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ISSN 21774080 20 Investigação, 16(2):20-23, 2017 RESUMO O presente trabalho visa relatar oito casos de sialoadenectomia mandibular e sublingual pelo acesso cirúrgico lateral avaliando as complicações trans e pós-operatórias, bem como seu prognóstico. Quatro dos oito cães eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino, com idade variando entre um e doze anos. Todos os cães foram atendidos pela mesma instituição. Dos oito pacientes, em dois observou-se a ocorrência de rânula de forma concomitante à mucocele cervical. A aspiração da região acometida revelou a presença de fluído viscoso, de coloração amarelo-avermelhado e inodoro. Pela ultrassonografia cervical, notou-se área cística, com paredes hiperecóicas e conteúdo hipoecogênico. Em todos os casos, realizou-se sialoadenectomia das glândulas mandibular e sublingual via acesso lateral. Decorridos sete dias de pós-operatório três animais apresentaram seroma. Em um dos casos realizou-se tratamento conservador, no segundo foi necessário a recolocação do dreno e em outro foi realizado o desbridamento e nova aposição tecidual. Em outro paciente, o aumento de volume correspondeu a conteúdo salivar revelando a recidiva do quadro, sendo submetido a novo procedimento cirúrgico. Cerca de sete meses de pós-operatório um dos pacientes apresentou mucocele cervical contralateral e foi submetido ao mesmo procedimento. As complicações encontradas são similares ao descrito previamente na literatura, e apesar da alta taxa de complicação pós-operatória, conclui-se que o acesso lateral para a sialoadenectomia de mucocele cervical apresenta bom prognóstico. Palavras-chave: sialoadenectomia, sialocele, glândula salivar.. ABSTRACT MV Bianca G. Monteiro¹, MV Dr Alexandre P. Ribeiro1* COMPLICAÇÕES OBSERVADAS EM 8 CASOS DE MUCOCELE CERVICAL EM CÃES UTILIZANDO O ACESSO CIRÚRGICO LATERAL PARA EXÉRESE DAS GLÂNDULAS MANDIBULARES E SUBLINGUAIS Complications observed in eight cases of cervical mucocele in dogs using the late- ral surgical approach for exeresis of mandibular and sublingual glands 1. Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Cuiabá, Faculdade de Medicina Veterinária (FAVET). * Avenida Fernando Corrêa da Costa, nº 2367, CEP 78060-900, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. E-mail: alexandre.aleribs@gmail.com RELATO DE CASO CLÍNICA CIRÚRGICA DE PEQUENOS ANIMAIS | Investigação, 16(2):20-23, 2017 ABSTRACT The present study aims to report eight cases of mandibular and sublingual sialoadenectomy by surgical lateral approach, evaluating trans and post-operative complications, as well as the prognosis. Four of the eight dogs were male and four females, age ranging from one to 12 years. All the dogs were attended in the same institution. Of the eight patients, two showed the occurrence of ranula concomitant to cervical mucocele. The aspiration of the affected region revealed the presence of viscous fluid, yellow-reddish and odorless. Cervical cystic area was noted in ultrasound, with hyperechoic walls and hypoechogenic content. In all cases, performed mandibular and sublingual glands sialoadenectomy by lateral approach. After seven days postoperatively, three animals showed seroma. In one of those cases conservative treatment was made, in a second was necessary relocate a drain and in another debridement was performed and new tissue apposition was done. In one case, a patient had relapse with a salivary volume. This patient underwent a new surgery. About seven months after surgery one of the patients presented contralateral cervical mucocele and was needed new surgery procedure. The complications found in this study are like previously described in the literature, and although high complication postoperatively rate , it is concluded that the lateral access to the sialoadenectomy of cervical mucocele presents good prognosis. Key-words: sialoadenectomy, sialocele, salivary gland. ISSN 21774080 21 Investigação, 16(2):20-23, 2017 INTRODUÇÃO A sialocele ou mucocele salivar é o acúmulo de saliva no tecido subcutâneo que promove reação tecidual inflamatória (RITTER e STANLEY, 2012). Como causas, trauma abrupto, corpo estranho, sialólito e neoplasias têm sido sugeridas (HAN et al. 2016). A afecção pode se manifestar em qualquer glândula salivar, mas a mucocele cervical é a mais comum; ela se manifesta de forma aguda. O aumento de volume tende a ser flutuante, indolor e pode mudar de lado quando manipulado, mas pode também ser firme e doloroso (KAISER et al. 2016). Os poodles, pastores alemães, dachshunds e silky terrier australianos são mais afetados. (HAN et al. 2016). O diagnóstico é baseado na aspiração, que revela fluído viscoso e de coloração clara que pode conter material amorfo, basofílico, pálido e disperso (TORAD e HASSAN, 2013). A ultrassonografia mostra uma área cística, com paredes hiperecóicas e uma estrutura redonda ecogênica rodeada por um conteúdo anecóico, podendo variar de acordo com o estágio cronológico (TORAD e HASSAN, 2013). O tratamento de eleição é a excisão cirúrgica das glândulas mandibular, sublingual, juntamente com o seu ducto, via acesso lateral cervical ou ventral (KAISER et al. 2016). A recidiva da sialocele através do acesso lateral pode ser resultante de diagnóstico falho, procedimento cirúrgico inapropriado ou a remoção incompleta das glândulas acometidas (RITTER e STANLEY, 2012). Frente ao exposto, o presente trabalho visa relatar oito casos de sialoadenectomia mandibular e sublingual pelo acesso cirúrgico lateral avaliando as complicações trans e pós-operatórias, bem como seu prognóstico. RELATO DO CASO Todos os casos foram atendidos no XXX. A resenha da população atendida entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2017 encontra-se listada na tabela 1. RAÇA SEXO IDADE DURAÇÃO DOS SINAIS CLÍNICOS¹ COMPLICAÇÃO SRD² Macho 4 anos 9 meses 6 dias Seroma SRD Fêmea 6 anos 20 dias Nenhuma Lhasa Apso Fêmea 1 ano 6 meses 31 dias Recidiva contra- lateral Poodle Macho 12 anos 12 meses Recidiva local Shih Tzu Macho 7 anos 11 dias Seroma Pinscher Macho 9 anos 3 meses e 12 dias Seroma Pinscher Fêmea 3 anos 7 meses 36 dias Nenhuma Pinscher Fêmea 6 anos 39 dias Nenhuma Tabela 1. População de animais atendida com mucocele cervical. ¹Tempo de duração do início dos sinais até a realização da cirurgia. ²Sem raça definida. A aspiração da região acometida revelou a presença de fluído viscoso, de coloração amarelo-avermelhado e inodoro. Pela ultrassonografia cervical, notou-se área cavitária, com paredes hiperecóicas e conteúdo hipoecogênico, ao centro o ducto da glândula salivar sublingual, por vezes discretamente dilatado, e a glândula salivar mandibular hiperecóica e com bordas irregulares (Figura 1). Dois pacientes apresentaram anemia discreta ao hemograma e foram submetidos a terapia com complexo vitamínico, sendo administrado uma vez ao dia, por uma semana, até o procedimento cirúrgico. Figura 1. A – Ducto da glândula salivar sublingual discretamente dilatado (seta preta). B – Glândula salivar mandibular (seta preta) rodeada por conteúdo hipoecogênico. C e D – Ducto da glândula salivar sublingual (seta preta) situado cranialmente a glândula salivar mandibular (seta branca). Em todos os casos, realizou-se sialoadenectomia das glândulas mandibular e sublingual via acesso lateral como descrito na literatura veterinária (RITTER e STANLEY, 2012) (Figura 2). Os que apresentavam rânula foram submetidos à marsupialização, de forma concomitante. No pós-operatório, todos os pacientes mantiveram dreno passivo rígido fenestrado por três dias (Figura 3); anti-inflamatório não esteroidal oral a base de meloxicam na dose de 0,1 mg/kg, a cada 24 h, durante três dias consecuti¬vos; antibiótico oral em comprimido a base de cefalexina na dose de 25 mg/kg, a cada 12 h, durante sete dias consecutivos.Ademais, instituiu-se limpeza da ferida cirúrgica com solução fisiológica e iodo povidine 0,02% tópico, associado a curativo confeccionado com atadura compressiva. Figura 2. A – Mucocele salivar cervical. Observe o aumento de volume na região submandibular esquerda. B – Exposição da ISSN 21774080 22 Investigação, 16(2):20-23, 2017 glândula salivar mandibular (seta branca). C – Exposição do ducto da glândula salivar sublingual (seta branca). D – Ligadura no ducto da glândula salivar sublingual (seta branca). E – Pós-operatório imediato, sendo possível observar a presença do dreno (seta branca) e a dermorrafia em padrão simples separado. F – Glândula salivar mandibular (seta branca) e glândula salivar sublingual (seta preta), evidenciando a remoção completa das glândulas. Figura 3. A - Observa-se mucocele cervical direita em cão sem raça (seta). B – Ferida cirúrgica, evidenciando o dreno (seta), decorridos 3 dias de pós-operatório. Decorridos sete dias de pós-operatório, quatro pacientes apresentaram aumento de volume submandibular, três dos quais foi constatada a presença de seroma. Em outro, o aumento de volume correspondeu a conteúdo salivar. Mesmo utilizando dreno em todos os nossos casos, um dos pacientes que desenvolveu seroma recebeu tratamento conservador, com escina local, associada a compressa quente, a cada 12 horas, por sete dias. No segundo caso, o quadro se desenvolveu logo após a remoção do dreno, sendo esse recolocado por mais três dias e no terceiro caso foi realizado desbridamento local e aposição tecidual. Em todos os pacientes houve a resolução do quadro após os tratamentos instituídos. Em um estudo que avaliou 41 casos de mucoceles mandibulares e sublinguais, reportou-se que a taxa de formação de seroma após o acesso ventral foi de 17% (RITTER et al. 2006). Em outra pesquisa onde 16 cães apresentaram a mesma doença, observou-se que a formação de seroma ocorreu em 12,5% dos pacientes operados via acesso lateral (KAISER et al. 2016). No presente estudo foi observada uma taxa de formação de seroma de 37,5%, sendo duas vezes maior ao relatado na literatura, que pode ser justificada por remoção precipitada ou ação ineficaz do dreno, bem como falha na redução do espaço morto. Apesar do correto emprego da técnica descrita na literatura, observou-se recorrência do quadro em um paciente. Nesse paciente, se realizou desbridamento e curetagem na região acometida, com aposição de todas as camadas teciduais e sem uso de dreno. Cerca de sete meses de pós-operatório um dos pacientes apresentou mucocele cervical contralateral e foi submetido ao mesmo procedimento descrito previamente. A recorrência da sialocele ocorre possivelmente pela ressecção incompleta das glândulas (RITTER e STANLEY, 2012). Posto isso, a recidiva observada no presente estudo se deu pela ressecção incompleta dos tecidos glandulares, uma vez que o paciente apresentava a glândula salivar rompida durante a cirurgia dificultando a identificação e consequente remoção dos tecidos. Tsioli et al. (2013), descreveram uma série de quatro casos de mucoceles recidivantes devido a resquícios de glândula/ducto sublingual. Nessa série de casos, os cães apresentaram recorrência que variou de sete a 30 dias após a primeira cirurgia pelo acesso lateral; e em 75% dos pacientes submetidos à sialoadenectomia pelo acesso oral foi possível corrigir o problema (TSIOLI et al. 2013). Na série de casos apresentada, dois pacientes tiveram o quadro de mucocele cervical e rânula concomitantemente; isso se deve ao fato de que as rânulas podem formar-se a partir de um vazamento de saliva decorrente de um defeito no ducto ou glândula sublingual (RITTER et al. 2006). Dessa forma, salienta-se a necessidade de remoção completa tanto das glândulas quanto do ducto sublingual para correção da mucocele. Em tais casos, optou- se pela técnica cirúrgica via acesso lateral para correção de ambos os quadros (RADLINSKY, 2012). Em nosso estudo, um paciente desenvolveu nova mucocele na glândula contralateral. Kaiser et al. (2016), relataram que em uma série de 12 casos, três desenvolveram a doença no lado oposto posteriormente a primeira cirurgia, sendo que um outro uma rânula se desenvolveu 14 dias do início da cirurgia para remoção da mucocele cervical. Na séria de casos estudada não foi observado novo quadro de rânula. Na nossa casuística, constatou-se em um dos pacientes a presença de inúmeros sialólitos durante o transoperatório. Ressalva- se que essa condição é considerada rara em cães (HAN et al. 2016). Em um estudo retrospectivo compreendendo um período de 47 anos, apenas 29 casos foram observados (HAN et al. 2016). Admite- se que a constatação de sialólitos possa passar desapercebida durante a sialoadenectomia ou drenagem do conteúdo salivar devido ao pequeno tamanho dos sialólitos e o seu obscurecimento devido a hemorragia (HAN et al. 2016). No paciente do presente relato, não se considerou avaliar a composição do material, mas oxalato de cálcio é o mineral mais comumente isolado em cães (HAN et al. 2016). Tratamentos conservadores alternativos à cirurgia, como a aspiração, colocação de dreno sem remoção da glândula e uso de agentes esclerosantes podem ser utilizados, contudo o procedimento cirúrgico ainda é o mais recomendado, visto que somente a aspiração ou drenagem resultam em alta proporção de recorrência do quadro (BELLENGER e SIMPSON, 1992; KAISER et al. 2016). Em vista disso, optou-se pela realização da cirurgia como modo de resolução completa e imediata do quadro, bem como evitar a recidiva do mesmo, o que pode ocorrer com maior probabilidade nos demais tratamentos. Os resultados e as complicações observadas nos casos aqui relatados são similares aos descritos previamente na literatura veterinária (RITTER et al. 2006; TSIOLI et al. 2013; HAN et al. 2016; KAISER et al., 2016). As complicações ocorreram em 50% dos casos e as prováveis causas para a alta taxa de complicação incluem remoção precipitada ou ação ineficaz do dreno, redução inadequada do ISSN 21774080 23 Investigação, 16(2):20-23, 2017 espaço morto, comportamento agitado dos pacientes e dificuldade na confecção do curativo compressivo por parte dos proprietários. Apesar da alta taxa de complicações pós-operatórias, conclui-se que o acesso lateral para a sialoadenectomia de mucocele cervical apresenta bom prognóstico. REFERÊNCIAS Bellenger CR, Simpson DJ. 1992. Canine Sialocoeles – 60 clinical cases. Journal of Small Animal Practice. 33:376-380. Han H; Mann FA, Park JY. 2016. Canine Sialolithiasis: Two Case Reports with Breed, Gender, and Age Distribution of 29 Cases (1964–2010). Journal of the American Animal Hospital Association. 52(1):22-26. Kaiser S, Thiel C, Kramer M, et al. 2016. Complications and prognosis of cervical sialoceles in the dog using the lateral surgical approach. Tierärztliche Praxis Kleintiere. 5:323-331. Radlinsky MG. 2013. Surgery of the Digestive System. In: Fossum TW. Small Animal Surgery, 4 ed. Elsevier Mosby. pp. 417- 421. Ritter MJ, von Pfeil DJF, Stanley BJ, et al. 2006. Mandibular and sublingual sialoceles in the dog: A retrospective evaluation of 41 cases, use the ventral approach for treatment. New Zealand Veterinary Journal. 54(6):333-337. Ritter MJ, Stanley BJ. 2012. Salivary glands. In: Tobias KM, Johnston SA. Veterinary Surgery: Small Animal. Canada: Elsevier Saunders. pp. 1439-1447. Tsioli V, Papazoglou LG, Basdani E, et al. 2013. Surgical management of recurrent cervical sialoceles in four dogs. Journal of Small Animal Practice. 54(6):331-333. Torad FA, Hassan EA. 2013. Clinical and ultrasonographic characteristics of salivary mucoceles in 13 dogs. Veterinary Radiology and Ultrasound. 54(3):293-298.
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