 80/94 exige a inscrição na OAB como um requisito para a posse, isso significa que se trata de um requisito para o exercício do cargo. A capacidade postulatória do Defensor Público decorre diretamente da Constituição Federal. Assim, não é necessária a inscrição na OAB para o exercício das funções. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4 Além disso, essa primeira corrente sustenta que o Defensor Público exerce advocacia, razão pela qualdeve ser inscrito na OAB, conforme prevê o art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB). O Defensor Público não é um advogado. Desse modo, o Defensor Público está obrigado a se inscrever na OAB apenas para tomar posse, mas não para o exercício de suas funções. Principal dispositivo invocado: Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). § 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando- se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia- Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. Principal dispositivo invocado: Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) § 6º A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. (Incluído pela LC 132/2009) É a corrente defendida pela OAB. É a tese institucional defendida pelas associações de Defensores Públicos. Qual foi a posição adotada pelo STJ? A 2ª corrente. Os Defensores Públicos NÃO precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. Defensor Público não é advogado A Defensoria Pública é disciplinada pela Constituição Federal dentro das “Funções Essenciais à Justiça”, ao lado do Ministério Público, da Advocacia e da Advocacia Pública. A Defensoria Pública não deve ser considerada como Advocacia Pública, dada a nítida separação entre as funções realizada pela Carta de 1988. Os Defensores Públicos exercem atividades de representação judicial e extrajudicial, de advocacia contenciosa e consultiva, o que se assemelha bastante à Advocacia, tratada em Seção à parte no texto constitucional. Apesar disso, não se pode dizer que os Defensores Públicos sejam advogados. Há inúmeras peculiaridades que fazem com que a Defensoria Pública seja distinta da advocacia privada e, portanto, mereça tratamento diverso. Alguns pontos que diferenciam a carreira da Defensoria Pública: • está sujeita a regime próprio e a estatutos específicos; • submete-se à fiscalização disciplinar por órgãos próprios (e não pela OAB); • necessita de aprovação prévia em concurso público, sem a qual, ainda que possua inscrição na Ordem, não é possível exercer as funções do cargo; • não precisa apresentar procuração para atuar. CF/88 não exigiu inscrição na OAB A Constituição Federal não previu a inscrição na OAB como exigência para o exercício do cargo de Defensor Público. Ao contrário, o § 1º do art. 134 proibiu o exercício da advocacia privada: Art. 134 (...) § 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 x o art. 4º, § 6º da LC 80/94 Existe uma antinomia entre o art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/94 e o art. 4º, § 6º da LC 80/94. A antinomia entre normas da mesma hierarquia deve ser resolvida pelo critério da especialidade (lex specialis derrogat generalis) e da cronologia (lex posterior derrogat priore). No caso, o art. 4º, § 6º da LC 80/94 foi incluído no ordenamento jurídico pela LC 132/2009, sendo, portanto, posterior ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 8.906/94. Além disso, trata-se de dispositivo mais específico, considerando que rege a carreira de Defensor Público e a sua atuação. Logo, deve prevalecer o art. 4º, § 6º da LC 80/94, que diz que a “capacidade postulatória” do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público. Em outras palavras, a sua capacidade de pedir e de responder em juízo (capacidade postulatória) surge e depende unicamente de sua nomeação e posse. Não depende de mais nada (nem de inscrição na OAB). Isso significa que a Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB) não se aplica para nada relacionado com a Defensoria Pública? Não foi isso que se quis dizer. É necessário fazer um diálogo das fontes e alguns dispositivos do Estatuto da Advocacia são sim aplicáveis aos Defensores Públicos, dada a semelhança de suas atividades com aquelas que são exercidas pela advocacia privada. Um exemplo é o art. 2º, § 3º, da Lei nº 8.906/94, que assegura a inviolabilidade por atos e manifestações. Outro é o sigilo da comunicação (art. 7º, III). Tais dispositivos são perfeitamente aplicáveis aos Defensores Públicos. Em suma: Os Defensores Públicos NÃO precisam de inscrição na OAB para exerceram suas atribuições. O art. 3º, § 1º, da Lei 8.906/94 deve receber interpretação conforme à Constituição de modo a se concluir que não se pode exigir inscrição na OAB dos membros das carreiras da Defensoria Pública. O art. 4º, § 6º, da LC 80/94 afirma que a capacidade postulatória dos Defensores Públicos decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público, devendo esse dispositivo prevalecer em relação ao Estatuto da OAB por se tratar de previsão posterior e específica. Vale ressaltar que é válida a exigência de inscrição na OAB para os candidatos ao concurso da Defensoria Pública porque tal previsão ainda permanece na Lei. STJ. 2ª Turma. REsp 1.710.155-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 01/03/2018 (Info 630). DIREITO ADMINISTRATIVO CONCURSO PÚBLICO Surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária = direito subjetivo à nomeação O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária. STJ. 1ª Seção. MS 22.813-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/06/2018 (Info 630). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6 O candidato aprovado dentro do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? SIM. O candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital do concurso público possui direito subjetivo de ser nomeado e empossado dentro do período de validade do certame. O candidato aprovado fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação? Em regra, não. Se o candidato foi aprovado fora do número de vagas, mas durante o prazo de validade do concurso foram criados novos cargos, ele terá direito subjetivo à nomeação? Em regra, não. Imagine que a Administração fez um concurso para 10 vagas, tendo nomeado e dado posse aos 10 primeiros. Alguns meses depois são criadas 5 novas vagas. O prazo de validade do concurso ainda não expirou. Apesar disso, o Poder Público decide fazer um segundo concurso. Os candidatos aprovados no primeiro certame fora do número de vagas inicialmente previsto poderão exigir sua nomeação? Em regra, não. A situação pode ser assim definida: REGRA: o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo durante o prazo de validade do certame anterior não geraautomaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital. EXCEÇÃO: Haverá direito à nomeação se o candidato conseguir demonstrar, de forma cabal: • que existe inequívoca necessidade de nomeação de aprovado durante o período de validade do certame; e • que está havendo preterição arbitrária e imotivada por parte da administração ao não nomear os aprovados. Hipóteses nas quais existirá direito subjetivo à nomeação O STF listou as três hipóteses nas quais existe direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público: 1) Quando a aprovação do candidato ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; 2) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; 3) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração. Tese fixada pelo STF em repercussão geral O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: a) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; b) quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; e c) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima. STF. Plenário. RE 837311/PI, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/12/2015 (repercussão geral) (Info 811). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7 Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi aprovado no cargo de Procurador na 20ª posição. O edital do concurso oferecia apenas 15 cargos. Assim, João foi aprovado fora do número de vagas. Os 15 primeiros colocados tomaram posse e começaram a exercer a função. Durante o prazo de validade do concurso, 5 Procuradores se aposentaram, ou seja, surgiram 5 novas vagas. Apesar disso, a Administração Pública não fez mais nenhuma nomeação. Quase no fim do prazo de validade do certame, o Procurador-Geral encaminhou um expediente ao Chefe do Poder Executivo relatando a existência das 5 vagas e afirmando que precisava de autorização para a realização de novo concurso porque a quantidade de Procuradores estava muito abaixo do necessário para o órgão. No expediente, o Procurador-Geral afirmou que havia dotação orçamentária para a nomeação desses novos Procuradores. João e os outros 4 aprovados conseguiram cópia deste expediente e impetraram mandado de segurança alegando que tinham direito de ser nomeados. O STJ concordou com o pedido dos candidatos? SIM. O candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas tem direito subjetivo à nomeação caso surjam novas vagas durante o prazo de validade do certame, haja manifestação inequívoca da administração sobre a necessidade de seu provimento e não tenha restrição orçamentária. STJ. 1ª Seção. MS 22.813-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 13/06/2018 (Info 630). O STJ entendeu que essa hipótese (surgimento de novas vagas + necessidade do provimento + inexistência de restrição orçamentária) foi prevista pelo STF como uma hipótese na qual surge o direito subjetivo à nomeação. Trata-se de situação descrita no final da ementa do julgado do STF no RE 837311. Confira: (...) reconhece-se, excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos candidatos devidamente aprovados no concurso público, pois houve, dentro da validade do processo seletivo e, também, logo após expirado o referido prazo, manifestações inequívocas da Administração piauiense acerca da existência de vagas e, sobretudo, da necessidade de chamamento de novos Defensores Públicos para o Estado. (...) STF. Plenário. RE 837311, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/12/2015. SERVIDORES PÚBLICOS São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de perseguição política praticada na época da ditadura militar Importante!!! São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. Ex: João era servidor da ALE/PR. Em 1963, João foi demitido em razão de perseguição política perpetrada na época da ditadura militar. Em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo. Esta pretensão é considerada imprescritível considerando que envolve a efetivação da dignidade da pessoa humana. Vale ressaltar, contudo, que a imprescritibilidade da ação que visa reparar danos provocados pelos atos de exceção não implica no afastamento da prescrição quinquenal sobre as parcelas eventualmente devidas ao autor. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8 reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do Autor, o qual poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República. Em outras palavras, o recebimento dos “atrasados” ficará restrito aos últimos 5 anos contados do pedido. STJ. 1ª Turma. REsp 1.565.166-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/06/2018 (Info 630). Imagine a seguinte situação hipotética: João era servidor da Assembleia Legislativa do Paraná. Em 1963, João foi “desligado” de seu cargo (demitido) em razão de perseguição política perpetrada na época da ditadura militar. Em 2011, João requereu o reconhecimento de anistiado político à “Comissão de Anistia”, órgão do Ministério da Justiça que tem a finalidade de examinar os requerimentos formulados e assessorar o Ministro de Estado em suas decisões. Também em 2011, João ajuizou ação ordinária contra o Estado do Paraná pedindo a sua reintegração ao cargo. O pedido de João foi baseado no art. 8º do ADCT da CF/88 e na Lei nº 10.599/2002, que regulamentou este dispositivo constitucional: ADCT Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos. Lei nº 10.599/2002 Art. 1º O Regime do Anistiado Políticocompreende os seguintes direitos: (...) V - reintegração dos servidores públicos civis e dos empregados públicos punidos, por interrupção de atividade profissional em decorrência de decisão dos trabalhadores, por adesão à greve em serviço público e em atividades essenciais de interesse da segurança nacional por motivo político. Parágrafo único. Aqueles que foram afastados em processos administrativos, instalados com base na legislação de exceção, sem direito ao contraditório e à própria defesa, e impedidos de conhecer os motivos e fundamentos da decisão, serão reintegrados em seus cargos. Vale ressaltar que João foi formalmente reconhecido como anistiado político por Portaria do Ministro da Justiça. A Procuradoria Geral do Estado, entre outras matérias defensivas, suscitou a ocorrência de prescrição. Segundo este órgão, a Lei nº 10.599/2002 promoveu uma renúncia tácita ao prazo prescricional. Isso significa que todas as pessoas prejudicadas poderiam ingressar com ações pedindo a reintegração, mas desde que o fizessem no prazo de até 5 anos (art. 1º do Decreto nº 20.910/1932) contados da publicação da Lei nº 10.599/2002. O STJ concordou com a tese da PGE? A pretensão veiculada por João encontra-se realmente prescrita? NÃO. Não houve prescrição porque essa pretensão é imprescritível. Veja o que decidiu o STJ: São imprescritíveis as ações de reintegração em cargo público quando o afastamento se deu em razão de atos de exceção praticados durante o regime militar. STJ. 1ª Turma. REsp 1.565.166-PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 26/06/2018 (Info 630). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9 A Constituição Federal não prevê prazo prescricional para o exercício do direito de agir quando se trata de defender o direito inalienável à dignidade humana, sobretudo quando violados durante o período do regime de exceção. É certo que a prescrição é a regra no ordenamento jurídico. Assim, em regra, para uma pretensão ser considerada imprescritível deverá haver um comando expresso no texto constitucional, como é o caso do art. 37, § 5º da CF/88. O STJ, no entanto, excepcionalmente, afirma que, mesmo sem uma previsão expressa, é possível considerar que as pretensões que buscam reparações decorrentes do regime militar de exceção são imprescritíveis considerando que envolvem a concretização da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido: (...) 1. A dignidade da pessoa humana, valor erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, experimenta os mais expressivos atentados quando engendradas a tortura e a morte, máxime por delito de opinião. (...) 4. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. 5. Consectariamente, não há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. (...) 12. A exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos". 13. A Constituição federal funda-se na premissa de que a dignidade da pessoa humana é inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual. (...) STJ. 1ª Turma. REsp 1165986/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 16/11/2010. Assim, é pacífico o entendimento no STJ no sentido de que: As ações de indenização por danos morais decorrentes de atos de tortura ocorridos durante o Regime Militar de exceção são imprescritíveis. Não se aplica o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. STJ. 2ª Turma. REsp 1.374.376-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 25/6/2013 (Info 523). Mas, no caso de João, ele não está pedindo indenização por danos morais e sim a reintegração no cargo... Mesmo assim. O STJ afirmou que a ação buscando a reintegração ao cargo público deve seguir o mesmo regramento das ações de indenização. Isso porque a causa de pedir também decorre da violação de direitos fundamentais perpetrada durante o regime militar. Ora, o retorno ao serviço público representa uma forma de reparação, estando intimamente ligada ao princípio da dignidade humana, tendo em vista que o trabalho representa uma das expressões mais relevantes do ser humano. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10 Entendi... isso significa que João, além de voltar ao cargo público que ocupava, terá direito a toda remuneração retroativa, desde 1963, data em que ele foi demitido? NÃO. Não se deve confundir imprescritibilidade da ação de reintegração com imprescritibilidade dos efeitos patrimoniais e funcionais dela decorrentes, sob pena de prestigiar a inércia do autor, que poderia ter buscado seu direito desde a publicação da Constituição da República. Isso significa dizer que: • João terá direito de ser reintegrado; • ele terá direito à remuneração retroativa, mas limitada aos últimos 5 anos, contados para trás, tendo marco o ajuizamento. Como o pedido foi formulado em 2011, ele terá direito à remuneração retroativa desde 2006. Essa compreensão, inclusive, restou estampada no art. 6º, § 6º, da Lei nº 10.559/2002: Art. 6º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas. (...) § 6º Os valores apurados nos termos deste artigo poderão gerar efeitos financeiros a partir de 5 de outubro de 1988, considerando-se para início da retroatividade e da prescrição quinquenal a data do protocolo da petição ou requerimento inicial de anistia, de acordo com os arts. 1º e 4º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932. Assim, são imprescritíveis as ações de reintegração a cargo público decorrentes de perseguição, tortura e prisão, praticadas durante o regime militar, por motivos políticos, ficando, contudo, eventuais efeitos retroativos, sujeitos à prescrição quinquenal. DIREITO CIVIL USUCAPIÃO É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda Importante!!! É possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigido por lei se complete no curso do processo judicial, conforme a previsão do art. 493, do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado contestação. Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana, nos termos do art. 1.240 do CC (que exige posse ininterrupta e sem oposiçãopor 5 anos). Em abril de 2017, o proprietário apresentou contestação pedindo a improcedência da demanda. As testemunhas e as provas documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na ação, ainda não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para sentença. O magistrado deverá julgar o pedido procedente considerando que o prazo exigido por lei para a usucapião se completou no curso do processo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/06/2018 (Info 630). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11 Usucapião Usucapião é... - um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel) - por determinados anos - agindo como se fosse dono - adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão) - desde que cumpridos os requisitos legais. Modalidades de usucapião USUCAPIÃO PRAZO E CARACTERÍSTICAS 1) EXTRAORDINÁRIA (art. 1.238 do CC) Prazos: • 15 anos de posse (regra) • 10 anos O prazo da usucapião extraordinária será de 10 anos se: a) o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual; OU b) nele tiver realizado obras ou serviços de caráter produtivo. Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé. Não importa o tamanho do imóvel. 2) ORDINÁRIA (art. 1.242 do CC) Prazos: • 10 anos (caput) • 5 anos (parágrafo único) O prazo da usucapião ordinária será de apenas 5 anos se: a) o imóvel tiver sido adquirido onerosamente com base no registro e este registro foi cancelado depois; e b) desde que os possuidores nele tiverem estabelecido moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico. Ex: o indivíduo compra um imóvel sem saber que havia um vício na escritura. Nele constrói uma casa ou uma loja. Essa hipótese do art. 1.242, parágrafo único (prazo de 5 anos) é chamada por alguns autores de usucapião tabular (veja item 8 abaixo). Exige justo título e boa-fé. Não importa o tamanho do imóvel. 3) ESPECIAL RURAL (ou PRO LABORE) (ou AGRÁRIA) (art. 1.239 do CC) (art. 191 da CF/88) Requisitos: a) 50 hectares: a pessoa deve estar na posse de uma área rural de, no máximo, 50ha; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) tornar a terra produtiva: o possuidor deve ter tornado a terra produtiva por meio de seu trabalho ou do trabalho de sua família, tendo nela sua moradia. Em outras palavras, o possuidor, além de morar no imóvel rural, deve ali desenvolver alguma atividade produtiva (agricultura, pecuária, extrativismo etc). d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12 4) ESPECIAL URBANA (ou PRO MISERO) (art. 1.240 do CC) (art. 9º do Estatuto da Cidade) (art. 183 da CF/88) Requisitos: a) 250m2: a pessoa deve estar na posse de uma área urbana de, no máximo, 250m2; b) 5 anos: a pessoa deve ter a posse mansa e pacífica dessa área por, no mínimo, 5 anos ininterruptos, sem oposição de ninguém; c) Moradia: o imóvel deve estar sendo utilizado para a moradia da pessoa ou de sua família; d) Não ter outro imóvel: a pessoa não pode ser proprietária de outro bem imóvel (urbano ou rural). Observações: • Não se exige que a pessoa prove que tinha um justo título ou que estava de boa-fé; • Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; • É possível usucapião especial urbana de apartamentos (nesse caso, quando for calcular se o tamanho do imóvel é menor que 250m2, não se incluirá a área comum, como salão de festas etc, mas tão somente a parte privativa); • O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 5) ESPECIAL URBANA COLETIVA (USUCAPIÃO FAVELADA) (art. 10 do Estatuto da Cidade) Requisitos: a) existência de um núcleo urbano informal; b) esse núcleo deve viver em um imóvel cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a 250m2; c) esse núcleo deve estar na posse do imóvel há mais de 5 anos, sem oposição; d) os possuidores não podem ser proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Neste caso, poderá haver uma usucapião coletiva da área. Observações: • O possuidor pode, para o fim de contar o prazo de 5 anos, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. • A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. • Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. • O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. • As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes. 6) RURAL COLETIVA (art. 1.228, §§ e 4º e 5º do CC) O proprietário pode ser privado da coisa se: - um considerável número de pessoas - estiver por mais de 5 anos - na posse ininterrupta e de boa-fé - de extensa área - e nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. Neste caso, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. Alguns doutrinadores, especialmente civilistas, afirmam que esse instituto tem natureza jurídica de “usucapião”. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13 Outros autores, no entanto, sustentam que se trata de uma hipótese de “desapropriação”, considerando a posição topográfica (o § 3º do art. 1.228 está tratando sobre desapropriação) e o fato de se exigir pagamento de indenização. 6) ESPECIAL URBANA RESIDENCIAL FAMILIAR (POR ABANDONO DE LAR OU CONJUGAL) (art. 1.240-A do CC) Requisitos: a) posse direta por 2 anos ininterruptamente e sem oposição, com exclusividade; b) sobre imóvel urbano de até 250m² c) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar; d) utilização do imóvel para a sua moradia ou de sua família; e) não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Observações: • esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez; • o prazo de 2 anos é contado do abandono do lar; • aplica-se ao casamento e à união estável (hetero ou homoafetiva). 7) INDÍGENA (art. 33 do Estatutodo Índio) Requisitos: a) posse da terra por índio (integrado ou não) b) por 10 anos consecutivos c) devendo ocupar como se fosse próprio trecho de terra inferior a 50 hectares. Não é possível a usucapião indígena de: • terras do domínio da União; • terras ocupadas por grupos tribais; • áreas reservadas segundo o Estatuto do Índio; • terras de propriedade coletiva de grupo tribal. 8) TABULAR (CONVALESCENÇA REGISTRAL) (art. 214, § 5º, da Lei 6.015/73) Trata-se da possibilidade de o réu, em uma ação de invalidade de registro público, alegar a usucapião em seu favor. O juiz, na mesma sentença que reconhece a invalidade do registro, declara a ocorrência de usucapião, concedendo ao réu a propriedade do bem. A usucapião tabular tem relação com a usucapião ordinária do art. 1.242, parágrafo único, porque exige do possuidor justo título e boa-fé. 9) DE QUILOMBOLAS (art. 68 do ADCT) O art. 68 do ADCT da CF/88 confere proteção especial aos territórios ocupados pelos remanescentes quilombolas. Confira: Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. O que são as terras dos quilombolas? São as áreas ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos e utilizadas por este grupo social para a sua reprodução física, social, econômica e cultural. O que são remanescentes das comunidades dos quilombos? Existe uma grande discussão antropológica sobre isso, mas, de maneira bem simples, os grupos que hoje são considerados remanescentes de comunidades de quilombos são agrupamentos humanos de afrodescendentes que se formaram durante o sistema escravocrata ou logo após a sua extinção. Alguns doutrinadores afirmam que esse instituto teria natureza jurídica de “usucapião”. Essa, contudo, não é a posição que prevalece, considerando que o fundamento jurídico para esse direito de propriedade não é a posse mansa, pacífica e por determinado prazo. A fonte desse direito é uma decisão do legislador constituinte. A previsão do art. 68 do ADCT foi uma forma que o constituinte encontrou de homenagear “o papel protagonizado pelos quilombolas na resistência ao injusto regime escravista” (Min. Rosa Weber). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14 Ação de usucapião O CPC/1973 trazia, em seus arts. 941 a 945, um procedimento especial para a ação de usucapião. O CPC/2015 não previu procedimento especial para a ação de usucapião, de forma que a usucapião judicial deverá seguir o procedimento comum. Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em março de 2017, João ajuizou ação pedindo o reconhecimento de usucapião especial urbana, nos termos do art. 1.240 do Código Civil: Art. 1.240. Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Afirmou que não tem o título de propriedade dessa área, mas lá mora há 5 anos sem oposição de ninguém. Vale ressaltar também que ele não tem outro imóvel, seja urbano, seja rural. Em abril de 2017, o proprietário apresentou contestação pedindo a improcedência da demanda. Foram ouvidas testemunhas. As testemunhas e as provas documentais atestaram que João reside no imóvel desde setembro de 2012, ou seja, quando o autor deu entrada na ação (março de 2017), ainda não havia mais de 5 anos de posse. Em novembro de 2017, os autos foram conclusos ao juiz para sentença. O magistrado deverá julgar o pedido procedente? SIM. Mas, quando o autor ajuizou a ação, ele ainda não havia preenchido o prazo de 5 anos de posse... É verdade. No entanto, como o autor continuou na posse do bem durante a tramitação do processo, esse requisito temporal foi atingido no curso da demanda. E isso é permitido? SIM. É possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel com a implementação do requisito temporal no curso da demanda. STJ. 3ª Turma. REsp 1.361.226-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 05/06/2018 (Info 630). É possível complementar o prazo de usucapião no curso do processo, tendo em vista que o CPC autoriza que o magistrado examine e leve em consideração na sentença fatos ocorridos após a instauração da demanda. Veja: Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão. Parágrafo único. Se constatar de ofício o fato novo, o juiz ouvirá as partes sobre ele antes de decidir. A decisão deve refletir o estado de fato e de direito existente no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido (STJ. 5ª Turma. REsp 1.147.200/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 13/11/2012). Assim, cabe ao magistrado examinar o requisito temporal da usucapião ao proferir a sentença, permitindo que o prazo seja completado no curso do processo judicial. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15 Evita-se, com isso, que o autor proponha nova ação para obter o direito que já poderia ter sido reconhecido se o Poder Judiciário apreciasse eventual fato constitutivo superveniente, cuja medida se encontra em harmonia com os princípios da economia processual e da razoável duração do processo. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvand têm a mesma opinião: “(...) Porém, se o prazo for complementado no curso da lide, entendemos que o juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil [de 1973]. É de se compreender que a pretensão jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença". (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais - 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 287 - grifou-se) Essa linha de raciocínio também é confirmada pelo Enunciado nº 497 da V Jornada de Direito Civil (STJ/CJF), segundo o qual “o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor”. Mas o proprietário apresentou contestação antes de o autor completar o prazo necessário para a usucapião. Isso não pode ser considerado como uma “oposição” (art. 1.240 do CC) para fins de impedir a constituição do prazo de usucapião? NÃO. O STJ entende que a contestação apresentada pelo réu não impede o transcurso do lapso temporal. Essa peça defensiva não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião: (...) A contestação apresentada na ação de usucapião não é apta a interromper o prazo da prescrição aquisitiva e nem consubstancia resistência ao afastamento da mansidão da posse. (...) STJ. 4ª Turma. AgRg no AREsp 180.559/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013. A contagem do tempo para usucapião somente seria interrompida se o proprietário conseguisse reaver a posse. Desse modo, repetindo: é possível o reconhecimento da usucapião quando o prazo exigidopor lei se complete no curso do processo judicial, conforme a previsão do art. 493, do CPC/2015, ainda que o réu tenha apresentado contestação. DIREITO DO CONSUMIDOR INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA Validade do repasse da comissão de corretagem ao consumidor pela incorporadora imobiliária mesmo no Programa Minha Casa, Minha Vida Importante!!! Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. STJ. 2ª Seção. REsp 1.601.149-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16 Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) O “Minha Casa, Minha Vida” é um programa habitacional que tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (art. 1º da Lei nº 11.977/2009). A Lei nº 11.977/2009, ao instituir o programa, estabeleceu as suas regras gerais, deixando aos regulamentos, principalmente aos editados pelo Ministério das Cidades, dispor acerca das normas específicas de operacionalização, inclusive as faixas de renda, faixas de valor dos imóveis, padrões construtivos e os critérios de seleção dos beneficiários. Campos de atuação do PMCMV O Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV subdivide-se em 4 diferentes faixas de renda familiar mensal: Faixa 1 - até R$ 1.800,00 (ou R$ 3.600,00, excepcionalmente); Faixa 1,5 - até R$ 2.600,00; Faixa 2 - até R$ 4.000,00; Faixa 3 - até R$ 9.000,00. Faixa 1: • Beneficia famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.800,00 (valores da época do julgado) ou famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.600,00 (desde que, neste segundo caso, estejam em situações específicas de vulnerabilidade social, como emergência ou calamidade pública). • Nessa faixa do programa, a operação mais se assemelha a um benefício social do que propriamente a um contrato de compra e venda de imóvel. • Não se estabelece relação de consumo entre o beneficiário e a construtora/incorporadora, como ocorre nas outras faixas do programa. • O imóvel é incorporado ao patrimônio de um fundo público (Fundo de Arrendamento Residencial - FAR ou Fundo de Desenvolvimento Social - FDS), e esse fundo assume a condição de “alienante” do imóvel. • A seleção dos beneficiários é realizada pelo Poder Público ou por “entidades organizadoras” previamente habilitadas pelo Ministério das Cidades. • A subvenção econômica nessa faixa alcança até 90% do valor do imóvel, sendo o restante diluído em até 120 parcelas mensais (limitadas a 5% da renda bruta), sem juros e sem formação de saldo devedor, diversamente do que ocorre num típico financiamento imobiliário. • Na Faixa 1 não há venda direta das construtoras aos beneficiários do programa. A seleção, como já dito, é feita por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio. Logo, não há campo para a intermediação imobiliária. Demais faixas As atividades do PMCMV nessas outras três faixas de renda são muito parecidas com as demais modalidades de financiamento imobiliário existentes. Em outras palavras, são praticamente iguais a um financiamento imobiliário “comum”. O que é um contrato de corretagem? Pelo contrato de corretagem, o corretor obriga-se a obter para uma pessoa que o contrata (denominada “cliente” ou “comitente”) um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas. O contrato de corretagem está previsto, de forma genérica, nos arts. 722 a 729 do CC. Quando se fala neste contrato, normalmente as pessoas só se lembram da corretagem de imóveis. No entanto, existem outras espécies de corretagem, como é o caso do corretor de ações na Bolsa de Valores ou o corretor de mercadorias (bens móveis). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17 No caso do corretor de imóveis, a profissão está regulamentada pela Lei n. 6.530/78 e pelo Decreto n. 81.871/78. Para exercer a profissão de corretor de imóveis, exige-se a aprovação em curso técnico de Transações Imobiliárias ou curso superior em Gestão Imobiliária, com registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (CRECI). Comissão de corretagem Como remuneração pelo serviço prestado, o corretor receberá o pagamento de uma quantia, que é chamada de “comissão de corretagem”. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes (art. 725). Qual é o valor da comissão de corretagem? O valor da comissão de corretagem deverá estar previsto na lei ou no contrato firmado entre as partes. E se não estiver previsto na lei nem no contrato? Neste caso, este valor será arbitrado segundo a natureza do negócio e os usos locais (art. 724 do CC). Não há lei estipulando o valor da comissão de corretagem na venda de imóveis. Aplica-se, portanto, os usos e costumes. No dia-a-dia imobiliário, quando não há previsão contratual, deverá ser pago ao corretor 6% sobre o valor do imóvel urbano vendido, conforme prevê a tabela do CRECI. É possível que o contrato preveja que a obrigação de pagar a comissão de corretagem será do promitente-comprador? SIM. O STJ definiu a seguinte tese: É válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. STJ. 2ª Seção. REsp 1.599.511-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/8/2016 (recurso repetitivo) (Info 589). Isso vale também para os imóveis vinculados ao programa “Minha Casa, Minha Vida”? O contrato de promessa de compra e venda de imóvel do programa “Minha Casa, Minha Vida” poderá ter cláusula prevendo que a obrigação pelo pagamento da comissão de corretagem será do promitente comprador? É válido transferir para o consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem nas promessas de compra e venda celebradas no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida”? O STJ fez a seguinte distinção: • Se o contrato estiver na Faixa 1: NÃO. Não há que se falar em pagamento da comissão de corretagem. • Se o contrato estiver nas demais faixas: SIM. É possível transferir ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem. A tese fixada pelo STJ foi a seguinte: Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. STJ. 2ª Seção. REsp 1.601.149-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Ricardo VillasBôas Cueva, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18 Faixa 1 Como vimos acima, na Faixa 1 não há comercialização dos imóveis no mercado. A distribuição dos imóveis é realizada por meio das Prefeituras, mediante prévio cadastro das famílias de baixa renda e é o próprio Fundo (FAR / FDS) que figura como vendedor do imóvel. Desse modo, não há envolvimento de imobiliárias, construtoras, incorporadores e corretores na sua venda. Logo, é óbvio que não há razão para a cobrança da comissão de corretagem, até porque nem existe corretor atuando. Repetindo: na Faixa 1, como não há venda direta das construtoras aos beneficiários do programa, mas seleção por meio de critérios sociais, conjugada com sorteio, não há campo para a intermediação imobiliária, sendo descabida eventual cobrança da comissão de corretagem. Demais faixas Nas demais faixas, a venda dos imóveis se assemelha a um financiamento tradicional pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) e do próprio Fundo, mas com taxas de juros reduzidas e com a possibilidade de amortização de parte do saldo devedor com subvenção da União e/ou a concessão de desconto/subsídio do FGTS, dependendo da renda. Assim, é igual a uma operação de mercado, sendo que, dependendo da Faixa de Renda, pode haver a concessão de um desconto sobre o valor da dívida, bem como redução na taxa de juros e na Taxa de Administração. Também há redução de valor no pagamento de emolumentos cartorários. Tirando a Faixa 1, nas demais Faixas do programa, as construtoras/incorporadoras é que são as proprietárias dos imóveis produzidos e elas vendem, geralmente por meio e corretores, os imóveis para os interessados. Como nessas Faixas o contrato não difere substancialmente das demais modalidades de financiamento imobiliário existentes, deve-se aplicar o mesmo entendimento do STJ firmado no REsp 1.599.511-SP e autorizar a cobrança da comissão de corretagem, desde que o adquirente seja previamente informado sobre o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Assim, não há nenhuma razão que impeça a cobrança da comissão de corretagem nestes casos. Vale ressaltar que se fosse proibida a cobrança da comissão de corretagem, o custo dela continuaria sendo suportado pelo adquirente, considerando que estaria embutido no preço. Essa é a lógica do mercado imobiliário, pois a venda só produz lucro à incorporadora se o preço final do imóvel superar os seus custos. Significa dizer que, na impossibilidade de transferência da obrigação de pagar a comissão de corretagem ao consumidor, esse custo seria embutido no preço dos imóveis. Não há violação na Lei Vale ressaltar, por fim, que não há, nas normas que regulamentam o PMCMV, expressa vedação quanto à transferência do custo da corretagem ao consumidor, de modo que não cabe ao Poder Judiciário criar uma norma que não existe. Caso concreto: Lucas adquiriu da construtora, por intermédio de uma imobiliária, um apartamento dentro do programa “Minha Casa, Minha Vida”. O contrato previa que o promitente-comprador (Lucas) deveria pagar R$ 4.500,00 de comissão de corretagem. O STJ entendeu que a cobrança era legítima, considerando que: • Lucas não se encontrava na chamada Faixa 1; • o contrato previa essa obrigação do promitente-comprador; • a cláusula contratual foi previamente informada ao consumidor, inclusive com o preço total da aquisição da unidade autônoma e com o destaque do valor da comissão de corretagem. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19 DIREITO EMPRESARIAL SOCIEDADES Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações, na hipótese em que as ações originárias tenham sido emitidas pela Telebrás. A legitimidade passiva para a demanda por complementação de ações é definida de acordo com as seguintes hipóteses: 1) Contrato de participação financeira celebrado com companhia independente não controlada pela TELEBRÁS (ex.: CRT S/A): legitimidade passiva da companhia independente, ou da sucessora desta (ex.: OI S/A); 2) Contrato de participação financeira celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS (ex.: TELESC S/A), e emissão originária de ações pela controlada: legitimidade passiva da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas); 3) Contrato de participação financeira celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS, e emissão de ações pela TELEBRÁS: legitimidade passiva da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas). STJ. 2ª Seção. REsp 1.633.801-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018 (recurso repetitivo) (Info 630). Sistema TELEBRÁS Antes da privatização, quem explorava os serviços de telefonia no Brasil era a União, por meio de empresas estatais integrantes do chamado sistema TELEBRÁS. A TELEBRÁS (Telecomunicações Brasileiras S.A.) era uma empresa estatal pertencente à União, sendo responsável por coordenar e controlar outras empresas estatais que atuavam nos Estados prestando os serviços telefônicos. Assim, a TELEBRÁS era uma espécie de holding, que abrangia inúmeras outras empresas estatais, como a TELEBRASÍLIA (que prestava os serviços de telecomunicações no Distrito Federal), a TELECEARÁ (Ceará), a TELEMIG (Minas Gerais), a TELERJ (Rio de Janeiro), a TELESP (São Paulo), a TELAMAZON (Amazonas) etc. Os serviços que atualmente são prestados pelas operadoras TIM, VIVO, CLARO etc. eram desempenhados por essas empresas estatais. Em 1998, as empresas que compunham o sistema TELEBRÁS foram vendidas em leilão internacional para empresas privadas, no processo conhecido como “privatização”. Serviços de telefonia antes da privatização Antes da privatização, o serviço de telefonia era muito ruim, caro e a área de abrangência era pequena. Para poder ter direito ao serviço de telefonia, o consumidor tinha que comprar uma linha. Para isso, pagava antecipadamente e entrava em uma lista de espera que poderia durar meses até chegar a sua vez. Além disso, como na época não havia recursos públicos suficientes para a expansão da rede, as empresas de telefonia obrigavam os usuários dos serviços a serem seus financiadores. Assim, o consumidor, para ter o direito de adquirir o uso de um terminal telefônico, tinha que assinar um contrato de adesão por meio do qual era obrigado a comprar ações da empresa de telefonia. Em outras palavras, para ter acesso ao serviço de telefonia, o usuário tinha que adquirir uma participação acionária na companhia. Por isso, você já deve ter ouvido algumas pessoas mais antigas falarem que tinham ações da TELERJ, da TELESP etc. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20 Contratos de participação financeira Dessa forma, as pessoas interessadas em ter uma linha de telefone eram obrigadas a assinar um contrato com as empresas de telefonia, por meio do qual pagavam um valor a título de participação financeira, passando a ter acesso a um terminal telefônicoe, além disso, o direito de receber determinado número de ações da companhia. Para se ter uma ideia de como isso era caro, algumas pessoas recorriam a um financiamento bancário para obter dinheiro e conseguir comprar uma linha telefônica. Recebimento das ações Ocorre que muitas vezes o usuário firmava o contrato com a companhia, recebia o direito de usar a linha telefônica, mas não recebia na hora as ações a que teria direito. Tais ações somente eram entregues algum tempo depois e o cálculo do número de ações a que teria direito o usuário era feito unilateralmente pelas empresas de telefonia, com base em um valor patrimonial da ação (VPA) futuro. A prática revelou que, muitas vezes, o cálculo realizado pelas companhias estava errado e, por isso, muitos contratantes do serviço de telefonia acabaram recebendo uma quantidade menor de ações do que realmente teriam direito. Ação (demanda) de complementação de ações Diante do cenário acima narrado, diversas pessoas que adquiriram ações das companhias telefônicas e receberam menos do que seria devido ingressaram com demandas judiciais pedindo a complementação das ações. Dessa forma, quando você ouvir falar em “ação de complementação de ações da empresa de telefonia”, nada mais é do que a demanda judicial proposta pela pessoa que pagou para ter direito a um determinado número de ações da companhia telefônica, mas, apesar disso, recebeu menos do que seria devido. Por isso, a pessoa ingressa com o processo judicial pedindo a complementação das ações ou, subsidiariamente, o recebimento de indenização por perdas e danos. Companhias cindendas e sucessoras da Telebrás Em 1998, a fim de potencializar a privativatização, a Telebrás foi cindida em 12 empresas: 3 de telefonia fixa, 1 de longa distância, e 8 de telefonia móvel. Depois da cisão, o Governo fez a desestatização e “vendeu”, por meio de leilão, para empresas privadas (exs: OI, Brasil Telecom, TIM etc.), os serviços desempenhados por essas 12 companhias cindendas (Edital de Desestatização MC/BNDES 01/98). Em outras palavras, o controle acionário dessas 12 empresas foi alienado no leilão público realizado em julho de 1998. Assim, essas empresas privadas (exs: OI, Brasil Telecom, TIM etc.) são consideradas empresas sucessoras. E a Telebrás? A Telebrás continuou existindo, com apenas 1,25% de seu patrimônio. Existe até hoje. Pergunta: essa ação de complementação de ações (que expliquei acima) deverá ser proposta contra quem? Quem tem legitimidade para figurar no polo passivo dessa demanda na qual se busca efetivar a obrigação de emitir, subscrever e integralizar ações (complementação de ações) em favor do consumidor de serviço de telefonia, titular de contrato de participação financeira? O STJ definiu a seguinte tese geral: Legitimidade passiva da Telebrás, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas), para a ação de complementação de ações, na hipótese em que as ações originárias tenham sido emitidas pela Telebrás. STJ. 2ª Seção. REsp 1.633.801-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018 (recurso repetitivo) (Info 630). Além disso, detalhou as teses para cada um dos casos concretos. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21 Assim, a legitimidade passiva para a demanda por complementação de ações será definida de acordo com as seguintes hipóteses: 1) Caso o contrato de participação financeira tenha sido celebrado com companhia independente não controlada pela TELEBRÁS (ex.: CRT S/A): a legitimidade passiva será da companhia independente, ou da sucessora desta (ex.: OI S/A); 2) Caso o contrato de participação financeira tenha sido celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS (ex.: TELESC S/A), e emissão originária de ações pela controlada: a legitimidade passiva será da da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas); 3) Caso o contrato de participação financeira tenha sido celebrado com companhia local controlada pela TELEBRÁS, e emissão de ações pela TELEBRÁS: a legitimidade passiva será da TELEBRÁS, bem como das companhias cindendas (ou sucessoras destas). Este tema é complexo e envolve a análise aprofundada de cada uma das hipóteses listadas. No entanto, para fins de concurso, penso que não é necessário avançar tanto e que, se for cobrado algo sobre o tema (o que já é improvável), será exigido o que foi explicado acima. ECA ATO INFRACIONAL Superveniência da maioridade penal A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos. STJ. 3ª Seção. REsp 1.705.149-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 13/06/2018 (recurso repetitivo) (Info 630). Súmula 605-STJ: A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa em curso, inclusive na liberdade assistida, enquanto não atingida a idade de 21 anos. STJ. 3ª Seção. Aprovada em 14/03/2018, DJe 19/03/2018. Ato infracional Quando uma criança ou adolescente pratica um fato previsto em lei como crime ou contravenção penal, esta conduta é chamada de “ato infracional”. Assim, juridicamente, não se deve dizer que a criança ou adolescente cometeu um crime ou contravenção penal, mas sim ato infracional. O que é criança e adolescente, para os fins legais? • Criança: é a pessoa que tem até 12 anos de idade incompletos. • Adolescente: é a pessoa que tem entre 12 e 18 anos de idade. Quando uma criança ou adolescente pratica um ato infracional, não receberá uma pena (sanção penal), considerando que não pratica crime nem contravenção. O que acontece, então? • Criança: receberá uma medida protetiva (art. 101 do ECA). • Adolescente: receberá uma medida socioeducativa (art. 112 do ECA) e/ou medida protetiva (art. 101). Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22 Adulto Adolescente Igual ou maior que 18 anos. De 12 até 18 anos. Obs: se a pessoa cometer o fato no dia do seu 18º aniversário, já é considerada adulta, não sendo mais adolescente. Comete crime e contravenção penal. Pratica ato infracional. Recebe pena (sanção penal). Recebe medida socioeducativa. A execução da pena é regulada pela Lei n. 7.210/84. A execução da medida socioeducativa é regulada pela Lei n. 12.594/2012. Quais são as medidas socioeducativas? O rol de medidas socioeducativas está previsto no art. 112 do ECA. Assim, quando um adolescente pratica um ato infracional, ele poderá receber as seguintes medidas: I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das medidas protetivas previstas no art. 101, I a VI do ECA (exs: orientação, matrícula obrigatória em escola, inclusão em programa comunitário, entre outras). Procedimento aplicável no caso de apuração de ato infracional A apuração de ato infracional praticado por criança ou adolescente é regulada por alguns dispositivos do ECA. No entanto, como o Estatuto não tratou de forma detalhada sobre o tema, o art. 152 determina que sejam aplicadas subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente. No caso de apuração de atoinfracional, aplica-se subsidiariamente o CPP ou o CPC? Depende. Aplica-se: • o CPP para o processo de conhecimento (representação, produção de provas, memoriais, sentença); • o CPC para as regras do sistema recursal (art. 198 do ECA). Resumindo: 1ª opção: normas do ECA. Na falta de normas específicas: • CPP: para regular o processo de conhecimento. • CPC: para regular o sistema recursal. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, com 17 anos e 11 meses de idade, praticou ato infracional equiparado a roubo. O Promotor de Justiça ofereceu representação ao Juiz, propondo a instauração de procedimento para aplicação da medida socioeducativa (art. 182 do ECA). A “representação” de que trata o ECA é como se fosse a “denúncia” do processo penal. O Juiz entendeu que não era o caso de rejeição da representação e, assim, designou audiência de apresentação do adolescente. Na audiência de apresentação, o Juiz ouviu o adolescente e seus pais. Em seguida, o magistrado, por entender que não era o caso de conceder remissão judicial, determinou o prosseguimento do processo com a realização de instrução. Depois da instrução foi realizado o debate entre Ministério Público e defesa. Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23 Chegou o momento de o Juiz proferir a sentença. Ocorre que o magistrado verificou que, em virtude da demora na tramitação do processo, João já está, atualmente, com 19 anos. Diante disso, surgiu a dúvida: é possível que João continue sendo julgado pelo juízo da Vara de Infância e Adolescência mesmo já tendo atingido a maioridade penal (18 anos)? É possível que o magistrado aplique alguma medida socioeducativa em relação a João mesmo ele já sendo adulto (maior de 18 anos)? SIM. A medida socioeducativa pode ser aplicada ao indivíduo maior de 18 anos, desde que o ato infracional tenha sido praticado antes, ou seja, quando ele ainda era adolescente. A superveniência da maioridade penal não interfere na apuração de ato infracional nem na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente ter completado 18 anos durante o curso do processo onde se apura o ato infracional não interfere na sentença. O juiz poderá aplicar normalmente a medida socioeducativa. Outra situação: Pedro, com 17 anos de idade, recebeu medida socioeducativa de internação pela prática de ato infracional. Ele está cumprindo medida em uma unidade de internação de adolescentes infratores. Ocorre que Pedro completou 18 anos. Ele pode continuar cumprindo a internação? SIM. A superveniência da maioridade penal não interfere na aplicabilidade de medida socioeducativa. Em palavras mais simples: o fato de o adolescente ter completado 18 anos durante o cumprimento da medida socioeducativa não faz com que essa execução tenha que ser encerrada. Ela continuará normalmente até que o Juiz entenda que a medida já cumpriu a sua finalidade ou até que o indivíduo complete 21 anos. Se o interno completar 21 anos, deverá ser obrigatoriamente liberado, encerrando o regime de internação. Mas o ECA pode ser aplicado para maiores de 18 anos? Existe possibilidade legal para isso? SIM. Essa autorização encontra-se prevista no art. 2º, parágrafo único e no art. 121, § 5º do ECA: Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Desse modo, um exemplo desse parágrafo único do art. 2º do ECA é justamente a possibilidade de aplicação e cumprimento de medida socioeducativa para pessoas entre 18 e 21 anos, desde que o fato tenha sido praticado antes de atingida da maioridade penal, ou seja, antes dos 18 anos. Idade na data do fato O que interessa para saber se a pessoa deve responder por ato infracional é a sua idade na data do fato, e não na data do julgamento ou do cumprimento da medida (respeitada a idade máxima de 21 anos). Veja o que diz o ECA: Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato. Assim, se na data do fato o adolescente tinha menos de 18 anos, nada impede que permaneça no cumprimento de medida socioeducativa imposta, ainda que implementada a sua maioridade penal. Internação até 21 anos Vale ressaltar que o art. 121 do ECA, que trata sobre a internação, prevê expressamente a possibilidade de o indivíduo permanecer cumprindo a medida até 21 anos. Confira: Informativo comentado Informativo 630-STJ (31/08/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24 Art. 121 (...) § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. O art. 121, § 5º dispõe sobre a internação. Essa possibilidade de o indivíduo cumprir medida mesmo até os 21 anos vale para a medida de semiliberdade? SIM. Existe previsão expressa afirmando que as regras da internação, incluindo o art. 121, § 5º, podem ser aplicadas, no que couber, à medida de semiliberdade: Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. (...) § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação. O ECA, ao tratar sobre a liberdade assistida, não traz um dispositivo como esse do art. 120, § 2º acima transcrito. Em razão disso, vários doutrinadores sustentaram que, para a liberdade assistida, o cumprimento deveria ficar restrito até os 18 anos por ausência de previsão legal. Essa tese prevaleceu? NÃO. A jurisprudência entendeu que, mesmo sem regra expressa, deve ser permitido o cumprimento da liberdade assistida até os 21 anos, assim como ocorre com a internação e a semiliberdade. Não há qualquer fundamento jurídico ou lógico que autorize uma diferença de tratamento. Isso porque a internação e a semiliberdade são medidas mais gravosas que a liberdade assistida. Desse modo, seria ilógico considerar que é possível a incidência das medidas mais gravosas e, ao mesmo tempo, proibida a aplicação das mais brandas. Assim, o STJ possui o entendimento pacífico de que o art. 121, § 5º do ECA admite a possibilidade da extensão do cumprimento da medida socioeducativa até os 21 anos de idade, abarcando qualquer que seja a medida imposta ao adolescente. Posição do STF O STF possui o mesmo entendimento manifestado na Súmula 605 do STJ. Confira: O disposto no § 5º do art. 121 da Lei 8.069/1990, além de não revogado pelo art. 5º do Código Civil, é aplicável à medida socioeducativa de semiliberdade, conforme determinação expressa do art. 120, § 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em consequência, se o paciente, à época do fato, ainda não tinha alcançado a maioridade penal, nada impede que ele seja submetido à semiliberdade, ainda que, atualmente, tenha mais de dezoito anos, uma vez que a liberação compulsória só ocorre aos vinte e um. STF. 2ª Turma. HC 94939, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 14/10/2008. Apenas a título de informação complementar: Medidas socioeducativas em meio aberto: • Prestação de serviços à comunidade; • Liberdade assistida. Prestação de serviços à comunidade (art. 117 do ECA) A prestação
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