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Considerações sobre o DIPr no Brasil
Turmas: 305-10 – 306-10
Aula 3ª, Professor, Dr. Francisco Ercilio Moura
Origens da denominação
A denominação Direito Internacional Privado, consagrada há mais de século para identificar nossa disciplina, teria sido usada pela primeira vez por Jean Etiene Portalis, um dos autores do Código de Napoleão, na sua dissertação de mestrado, em 1803, em Paris. Joseph Story empregou-a em sua obra Conflict of Laws, em 1834, e Jean Jacques Gaspar Foelix, advogado alemão radicado em Paris, utilizou a expressão no título de seu livro Traité de Droit International Privé, em 1843.
Outras denominações
Verifica-se que até se fixar essa denominação, foram empregadas muitas outras, por diversos autores, como Direito Privado Internacional, Direito dos Limites, Direito Interprivado, Direito dos Estrangeiros, Direito Intersistemático, Direito Privado Humano, Direito Extraterritorial, Direito Polarizado e Direito dos Conflitos Interespaciais.
Embora ressalvando o pouco uso, lembramos outras denominações que têm sido referidas pela doutrina: Direito Interestatal Privado ou Direito Interespacial, Direito Universal dos Estrangeiros, Direito Privado Externo ou Inter direito, Direito de Delimitação, Direito Civil Internacional e Direito Inter jurisdicional.
Os usos na América Latina e no Brasil
Haroldo Valladão amplia a lista, citando Direito Translatício, Jus Gentium Privatum, Teoria dos Estatutos e Direito Transnacional, mas enfatiza que Direito Internacional Privado e Conflito de Leis são as mais usadas, e justifica sua opção por Direito Internacional Privado por ser essa “a mais usada na Europa continental, na América Latina e no Brasil”, ressalvando que preferiria Conflito de Leis.
A disciplina – que nos seus primórdios, desde os estatutários holandeses e alemães, foi chamada de Conflito, Concurso ou Colisão de Estatutos ou de Leis – também já foi conhecida como Normas de Colisão e Nomantologia, denominação esta dada pelo brasileiro Raul Pederneiras, em atenção às raízes etimológicas gregas: nomos (lei), ante (confronto) e logos (estudo).
Autonomia do DIPr 
Não há unanimidade entre os estudiosos quanto a esse tema. Entre os discordantes está Oscar Tenório, que afirma ser controvertida tal autonomia, embora reconheça que as particularidades das regras de conflitos justificam o estudo particularizado do Direito Internacional Privado, pois há necessidade de “conhecimento e solução das chamadas questões prévias (conexão, qualificação etc.) e da subordinação do direito estrangeiro a ser aplicado ao princípio da ordem pública”.
No entanto, a maioria dos tratadistas preconiza a maioridade do DIPr, como Edgar Carlos de Amorim, para quem a autonomia de uma ciência ou de um ramo do Direito ocorre quando existem objeto, método, institutos e fundamentos próprios. Exemplifica seu objeto (conflito de leis, reconhecimento de direitos adquiridos) e institutos (extradição, deportação, expulsão, nacionalidade). De nossa parte, consideramos plenamente justificada a autonomia da disciplina.
Método
Tema de ingente atualidade é o método a ser seguido pelo estudioso de Direito Internacional Privado. Basicamente, trata-se do equacionamento das seguintes questões básicas: jurisdição e lei aplicável.
Inicialmente, a solução dos casos de DIPr era encontrada pelo método territorial: aplicava-se a lei do juiz. Por exemplo, quando existiam controvérsias na execução de contrato entre pessoas de duas cidades italianas, a questão era dirimida pelo juiz da causa, sem importar onde o contrato fora celebrado ou qual o Direito que o regulamentava. Embora superada essa fase, registra Cláudia Lima Marques forte tendência de seu emprego, especialmente na doutrina norte-americana, caracterizando um novo lex forismo.
ibidem
Nádia de Araújo lembra o universalismo – o mesmo DIPr em todos os países –, que imperou no século XIX, método que daria lugar ao particularismo – a diversidade cultural dos Estados conduz a sistemas internos diferentes. A regulamentação do estatuto pessoal, com os critérios da nacionalidade e do domicílio, seria uma consequência desse último.
Classicamente o DIPr utiliza o método conflitual, que conduz a uma das ordens jurídicas envolvidas, à qual caberá dirimir a lide. Esse método é o mais usado, inclusive no Brasil, postura que tende a prevalecer por mais tempo.
Ibidem
Como afirmado, o método conflitual não soluciona a lide interespacial, indicando apenas a legislação, do foro ou estrangeira, que dirimirá o feito. Seguindo o exemplo anterior, perante divergências suscitadas na execução de contrato (agora entre pessoas de países diferentes) o direito aplicável deve ser indicado pelas normas de conflito. Essas normas não dão a solução material do litígio, simplesmente indicam qual é o direito que deve solucionar o caso, que poderá ser o direito local ou o estrangeiro.
As regras que determinam a lei aplicável podem ser classificadas pela fonte (legislativa, doutrinária e jurisprudencial), pela natureza (indireta, indicando qual o direito interno a ser apreciado) e pela sua estrutura.
Ibidem
No entanto, existem outros caminhos para a solução do caso interespacial, como o emprego do método material, pelo qual o próprio Direito Internacional Privado decidirá a relação sub judice. Por esse método não é indicado o direito aplicável, nacional ou estrangeiro, mas a própria solução da lide. Essa é a tendência do DIPr, com a ocorrência de soluções para as lides interespaciais em tratados ou convenções internacionais.
Pode ocorrer, ainda, o denominado método imperativo ou de aplicação imediata: a legislação interna do Estado dirime a lide de forma unilateral, priorizando a solução pelo direito nacional, em detrimento das demais legislações (seja estrangeira ou fruto de tratado ou convenção). Desse modo, verifica-se a pluralidade de métodos e de normas indiretas e diretas, que entendemos adequada e coerente com nosso tempo.
O Direito Internacional Privado no Brasil
Falar em DIPr em nosso país é recordar o maior jurista brasileiro do século XIX e precursor da disciplina, Augusto Teixeira de Freitas, considerado um dos maiores expoentes do direito de seu tempo em toda a América.
Antes da Independência, vigiam no Brasil as leis portuguesas em todos os campos do Direito. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e, por período mais longo, as Filipinas, eram a legislação que regulava a vida jurídica em nosso território. Essas normas estavam impregnadas, no que se refere ao campo do Direito Internacional Privado, da inspiração estatutária oriunda da Europa, tendo como base o princípio do locus regit actum para os contratos e a necessidade de prova do direito estrangeiro.
A importância de Teixeira de Freitas
O Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850, complementava o princípio acima, determinando a lei do lugar da execução para os contratos comerciais. O artigo 406 da Consolidação das Leis Civis, de Teixeira de Freitas, de 1857, estabelecia que “as leis e usos de países estrangeiros regem a forma dos atos neles ajustados”.
Essa obra foi publicada no Rio de Janeiro e nela Augusto Teixeira de Freitas, após pouco mais de dois anos de trabalho, ordenou, classificou e atualizou o direito legislado, esparso, confuso e impreciso, então vigente no Brasil.
Ibidem
Tratava-se de leis, decretos, assentos, alvarás, resoluções, regulamentos e demais preceitos jurídicos, desde as ordenações portuguesas, muitas delas já revogadas na terra lusa, até as normas jurídicas brasileiras das três primeiras décadas após a Independência. Haroldo Valladão considerou tal obra como a Carta magna da independência jurídica brasileira. Três anos depois, Freitas publica o Esboço do Código Civil do Império.
Disciplinado, inteligente, estudioso, humanista e dotado de profundo senso de justiça, Teixeira de Freitas deixou uma obra que imortalizou seu nome, honrou o Brasil e enobreceu sua época, servindo ainda de ponto de convergência na legislação civil entre os povos irmãos que, um século após sua morte, se integrariam no MercadoComum do Sul, o Mercosul.
Ibidem
O insigne jurista teve notável influência na codificação do Direito Civil sul-americano, tendo o Código Civil da Argentina e o do Paraguai, que foi adaptação daquele, sido inspirados no seu Esboço. Outros países do continente, como o Uruguai e o Peru, buscaram luzes jurídicas no seu trabalho.
A originalidade e completude do Esboço deram organicidade às normas de DIPr. Acentua Valladão o admirável método de Freitas na solução das questões dos conflitos de leis, no espaço ou no tempo, inspirando-se na teoria de Savigny, mas a aperfeiçoando com ideias próprias.
Ibidem
Teixeira de Freitas adotou o domicílio como principal elemento de conexão. Assim: “A capacidade ou incapacidade das pessoas não domiciliadas no Império devem ser julgadas pelas leis dos países de seus respectivos domicílios”. 
O domicílio, ausente no Código Civil de 1916, que optou pela nacionalidade, seria integrado ao ordenamento jurídico brasileiro com a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), de 1942, sendo até hoje a conexão adotada. Acentue-se que a LICC teve sua denominação alterada para “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” (LINDB), pela Lei n. 12.376, de 31 de dezembro de 2010.
Outros juristas relevantes
Outro notável estudioso lança, em 1863, a obra Direito internacional privado e aplicação de seus princípios com referência às leis particulares do Brasil. Trata-se de José Antônio Pimenta Bueno, paulista de Santos e magistrado nessa cidade e no Maranhão, que é tido por muitos autores como o primeiro tratadista brasileiro de DIPr. Inspirado pela obra de Foelix e pelo Código Napoleônico, fez uma exposição sistematizada da matéria, tendo sido intransigente defensor da nacionalidade como principal elemento de conexão. 
Considerando-se a contemporaneidade dos trabalhos de Teixeira de Freitas e de Pimenta Bueno, incontestáveis precursores do DIPr no Brasil, defrontou-se o nosso Direito com duas correntes doutrinárias quanto ao elemento de conexão: uma defendendo o domicílio e outra a nacionalidade.
Ibidem
Segue-se, já no século XX, a prevalência da figura de Clóvis Beviláqua no estudo dos postulados de DIPr. Em 1906, publicou Princípios de direito internacional privado, no qual defendeu o princípio da nacionalidade por entender mais duradoura e de mais fácil determinação do que o domicílio. Foi o principal autor do Código Civil brasileiro de 1916, em cuja Introdução consagrou-se a nacionalidade como o motivo de ligação mais importante no conflito de leis no espaço. A LICC, agora LINDB, como afirmado, adotou o domicílio como principal elemento de conexão, dando assim razão à tese historicamente defendida por Teixeira de Freitas. Deve-se ressaltar que a mudança ocorreu em plena II Guerra Mundial, período em que o número de alemães, italianos e japoneses residentes no Brasil era expressivo, podendo, pela legislação então vigente, verem-se aplicadas em nosso país leis de nações tornadas inimigas.
Outros destaques
Lugar especial no estudo, no magistério e na doutrina de DIPr no Brasil cabe a Haroldo Teixeira Valladão, por vezes referido como o maior internacionalista do continente americano no século XX. Com dedicação à nossa disciplina, participação em eventos em diversos países, cursos e palestras proferidos, ao lado de sua obra clássica Direito Internacional Privado, em três volumes, e do anteprojeto de Código de Aplicação das Normas Jurídicas, conquistou merecido respeito e admiração no mundo jurídico. Essa iniciativa, a exemplo do Projeto de Código de Direito Internacional Privado, de Lafayette Rodrigues Pereira, apresentado várias décadas antes, infelizmente não logrou se transformar em lei.
Ibidem
Queremos destacar dois outros nomes de tratadistas brasileiros de DIPr: Oscar Tenório e Amílcar de Castro, reconhecidos internacionalmente como expoentes da matéria, sendo a consulta aos seus trabalhos uma imposição e uma necessidade. 
Na história do Direito Internacional Privado, devemos referir ainda Rodrigo Otávio, Eduardo Espínola, Pontes de Miranda e Carvalho Santos, este com notável estudo sobre a Introdução ao Código Civil de 1916, em seu clássico Código Civil brasileiro interpretado. Espínola é autor, com Eduardo Espínola Filho, de magistral trabalho em três volumes, A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, publicado em 1943, sendo reeditado, a partir de 1995, constituindo-se em verdadeiro clássico no gênero. 
Atualidade do DIPr brasileiro
Nas últimas décadas, uma gama de autores esmera-se na busca de conhecimentos e de maiores contribuições ao DIPr, publicando-se a cada ano novos trabalhos ou reedições de obras que se firmam como essenciais.
Agenor Pereira de Andrade e Osíris Rocha, laboriosos e acatados mestres de Minas Gerais, são exemplos de especialistas que enriquecem a matéria constituindo, com Amílcar de Castro, o importante Grupo Mineiro da disciplina. 
Jacob Dolinger, Luís Ivani de Amorim Araújo, Irineu Strenger, João Grandino Rodas, Carmem Tibúrcio, Marilda Rosado de Sá Ribeiro e Edgar Carlos de Amorim têm enriquecido nossa disciplina no Brasil e contribuído para manter o alto conceito conquistado no contexto doutrinário sul-americano e mundial.
Ibidem
Confirmando a maturidade do Direito Internacional Privado brasileiro, queremos destacar a participação dos professores Cláudia Lima Marques, Nádia de Araújo e Luiz Otávio Pimentel, nas Conferências Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs) e nos Encontros Internacionais de Direito da América do Sul (EIDAS), que tanto contribuíram para o enriquecimento do DIPr e disciplinas afins como Direito do Comércio Internacional e Direito da Integração. Augusto Jaeger Junior e Sílvio Javier Battello, cujos doutoramentos se centraram em temas correlatos (concorrência e falência internacionais), também merecem referência.
Considerações de relevância
O ensino de Direito Internacional Privado no Brasil teve início em 1907 com a implantação de cadeira autônoma na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro (hoje Faculdade de Direito da UFRJ), primeiro curso superior do Brasil a ministrar a matéria. O professor Rodrigo Otávio, com renome na área e autor de diversos trabalhos, inclusive em revistas estrangeiras, foi encarregado de lecionar a disciplina, sendo substituído em 1929 pelo professor Haroldo Valladão. Em 1933, Rodrigo Otávio publicaria Dicionário de direito internacional privado, obra pioneira. Em 1911, com denominação Direito internacional, a cadeira foi criada na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual Faculdade de Direito da UFRGS.
Ibidem
Convém lembrar que a cátedra de DIPr foi criada em Paris (França) em 1880, tendo sido Lainé o seu primeiro professor, e a matéria a ser versada correspondia ao conflito de leis. Três anos depois, foram incluídas, na grade curricular, duas grandes questões prévias: nacionalidade e condição civil dos estrangeiros. Nesse contexto, o primeiro país a instituir a cadeira autônoma de DIPr foi a Holanda (em 1877, em Utrecht, com o professor Hamaker). 
No continente americano, nossa disciplina foi implantada nos cursos jurídicos na Argentina (1878), em Buenos Aires, desdobrada da cadeira de Direito Internacional Público, e como cátedra autônoma, em 1883; no Uruguai (1887); em Cuba (1893), com Bustamante; e nos Estados Unidos, desde o século XIX, em Harvard, com Beale, cadeira de Conflict of Laws.
Ibidem
O estudo de DIPr era realizado no Brasil, até o advento da disciplina, antes referido, de maneira fragmentária, compreendido no âmbito do Curso de Direito Civil. 
A Reforma do Ensino de 1915 criou oficialmente a cadeira de Direito Internacional Privado, como matéria obrigatória do quinto ano do curso de bacharelado. 
Atualmente, o Direito Internacional Privado faz parte do currículo de quase todos os cursos de Direito do Brasil, como disciplina autônoma, sendo exigido em inúmeros concursos para ingresso em profissões da área jurídica.
Ibidem
Quanto à literatura do Direito Internacional Privado, é cada vez mais ricaem todas as partes do mundo. 
A proximidade entre os povos e o intenso intercâmbio propiciado pela modernidade ampliam a necessidade de parâmetros jurídicos para dirimir os conflitos daí emergentes.
 A exemplo do Brasil, França, Itália, Alemanha, Portugal, Espanha e Estados Unidos, entre outros países, contam hoje com dedicados estudiosos de DIPr.
Questões para reflexão
1. Analisar três denominações para o Direito Internacional Privado que você considera adequadas, justificando-as.
 2. No contexto atual, em que as ciências jurídicas tendem à especialização, por vezes exagerada, defender ou criticar a autonomia do Direito Internacional Privado.
 3. Tecer considerações sobre o método usado no estudo do DIPr, sugerindo aquele que lhe parecer mais compatível para o aprendizado da disciplina na contemporaneidade. 
4. Dissertar sobre os estudos de Augusto Teixeira de Freitas e sua contribuição ao Direito brasileiro e latino-americano, detendo-se na presença desses estudos na codificação civil argentina. 
5. Tecer considerações sobre os elementos de conexão defendidos por Teixeira de Freitas e por Pimenta Bueno, enfatizando a posição atual do DIPr brasileiro nesse tema. 
6. Comentar a principal modificação, em relação à conexão, na Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, contextualizando-a e a justificando.

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