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SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 1 JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) sapiens editora SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 2 2007,Sapiens Editora Obras da série Estudos da Sociedade: Volume 1 A organização das sociedades na história da humanidade Volume 2 O pensamento Humano na história da Filosofia Volume 3 O desenvolvimento brasileiro – Colônia, Império e República Volume 4 A Humanidade em seu transcurso histórico Volume 5 Sociologia Rural: Breve Introdução Catalogação na Fonte FIORIN, José Augusto (org.). Sociologia rural: Breve Introdução Ijuí: Sapiens Editora, 2007. 160 p. 1.Sociedade 2.História 3.Sociologia 4.Cultura 5.Estado I.Título II.Série SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 3 UMA INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela abrangência de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mediante métodos científicos, a totalidade da realidade social como tal, sem proposta de transformação. Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e efeitos das relações que se estabelecem entre os indivíduos organizados em sociedade. Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as transformações por que passam essas relações, como também as estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A abordagem sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem biológica, psicológica, econômica e política dessas relações. Seu interesse focaliza-se no todo das interações sociais e não em apenas um de seus aspectos, cada um dos quais constitui o domínio de uma ciência social específica. As preocupações de ordem normativa são estranhas à sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para problemas sociais ou a responsabilidade pelas reformas, planejamento ou adoção de medidas que visem à transformação das condições sociais. Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia como ciência, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os mais importantes citam-se a inexistência de terminologia clara e precisa; a tendência a subjetivar os fatos sociais; a multiplicidade de temas de seu interesse e aplicação; as afinidades partilhadas com outras ciências sociais; a dificuldade de experimentação, já que os elementos com que lida são seres humanos; e a proliferação de métodos, técnicas e escolas que tentaram elaborar uma teoria sociológica unificada como instrumento adequado de análise, descrição e interpretação dos fenômenos sociais. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 4 Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia na Grécia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os filósofos gregos, porém, não elaboraram uma ciência sociológica autônoma, já que subordinaram os fatos sociais a exigências éticas e didáticas. Assim, a contribuição grega à sociologia foi apenas indireta. Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma forma não-sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos sociais, pois se baseava na especulação e não na investigação objetiva dos fatos. Além disso, nesse período anulou-se a distinção entre as leis da natureza e as leis humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social como decorrência da vontade divina, que não seria passível de transformação. Assim, eivado de conotações ideológicas, éticas e religiosas, o pensamento social medieval pouco evoluiu. As profundas modificações econômicas, sociais e políticas ocorridas na sociedade européia nos séculos XVIII e XIX, em decorrência da revolução industrial, permitiram o surgimento do capitalismo e libertaram pensamento dos dogmas medievais. Assim, as ciências naturais e humanas fizeram rápidos progressos. Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia política, a filosofia da história, as teorias biológicas da evolução e os movimentos pelas reformas sociais e políticas, que ensaiaram um levantamento das condições sociais vigentes na época. Nos primórdios da sociologia, foram mais influentes a filosofia da história e os movimentos reformistas. A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados objetivos sobre a sociedade, acumulados ao longo do tempo. Além disso, a evolução da historiografia contribuiu em parte para o aperfeiçoamento dos métodos empíricos de compilação de dados e a análise dos fatos SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 5 sociais. Em relação aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou com eles sua preocupação com os problemas sociais e não mais aceitou como fato natural condições como a pobreza, seqüela da industrialização. Incorporou também os procedimentos dos reformistas, que se basearam nos métodos das ciências naturais para fazer levantamentos sociais, numa tentativa de classificar e quantificar os fenômenos sociais. A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período aproximado de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação de L'Esprit des lois (O espírito das leis), de Montesquieu, e a formulação das teorias de Auguste Comte e Herbert Spencer. Sua constituição como ciência ocorreu na segunda metade do século XIX. O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na obra Cours de philosophie positive (1839; Curso de filosofia positiva), em que batizou a nova "ciência da sociedade" e tentou definir seu objeto. No entanto, a palavra sociologia continuou suscetível de inúmeras interpretações e definições no que diz respeito à delimitação de seu objeto, pois cada escola sociológica criou suas próprias definições, de acordo com as perspectivas teóricas, filosóficas e metodológicas adotadas. Todas essas definições, no entanto, partilhavam um substrato comum: o estudo das relações e interações humanas. Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de dois pilares: a teoria e o método. A teoria se ocupa dos princípios, conceitos e generalizações; o método proporciona os instrumentos necessários para a pesquisa científica dos fenômenos sociais. A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a sociologia do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da religião, da educação, da cultura etc. A essa lista seria possível acrescentar um sem-número de novas especializações, como a sociologia SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 6 da vida cotidiana, do teatro, do esporte etc., já que os interesses do pesquisador se orientam para a compreensão e explicação sistemática, mediante a utilização das teorias e dos métodos mais adequados, dos aspectos sociais de todos os setores e atividades da vida humana. Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento de entendimento da realidade, dentro da qual se enunciam as leis gerais. Difere, por isso, da doutrina social, de cunho normativo e ideológico, e a ela se opõe. As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX e XX centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas distinguem-se a determinação do que representam a sociedade e a cultura; a fixação de unidades elementares para seu estudo; a especificação dos fatores que condicionam sua estabilidade ou sua mudança; a descoberta das relações que mantêm entre si e com a personalidade; a delimitação de um campo; e a especificação de um objeto e de métodos de estudos próprios à sociologia. O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado de acordo com três grandes temas: os tipos de generalização empregados, os conceitos e esquemas de classificação e os tipos de explicação. São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1)correlações empíricas entre fenômenos sociais concretos; (2) generalizações das condições sob as quais surgem as instituições e outras formas sociais; (3) generalizações que afirmam que as mudanças que determinadas instituições experimentam estão regularmente associadas às mudanças que ocorrem em outras instituições; (4) generalizações sobre a existência de repetições rítmicas de vários tipos; (5) generalizações que enumeram as principais tendências evolutivas da SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 7 humanidade; e (6) elaboração de leis sobre as repercussões e hipóteses relacionadas ao comportamento humano. A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da elaboração de conceitos e esquemas de classificação. No entanto, e apesar de terem sido criados muitos conceitos, as definições existentes continuam ainda insatisfatórias, o que impede a classificação adequada das sociedades, dos grupos e das relações sociais, assim como o descobrimento de conceitos centrais que permitam a elaboração de uma teoria sistemática. Verifica-se que numerosos conceitos foram utilizados com significados distintos por diferentes sociólogos. Mais ainda, tentativas recentes de aperfeiçoar a base da conceituação atribuíram importância excessiva à definição do conceito e relegaram a segundo plano sua finalidade fundamental, a utilização. As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais, a causal e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência natural da sociedade, indaga o porquê dos fenômenos sociais, qual a causa de sua ocorrência. A segunda indaga a finalidade dos fenômenos sociais, com que objetivo eles ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano em termos de propósitos e significados. Métodos sociológicos. Distinguem-se sete métodos na sociologia: histórico, comparativo, funcional, formal ou sistemático, compreensivo, estatístico e monográfico. O método histórico ocupa-se do estudo dos acontecimentos, processos e instituições das civilizações passadas para proceder à identificação e explicação das origens da vida social contemporânea. O método comparativo, considerado durante muito tempo o método sociológico por excelência porque permitia a realização de correlações tanto restritas como gerais, estabelece comparações entre SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 8 diversos tipos de grupos e fenômenos sociais com o fim de descobrir diferenças e semelhanças. O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto de vista de suas funções. O sistema social total de uma comunidade seria integrado por diversas partes inter-relacionadas e interdependentes e cada uma delas desempenharia uma função necessária à vida do conjunto. Nessa abordagem são evidentes as analogias entre a sociedade e um organismo, o que levou seus partidários a tentativas de diferenciar o funcionamento normal das instituições e sistemas sociais de seu funcionamento patológico. O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais existentes entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às diversas formas que essas relações podem assumir independentemente de seu conteúdo. Em completa oposição ao formal, o método compreensivo atribui uma importância fundamental ao significado e aos motivos das ações sociais, isto é, a seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a medição matemática dos fenômenos sociais. No entanto, como a maior parte dos dados sociológicos é do tipo qualitativo, não se pode adotar tratamento estatístico rígido. Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo aprofundado de casos particulares: um grupo, uma comunidade, uma instituição ou um indivíduo. Cada um dos objetos de estudo deve necessariamente representar vários outros para que seja possível estabelecer generalizações. Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso estabelecer a diferença entre métodos e técnicas sociológicas. Os métodos representam uma opção estratégica e não devem ser confundidos com os objetivos da investigação, enquanto as técnicas SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 9 constituem níveis de etapas práticas de operação limitada, ligadas a elementos concretos e adaptadas a uma finalidade determinada. O método é, portanto, uma concepção intelectual que coordena um conjunto de técnicas. Entre as principais técnicas utilizadas na investigação sociológica figuram as entrevistas, as experiências de grupo, as histórias de vida ou de caso e os formulários ou questionários, que podem ser de tipo fechado, que oferecem alternativas prévias de resposta, ou aberto, que permitem ao entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais técnicas não são necessariamente excludentes, pois permitem a utilização simultânea e complementar. Principais correntes sociológicas. De acordo com as classificações geralmente aceitas, são cinco as correntes principais da sociologia: organicismo positivista, teorias do conflito, formalismo, behaviorismo social e funcionalismo. Organicismo positivista. Primeira construção teórica importante surgida na sociologia, nasceu da hábil síntese que Comte fez do organicismo e do positivismo, duas tradições intelectuais contraditórias. O organicismo representa uma tendência do pensamento que constrói sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e tem origem na filosofia idealista. O positivismo, que fundamenta a interpretação do mundo exclusivamente na experiência, adota como ponto de partida a ciência natural e tenta aplicar seus métodos no exame dos fenômenos sociais. Assim, os primeiros conceitos da nova disciplina foram elaborados de acordo com analogias orgânicas, três das quais são fundamentais para a compreensão dessa corrente sociológica: (1) o conceito teleológico da natureza, que implica uma postura fatalista, já SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 10 que as metas a serem alcançadas estão predeterminadas, o que impede qualquer tentativa de alterá-las; (2) a idéia segundo a qual a natureza, a sociedade e todos os demais conjuntos existentes perdem vida ao serem analisados e por isso não se deve intervir em tais conjuntos. Essa noção leva, em conseqüência, à adoção de uma atitude de laissez-faire; e (3) a crença de que a relação existente entre as diversas partes que compõem a sociedade é semelhante à relação que guardam entre si os órgãos de um organismo vivo. Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao ambiente social e intelectual de seus países: Auguste Comte, na França, Herbert Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Ward, nos Estados Unidos. Os três eram partidários da divisão da sociologia em duas grandes partes, estática e dinâmica, embora tenham atribuído importância maior à primeira. Algumas diferenças profundas, porém, marcaram seus pontos de vista. Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o método positivo, que exige a subordinação dos conceitos aos fatos e a aceitação da idéia segundo a qual os fenômenos sociais estão sujeitos a leis gerais, embora admita que as leis que governam os fenômenos sociais são menos rígidas do que as que regulamentam o biológico e o físico. Comte dividiu a sociologia em duas grandes áreas, a estática, que estuda as condições de existência da sociedade, e a dinâmica, que estuda seu movimento contínuo. A principal característica da estática é a ordem harmônica, enquanto a da dinâmica é o progresso, ambas intimamente relacionadas. O fator preponderante do progresso é o desenvolvimento das idéias, mas o crescimento da população e sua densidade também são importantes. Para evoluir,o indivíduo e a SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 11 sociedade devem atravessar três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. Comte não aceitou o método matemático e propôs a utilização da observação, da experimentação, da comparação e do método histórico. Para Comte, a sociedade era um organismo no qual a ordem não se realiza apenas automaticamente; é possível estabelecer uma ordem planejada, baseada no conhecimento das leis sociais e de sua aplicação racional a problemas e situações concretas. Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade de atingir o progresso pela interferência deliberada nas relações entre o indivíduo e a sociedade. Para ele, a lei universal do progresso é a passagem da homogeneidade para a heterogeneidade, isto é, a evolução se dá pelo movimento das sociedades simples (homogêneas), para os diversos níveis das sociedades compostas (heterogêneas). Individualista e liberal, partidário do laissez-faire, Spencer deu mais ênfase às concepções evolucionistas e usou com largueza analogias orgânicas. Distinguiu três sistemas principais: de sustentação, de distribuição e regulador. As instituições são as partes principais da sociedade, isto é, são os órgãos que compõem os sistemas. Seu individualismo expressou- se numa das diferenças que apontou: enquanto no organismo as partes existem em benefício do todo, na sociedade o todo existe apenas em benefício do individual. Ward compartilhou das idéias de Spencer e Comte mas não incorreu em seus extremos -- individualismo e conservadorismo utópico. Deu grande ênfase, porém, ao aperfeiçoamento das condições sociais pela aplicação de métodos científicos e a elaboração de planos racionais, concebidos segundo uma imagem ideal da sociedade. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 12 Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período clássico do organicismo positivista, caracterizado por uma primeira etapa, em que a biologia exerceu influência muito forte, e uma segunda etapa em que predominou a preocupação com o rigor metodológico e com a objetividade da nova disciplina. O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles Darwin, considerava a sociedade como um organismo biológico em sua natureza, funções, origem, desenvolvimento e variações. Segundo essa corrente, praticamente extinta, o que é válido para os organismos é aplicado aos grupos sociais. A segunda etapa clássica do organicismo positivista, também chamada de sociologia analítica, foi marcada por grandes preocupações metodológicas e teve em Ferdinand Tönnies, Émile Durkheim e Robert Redfield seus expoentes máximos. Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto da vontade humana, manifesta nas interações. O desenvolvimento dos atos individuais permite o surgimento de uma vontade coletiva. A Tönnies deve-se a distinção fundamental entre "sociedade" e "comunidade", duas formas básicas de grupos sociais que surgem de dois tipos de desejo, o natural e o racional. Segundo Tönnies, não são apenas tipos de grupos mas também etapas genéticas -- a comunidade evolui para a sociedade. O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na afirmação segundo a qual uma sociedade não é a simples soma das partes que a compõem, e sim uma totalidade sui generis, que não pode ser diretamente afetada pelas modificações que ocorrem em partes isoladas. Surge assim o conceito de "consciência coletiva", que se impõe aos indivíduos. Para Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e como tal devem ser estudados. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 13 Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma teoria sistemática, Durkheim deixou uma obra importante também do ponto de vista metodológico, pela ênfase que deu ao método comparativo, segundo ele o único capaz de explicar a causa dos fenômenos sociais, e pelo uso do método funcional. Afirmou que não basta encontrar a causa de um fato social; é preciso também determinar a função que esse fato social vai preencher. Sociólogos posteriores, como Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss e Mikel Duffrenne, retomaram de forma atenuada o realismo sociológico de Durkheim. Um dos principais teóricos do organicismo positivista, Redfield analisou a diferença existente entre as sociedades consideradas em sua totalidade e sugeriu a utilização da dicotomia sagrado/secular. Em suas análises utilizou, de forma mais avançada e profunda, a grande tipologia do organicismo positivista clássico, basicamente sociedade/comunidade, e suas diversas configurações. Teorias do conflito. Segunda grande construção do pensamento sociológico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse alcançado sua maturidade, a teoria do conflito conferiu à sociologia uma nova dimensão da realidade. A partir de seus pressupostos, o problema das origens e do equilíbrio das sociedades perdeu importância diante dos significados atribuídos aos mecanismos de conflito e de defesa dos grupos e da função de ambos na organização de formas mais complexas de vida social. O grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio de forças e não mais como uma relação harmônica entre órgãos, não- suscetíveis de interferência externa. Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do conflito já havia obtido resultados de grande importância em outras áreas que não as especificamente sociológicas. É o caso, por exemplo, da SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 14 história; da economia clássica, em especial sob a influência de Adam Smith e Robert Malthus; e da biologia nascida das idéias de Darwin sobre a origem das espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo marxista, que representava uma ideologia do conflito defendida em nome do proletariado, e o darwinismo social, representação da ideologia elaborada em nome das classes superiores da sociedade e baseada na defesa de uma política seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a sociologia com novas perspectivas teóricas. Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês Ludwig Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural mediante o conflito entre os grupos sociais; o austríaco Gustav Ratzenhofer, que utilizou a noção do choque de interesses para explicar a formação dos processos sociais; e os americanos William Graham Sumner e Albion Woodbury Small, para os quais a base dos processos sociais residia na relação entre a natureza, os indivíduos e as instituições. O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas e sectárias. Entre suas premissas estão a de que as atividades de assistência e bem-estar social não devem ocupar-se dos menos favorecidos socialmente porque estariam contribuindo para a destruição do potencial biológico da raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a manifestação de inferioridade biológica. Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento sociológico, que definiu a sociologia como o estudo das formas sociais, independente de seu conteúdo, legou à sociologia um detalhado estudo sobre os acontecimentos e as relações sociais. Para o formalismo, as comparações devem ser feitas entre as relações que caracterizam qualquer sociedade ou instituição, como, por exemplo, as relações entre marido e mulher ou entre patrão e empregado, e não entre sociedades SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 15 globais, ou entre instituições de diferentes sociedades. O interesse pela comparação entre relações permitiu à sociologia alcançar um nível mais amplo de generalização e conferiu maior importância ao indivíduodo que às sociedades globais. Essa segunda característica abriu caminho para o surgimento da psicologia social. Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo neokantiano e o fenomenológico. O primeiro, baseado na divisão kantiana do conhecimento dos fenômenos em duas classes -- o estudo das formas, consideradas a priori como certas, e dos conteúdos, que seriam apenas contingentes -- teve grandes teóricos nos alemães Georg Simmel, interessado em determinar as condições que tornam possível o surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que renovou a divisão kantiana entre forma e conteúdo quando a substituiu pela idéia de relação. Em oposição à interpretação positivista e objetiva do formalismo kantiano, o ramo fenomenológico contribuiu com uma perspectiva subjetivista. Concentrou-se não nas formas ou relações que a priori determinam o surgimento de uma sociedade e sim nas condições sociopsicológicas que a tornam possível. Tem grande importância, portanto, o estudo dos dados cognitivos, isto é, das essências que podem ser diretamente intuídas, para cuja análise o filósofo alemão Edmund Husserl propôs um método de redução a fim de alcançar diversos níveis de profundidade. Behaviorismo social. Surgida entre 1890 e 1910, o behaviorismo social se dividiu em três grandes ramos -- behaviorismo pluralista, interacionismo simbólico e teoria da ação social -- e legou à sociologia preciosas contribuições metodológicas. O behaviorismo pluralista, formado a partir da escola de imitação-sugestão representada SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 16 pelo francês Gabriel Tarde, centralizou-se na análise dos fenômenos de massas e atribuiu grande importância ao conceito de imitação para explicar os processos e interações sociais, entendidos como repetição mecânica de atos. Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead e Charles Wright Mills são alguns dos teóricos do interacionismo simbólico que, ao contrário do movimento anterior, centralizou-se no estudo do eu e da personalidade, assim como nas noções de atitude e significado para explicar os processos sociais. O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro movimento do behaviorismo, a teoria da ação social. Com seu original método de "construção de tipos sociais", instrumento de análise para estudo de situações e acontecimentos históricos concretos, exerceu poderosa influência sobre numerosos sociólogos posteriores. Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o centro de todas as interpretações que constituem a contribuição do funcionalismo, última grande corrente do pensamento sociológico e integrada por dois importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado do organicismo sociológico e da antropologia, e o microfuncionalismo, inspirado nas teorias da escola psicológica da Gestalt e no positivismo. Entre os adeptos do funcionalismo estão os antropólogos culturais Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown. O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica que considera fundamental: os esquemas em larga escala. Foi o italiano Vilfredo Pareto quem permitiu a transição entre o organicismo e o funcionalismo, quando concebeu o conceito de sistema, conferindo-lhe correta formulação abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é determinada pela interação entre os elementos que a compõem e a SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 17 interação desses elementos com o todo, o que implica a existência de uma determinação recíproca entre diversos elementos: a introdução de qualquer mudança provoca uma reação cuja finalidade é a recuperação do estado original (noção de equilíbrio sistêmico). O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos grupos em sua dinâmica e não na área do estudo da sociedade como um sistema. O americano Kurt Lewin, com a teoria sobre os "campos dinâmicos", conjuntos de fatos físicos e sociais que determinam o comportamento de um indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos para o estudo dos grupos humanos. COMO SURGIU A SOCIOLOGIA? A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu de uma mudança radical da sociedade, resultando no surgimento do capitalismo. O século XVIII foi marcado por transformações, fazendo o homem analisar a sociedade, um novo "objeto" de estudo. Essa situação foi gerada pelas revoluções industrial e francesa, que mudaram completamente o curso que a sociedade estava tomando na época. A Revolução Industrial, por exemplo, representou a consolidação do capitalismo, uma nova forma de viver, a destruição de costumes e instituições, a automação, o aumento de suicídios, prostituição e violência, a formação do proletariado, etc. Essas novas existências vão, paulatinamente, modificando o pensamento moderno, que vai se tornando racional e científico, substituindo as explicações teológicas, filosóficas e de senso comum. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 18 Na Revolução Francesa, encontra-se filósofos a fim de transformar a sociedade, os iluministas, que também objetivavam demonstrar a irracionalidade e as injustiças de algumas instituições, pregando a liberdade e a igualdade dos indivíduos que, na verdade, descobriu-se mais tarde que esses eram falsos dogmas. Esse cenário leva à constituição de um estudo científico da sociedade. Contra a revolução, pensadores tentam reorganizar a sociedade, estabelecendo ordem, conhecendo as leis que regem os fatos sociais. Era o positivismo surgindo e, com ele, a instituição da ciência da sociedade. Tal movimento revalorizou certas instituições que a revolução francesa tentou destruir e criou uma "física social", criada por Comte, "pai da sociologia". Outro pensador positivista, Durkheim, tornou-se um grande teórico desta nova ciência, se esforçando para emancipa-la como disciplina científica. Foi dentro desse contexto que surgiu a sociologia, ciência que, mesmo antes de ser considerada como tal, estimulou a reflexão da sociedade moderna colocando como "objeto de estudo" a própria sociedade, tendo como principais articuladores Auguste Comte e Émile Durkheim. SOCIOLOGIA: FUNCIONALIDADES A partir do momento em que um ser humano aceita o acordo de viver e trabalhar em comum com outros seres humanos, passa a fazer parte de uma sociedade. As sociedades humanas podem ser muito diversificadas: abrangem uma gama ampla que varia desde as mais simples, que sobrevivem até a atualidade no interior remoto de florestas e desertos quase inacessíveis, até as mais complexas, como as que SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 19 existem nos países de grande prosperidade econômica e múltiplas manifestações culturais. Nas sociedades mais simples, que se acham em avançado processo de extinção, um grupo reduzido de pessoas enfrenta o mundo utilizando meios tecnológicos muito primitivos e apoiando-se em instituições sociais de extrema singeleza. As sociedades mais complexas têm características opostas. Entre elas encontram-se as diversas sociedades nacionais e, no grau máximo de complexidade, acha-se a sociedade global, planetária, que tem adquirido um perfil cada vez mais nítido nas últimas décadas do século XX. Nessa época, a sociedade global mostrava-se como uma realidade que, embora incompleta, englobava praticamente a totalidade dos seres humanos numa rede muito técnica e rica de relações interpessoais, que abrangem desde os códigos do direito civil às convenções internacionais de saudação entre estranhos de diferentes nacionalidades que partilham um mesmo elevador; desde o respeitoaos sinais de trânsito e a observância dos códigos telefônicos até os tratados internacionais políticos, comerciais ou culturais. Apesar da evidência dessa realidade, continuava-se a considerar a sociedade nacional como a sociedade complexa por excelência, à qual se atribuía, provavelmente por inércia, uma importância excessiva, ignorando o fato óbvio de que a sociedade global ganhava a cada dia mais coesão, independentemente das resistências que os antigos interesses nacionalistas opunham a sua consolidação e apesar da imensa pluralidade de interesses, vivências, hábitos e visões culturais e religiosas de seus elementos constituintes. A sociologia é a ciência que estuda o homem como ser social. O objeto dessa ciência é, portanto, o comportamento social SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 20 humano. A sociologia analisa, por sua natureza, as causas e os efeitos das relações entre indivíduos e grupos de indivíduos, como membros de uma mesma sociedade. Evolução histórica da sociologia Assim que o ser humano começou a refletir sobre o mundo que o cercava, sem dúvida teve que observar que vivia junto com outros indivíduos, partilhando com eles trabalhos e alimentos, formando famílias, clãs e tribos em cujo interior cada pessoa desempenhava um papel determinado, definido por sua idade, sexo, relações de parentesco, trabalho etc. A reflexão sobre as formações sociais humanas, portanto, ocorreu em momento bastante precoce da vida inteligente da humanidade. No decorrer da história, os pensadores enfocaram o tema social em todas as épocas, a partir de pontos de vista muito diversos: analisando, recolhendo conhecimentos anteriores e reestudando-os à luz de novas interpretações ou teorizando sobre especificidades políticas, jurídicas, filosóficas, históricas e demográficas das diversas sociedades. Mas a sociologia, como ciência da sociedade, surgiria apenas depois de muitos séculos. A palavra "sociologia" é de criação relativamente recente. Em sua concepção moderna, a sociologia deve seu nome a Auguste Comte, que o empregou pela primeira vez na década de 1830. A filosofia clássica grega produziu reflexões sobre a natureza e os fins da sociedade. Platão e Aristóteles dedicaram boa parte de sua vida e obra ao estudo da estrutura e funcionamento da sociedade na qual viveram. Platão até mesmo se permitiu projetar uma formação social utópica que considerava perfeita e chegou a fazer algumas tentativas fracassadas de pô-la em prática. É de Aristóteles a famosa definição do homem como "animal social". Filósofos helênicos, doutores da Igreja Católica, teólogos e pensadores medievais, europeus e SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 21 muçulmanos, juristas e geógrafos, todos contribuíram para a criação e o desenvolvimento de um rico acervo de pensamento social ao longo de mais de vinte séculos. A partir do Renascimento, e muito especialmente no período do Iluminismo, diversos autores europeus aproximaram-se aos poucos e cada vez mais do pensamento propriamente sociológico, a partir de análises políticas, históricas ou de natureza jurídica ou econômica. As ciências experimentais começavam a progredir solidamente e nasceu a aspiração de introduzir a utilização do método ciêntífico nas ciências humanas. No começo do século XIX, Henri de Saint-Simon defendeu a criação de uma consciência positiva que estudasse os fenômenos sociais. Mas o criador do termo "sociologia" haveria de ser um de seus discípulos, Auguste Comte, um dos fundadores da sociologia científica. Desde sua origem, a sociologia se nutriu, portanto, de contribuições de personalidades que, em princípio, obedeciam a impulsos de índole política, como é o caso de John Locke ou Jean-Jacques Rousseau, e de critérios tomados de empréstimo a outras áreas do saber, como os demográficos, de que Thomas Malthus é um exemplo, e os econômicos, como fez Adam Smith. Comte e os "fundadores": Durkheim, Weber e Pareto A sociologia chegou à maioridade no período que abrangeu as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Três grandes autores foram os principais responsáveis pelo crescimento e consolidação da nova ciência: o francês Émile Durkheim, o alemão Max Weber e o italiano Vilfredo Pareto. Durkheim é tido como fundador da sociologia moderna. Foi o criador e incentivador da principal escola sociológica de seu tempo e seu magistério doutrinário e metodológico ainda se estende sobre a produção sociológica de autores do mundo SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 22 inteiro um século depois do surgimento de sua obra capital, As regras do método sociológico. Pareto chegou ao domínio da sociologia a partir de uma disciplina muito próxima, a economia, e Weber desbravou os caminhos do conhecimento próprios das ciências humanas, que nem sempre coincidem com os utilizados habitualmente nas ciências experimentais. Desde seus primórdios, o saber sociológico progrediu em direções muito distintas e formaram-se escolas muito diversas. As tendências do pensamento humanístico geral se incorporaram às teorias sociológicas, impondo "modismos" científicos, como o evolucionismo e o psicologismo, que deram lugar a interpretações muitas vezes grosseiras, forçadas e parciais dos fatos sociais. Assim, por exemplo, as teorias do evolucionismo, originalmente estabelecidas nas ciências biológicas, não tardaram a ser aplicadas às realidades sociais. Tais colaborações desfrutaram de certo prestígio, durante algum tempo, entre os indivíduos mais radicalmente tradicionalistas e sectários. As contribuições e progressos doutrinários e práticos adotados por escolas sociológicas se viram afetados profundamente pelas distintas concepções políticas, econômicas e filosóficas sobre o ser humano e suas construções sociais imperantes em cada época e lugar. Sociologia contemporânea Ao contrário da tendência generalizada entre os sociólogos europeus, voltada para a elaboração de grandes sistemas teóricos para explicar o conjunto dos fenômenos sociais ou pelo menos os fenômenos correspondentes a extensos setores da vida social, a obra dos sociólogos americanos foi desde o começo orientada para a prática, dotada de grande concretude nos temas tratados e capaz de efetuar uma análise minuciosa e exaustiva, baseada no estudo direto, de fatos e temas SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 23 específicos. A sociologia empírica, que fez grandes progressos nos Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, alcançou o apogeu na Europa ocidental depois da segunda guerra mundial. Com referência ao empirismo dominante em todo o mundo nos estudos sociológicos, difundiram-se frases pretensamente engraçadas, como a que diz que "um sociólogo é um cientista que gasta cada vez mais dinheiro para estudar segmentos cada vez mais irrelevantes na realidade social". Brincadeiras à parte, na segunda metade do século XX o trabalho dos sociólogos foi dominado, sem dúvida, pelas tendências empíricas. Apesar disso, outras antigas escolas sociológicas continuavam ativas nas últimas décadas do século. A nota mais destacada do progresso sociológico talvez tenha sido a fragmentação da sociologia em numerosas ciências especializadas: é comum falar de sociologia do trabalho, da marginalização, da vida cotidiana, da religião, sociologia eleitoral, sociologia das organizações e outras. Mais ainda, a tendência que a sociologia empírica mostra para a realização de pesquisas, das quais se extraem dados em grande número, obrigou os sociólogos a utilizar com freqüência as estatísticas em seus trabalhos.A popularização do uso do computador encontrou na análise de dados sociológicos uma de suas aplicacões mais prósperas e consistentes. A sociologia no contexto das ciências humanas Como sucede com as demais ciências humanas, o domínio de estudo da sociologia apresenta muitas coincidências com o de outras disciplinas. A sociedade, as relações sociais e a troca social podem ser estudadas de pontos de vista propriamente sociológicos, mas também podem sê-lo em suas características econômicas, antropológicas, psicológicas etc. Por isso, não podem ser inteiramente dissociados os SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 24 enfoques de caráter propriamente sociológico daqueles adotados por outras ciências afins que complementam sempre o trabalho do sociólogo. Os autores antigos tinham uma visão predominantemente política da sociedade, já que consideravam-na como produto de uma união de vontades. Para o sociólogo moderno, no entanto, a concepção de sociedade é mais complexa e se dá dentro de uma abordagem organicista: considera-se que ela funciona de acordo com uma lógica que lhe é própria. A sociedade se compõe de grupos distintos de indivíduos: percebemos em seu interior membros muito diferentes por sua idade, trabalho, posses, poder que detêm sobre os demais, tipo físico, características raciais e outras inúmeras manifestações da diversidade humana. Uma sociedade complexa, como as atuais sociedades nacionais, compõe-se de grande variedade de grupos humanos, formados de maneiras muito diversas: grupos raciais, econômicos, de poder etc. Um mesmo ser humano pode pertencer a vários desses grupos, entre os quais as relações são complexas e se acham sempre em equilíbrio dinâmico e cambiante. Uma das divisões em grupos da sociedade que mais gerou controvérsias no decorrer da história ainda breve da sociologia refere-se às classes sociais. Enquanto alguns autores negam até mesmo sua existência, outros baseiam na mecânica das classes sociais sua concepção global da sociedade e seus mecanismos, sua evolução histórica e seu futuro. Mudança social As sociedades não são permanentes. No decorrer da história existiram formações sociais nas quais as mudanças, em muitas épocas, foram imperceptíveis. Assim, prolongados períodos da história do Egito SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 25 faraônico parecem, do ponto de vista do observador atual, ter sido presididos por uma estrutura social estática, sem mudanças, invariável em suas forças e componentes institucionais internos. No entanto, mesmo as sociedades mais conservadoras e aparentemente imutáveis experimentaram sempre tensões e movimentos de mudanças em seu interior, que no final conseguiram transformar os alicerces sociais. Se essa afirmação é verdadeira em relação às sociedades da antiguidade, aplica-se com maior rigor ainda às sociedades contemporâneas, nas quais o extraordinário progresso impôs um ritmo de transformação e de surgimento e desencadeamento de novos problemas internos, gerou tensões e reforçou fatores de mudança social com uma intensidade jamais conhecida em outras etapas históricas. Tornou-se lugar-comum afirmar que a sociedade atual está em crise. Entretanto, apesar de trivial e repetitiva, essa afirmação não é menos verdadeira. A sociedade do terceiro milênio é com certeza mais aberta às transformações, e as forças que a impulsionam a mudar são mais poderosas do que as que existiram em qualquer outro momento da história. O progresso tecnológico influiu poderosamente sobre as mudanças sociais em nível mundial, mas suas conseqüências não têm sido as mesmas em todas as sociedades, nem os processos tiveram a mesma intensidade. Assim, o desenvolvimento econômico parece estar fortemente enraizado, de forma irreversível, nos países industrializados e mais ricos, nos quais, apesar de ocasionais crises econômicas, o avanço é quase contínuo. Muitas sociedades mais pobres do Terceiro Mundo, pelo contrário, experimentam grandes dificuldades para encontrar o caminho do progresso. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 26 As causas que provocam um grau diferente de mudança social entre as diversas sociedades são muito complexas. Basta no entanto apenas um exemplo para mostrar o nível diferente de impacto que um aperfeiçoamento tecnológico pode ter, de acordo com o tipo de formação social sobre o qual incida. O surgimento dos antibióticos aumentou a duração e a qualidade da vida nos países industrializados; quando seu emprego se generalizou nas sociedades subdesenvolvidas, o grande número de vidas humanas que tais medicamentos salvaram originou como reação problemas adicionais às dificuldades de alimentação e emprego que as massas humanas desses países sofrem devido à explosão demográfica que contribuíram para criar. Assim, pois, a conformação de uma sociedade, seus recursos e organização interna podem originar, para as mesmas causas, efeitos de mudança social muito diferentes. Uma sociedade ingressa numa dinâmica intensa de mudança social quando os laços tradicionais que seus componentes mantêm entre si, sejam eles representados por instituições econômicas, religiosas ou culturais, se enfraquecem a tal ponto que os indivíduos se mostram dispostos a construir novas relações, adotar outras instituições e modificar seu modo de vida e sua conduta. São perceptíveis, em todos os países modernos, as mudanças na estrutura familiar, na forma com que as crenças se materializam na prática religiosa, na estrutura ideológica dominante e, muito particularmente, na realidade econômica. Um processo muito intenso de mudanças sociais teve lugar, no final do século XX, na quase totalidade do mundo. Movimentos ideológicos de transformação social A consciência de que a organização social, num momento dado, não é a melhor possível, isto é, que não proporciona o máximo de SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 27 bem-estar e de possibilidades de auto-realização aos componentes da sociedade, é comum a todos os períodos históricos. Entretanto, parece ter se tornado mais aguda a partir do momento em que a revolução industrial despertou nos homens a idéia de "progresso", isto é, a concepção de que a sociedade é um todo dinâmico, em permanente transformação, e que os recursos materiais de que dispõe aumentam de forma indefinida, possibilitando maior bem-estar aos seres humanos e um aperfeiçoamento contínuo da sociedade. A noção de "progresso", ao se incorporar à ideologia dos europeus a partir do século XVIII, levou-os a repelir as idéias, antes dominantes, de estratificação social, de que as injustiças são inevitáveis, de convivência perpétua com a escassez, da pobreza ixexorável da maior parte dos seres humanos. A industrialização demonstrou que, do ponto de vista material, era possível construir "o paraíso na Terra" e evitar de forma permanente a escassez e a fome. Não foi sem tensões que a idéia de uma sociedade mais justa e equitativa se plasmou paulatinamente na realidade. De fato, em qualquer progresso social produzem-se desajustes e injustiças. A rápida evolução da sociedade industrializada provocou uma série de conflitos, nos quais certas camadas sociais reivindicaram -- e algumas vezes conquistaram -- novos e melhores níveis de qualidade de vida. A história recente da maior parte das sociedades contemporâneas encerra um ou mais movimentos revolucionários, que em alguns casos ameaçaram romper o tecido social e implantar condições radicalmente novas de relacionamento entre pessoas e classes sociais. Sociedade atual O intensoprocesso de mudança social que se iniciou na Europa há vários séculos continua em fermentação. As atuais sociedades SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 28 desenvolvidas -- última etapa, por enquanto, desse processo de mudança social -- têm características muito positivas em alguns casos: extensão generalizada da alfabetização, previdência social universal, média elevada de duração da vida, incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a outras atividades sociais em desvantagem cada vez menor em relação ao homem, estabilidade social e econômica no caso dos países de "capitalismo avançado" e bem-estar material de amplas camadas sociais. Entretanto, em sua complexidade, as sociedades desenvolvidas se revestem também de características que não podem deixar de ser consideradas negativas. Uma delas é que, embora englobem apenas uma parcela minoritária da humanidade, as sociedades desenvolvidas, em função precisamente das necessidades de seu desenvolvimento ou da tecnologia de que dispõem, detêm a quase exclusividade da exploração dos recursos naturais do planeta. Essa situação ocorre em detrimento daquelas sociedades que possuem tais recursos, mas carecem dos meios de se beneficiarem deles. No final do século XX, o modelo econômico e social a que aspirava a maioria dos habitantes do planeta era, em linhas gerais, representado pelos países capitalistas mais desenvolvidos. Entretanto, as sociedades mais ricas tentam encontrar soluções para os problemas que surgiram em seu interior, como a delinqüência, a violência urbana, o uso de drogas, a marginalização de amplos setores, o racismo, o consumismo descontrolado e a falta de solidariedade social. Embora a "mão invisível" do sistema de mercado tenha demonstrado sua eficácia para a conquista do crescimento econômico ao longo de muitas décadas, tem ainda que oferecer soluções melhores para o problema global que se apresenta com intensidade cada vez maior: a limitação das reservas dos recursos de toda ordem: matérias-primas, SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 29 energia, espaço, alimentos, atmosfera, água potável etc. Outro grave problema para o qual o sistema social não soube ainda oferecer solução plenamente satisfatória é o da acelerada automação e robotização, que dispensa cada vez maiores contingentes de mão-de-obra humana. As sociedades desenvolvidas, porém, baseiam grande parte da justificação da existência humana no trabalho. Como tornar compatível a escassez do trabalho com a necessidade psicológica, social, ideológica, econômica e moral que dele sente o indivíduo é um tema no qual as sociedades modernas começam a dar os primeiros passos, encaminhando-se para um mundo no qual exista um equilíbrio entre trabalho e lazer. As sociedades pouco desenvolvidas, nas quais o sistema produtivo é ineficiente e as estruturas sociais em grande parte ainda estão por se modernizar, sofrem também de modo peculiar os problemas próprios das sociedades ricas mas, sobretudo, enfrentam dificuldades ainda maiores advindas das desigualdades sociais que provocam grande instabilidade interna e dificultam o funcionamento democrático das instituições políticas. Muitas dessas sociedades se encontram divididas em duas partes distintas: uma minoria modernizada e uma maioria na qual predominam as atitudes e modos de vida tradicionais. Em alguns casos o panorama negativo se complementa com a fome generalizada, a incapacidade de deslanchar o processo de crescimento econômico, a superpopulação e muitos outros problemas de extrema gravidade. O processo de modernização econômica, por ser incompleto, provoca grandes problemas sociais, como a superpopulação das cidades. Se a migração de camponeses para os grandes centros urbanos constitui sintoma revelador de modernização social, já que pressupõe que grandes contingentes da população se inserem nos circuitos econômicos modernos e se desligam de seus condicionantes ideológicos tradicionais, SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 30 a incapacidade das grandes cidades de absorvê-los cria por sua vez subculturas pré-modernas, marginalização, desvinculação dos laços com o resto da sociedade e delinqüência. O controle das doenças infecciosas, desvinculado de uma mudança na ideologia tradicional favorável a uma alta taxa de natalidade ("ter muitos filhos para que pelo menos um sobreviva"), provoca uma explosão demográfica que uma economia raquítica, lenta em seu ritmo de expansão, não tem condições de absorver. Esses e muitos outros problemas caracterizam a maior parte das sociedades pobres e o otimismo que imperava no meado do século XX a respeito de sua pronta solução não se confirmou nos anos posteriores. Apesar desse quadro negativo, algum avanço foi conquistado. No fim da década de 1980, as taxas de crescimento populacional começaram a diminuir em muitas regiões do mundo, enquanto grandes países asiáticos antes identificados com a fome, como a Índia e a China, pareciam ter superado esse problema. No tratamento dos diversos problemas das sociedades atuais, o trabalho do sociólogo e a contribuição das teorias sociológicas adquiriram uma importância crescente. Embora não existam medidas seguras ou receitas aplicáveis a qualquer caso, os governos podem, mediante técnicas sociológicas, intervir em diferentes áreas da vida social. Essas técnicas de intervenção tiveram progresso especial nos setores da publicidade e da opinião pública, que servem para orientar e conhecer as preferências de consumo e as tendências ideológicas. Até aqui foram abordadas algumas especificidades da sociologia, assim como uma visão do mundo atual, contemplado de um ponto de vista sociológico. Mas os fenômenos humanos que podem ser objeto de estudo da sociologia são muito numerosos e diversos. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 31 Os fenômenos humanos e a sociologia A sociologia é pois uma forma de abordar o mundo, que privilegia certos aspectos e despreza outros, ou seja, seleciona da realidade o objeto de seu interesse, da forma mais adequada para esta ou aquela finalidade. Encara as pessoas não do ponto de vista de sua especificidade, mas como atores de relações sociais, que desempenham certos papéis movidos por certos elementos motivadores. As relações sociais, por sua vez, podem ser entendidas de maneiras distintas, de acordo com o propósito do estudioso: seja no contexto das classes entre as quais se estabelecem, seja em âmbitos mais restritos, núcleos menores ou microcosmos que se definem dentro da realidade mais ampla da sociedade global. Do que foi dito se deduz, assim, que um traço característico que define com maior rigor os estudos sociológicos é precisamente a grande diversidade de enfoques e contribuições que se estabelecem em seu âmbito. O principal desafio para o sociólogo é portanto a delimitação de meios de observação e gestão para compreender uma área concreta das sociedades. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 32 SOCIOLOGIA RURAL PECUÁRIA O pastor nômade que vigia seu rebanho nas planícies do norte da África, o cowboy americano que caça e domestica mustangues, o peão das grandes fazendas de gado do Centro- Oeste brasileiro e o lapão que conduz seu trenó acompanhando a migração das renas através da tundra ártica praticam a pecuária, atividade comum aos mais diversos povos, em todos os tempos. Pecuária é a técnica e a prática da criação, manutenção e aproveitamento dos animais domesticados para deles obter tração, transporte, carne, leite, lã, couro e outros produtos,que podem ser consumidos in natura ou servirem de matéria-prima para a indústria. De acordo com a classificação internacional das atividades econômicas utilizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), a pecuária inclui não somente a criação dos mamíferos ruminantes conhecidos comumente como gado, mas de todos os animais para cuja manutenção o homem concorre e deles extrai algum produto. Assim, pode-se dividir a pecuária em criação de grandes animais (bovinos, eqüinos, suínos, caprinos, ovinos etc.) e pequenos animais (aves, coelhos, peixes, bicho-da-seda, abelhas etc.). Há animais de criação circunscrita a regiões geográficas bem determinadas, como a lhama e a alpaca, na região andina; a rena, nas regiões subárticas; o camelo e o dromedário, nas regiões desérticas da Ásia e da África; e o iaque, nos planaltos do Himalaia. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 33 EVOLUÇÃO HISTÓRICA. A atividade pecuária teve início no período neolítico, há cerca de dez mil anos. A implantação dos primeiros estabelecimentos dedicados à pecuária foi fruto da necessidade de obter uma fonte segura e perene de alimento em forma de carne, leite etc., assim como de muitos outros produtos, como peles, ossos e chifres, usados na fabricação de agasalhos e utensílios. Vestígios das primeiras experiências de domesticação foram encontrados em escavações arqueológicas realizadas no Oriente Médio, onde se criaram, entre outras espécies, cabras, ovelhas e vacas. Dessa forma, o homem deixou de ser um mero predador, que dependia da caça para obter proteínas animais, e transformou- se em guardião e senhor dos rebanhos de diversas espécies de animais herbívoros que até então se mantinham em estado selvagem. A tendência gregária de alguns animais, seus hábitos alimentares e sua mansidão favoreceram o empreendimento de domesticação, para o qual o homem lançou mão de seus dons de observação e sua capacidade de adaptação às condições que o meio ambiente lhe impunha. De início, o pastor se limitava a seguir os rebanhos em seus deslocamentos periódicos em busca de pastos. Nos tempos atuais sobrevivem culturas como as dos tuaregues e beduínos da região do Magreb, que são basicamente nômades, mas o progresso e a evolução das condições de vida tornam essa atividade de subsistência cada vez mais rara. Uma variação do nomadismo é a transumância, deslocamento temporário e sazonal do gado em busca de novos SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 34 terrenos onde pastar, que foi importante durante a Idade Média em alguns reinos europeus, como o de Castela, onde surgiu, no século XIII, uma poderosa e influente corporação pecuarista conhecida como Mesta. Na época do estio, o gado era transferido das zonas planas, assoladas pelas secas, para os pastos de vales montanhosos e planaltos, onde os rebanhos podiam obter alimento em quantidade suficiente. O deslocamento do gado se fazia pelas canhadas, caminhos utilizados estação após estação, que se encontravam sob proteção do rei. Além de fornecer carne e outros produtos, algumas espécies domesticadas foram empregadas na execução de tarefas agrícolas, com o que se vinculou a pecuária à agricultura, numa associação que se consolidou cada vez mais com o passar do tempo. Assim, o esterco do gado começou a ser usado para adubar as lavouras, e os restos vegetais procedentes das colheitas se converteram em alimento para os animais nos meses de inverno e períodos de estiagem. As atividades de agricultura e pecuária se complementaram perfeitamente e juntas passaram a fornecer os meios de subsistência básicos à comunidade. O aperfeiçoamento dos métodos de manutenção, alimentação e controle veterinário dos animais, atividades que se desenvolveram paralelamente à industrialização, favoreceram o aumento da produção pecuária. Esse incremento tornou possível satisfazer a crescente demanda de proteínas animais que o aumento da população e sua concentração nos grandes centros urbanos geraram. Em grandes porções de terra SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 35 das antigas colônias européias da América, África e Austrália, a pecuária se tornou uma das principais atividades econômicas. PECUÁRIA DE GRANDES ANIMAIS Técnicas de exploração. A pecuária tradicional é de tipo extensivo, que demanda grandes áreas destinadas à pastagem, onde os animais vagam quase livremente. Na pecuária intensiva, o número de cabeças de gado é alto em relação ao espaço. Nesse segundo tipo de exploração, muito ligado ao setor agrícola, é determinante o emprego da tecnologia e de sistemas de racionalização da produção com o objetivo de obter alto rendimento. Na pecuária extensiva, é habitual o regime de transumância, ou rotatividade dos pastos. Na pecuária intensiva, o gado é mantido estabulado e é alimentado artificialmente, com ração balanceada, o que favorece duplamente a engorda: pela administração dos nutrientes adequados e pela limitação imposta à movimentação dos animais. Além desses dois tipos básicos de tratamento do gado, há outros que reúnem características de ambos. Alimentação. O gado necessita da ingestão diária de uma série de substâncias nutritivas básicas, cuja quantidade difere segundo a espécie, raça, idade etc. Tais substâncias são carboidratos ou açúcares, gorduras, proteínas, vitaminas e minerais, que fornecem ao animal não apenas a matéria-prima a ser utilizada na formação de seus tecidos, mas também a energia necessária às diversas funções orgânicas, deslocamentos e outras atividades. A proteína é de grande importância, pois a produção de carne dependerá do teor protéico do alimento e de sua SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 36 assimilação e aproveitamento pelo organismo. As gorduras são, antes de tudo, compostos muito energéticos, armazenadas pelo corpo como reserva alimentícia; constituem também parte fundamental na composição do leite. As vitaminas, necessárias em quantidades mínimas, são indispensáveis não só para a conservação dos tecidos, mas também para a realização de grande número de reações biológicas e metabólicas e para a prevenção de certos desequilíbrios. A necessidade de elementos minerais na alimentação dos animais varia: alguns, como o cálcio, o fósforo, o magnésio e o potássio, são necessários em maiores quantidades, enquanto outros só em concentrações mínimas. Esses últimos são elementos biogenéticos que em doses ínfimas atuam como catalisadores de determinados processos vitais. Assim, o manganês, o zinco e o ferro aceleram algumas reações biológicas sem nelas interferir. Alguns minerais, como o cálcio e o fósforo, que compõem o esqueleto, são parte integrante da estrutura corporal, e outros atuam como ativadores das enzimas. Em doses elevadas, muitos minerais se tornam tóxicos para o gado. Utilizam-se diversos produtos como fontes de alimento natural na pecuária, principalmente plantas forrageiras como a alfafa; cereais em grão como a cevada, o milho e a aveia; farelo, procedente da casca de diversos cereais; leguminosas; raízes e tubérculos; feno e palha. Empregam-se também concentrados protéicos que visam a incluir na dieta, a baixo custo, a quantidade recomendável de proteínas. A maior parte desses concentrados se compõe de subprodutos de SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 37 processos industriais, como a extração do óleo de sementes oleaginosas. Entre os mais usados pelos pecuaristas vale citar: as tortas de soja e de amendoim; a farinha de ossos, com alto teorde fósforo, cálcio e outros minerais, além de proteína; e a farinha de peixe, obtida pela secagem e trituração de restos de peixes e que também possui elevada concentração de sais minerais. Também se conseguiu uma notável melhoria na alimentação do gado graças à elaboração de rações compostas, misturas de substâncias nutritivas de procedência variável a que se adicionam diferentes fatores corretores, minerais etc., a fim de assegurar a nutrição completa e equilibrada dos animais. O problema da alimentação envolve grande número de questões pois, além da ingestão dos principais elementos nutritivos em quantidades ótimas, devem-se levar em conta muitos outros fatores fisiológicos, metabólicos, a apresentação do alimento etc. A capacidade de digestão dos alimentos, por exemplo, varia muito de uma espécie para outra. Os ruminantes, como vacas e ovelhas, possuem microrganismos que lhes permitem digerir a celulose e, desse modo, aproveitam mais a fibra vegetal que outros animais. Há animais que mastigam com rapidez, como os porcos, e cuja assimilação de nutrientes é favorecida se o alimento for previamente triturado. Além disso, ocasionalmente se registram gastos energéticos e perdas que variam muito de acordo com a espécie, raça e idade do animal. Nos animais jovens, esses gastos são sensivelmente maiores, devido ao crescimento e à intensa atividade metabólica. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 38 Tão importante quanto a administração de elementos nutritivos é sua proporção correta e adequada. Assim, uma alteração na relação de cálcio e fósforo pode ser até mesmo mais prejudicial do que a carência de qualquer dos dois minerais. No caso dos animais produtores de leite, certos alimentos estimulam a secreção láctea, enquanto outros podem até provocar alterações na cor do leite e, assim, prejudicar sua comercialização, razão pela qual não devem ser incluídos na alimentação das vacas leiteiras antes da ordenha. SELEÇÃO. A seleção, a reprodução do gado e a obtenção de raças e variedades mais produtivas também se tornaram objeto de grande interesse com a expansão da pecuária. A mecanização de certos processos, a inseminação artificial, a elaboração de novos métodos de tratamento dos animais e a melhoria das condições de confinamento do gado produziram altos índices de rendimento em muitos países. A seleção dos animais que vão integrar o rebanho matriz, cujas características genéticas deverão produzir um modelo fixado, se dá de acordo com um dos seguintes processos: (1) SELEÇÃO DE MASSA. Baseada apenas nas características individuais do animal, a seleção de massa ou fenotípica consiste em escolher um grupo de animais que apresenta a característica que se deseja ver transmitida aos descendentes, depois do que se procede ao cruzamento. A seleção é repetida na segunda geração. A seleção de massa é o processo seletivo mais freqüentemente empregado. (2) SELEÇÃO POR PEDIGREE. Feita com base nas características dos ascendentes de determinado indivíduo, a SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 39 seleção por pedigree é geralmente falha, pois dois animais descendentes dos mesmos antepassados, isto é, de idêntico pedigree, nunca possuem as mesmas características genéticas, a não ser quando univitelinos. (3) SELEÇÃO POR FAMÍLIA. Em zootecnia, denomina-se família o grupo no qual o inter-relacionamento genético é elevado, comparado com o restante dos animais de mesma raça que formam o rebanho. Uma família pode ser, então, formada por um grupo de parentes colaterais, ou por descendentes de um mesmo tronco, mas não pela mesma linha de filiação. Como a seleção se faz pelas qualidades de diversos indivíduos pertencentes ao mesmo tronco, as características não-hereditárias tendem a ser suprimidas, e os indivíduos tornam-se geneticamente mais uniformes do que no caso da seleção de massa. A seleção por família aplica-se mais comumente a animais que possuem, como os porcos, alta taxa de reprodutividade. (4) SELEÇÃO PELA PROGÊNIE. A escolha feita com base nas características dos descendentes diretos denomina-se seleção por progênie. Animais cujos descendentes apresentam características consideradas boas são mantidos no rebanho; em caso contrário, são eliminados. A seleção por progênie é lenta, e aplica-se principalmente quando se deseja selecionar animais com características cuja transmissão hereditária é baixa. Sistemas de cruzamento. Depois de efetuada a escolha do rebanho matriz, decide-se de que forma os animais selecionados deverão ser cruzados. Os sistemas de cruzamento podem variar desde o acasalamento endogâmico, isto é, entre SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 40 indivíduos estreitamente aparentados (primos-irmãos, no máximo), até o acasalamento híbrido ou heterogâmico, isto é, entre animais de raças ou espécies diferentes. A endogamia perfeita produz geralmente excelentes resultados na primeira geração. A endogamia imperfeita precisa de alguns anos para produzir modificações distintas nos descendentes. Denomina-se cruzamento linear a combinação de endogamia, comumente imperfeita, com seleção. Aplica-se para preservar e concentrar as boas características de um ancestral, pelo cruzamento de indivíduos com ele aparentados. A endogamia e o cruzamento linear aumentam a pureza genética, dando origem a famílias homogêneas, mas entranha o perigo do aparecimento de caracteres recessivos indesejáveis, causando um declínio no mérito do indivíduo, o que pode ser evitado procedendo-se a seleções intermediárias. A heterogamia produz, não raramente, uma progênie que ultrapassa em vigor e vitalidade os troncos paternos. O vigor híbrido pode, no entanto, ser perdido pelo cruzamento entre si dos primeiros descendentes. Este inconveniente supera- se satisfatoriamente pelo cruzamento retrógrado e alternado de duas raças, ou pelo cruzamento rotativo de três raças. A heterogamia vem sendo usada com sucesso na produção de animais para o corte, pois produz resultados mais rápidos e econômicos. Quando levado a suas últimas possibilidades, como no cruzamento de jumento com égua, produz híbridos estéreis. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL. A fecundação de uma fêmea, além dos métodos de cruzamento, pode ser feita com vantagem por inseminação artificial. O método foi descoberto SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 41 pelos árabes, que há muitos anos o utilizam na criação de cavalos. Na Europa e na América só começou a ser intensivamente utilizado na década de 1940. A inseminação artificial permite o uso extensivo de machos selecionados, pois muitas fêmeas podem ser fecundadas por um mesmo macho. Permite também a verificação das qualidades de maior número de descendentes de um mesmo reprodutor, em menor espaço de tempo e em condições ambientais variadas. Os testes da progênie são mais rigorosos se os descendentes pertencerem a um maior número de rebanhos. A inseminação artificial pode ser mais econômica que a reprodução natural, e evita ao fazendeiro a tarefa árdua, custosa e delicada de manter um reprodutor em boas condições. Além disso, devidamente aplicada, é um meio eficaz de controle de doenças infecciosas e de certos tipos de esterilidade. O largo uso de pequeno número de reprodutores de grandes méritos individuais torna possível uma seleção bastante mais rigorosa, desde que as fêmeas sejam também cuidadosamente escolhidas para o aprimoramento do rebanho. O criador, com muito maior rapidez, pode modificar completamente as características hereditáriase o mérito de toda uma população animal, indo muito além dos limites de variação possível da população original. O aprimoramento exige o reagrupamento dos animais segundo a nova combinação de genes, a fim de tornar coletivas certas características que antes apareciam apenas em animais isolados. PRINCIPAIS REGIÕES DE PECUÁRIA. Na Europa, as principais áreas pecuaristas dividem-se entre o Reino Unido, SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 42 França, Itália, o norte do continente, Polônia e Romênia. A Rússia se destaca mundialmente por seus rebanhos de gado bovino, eqüino, suíno e ovino. No continente americano, onde logo se adaptaram muitas variedades de espécies européias, a pecuária se tornou muito difundida e alguns países se destacam como grandes produtores mundiais. Os Estados Unidos, por exemplo, se tornaram um dos maiores criadores de gado bovino e suíno, assim como o Brasil. A Argentina destacou-se por sua grande produção de gado bovino, eqüino e caprino. O México também atingiu índices notáveis na produção de gado bovino e suíno. A China e a Índia são os dois grandes produtores da Ásia. A primeira conta com grandes rebanhos de gado suíno, caprino, bovino e eqüino, enquanto na segunda são especialmente numerosos os rebanhos bovino e caprino. Outras regiões que se destacam por suas atividades no setor são a Turquia e o Paquistão. No continente africano, a pecuária se encontra relativamente pouco desenvolvida e alcançam índices significativos apenas a Nigéria, com um numeroso rebanho caprino, a Etiópia, com uma notável produção caprina e bovina (embora reduzida pela seca), a África do Sul e o Marrocos. Na Austrália e na Nova Zelândia a pecuária ovina, seguida da bovina, é a mais importante do ponto de vista econômico. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 43 AGRICULTURA A posição de domínio da espécie humana na Terra seria inconcebível se não lhe tivesse ocorrido, desde seus primeiros ensaios de vida em grupo, metodizar e incrementar a extração de alimentos que a natureza espontaneamente lhe dava. O surgimento de técnicas de plantio e, a seguir, de criação de animais foi o pilar central da formação de sociedades estáveis em que o homem passou de coletor, ou predador, a construtor engenhoso da sobrevivência grupal. O conjunto dessas técnicas deu forma à mais antiga das artes, que iria transformar-se, ao passar dos séculos, numa ciência de leis codificáveis e em renovação permanente: a agricultura, palavra que deriva do latim ager, agri (campo, do campo) e cultura (cultura, cultivo) -- o modo de cultivar o campo com finalidades práticas ou econômicas. ORIGENS E DESENVOLVIMENTO Todos os indícios sugerem que a agricultura surgiu independentemente em várias regiões do planeta. No tocante ao cultivo das principais espécies, acredita-se que tenha despontado em três grandes áreas: a China, o Sudeste Asiático e a América tropical. Povos europeus e africanos podem ter iniciado por conta própria o cultivo de algumas plantas, com que complementariam a caça e a pesca. Além das três áreas fundamentais citadas, talvez se deva acrescentar o nordeste da África, onde prosperou a poderosa civilização egípcia, vários milênios antes da era cristã. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 44 No Velho Mundo, a agricultura surgiu em zonas áridas ou semi-áridas, tirando partido das margens úmidas dos rios, para lutar contra a escassez das chuvas. Na América, a agricultura desenvolveu-se principalmente em planaltos pouco chuvosos onde hoje estão a Bolívia, o Peru, o México e o extremo sul dos Estados Unidos. Atribui-se a data muito remota o início do cultivo de alguns tubérculos no sopé dos Andes. E é certo que, do lado oposto, nas huacas peruanas do litoral, encontram-se, em níveis arqueológicos que remontam a cerca de 2000 a.C., algumas plantas já cultivadas, como a pimenta, a abóbora e o feijão. Na árida costa peruana, a agricultura se fazia e se faz em terras regadas por rios provenientes dos Andes. Em época posterior teve início o cultivo do milho, o cereal americano por excelência, cultivado desde os grandes lagos norte-americanos até o Chile. No Brasil, os índios o plantavam também. As espigas, na origem, eram pequeníssimas e equivaliam, no tamanho, a uma moeda moderna. Na gruta dos Morcegos, no Novo México, Estados Unidos, pode-se observar, nas sucessivas camadas arqueológicas, como elas se tornaram progressivamente maiores, graças à seleção das mais graúdas para o plantio. De suma importância para os índios, o milho -- e outros vegetais, como a batata, o amendoim, a mandioca e o fumo -- foi uma das grandes dádivas que a América proporcionou ao resto do mundo. Em muitas civilizações, o desenvolvimento da agricultura não tardou a associar-se ao da criação de animais. A existência de excedentes de alimentos permitia manter junto SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 45 aos núcleos de povoação um número expressivo de cabeças de gado, com o que se acelerou o processo de domesticação das espécies. Tudo isso acarretou mudanças profundas na vida humana, que passou a orientar-se, cada vez mais, pelos ciclos agrícolas. A necessidade de registrar a duração dos períodos de semeadura, crescimento e colheita estimulou o desenvolvimento da astronomia e do calendário, assim como a medição dos campos contribuiu para que se fixassem princípios de geometria e matemática. Os fatos relacionados à agricultura adquiriram significado religioso e festivo, dando origem a tradições e ritos. O MUNDO ANTIGO. Graças ao plantio metódico de alimentos floresceram as antigas civilizações da Caldéia, Assíria, China, Índia, Palestina, Grécia e Roma. Em 2800 a.C. os chineses já usavam o arado, incentivados pelo imperador Cheng Nung, tido por fundador de sua agricultura. Os chineses cultivavam o arroz, o sorgo, o trigo e a soja, da qual tiravam subprodutos, e também criavam o bicho-da-seda para empregar seus fios no fabrico de tecidos de grande valor. Com o tempo, passaram a exportá-los para o Império Romano, e em tal quantidade que Tibério proibiu o uso da seda, para evitar a catastrófica evasão do ouro. Na Índia, Caldéia, Assíria, Arábia, Pérsia, Etiópia e outras partes, igualmente remoto foi o início do cultivo de outras plantas cuja importância econômica nunca cessou de crescer, como mangueira, figueira, pessegueiro, romãzeira, pereira, videira, cafeeiro, cravo, pimenta, canela. SOCIOLOGIA RURAL: BREVE INTRODUÇÃO JOSÉ AUGUSTO FIORIN 46 IRRIGAÇÃO. Muitos povos pré-históricos aprenderam desde cedo a controlar a água, a fim de distribuí-la em seus campos no momento oportuno, ou de ampliar a área cultivada. Assim surgiu a irrigação, com técnicas às vezes elaboradas: canais, feitos de bambu, de barro cozido ou de pedra; comportas; túneis para transposição de bacias; aquedutos; noras para elevar a água etc. Em muitas regiões, o homem construiu, de longa data, terraços com costados de pedra seca. Essa paisagem caracteriza o mundo rural mediterrâneo, como também, de modo mais espetacular, os Andes peruanos e o Sudeste Asiático. No Mediterrâneo, onde os verões extremamente secos começam entre 15 de junho e 15 de julho, um sistema de rotação bienal de terras, implantado na antiguidade, manteve- se até a época contemporânea graças a seu perfeito ajustamento às condições ecológicas da região. A produção de cereais em campos arados dá ênfase aos trigos de inverno, semeados no outono e que, à chegada da rigorosa estiagem, já estão próximos da
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