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Sistema Genital Feminino ■ Anomalias congênitas As anomalias congênitas do sistema genital feminino são pouco frequentes, muitas têm pouca importância clínica e muitas vezes o seu diagnóstico é feito acidentalmente ou em necrópsias. As anomalias mais graves fazem parte de síndromes de malformações múltiplas, sobretudo as que acometem o sistema genitourinário. As anomalias mais comuns da vulva são hipertrofia dos pequenos lábios e do clitóris e imperfuração do hímen. Agenesia ou duplicação dos órgãos genitais externos também podem ocorrer. Hipertrofia do clitóris pode ser achado isolado ou estar associada a aumento volumétrico difuso da vulva. Quando presente em recém- nascidos, pode fazer parte da síndrome adrenogenital ou ser causada pelo uso de andrógenos exógenos pela mãe, além de representar algumas formas de hermafroditismo. Imperfuração, a anomalia mais frequente do hímen, é importante pela retenção de secreções ou de sangue na vagina (hematocolpo), no útero (hematométrio) e nas tubas (hematossalpinge). Fusão ou sinéquia vulvar, que surge durante a infância, não é malformação, mas resulta de irritação da vulva por agentes químicos, infecção superficial ou traumatismo dos pequenos lábios que, ao cicatrizar, forma aderências e fusão dos lábios. Com isso, pode haver retenção de urina e alteração no jato urinário. Das anomalias congênitas da vagina, as mais comuns são as relacionadas com a parada de desenvolvimento dos ductos de Müller, resultando em sua atresia. Vagina dupla ou septada é devida a defeito parcial ou total do septo que separa os dois ductos de Müller. Atresia do colo uterino é muito rara e resulta do mesmo transtorno descrito na vagina, sendo também acompanhada de hematométrio e de hematossalpinge. As malformações congênitas mais frequentes do corpo uterino associam-se a distúrbios na fusão dos ductos de Müller. A mais importante é a duplicação total ou parcial de um ou mais segmentos do trato genital; quando a duplicação é mais cefálica, origina o útero bicorno, associado comumente a anomalias do trato urinário. Quando ocorre falência ou parada do desenvolvimento dos ductos de Müller, ocorre agenesia de um ou mais segmentos. Agenesia unilateral de uma das tubas uterinas é rara e pode estar associada a anomalias do rim e do trato urinário; agenesia tubária bilateral é excepcional. Outras anomalias tubárias, também raras, incluem atresia ou duplicação da região ampular (tubas acessórias). Agenesia unilateral do ovário é rara e pode estar associada a anomalias homolaterais do rim e do trato urinário. Agenesia bilateral é encontrada na síndrome de Turner e acompanha-se de outras anomalias congênitas dos sistemas nervoso. circulatório e esquelético. Por esses motivos, é importante enfatizar que indivíduos com anomalias do sistema genital feminino devem ser submetidos a estudos genômicos, pois tais malformações podem estar associadas a anomalias cromossômicas ou a outros transtornos genéticos. Vulva Estruturalmente, a genitália externa feminina é constituída pelo monte pubiano, grandes e pequenos lábios, clitóris, prepúcio, frênulo e vestíbulo, estruturas também facilmente acessíveis ao exame clínico e importantes nos atos cirúrgicos ginecológicos. Os orifícios das glândulas de Skene (parauretrais), homólogas à próstata nas mulheres, e das glândulas de Bartholin, além do meato uretral, abrem-se no vestíbulo. As glândulas vulvovaginais de Bartholin são mucossecretoras. A vulva é revestida por pele e mucosa escamosa, com ceratinização, exceto no vestíbulo, onde o epitélio é semelhante ao da vagina e próximo ao meato uretral, onde é do tipo transicional. As glândulas sudoríparas dos grandes e dos pequenos lábios, prepúcio e vestíbulo posterior, écrinas e apócrinas, são abundantes nessas regiões e semelhantes às da axila. As glândulas écrinas são responsáveis pela regulação do calor, e as apócrinas produzem o odor próprio dessa região após a puberdade. Inflamações Inflamações vulvares em adultos têm pouca expressão na prática ginecológica, sendo as inflamações da pele as mais comuns. Genericamente, são classificadas em infecciosas e não infecciosas e podem representar manifestação de doença sistêmica. As principais inflamações da vulva são de natureza infecciosa, causadas, sobretudo, por bactérias ou vírus. Contato com secreções e corrimentos e estados de imunodepressão, sobretudo em mulheres idosas e diabéticas, favorecem o surgimento de infecções inespecíficas, especialmente por bactérias piogênicas. Estas podem acometer as glândulas de Bartholin (adenites), formando abscessos. Obstrução do ducto excretor causada pela inflamação pode resultar em cisto de glândulas de Bartholin, que aparece em qualquer idade e pode atingir até 5 cm de diâmetro. Tais cistos são dolorosos e causam desconforto local, muitas vezes exigindo tratamento cirúrgico. Outras infecções prevalentes são a sifilítica e as causadas pelos vírus do papiloma humano (HPV), herpes genital e molusco contagioso. A vulva é sede ainda de outras doenças sexualmente transmissíveis menos comuns, como granuloma venéreo ou granuloma inguinal, linfogranuloma venéreo e cancro mole (Quadro 18.1). A infecção sexualmente transmissível pelo HPV, que afeta a mucosa escamosa do sistema genital feminino (colo uterino, vagina e vulva) e masculino (pênis) e da região perianal, tem grande interesse clínico. Cerca de 30 a 50% das mulheres com infecção vulvar pelo HPV têm também acometimento cervical. As alterações morfológicas são bem características e representadas por lesões às vezes confluentes, planas ou verrucosas, estas últimas conhecidas como condiloma acuminado. Causado especialmente pelo HPV tipo 6 e menos frequentemente pelo HPV 11, o condiloma acuminado é mais comum em mulheres jovens com vida sexual ativa, em contato com parceiros múltiplos (estes também expostos a parceiros múltiplos) e/ou com higiene genital precária. Além disso, está comumente associado a vaginites, diabetes melito, contraceptivos orais e estados de imunossupressão. Em geral, a lesão envolve a região vulvovaginal e pode estender-se à região perineal e perianal. Macroscopicamente, o condiloma é lesão verrucosa, única ou múltipla, de tamanho variado. Histologicamente, caracteriza-se por hiperplasia do epitélio, com papilomatose, hiper e paraceratose, sendo características as alterações coilocitóticas, vistas especialmente nas células das camadas superficial e intermediária. As células coilocitóticas são volumosas, têm núcleos hipercorados, irregulares e chanfrados, e mostram citoplasma amplo, com halo claro perinuclear, muitas vezes excêntrico. A lesão pode sofrer regressão espontânea, mas, em geral, necessita tratamento clínico ou cirúrgico. O diagnóstico deve ser confirmado pelo exame anatomopatológico. Condiloma em crianças pode ser indício de abuso sexual. O diagnóstico diferencial deve ser feito com pólipo fibroepitelial e hiperplasia de células escamosas, em que faltam as alterações coilocitóticas. Infecção por HPV de alto grau é responsável por lesões precursoras de certos tipos de carcinoma vulvar (ver adiante). Quadro 18.1 Doenças infecciosas mais prevalentes na vulva Virais Vírus do papiloma humano (HPV) Vírus herpes (zóster/simplex) Molusco contagioso Bactérias Inespecíficas: bactérias piogênicas Específicas: sífilis, granuloma inguinal, linfogranuloma venéreo, cancroide, tuberculose Fungos Dermatofitose Candida Parasitos Escabiose Enterobius vermicularis Esquistossomose Demodex As lesões produzidas pelo vírus herpes (vírus herpes tipo 2) são vesiculares ou pustulares, múltiplas e recidivantes (dois terços dos casos) que evoluem para úlceras dolorosas,frequentemente com infecção secundária. Além de dor vulvar, às vezes incapacitante, corrimento vaginal, disúria e/ou retenção urinária, as pacientes apresentam febre e aumento dos linfonodos inguinais, podendo também haver acometimento do ânus, uretra, bexiga, vagina e colo uterino. Infecção herpética é diagnosticada em exames citopatológicos (teste de Tzank) pelo encontro de inclusões virais intranucleares ou citoplasmáticas em células multinucleadas, com núcleos amoldados. O molusco contagioso é doença viral contagiosa, em adultos, de transmissão sexual, caracterizada por múltiplas pequenas pápulas umbilicadas e macias (3 a 6 mm de diâmetro), com ceratinócitos exibindo grandes inclusões virais citoplasmáticas que formam verdadeiras colônias virais (Figura 18.1). O diagnóstico clínico em geral não necessita biópsia, podendo ser realizado o exame citológico de esfregaços feitos com raspados das lesões, visando identificação das inclusões intracitoplasmáticas típicas (corpúsculos de Henderson- Paterson). Figura 18.1 Molusco contagioso. A. Hiperplasia com invaginação da epider-me e umbilicação central. B. Detalhe mostrando os corpúsculos de inclusão intracitoplasmáticos eosinofílicos. Na vulva, a síflis apresenta-se em forma primária ou secundária. A primária inicia-se três semanas após o contágio e caracteriza-se pelo cancro, que é uma lesão ulcerada, de bordas endurecidas, indolor ou pouco dolorosa. Frequentemente, o cancro é único e pode ocorrer em locais diversos, como colo uterino, mucosa anal ou orofaringe. No entanto, até 50% das mulheres podem não apresentar a lesão primária. O cancro pode involuir em duas a seis semanas, sem deixar cicatrizes. Linfadenopatia inguinal aparece três a quatro dias após a lesão primária. A fase secundária surge seis semanas a seis meses após a primária, manifestando-se por rash cutâneo generalizado. Na vulva, a lesão é conhecida como condiloma latum e apresenta-se como pápulas elevadas e placas com até 3 cm de diâmetro. A sífilis terciária, gomosa, é pouco encontrada atualmente. O diagnóstico é confirmado por testes imunológicos, pois o exame anatomopatológico não é específico, apesar do achado característico de infiltrado inflamatório linfoplasmocitário distribuído em torno de pequenos vasos sanguíneos. O encontro de espiroquetas pelas colorações de Warthin- Starry ou de Steiner confirma o diagnóstico. O granuloma venéreo ou granuloma inguinal (donovanose) é causado pela bactéria Calymmatobacterium granulomatis, um bastonete Gram-negativo. As lesões são papulares, não dolorosas, ou úlceras necrosantes de bordas elevadas e centro friável, geralmente sem linfonodomegalia. Além da vulva, a vagina e o colo uterino podem estar acometidos. Com a progressão da doença, pode haver infiltração local, acometimento linfático com edema da genitália e fibrose. O diagnóstico clínico é confirmado por exames de esfregaços de material obtido da borda da lesão ou em cortes histológicos corados por hematoxilina e eosina, pelo Giemsa ou Warthin-Starry, identificando-se as bactérias (corpúsculos de Donovan) como inclusões eosinofílicas intracitoplasmáticas, no interior de macrófagos. O linfogranuloma venéreo é provocado pela Chlamydia e é três vezes mais frequente em homens do que em mulheres; acomete toda a área vulvovaginal e pode estender-se à região perianal. A lesão primária é ulcerada, dolorosa, com rápida extensão aos linfáticos; na sequência, causa aumento linfonodal confluente, com tendência a supuração, ruptura e extravasamento de secreção purulenta, formando o “bubão” patognomônico da doença. Na fase seguinte, a lesão apresenta intensa fibrose de toda a região vulvovaginal e retal (retite estenosante), com obstrução linfática e edema. O diagnóstico é confirmado pela reação de Frei e, histologicamente, pela linfadenite granulomatosa característica contendo microabscessos estrelados, contornados por macrófagos em paliçada. O cancro mole (cancroide) é relativamente raro, causado pelo Haemophilus ducreyi, uma bactéria Gram-negativa. A lesão caracteriza-se por úlceras localizadas, pequenas, isoladas ou confluentes, com base eritematosa, purulenta e friável, vistas nos pontos de inoculação do agente, que podem coalescer, acompanhadas de linfadenite inguinal supurativa. A reação inflamatória é granulomatosa, rica em linfócitos e plasmócitos. O diagnóstico definitivo é feito em esfregaços e culturas do material exsudado ou por PCR. Outras lesões O líquen escleroso (líquen escleroso e atrófico) é lesão leucoplásica com atrofia da epiderme que acomete pequeno lábio, clitóris, prepúcio, vestíbulo e períneo, de forma assimétrica, podendo alcançar a região perirretal. Os aspectos histológicos variam de acordo com o tempo de evolução, prurido e tratamento. O epitélio é fino, com retificação dos cones epiteliais, havendo homogeneização em faixa do colágeno subepidérmico e infiltrado inflamatório mononuclear subjacente (Figura 18.2). Tais lesões ocorrem sobretudo em mulheres no climatério ou após a menopausa, estando poucas vezes associadas a estenose do introito vaginal (craurose vulvar) ou carcinoma de células escamosas. No entanto, o líquen escleroso não é considerado lesão pré-maligna. O diagnóstico diferencial deve ser feito com o líquen plano. Figura 18.2 Líquen escleroso e atrófico. Epiderme com retificação dos cones epiteliais e hiperceratose discreta; fibrose e homogeneização do colágeno na derme, superficialmente, além de infiltrado inflamatório de mononucleares em faixa logo abaixo. O líquen simples crônico é lesão de mulheres entre 30 e 60 anos de idade caracterizada por área focal de prurido na região vulvar, usualmente acometendo grande lábio, geralmente branco-acinzentada, com escoriação ou fissuras produzidas por prurido. Histologicamente, encontram-se acantose e hiperceratose, mas sem atipias, além de escassa reação inflamatória predominantemente linfocitária. Entre os diagnósticos diferenciais, estão o condiloma acuminado e infecções causadas por fungos (dermatofitose ou candidíase). Outras dermatoses, como líquen plano, vitiligo, psoríase etc., além da neoplasia intraepitelial vulvar (NIV, ver adiante), também podem manifestar-se por lesões leucoplásicas ou pigmentadas. ■ Tumores Além de neoplasias verdadeiras, certas lesões vulvares podem simular tumores. O cisto do ducto da glândula de Bartholin, frequentemente associado a inflamação (bartholinite), pode resultar em abscesso. Outros cistos (epidérmico, de inclusão epitelial, mucoso, cistadenoma apócrino e hidrocistoma) são também encontrados na vulva. Tumores benignos Tumores benignos da pele podem acometer também a vulva. Neoplasias epiteliais são as mais comuns, sendo os adenomas de glândulas sudoríparas, apócrinas ou écrinas, os mais frequentes. O hidradenoma papilífero origina-se de glândulas apócrinas, é geralmente pequeno (< 2 cm) e localiza-se no sulco interlabial ou na face lateral do pequeno lábio; quando sofre ulceração, pode simular carcinoma. Microscopicamente, o tumor é formado por estruturas tubulares e ácinos revestidos por epitélio simples ou biestratificado de células cuboides, sendo a camada externa de células mioepiteliais (Figura 18.3). Remoção cirúrgica permite cura da lesão. Siringoma, semelhante ao das pálpebras, também pode originar-se na vulva. Outros tumores, como pólipo fibroepitelial, ceratoacantoma, cisto triquilemal proliferativo e tricoepitelioma, podem mais raramente ser encontrados. Tumores mesenquimais são mais raros, chamando a atenção algumas lesões vasculares, como angioceratoma e linfangioma circunscrito que, apesar de raros, têm a vulva como sede preferencial.Figura 18.3 Hidradenoma papilífero. Tumor dérmico de aspecto adenomatoso, circunscrito, sem comunicação com a superfície epidérmica. No detalhe, estruturas tubulares ou papilíferas revestidas por uma ou duas camadas de células epiteliais sem atipias. Carcinoma de células escamosas O carcinoma de células escamosas (CCE) da vulva corresponde a 3 a 5% das neoplasias ginecológicas e representa a neoplasia vulvar mais comum (90% dos casos). Em quase dois terços dos casos, manifesta-se em mulheres com mais de 60 anos, embora possa ser visto em mulheres jovens e adolescentes. Tipicamente, o tumor está associado à infecção pelo HPV em mulheres com múltiplos parceiros durante a vida sexual e com histórico de doenças sexualmente transmissíveis. Em 20 a 30% das mulheres com CCE vulvar, existe lesão intraepitelial cervical escamosa concomitante e em mais de 70% dos casos há história prévia ou subsequente de lesão intraepitelial vaginal/cervical escamosa, ou carcinoma cervical. Em alguns casos, a lesão não está associada ao HPV, mas a inflamações crônicas, especialmente o líquen escleroso. Historicamente, vários termos foram empregados para se referir às lesões precursoras do CCE da vulva. Em 1912, Bowen descreveu a lesão intraepitelial escamosa, também referida como doença de Bowen. Em 1965, Kaufman propôs a divisão das lesões pré-malignas em três grupos: eritroplasia de Queyrat, carcinoma in situ bowenoide e carcinoma simples. Apesar de histologicamente indistinguíveis, lesões pigmentadas e papulares ou verrucosas eram clinicamente designadas papulose bowenoide. As demais lesões, que geralmente formam placas avermelhadas ou acinzentadas, elevadas, maculares ou papulares, únicas ou múltiplas, eram identificadas como eritroplasia de Queyrat. A Sociedade Internacional para o Estudo das Doenças Vulvovaginais recomenda a expressão neoplasia intraepitelial vulvar (NIV) para designar esse grupo de alterações. Independentemente da nomenclatura utilizada, as lesões precursoras são representadas por proliferação epitelial de grau variável e atipias (displasia) que podem acometer desde o terço basal até toda a espessura do epitélio (carcinoma in situ). A incidência de NIV (que inclui as displasias e o carcinoma in situ) tem aumentado ao longo das últimas décadas, inclusive em mulheres jovens (20 a 35 anos). Alguns estudos mostram que 50% das mulheres com NIV têm outra lesão genital, geralmente neoplasia intraepitelial cervical (NIC) e história prévia de infecção pelo HPV. Além disso, existe associação entre NIV e tabagismo. A sintomatologia mais comum dessas lesões é prurido vulvar. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece a NIV e sua gradação em displasia leve (NIV 1), moderada (NIV 2) e acentuada (NIV 3), que correspondem a alterações celulares restritas ao terço basal, terço médio ou acima de dois terços da espessura do epitélio. O carcinoma in situ é classificado como NIV 3 e mostra anormalidades em toda a espessura do epitélio. Na NIV, os ceratinócitos tendem a ser mais volumosos e têm núcleo hipercorado e pleomórfico. Na NIV 3, são comuns estruturas arredondadas no terço basal do epitélio, com células de citoplasma amplo e eosinofílico exibindo ceratinização. Figuras de mitose, típicas e atípicas, são vistas nas porções mais altas do epitélio a partir da NIV 2. Seguindo o mesmo princípio das lesões do colo uterino (ver adiante), a NIV 1 é classificada como lesão intraepitelial de baixo grau, enquanto as NIV 2 e 3 e o carcinoma in situ são classificadas como lesões de alto grau (Figura 18.4). As lesões do tipo NIV 1 são raras; estudos sobre sua evolução natural mostram não haver progressão para o câncer invasivo. Há recomendações para que sejam descritas como condiloma plano, ou apenas como displasia leve. Com os avanços do conhecimento sobre carcinogênese vulvar, houve revisão da terminologia e as lesões precursoras vulvares foram reclassificadas em dois grupos com potenciais de malignidade distintos: (a) NIV do tipo usual; (b) NIV do tipo diferenciado. Figura 18.4 Neoplasia intraepitelial vulvar de alto grau. A. Hiperplasia do epitélio com atipias em toda sua espessura. B. Detalhe do epitélio mostrando perda da maturação e atipias nucleares acentuadas, notando-se algumas células bizarras multinucleadas (setas vermelhas) e frequentes figuras de mitose (setas amarelas). A NIV do tipo usual, a forma mais prevalente e relacionada à infecção pelo HPV, é subdividida em NIV basaloide e NIV verruciforme. A NIV do tipo basaloide, que ocorre em mulheres mais jovens, tem maior potencial de transformação maligna e menor índice de remissão espontânea. A do tipo verruciforme tem aspecto que lembra o condiloma acuminado. Em certos casos, há mistura desses dois subtipos, sendo a lesão classificada como mista. A NIV do tipo diferenciado, menos comum, corresponde ao que antigamente era designado carcinoma intraepitelial do tipo simples, típico de mulheres após a menopausa, acima de 65 anos, sem associação com HPV. O termo diferenciado referese ao aspecto de diferenciação escamosa da lesão. A lesão pode associar-se ao líquen escleroso. As alterações epiteliais são focais, com atipias nucleares menos evidentes, de localização mais basal no epitélio, podendo ser confundidas com alterações reacionais em dermatoses benignas e hiperplasia epitelial. O CCE pode ser superficialmente invasivo (confinado à vulva, ou à vulva e ao períneo, medindo até 2,0 cm na maior dimensão), ou invasivo. Quando superficial, pode apresentar-se em forma de úlcera, pápula ou mácula, escura ou branca, com hiperceratose. O CCE invasivo apresenta-se como lesão vegetante (Figura 18.5), polipoide, nodular ou verrucosa, podendo ter ulceração. A lesão inicia-se mais comumente nogrande lábio, acometendo também o lábio menor e, eventualmente, também o clitóris. Na maioria das vezes, o tumor é solitário (multifocal em 10% dos casos). Clinicamente, pode haver prurido, dor, sensação de queimação, sangramento e corrimento. Dispareunia e disúria não são incomuns. Microscopicamente, o tumor pode ser ceratinizante do tipo usual (65% dos casos) ou basaloide. O CCE ceratinizante pode ser grau 1 (bem diferenciado), grau 2 (moderadamente diferenciado) ou grau 3 (pouco diferenciado), segundo a capacidade de a neoplasia formar ceratina e o grau de atipias. Alguns tumores podem ter padrão de crescimento verruciforme, sendo os tipos verrucoso e condilomatoso os mais comuns. O carcinoma verrucoso é muito bem diferenciado, tem crescimento lento e pode formar grandes lesões destrutivas locais. Infiltração profunda é incomum, mas pode haver associação com CCE do tipo usual. O CCE condilomatoso tem como diagnóstico diferencial o condiloma gigante, que mostra alterações coilocitóticas e ceratinização proeminentes. O crescimento é lento, porém pode infiltrar profundamente, sendo considerada lesão de baixo grau ou de grau intermediário. O carcinoma basaloide, mais agressivo e com infiltração profunda, é formado por células menores, sem ceratinização, que formam ninhos sólidos, com alto índice mitótico. Os carcinomas que evoluem das NIV do tipo usual (carcinoma basaloide e verruciforme do tipo condilomatoso) estão associados à infecção por HPV de alto risco, em especial o tipo 16. Os carcinomas que se desenvolvem a partir de NIV do tipo diferenciado, incluindo-se os carcinomas do tipo verrucoso e o CCE ceratinizante, não se associam à infecção pelo HPV. As metástases em geral se dão por via linfática, acometendo primeiro os linfonodos inguinais homolaterais; mais tarde, podem atingir os linfonodos pélvicos ou de cadeias distantes. Pela via sanguínea, podem acometer fígado,pulmões e outros órgãos. O tumor tem como fatores prognósticos o tamanho (pior prognóstico para as lesões maiores que 2,5 cm), o tipo histológico, o grau histológico, a profundidade de infiltração, o acometimento das margens da lesão quando ressecada, a invasão vascular e a presença de metástases em linfonodos. Invasão vascular e infiltração perineural correlacionam-se com maior incidência de infiltração linfonodal que, por sua vez, representa o fator prognóstico individual mais importante da doença. Figura 18.5 Carcinoma de células escamosas da vulva. A. Lesão vegetante e ulcerada que destrói os pequenos lábios, particularmente à esquerda. B. Neoplasia associada a líquen escleroatrófico. Lesão vegetante, rósea, de base infiltrativa, acometendo pequeno e grande lábios à direita. Notar placas porcelânicas e atróficas associadas. Adenocarcinoma Trata-se de neoplasia maligna rara, que na maioria dos casos se origina nas glândulas de Bartholin ou de anexos cutâneos, sobretudo glândulas sudoríparas. Metástases em linfonodos inguinais são encontradas em até 20% dos casos, sendo frequente a recorrência do tumor, que necessita ser retirado com ampla margem de ressecção. Sobre o tumor, a epiderme pode estar infiltrada por células individuais ou por grupos de células tumorais, reproduzindo o quadro histológico da doença de Paget da mama. No entanto, na vulva muitas vezes não se encontra um tumor, mas apenas as células infiltrando a epiderme. Pode haver ainda doença de Paget da vulva como manifestação de adenocarcinomas retais ou anais ou de neoplasia urotelial. Quando associada a tumor, o prognóstico da doença de Paget geralmente é ruim e depende do estadiamento e do grau de diferenciação da neoplasia primária. Em geral, recorrência é comum, com invasão e metástases linfonodais. Outros tumores Melanoma, originário de melanócitos do epitélio de superfície e que compreende 5 a 10% dos tumores malignos da vulva, parece originar-se de uma via independente de radiação ultravioleta. Apresenta-se sob duas variedades: (a) superficial, de melhor prognóstico; (b) nodular, profunda e infiltrativa, de pior prognóstico. Linfomas são muito raros, geralmente linfomas primários cutâneos, e ocorrem sobretudo em mulheres de média idade ou mais velhas. Tumores metastáticos são também raros, com exceção do coriocarcinoma ou de metástases generalizadas. Vagina A vagina, que ocupa o espaço compreendido pelo vestíbulo uterino e pelas faces dorsal da bexiga e ventral do reto, é revestida por mucosa escamosa que responde ciclicamente aos efeitos hormonais de estrógenos e progesterona. Por isso mesmo, é local apropriado para coleta de esfregaços citológicos para estudo do ciclo hormonal (padrões estrogênico, luteínico ou atrófico), método que pode auxiliar na avaliação de ciclos ovulatórios e anovulatórios. Infecções Como na vulva, são frequentes infecções vaginais por bactérias, vírus, protozoários e, sobretudo, fungos. As infecções, principalmente a tricomoníase, são muito mais comuns em mulheres de baixa condição socioeconômica e com vida sexual ativa. A microbiota vaginal fisiológica, constituída por lactobacilos (bacilos de Döderlein), mantém o pH local ácido, que atua como barreira protetora contra infecções. A Candida albicans, contudo, convive bem com a microbiota vaginal e o pH baixo e é provavelmente o patógeno mais comumente ativo no trato genital feminino. Nos últimos anos, têm ganhado interesse as infecções ou alterações associadas ao crescimento da microbiota anaeróbia, principalmente a Gardnerella vaginalis e o Mobiluncus, responsáveis por quadros de leucorreia fétida, inflamação pélvica, parto prematuro e corioamnionite. Tais infecções podem ser diagnosticadas prontamente por colposcopia e por exame citológico cervicovaginal, complementados por culturas. A tricomoníase vaginal é uma infecção genitourinária transmitida sexualmente, mais comum em mulheres com vida sexual ativa, causada pela Trichomonas vaginalis, um protozoário flagelado, oval e fusiforme, com 10 a 20 μm, que cresce bem em pH vaginal em torno de 5,5 a 6,0. Além da vagina, pode infectar o colo e o corpo uterinos, tubas, bexiga e glândulas de Bartholin e de Skene; no sistema genital masculino, sobretudo próstata, vesícula seminal e uretra. O quadro clínico da tricomoníase é variável. Estima-se que 50% das pacientes sejam assintomáticas. Quando sintomática, a infecção manifesta-se por corrimento amarelo-esverdeado, com aspecto espumoso e odor fétido, acompanhado de prurido e disúria. O exame de esfregaços a fresco constitui bom método diagnóstico. A maioria dos casos acompanha-se de microbiota mista (Döderlein e cocos) ou de outros microrganismos (cocos, anaeróbios etc.). Ao contrário da tricomoníase, a candidíase vaginal provoca corrimento vaginal leitoso, brancacento, inodoro, semelhante a leite coagulado, acompanhado de prurido e desconforto intensos. A mucosa vaginal apresenta-se hiperêmica e edemaciada, com pontilhado vermelho fino. A candidíase é frequente em qualquer faixa etária e considerada pela OMS uma doença sexualmente transmissível, embora o contágio possa se fazer também através de objetos, mãos e roupas contaminados. A candidíase é mais comum em mulheres diabéticas, grávidas ou em uso de contraceptivos orais e/ou antibioticoterapia. Cistos Cistos vaginais são relativamente incomuns e podem ser classificados como cistos de inclusão epitelial, cistos mesonéfricos ou dos ductos de Gartner (derivados de restos mesonéfricos), cistos müllerianos (derivados de focos de adenose) e cistos de glândulas de Bartholin. Os cistos de inclusão, que se desenvolvem após traumatismos do parto, natural ou cirúrgico, são revestidos por epitélio escamoso ceratinizado ou mucoso. Adenose vaginal representa remanescentes de epitélio colunar do tipo endocervical na porção superior da vagina. Endometriose também pode ser encontrada na vagina. Tumores Tumores primitivos da vagina são pouco comuns. Os benignos são raros, exceto o condiloma acuminado, que é encontrado com certa frequência. Além desse, pode ser vista uma lesão pseudoneoplásica rara, chamada pólipo fibroepitelial vaginal, que é formada por estroma fibrovascular e pode mostrar atipias degenerativas e simular neoplasia maligna. O câncer mais comum da vagina é o carcinoma de células escamosas, semelhante ao da vulva, que deve ser diferenciado do carcinoma escamoso do colo uterino que invade a vagina. Sua etiopatogênese também envolve a infecção pelo HPV. A nomenclatura das lesões é análoga à do colo uterino, ou seja, neoplasia intraepitelial vaginal (NIVA). O rabdomiossarcoma embrionário (sarcoma botrioide), que é o tumor maligno mesenquimal mais comum da vagina, ocorre sobretudo em crianças abaixo de cinco anos. O tumor forma massa polipoide e é constituído por células pequenas que lembram rabdomioblastos. Nas regiões mais profundas da lesão, as células ficam em meio a estroma frouxo e edematoso que contém células inflamatórias; por este aspecto, pode ser erroneamente interpretado como pólipo inflamatório. O sarcoma botrioide invade localmente e pode disseminar-se para o peritônio e causar obstrução urinária. Útero O útero (Figura 18.6) localiza-se na pelve, e seu tamanho varia durante a vida reprodutiva; em média, mede 8 cm de comprimento, 6 cm de largura e 4 cm de espessura e pesa aproximadamente 70 g. O útero tem como funções sustentar, nutrir e proteger o concepto durante a gestação e, por isso mesmo, apresenta forma, volume, localização e estrutura variáveis conforme a idade da mulher, o período do ciclo menstrual e a gravidez. Sua forma é semelhante à de uma pera invertida,cujo segmento estreitado, em posição anatômica, encontra- se voltado para baixo e geralmente para trás, formando um ângulo de aproximadamente 90° com a vagina (ângulo de anteversão). Após a menopausa, o útero sofre hipotrofia, ficando reduzido até metade do seu tamanho original. A principal sustentação do útero na pelve é feita pelo ligamento largo, que é formado pela fusão dos folhetos do peritônio que se refletem sobre o reto e a bexiga, dando origem ao mesossalpinge e ao mesométrio. Entre os dois folhetos do ligamento largo, existe quantidade variada de tecidos conjuntivo e adiposo, que constituem o paramétrio. Os ligamentos cardinais representam reflexões das fáscias pélvica e visceral lateral, que emitem fibras que se fixam na região do istmo e do terço superior da vagina. O útero compõe-se de duas porções principais: o corpo (dois terços superiores) e o colo (terço inferior) (Figura 18.7). Uma pequena constrição, denominada istmo, marca a junção entre o corpo e o colo do útero. Figura 18.6 Representação esquemática dos órgãos genitais femininos internos. Figura 18.7 Útero e anexos de mulher adulta. O colo uterino está voltado inferiormente e continua-se com a mucosa vaginal (setas). A maior parte do útero é constituída pelo corpo (dois terços superiores), que se comunica com o colo através do istmo. São vistos ainda ligamentos largos, tubas uterinas e ovários. ▶ Colo uterino O colo uterino ou cérvice, que representa a porção inferior do órgão, tem forma cilíndrica. O canal endocervical comunica a cavidade uterina (através do orifício interno) com a luz vaginal (através do orifício externo). Em uma mulher multípara, o orifício externo (OE) é alongado ou em fenda e delimita os chamados lábios cervicais, um anterior e outro posterior; na nulípara, o orifício externo é circular. A superfície mucosa cervical voltada para a vagina, externamente ao OE e denominada ectocérvice, é revestida por epitélio estratificado escamoso não ceratinizado. A superfície mucosa do canal endocervical, chamada endocérvice, é recoberta por epitélio simples colunar mucossecretor (Figura 18.8). Abaixo deste, existem células de reserva, multipotentes, capazes de se diferenciar tanto em células colunares como em células escamosas. O epitélio colunar endocervical penetra profundamente na lâmina própria e ramifica-se, dando origem às glândulas endocervicais (Figura 18.9). O local de encontro do epitélio colunar com o epitélio escamoso é abrupto e denominado junção escamocolunar (JEC, Figura 18.10). A localização da JEC é variável e sofre influência de estímulos hormonais, variando com a idade da mulher e o período do ciclo menstrual. No início, a JEC localiza-se na região do orifício externo do colo uterino (Figura 18.11 A). Especialmente no período pós-puberal, a mucosa pode sofrer eversão (Figura 18.11 B), fenômeno fisiológico em que parte da endocérvice move-se para fora do canal endocervical e adiante do orifício externo, constituindo o chamado ectrópio (ectopia, Figura 18.12). Com isso, a JEC localiza-se agora fora do orifício externo. Ectrópio é encontrado em cerca de 45% das mulheres entre 1 e 13 anos e é duas vezes mais comum no lábio anterior do que no posterior. Figura 18.8 Colo uterino seccionado longitudinalmente. A mucosa que re-veste internamente o canal endocervical invagina-se para o cório subjacente, formando as glândulas endocervicais (cabeças de seta). Mais internamente, existe a região ístmica (istmo). Externamente, fora do orifício externo (seta negra), encontra-se a ectocérvice, que se continua com a mucosa vaginal, formando os fundos de saco anterior e posterior (setas amarelas). Figura 18.9 Canal endocervical. Invaginação do epitélio, que forma estruturas tubulares ramificadas (“glândulas endocervicais”). No detalhe, epitélio de revestimento do tipo colunar simples, mucossecretor. Figura 18.10 Colo uterino na junção escamocolunar (JEC). Notar junção abrupta entre o epitélio estratificado escamoso (setas), mais espesso e con-tendo muitas células com citoplasma amplo e claro (imagem negativa do glicogênio), e o epitélio simples endocervical, repleto de sialomucinas ácidas, cujo citoplasma é fortemente corado em azul (coloração de azul de alcião). O epitélio evertido, mais delgado, é menos resistente às adversidades existentes na luz vaginal, como pH ácido, microbiota residente e traumatismos aos quais o colo fica exposto durante as relações sexuais. Esses fatores são os responsáveis pela ocorrência de um outro fenômeno fisiológico e adaptativo: nas áreas de epitélio evertido, surge metaplasia escamosa (Figura 18.13), que se caracteriza pela substituição do epitélio colunar endocervical por epitélio escamoso, mais resistente. Ao final do processo, a ectopia cervical é totalmente substituída por esse novo epitélio, que é muito semelhante ao epitélio escamoso primitivo. Quando grupos de ramificações endocervicais são obliterados pelo epitélio escamoso metaplásico, que prolifera na superfície e bloqueia o fluxo de muco, os produtos de secreção se acumulam, provocam dilatação das glândulas e formam os cistos de Naboth. A região compreendida entre a JEC original e a nova junção é denominada zona de transformação (ZT, Figura 18.14), a qual se caracteriza por epitélio escamoso metaplásico. O reconhecimento da ZT tem grande importância no estudo das lesões do colo uterino, já que virtualmente todas as neoplasias cervicais se iniciam na nova JEC e porque a extensão e os limites das lesões precursoras coincidem com os da distribuição da ZT. Ao exame direto com colposcópio, instrumento que permite a visualização da mucosa através de uma lupa, pode-se identificar a ZT, que é conhecida como zona de transformação típica (ZTT). Quando os mesmos processos irritativos indutores da transformação metaplásica se perpetuam, muitas vezes surgem inflamação crônica ou displasias, as quais resultam em alterações no padrão colposcópico da zona de transformação, que passa a ser denominada zona de transformação atípica (ZTA). Assim, a ZTA representa o marcador colposcópico dos dois processos patológicos cervicais mais prevalentes, as cervicites crônicas e as displasias, muitas vezes concomitantes. Figura 18.11 A. Representação esquemática da junção escamocolunar (JEC). Notar que a transição dos dois tipos de epitélio localiza-se no orifício externo. B. Eversão (ectrópio) da mucosa endocervical, que passa a ocupar uma área fora do orifício externo, inclusive com glândulas endocervicais. Figura 18.12 A. Colo uterino com extensa área de ectrópio (cabeças de seta). B. Mesmo caso, após teste de Schiller. A região de ectrópio mostra-se clara (não se cora pelo iodo). Figura 18.13 A. Colo uterino mostrando área de metaplasia escamosa do epitélio endocervical (notar restos de células colunares nas margens do epitélio escamoso). Há ainda discreto infiltrado na lâmina própria (cervicite crônica). B. Metaplasia escamosa substituindo parcialmente o epitélio glandular. Cervicites O colo uterino é sede frequente de processos inflamatórios, agudos ou crônicos. Algum grau de inflamação crônica é observado especialmente em mulheres em idade fértil, sem que isso se traduza por alteração clínica. Cervicite praticamente inexiste antes da menarca e é menos frequente após a menopausa. Em mulheres idosas, prolapso do colo uterino associa-se a maior incidência de inflamação e metaplasia escamosa, com ceratinização (epidermização) do colo uterino. Figura 18.14 Representação esquemática da zona de transformação (ZT). O epitélio endocervical sofreu metaplasia e transformou-se em epitélio escamo-so, que está presente em toda a região antes ocupadapelo ectrópio (comparar com a Figura 18.11 A e B). Após a menarca, quando o útero passa a sofrer variações hormonais cíclicas, sob influência particularmente dos estrógenos, cria-se um microambiente vaginal que favorece a colonização por alguns agentes que fazem parte da microbiota normal residente. Lactobacilos, elementos dominantes da microbiota cervical, inibem o crescimento de microrganismos saprófitas e agentes patogênicos pela manutenção do pH ácido. Alterações da microbiota residente, com variações no pH, associadas ou não a fatores mecânicos, como traumatismos durante o ato sexual, resultam em desequilíbrio na proliferação bacteriana e agressão ao epitélio de superfície. Esses mesmos fatores são também responsáveis pelo surgimento de metaplasia escamosa. Nas áreas de metaplasia escamosa, especialmente na imatura, quase sempre existe infiltrado inflamatório de mono e polimorfonucleares (Figura 18.13), com grau variado de atividade, não necessariamente associado a infecção. As cervicites podem ser infecciosas ou não infecciosas. As não infecciosas são causadas por irritantes de natureza química ou mecânica. As cervicites infecciosas são mais comumente produzidas por agentes bacterianos, seguidas da infecção por Candida ou por C. trachomatis. Estas são importantes não só pela frequência, mas também por serem fonte de doença sexualmente transmissível e por causarem infecção ascendente. Cervicite bacteriana é reconhecida como evento inicial da doença inflamatória pélvica e de infecção endometrial, estando ainda diretamente relacionada, durante a gravidez, com abortamento espontâneo, parto prematuro, corioamnionite, pneumonia neonatal e septicemia precoce nos conceptos. Tanto a ectocérvice quanto a endocérvice podem ser acometidas, variando os agentes etiológicos. Agentes aeróbios ou anaeróbios, às vezes em associação, particularmente estafilococos, estreptococos e enterococos (Escherichia coli), são os mais comuns. Infecções por outros microrganismos, como Neisseria gonorrhoeae, G. vaginalis, T. pallidum, vírus herpes e do papiloma humano (HPV), que causam infecções agudas e crônicas às vezes graves, são importantes por representarem doenças sexualmente transmissíveis. Nas cervicites agudas, a mucosa é edemaciada, eritematosa e friável, podendo haver corrimento purulento. Quando o processo é muito intenso ou prolongado, surgem úlceras e alterações epiteliais degenerativas. Histologicamente, há hiperemia, edema e infiltrado inflamatório predominantemente neutrofílico. Nas crônicas, o infiltrado é constituído predominantemente por linfócitos, plasmócitos e macrófagos, com formação de tecido de granulação e fibrose. Clinicamente, há erosões ou ulcerações, além de hiperemia pela proliferação vascular. Folículos linfoides com centros germinativos evidentes podem ser vistos (cervicite folicular). Inflamações agudas prolongadas ou crônicas, infecciosas ou não, às vezes com erosão, podem estar acompanhadas de alterações reacionais do epitélio endocervical ou escamoso, denominadas atipias de reparo, que podem ser confundidas com as lesões precursoras do câncer cervical. Tais atipias são caracterizadas por desorganização do epitélio, que apresenta exocitose leucocitária e atipias nucleares. Figuras de mitose típicas em células basais e parabasais podem ser identificadas, sendo a maturação celular mantida nas porções superficiais do epitélio. As células endocervicais podem exibir perda do conteúdo de muco. Outra alteração epitelial reacional, focal ou difusa, observada comumente em inflamações crônicas e expressa por área branca e espessa ectocervical, corresponde à ceratinização do epitélio (epidermização). Nesses casos, encontra-se acentuada hiperceratose, em que as células podem ou não conter núcleos picnóticos (paraceratose). O processo é acompanhado de acantose irregular, com formação de camada granulosa. Prolapso uterino é a causa principal de lesões difusas; porém, na maioria dos casos, a causa da epidermização não é conhecida. Hiperceratose e paraceratose podem ocorrer também em lesões precursoras e no carcinoma cervical invasor. Tais alterações cervicais podem ser diagnosticadas em esfregaços citológicos para rastreamento de neoplasia. Pólipo endocervical Pólipo endocervical é lesão relativamente comum e mais frequente em multíparas, sobretudo entre 40 e 60 anos de idade. Os pólipos formam-se no canal endocervical e aparecem como lesões geralmente pediculadas (mas podem ser sésseis), de forma alongada ou arredondada, com superfície esponjosa ou lisa e coloração róseo-avermelhada devida à intensa vascularização (Figura 18.15 A). Os pólipos endocervicais podem ser facilmente identificados ao exame direto, não raro se exteriorizando pelo OE; medem de poucos milímetros até 2 a 3 cm na maior dimensão, ou mais raramente formam massa volumosa, que pode simular neoplasia maligna. Clinicamente, os pólipos podem estar associados a inflamação e causar sangramento ou corrimento vaginal. Podem ser removidos por curetagem ou por exérese cirúrgica. À microscopia, o pólipo apresenta padrões diversos, desde o predomínio de hiperplasia glandular, sem atipias, até proliferação do estroma, que geralmente é bem vascularizado (Figura 18.15 B). Coexistem inflamação crônica e áreas de metaplasia escamosa. Pólipos no istmo podem conter glândulas endometriais, sendo denominados pólipos mistos. Apesar de inócuos, os pólipos endocervicais podem eventualmente ser sede de lesões precursoras ou de carcinoma. Pólipos com alterações carcinomatosas devem ser distinguidos de adenocarcinomas polipoides. No diagnóstico diferencial, outras lesões poliposas devem também ser consideradas, como pólipo decidual, hiperplasia endocervical microglandular, tecido de granulação, leiomioma, adenomioma, papiloma escamoso, condiloma acuminado e granuloma piogênico. Figura 18.15 A. Pólipo endocervical com superfície irregular, brilhante, de aspecto esponjoso, com pedículo próximo ao istmo, ocupando o canal en-docervical. B. Corte histológico de pólipo mostrando revestimento de epitélio colunar mucossecretor e proliferação de glândulas e estroma endocervicais, sem atipias. O estroma é ricamente vascularizado. ■ Carcinoma de células escamosas O carcinoma de células escamosas (CCE), que é a neoplasia do colo uterino mais frequente (85% das neoplasias cervicais), tem enorme impacto na saúde das mulheres, pois, além da sua alta prevalência, acomete predominantemente mulheres jovens, em idade fértil e produtiva. Há cerca de 50 anos, o CCE representava a primeira causa de morte por neoplasia maligna em mulheres em várias partes do mundo, despertando esforços e ações na tentativa de se conhecer melhor a doença, diagnosticá-la em uma fase mais precoce e minimizar suas consequências. Hoje, o CCE é um dos mais estudados e conhecidos cânceres humanos, sendo bem estabelecidos os fatores de risco e as lesões precursoras, cujo diagnóstico pode ser feito precocemente, diminuindo a morbidade e a mortalidade, com real possibilidade de cura. Apesar da sua localização interna, o colo uterino é um órgão de fácil acesso para exame, permitindo manuseio sob observação direta, com a possibilidade de abordagem de lesões suspeitas por meio do estudo de esfregaços de células – teste de Papanicolaou (exame citopatológico) – ou biópsias (exame anatomopatológico) dirigidas por colposcopia. Nos EUA, O CCE representa a 14a causa de morte por neoplasia maligna em mulheres. Considerando-se a população mundial, o câncer do colo uterino é atualmente o quarto tipo de câncer mais frequente em mulheres, sendo responsável, a cada ano, por aproximadamente 500 mil casosnovos, 84% destes em países menos desenvolvidos. No Brasil, estima-se cerca de 15 mil novos casos em 2014, com 15 casos previstos para cada 100 mil mulheres. A redução na mortalidade por esse câncer pode ser alcançada mediante rastreamento de mulheres entre 25 e 65 anos de idade, por meio do teste de Papanicolaou e tratamento das lesões precursoras. Para os próximos anos, espera-se que esse quadro possa se modificar, desde que sejam mantidas a organização e a ampliação de campanhas, a difusão de informações sobre a doença e sua prevenção e o acesso das mulheres aos serviços de saúde para a conduta adequada. No início do século 20, a observação das semelhanças morfológicas entre as células do carcinoma do colo uterino invasor e as células de áreas adjacentes ao tumor, diferindo das primeiras apenas pela ausência de invasão, representou o marco inicial na identificação das chamadas lesões precursoras do CCE. Broders, em 1932, reintroduziu o conceito de carcinoma in situ (CIS) para designar a neoplasia epitelial restrita ao epitélio de superfície, postulado no final da década de 1910 por Schottlander e Kermauner. Estudos posteriores revelaram haver correlação temporal e espacial entre tais lesões restritas ao epitélio e o câncer invasor, mostrando que, em porcentagem significativamente alta de casos e após período variado, de meses a anos, o CCE invasor surgia em áreas de CIS. A identificação de um precursor do câncer avançado do colo uterino, por sua vez, estimulou a discussão sobre a possibilidade de se desenvolver um método de triagem populacional eficaz para detecção precoce da lesão ainda como CIS, interferindo na sua evolução. Esse objetivo foi logo alcançado (ver adiante). O termo displasia foi introduzido para descrever alterações morfológicas no epitélio escamoso e nas células epiteliais de esfregaços cervicais caracterizadas por distúrbios da polaridade e da diferenciação celulares, com atipias, não raramente estendendo-se ao epitélio de superfície glandular, mas sem invasão. Segundo essa definição, as displasias poderiam ser graduadas como discreta (leve), moderada ou acentuada, de acordo com o grau de alterações citológicas e arquiteturais do epitélio afetado. Na década de 1970, com a aplicação da microscopia eletrônica e de técnicas de biologia molecular, os avanços nos conhecimentos sobre a etiopatogênese do câncer cervical foram ainda maiores, particularmente pelo encontro de partículas do vírus do papiloma humano (HPV) em células displásicas e neoplásicas. Muitos dos avanços obtidos na abordagem do câncer cervical podem ser creditados a George N. Papanicolaou, que, em 1917, inaugurou um novo método de diagnóstico de tumores pelo estudo citológico, simples, de baixo custo e de boa eficácia, que passou a ser utilizado como triagem populacional. Assim, como está hoje fartamente provado, o câncer invasor é precedido por lesões precursoras que determinam alterações celulares detectáveis pela citologia cervicovaginal. O diagnóstico precoce dessas lesões em programas de triagem (teste de Papanicolaou) permite seu tratamento antes de elas evoluírem para câncer. Etiopatogênese Estudos epidemiológicos e clínicos mostram que o câncer do colo uterino comporta-se como uma doença sexualmente transmissível e é mais frequente em mulheres de baixa condição socioeconômica, fatores esses responsáveis pelo aumento da sua incidência em muitos países subdesenvolvidos. Além disso, o câncer é mais comum em mulheres que têm vários parceiros, naquelas com início precoce da vida sexual (particularmente antes de 16 anos de idade) e em multíparas. Nesses casos, há associação com atividade sexual intensa e infecções ginecológicas frequentes. Na busca de possíveis agentes etiológicos para o câncer de transmissão sexual, foram investigados os vários agentes infecciosos responsáveis por cervicites recorrentes, merecendo destaque o HPV. Vírus do papiloma humano Os HPVs são os agentes causadores de verrugas genitais (Figura 18.16 A), denominadas condiloma acuminado, cujo termo origina-se do grego kondulos (côndilo) e do latim acuminare (tornar pontudo). Tais lesões são reconhecidas desde a Antiguidade como doenças sexualmente transmissíveis. Em meados do século 20, partículas virais foram identificadas nas células do condiloma por meio da microscopia eletrônica. Figura 18.16 A. Papiloma escamoso, com hiperplasia e projeção do epitélio, formando eixo conjuntivovascular (papilas). B. Corte histológico do colo uterino com atipias coilocitóticas. Em 1956, Koss e Durfee relataram o achado da chamada atipia coilocitótica em células de esfregaços vaginais. Do grego koilos (buraco), coilocitose refere-se à vacuolização perinuclear em células escamosas, associada a alterações nucleares (Figura 18.16 B). Cerca de 20 anos mais tarde, Meisels e Purola correlacionaram tais alterações à infecção pelo HPV, ao observarem semelhanças morfológicas entre os coilócitos (células com alterações coilocitóticas) e as células do condiloma, nas quais se encontra DNA do vírus. Surgia, assim, a associação entre infecção pelo HPV e neoplasia cervical. O HPV é um vírus DNA da família Papillomaviridae, que atualmente inclui 118 genótipos distintos (com base na sequência do DNA) capazes de infectar a espécie humana. Por meio de estudos de biologia molecular, são conhecidos mais de 40 tipos que infectam células da região anogenital. Todos os HPV são epiteliotróficos (pele e mucosas), podem induzir proliferação epitelial (formação de papilomas) e dependem da célula infectada para sua replicação. Considerando-se a população mundial, estima-se em 80% o risco de infecção em pessoas com vida sexual ativa e que 50% dos indivíduos sejam portadores do vírus. Estudos de biologia molecular mostram que o HPV pode ser detectado no colo uterino em 2 a 20% da população feminina mundial. Os principais elementos que atribuem ao HPV papel etiológico das lesões proliferativas do epitélio escamoso e do carcinoma cervical são: ■ O HPV é comprovadamente um agente transmissível sexualmente (o CCE do colo uterino comporta-se como doença sexualmente transmissível ■ A faixa etária das mulheres que se infectam com o HPV coincide com a época do surgimento das lesões precursoras, anterior ao desenvolvimento do câncer ■ A alta incidência de carcinoma cervical em mulheres cujos parceiros têm história de câncer do pênis ou possuem condilomas penianos ■ Nas lesões malignas, o DNA viral encontra-se integrado ao DNA do hospedeiro ■ A inoculação experimental do vírus em coelhos produz tumores cutâneos. O comportamento das lesões induzidas pelo vírus depende de fatores relacionados com o HPV e com o hospedeiro, como o tipo de vírus envolvido, a região geográfica, a carga viral e os fatores relacionados com a imunidade do indivíduo. Os tipos 16, 18, 31, 33, 34, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 66, 68 e 70, ditos HPV de alto risco, estão mais associados a displasia moderada ou acentuada, carcinoma in situ e carcinoma invasor. O HPV 16 é o mais prevalente, sendo encontrado em 50 a 60% dos casos de carcinoma cervical, seguido pelo HPV 18, responsável por cerca de 10% dessas lesões. As células infectadas são, em sua maioria, aneuploides e, portanto, com fenótipo neoplásico. Coilocitose pode ser encontrada, mas sua frequência é inversamente proporcional ao grau de transformação do epitélio. Outros tipos, como 6, 11, 42, 43 e 44, considerados HPV de baixo risco, induzem nas células a formação de novas partículas virais; quando surgem distúrbios da proliferação e diferenciação celulares, estes são geralmente mais discretos, como displasia leve. Nesses casos, as células infectadas sãodiploides ou poliploides. O HPV é um vírus de DNA de fita dupla, circular, contendo cerca de 8.000 pares de base (Figura 18.17), cuja replicação depende da célula do hospedeiro. O genoma viral é dividido em três regiões: (a) não codificante (sequência anterior regulatória), com 400 a 1.000 pares de base, referida como longa região controladora (LCR); esta região contém o promotor P97, ao longo do qual há sequências ativadoras e silenciadoras que regulam a replicação do DNA; (b) região precoce (E), com as sequências que codificam as proteínas E1, E2, E4, E5, E6 e E7, envolvidas na replicação viral e na oncogênese; (c) região tardia (L), que codifica as proteínas estruturais L1 e L2 do capsídeo viral Figura 18.17 Conformação do DNA do HPV. A transmissão do vírus se dá primariamente por contato direto, em geral por atividade sexual, podendo a contaminação ocorrer também pela passagem do concepto pelo canal de parto. Transmissão pode ocorrer também por fomitos, por exposição prolongada a roupas contaminadas e pela via vertical. O risco de contágio aumenta em pessoas com vários parceiros sexuais e quando os parceiros têm múltiplos parceiros. O uso de preservativo pode não prevenir o contágio, já que a transmissão pode se dar por contato com os lábios, o escroto, a mucosa anal e outras superfícies contaminadas. O HPV é mais comum em mulheres sexualmente ativas entre 18 e 30 anos, com pico de infecção entre 20 e 24 anos e redução marcante da prevalência após 30 anos, podendo haver um pico secundário na perimenopausa. O câncer é mais comum em mulheres com mais de 35 anos, o que sugere infecção precoce, de progressão lenta. O HPV infecta o epitélio escamoso, particularmente células basais (imaturas e com capacidade replicativa) ou células de metaplasia escamosa; abrasões ou microerosões no epitélio facilitam a infecção das células basais (Figura 18.18), que são capazes de se replicar e que constituem o reservatório do vírus. O entendimento do ciclo viral e dos padrões de infecção, esquematizados na Figura 18.19, ajuda a compreender os mecanismos envolvidos na patogênese do câncer do colo uterino. Após penetrar na célula por meio de receptor, o vírus pode causar: ■ Infecção latente, inativa ou não produtiva. Dentro da célula, o DNA viral dirige-se ao núcleo, onde permanece na forma epissomal. O DNA do vírus é replicado como unidade extracromossômica durante a divisão celular, mas não há formação de novas partículas virais (os outros genes virais não são expressos) nem se formam lesões macro ou microscópicas ■ Infecção ativa ou produtiva. O DNA viral integra-se, em pequeno grau, ao genoma da célula e é replicado independentemente do DNA celular. Os genes virais são expressos e proteínas do vírus são sintetizadas, formandose novas partículas virais, que são liberadas nas camadas superficiais do epitélio. Se a infecção é prolongada (como acontece com os vírus de alto risco) e a carga viral é alta, pode haver integração persistente do DNA viral ao DNA celular. Como a integração bloqueia os genes precoces E6 e E7 do vírus, não há formação de novas partículas virais, enquanto as proteínas E6 e E7 são sintetizadas em grande quantidade. Como E6 e E7 são oncoproteínas, ocorre transformação celular. Morfologicamente, surgem alterações displásicas no epitélio, as quais podem evoluir para carcinoma in situ e, depois, para câncer invasor. Figura 18.18 Infecção pelo HPV no colo uterino. A infecção ocorre sobretudo em células escamosas imaturas (basais), especialmente na zona de transformação. Erosões ou microfraturas no epitélio favorecem a infecção das células basais. Estas têm capacidade replicativa e constituem o reservatório do vírus. Figura 18.19 Esquema sobre a infecção pelo HPV. Após o vírus penetrar na célula, o DNA viral dirige-se ao núcleo, onde pode: (1) replicar-se, mas sem produzir as proteínas virais e, portanto, sem formar novas partículas virais (in-fecção inativa); (2) integrar-se ao DNA celular. As proteínas virais são expressas e, junto com o DNA do vírus, formam-se novas partículas virais, que são eliminadas da célula (infecção ativa). Quando a integração é persistente e se o vírus é de alto risco, são produzidas as oncoproteínas E6 e E7, que inativam as proteínas pRB e p53. Os HPVs de alto risco distinguem-se dos de baixo risco especialmente pelo seu estado físico e pela expressão dos genes E6 e E7: os HPV de alto risco geralmente se integram ao DNA celular, enquanto os HPVs de baixo risco permanecem na forma epissomal. A integração do DNA viral ao DNA da célula pode interromper a transcrição ou deletar a sequência E2. Como a proteína E2 inibe a expressão dos genes E6 e E7, a falta de E2 permite a síntese aumentada dessas duas oncoproteínas, responsáveis por lesões precursoras e pelo câncer anogenital. Em infecções por HPV de baixo risco (os tipos 6 e 11 são os mais prevalentes), sem integração ao DNA celular, surge o condiloma acuminado, inclusive no períneo e nas regiões anal e perianal. Alguns mecanismos explicam o descontrole na proliferação das células infectadas (Figura 18.19). A proteína E6 do HPV liga-se à p53, marcando-a para degradação em proteassomos. Como a p53 reduz a progressão do ciclo celular, estimula a apoptose e favorece o reparo do DNA, estas funções ficam abolidas. Com isso, a célula perde o controle indispensável à sua normalidade. Além disso, a E6 aumenta da expressão da telomerase, reduzindo a senescência celular. A proteína E6 dos HPVs de baixo grau não se liga à p53 em níveis detectáveis e não afeta a estabilidade desta em estudos in vitro. A proteína E7 liga-se à forma hipofosforilada da proteína do retinoblastoma (pRB). Tal ligação desfaz o complexo formado entre a pRB e o fator de transcrição E2F; a liberação do E2F estimula a transcrição de genes cujos produtos são necessários para as células entrarem na fase S do ciclo celular (ver Figuras 8.2 e 10.28). A proteína E7 pode ainda associarse a outras proteínas celulares envolvidas no ciclo celular, como a ciclina E. O efeito final é o estímulo à síntese de DNA e à proliferação celular. A proteína E7 dos HPV de baixo grau liga-se à pRB com menor afinidade. Em síntese, aumento de E6 e E7 bloqueia a ação de p53 e pRB, o que resulta em instabilidade genômica nas células epiteliais e aumenta a replicação celular. Em consequência, a célula acumula mais e mais danos no DNA, que não são reparados. O acúmulo de mutações que surgem ao acaso (evento aditivo) ao longo do tempo contribui para a transformação celular. A progressão para o câncer ocorre 10 a 20 anos depois da infecção. Algumas lesões podem evoluir mais rapidamente, em até um ou dois anos. Ao que tudo indica, infecção pelo HPV sozinha não é suficiente para explicar todos os eventos da carcinogênese. Fatores exógenos e endógenos devem atuar em conjunto com o vírus na progressão das lesões. Entre os fatores associados ao vírus, tipo viral, coinfecção por mais de um tipo, variantes de HPV, carga viral e taxa de integração são os mais importantes. O número de partículas virais correlaciona- se diretamente com a gravidade da doença, sendo carga maior geralmente encontrada na infecção pelo HPV 16. A oncogenicidade de variantes específicas de HPV pode ser diferente de acordo com a região geográfica e com os grupos étnicos. Com base em variações nas sequências dos genes do HPV 16, são conhecidos cinco grupos filogenéticos de ocorrência natural: E (europeu), As (asiático), AA (ásio-americano), Af1 (africano 1) e Af2 (africano 2); variantes europeias têm maior atividade transcricional. Fatores relacionados ao hospedeiro referem-se à resposta imunitária, a hábitos/condiçõesde vida (especialmente tabagismo, vários parceiros, multiparidade) e a coinfecção com HIV ou outros agentes sexualmente transmissíveis. No colo uterino, as lesões proliferativas são de dois tipos: (1) lesões precursoras (neoplasia intraepitelial cervical); (2) carcinoma invasor. Lesões precursoras O conhecimento das lesões precursoras do câncer cervical tem enorme importância, pois são alterações facilmente identificadas morfologicamente que podem ser diagnosticadas antes de ocorrer invasão e disseminação da neoplasia. Ao exame clínico, as lesões causadas pelo HPV podem ser planas (condiloma plano), suspeitadas à colposcopia, ou, mais raramente, espiculadas (condiloma acuminado). Tais lesões, que são duas vezes mais comuns no lábio anterior do que no posterior (seguindo a frequência da ectopia), foram denominadas por Richart, em 1967, NIC (neoplasia intraepitelial cervical), podendo ser NIC I, II e III. NIC I corresponde à displasia leve, enquanto a NIC II, à displasia moderada. Como nem sempre é possível distinguir displasia acentuada de CIS e como ambas as lesões têm comportamento semelhante, displasia acentuada e CIS são considerados em uma mesma categoria, a NIC III. Anos mais tarde, surgiu o sistema de Bethesda, proposto para incorporar os avanços do conhecimento sobre a carcinogênese cervical e para introduzir terminologia histológica uniforme, correlacionando os aspectos citológicos com os histológicos. Esse sistema, que é utilizado amplamente no mundo todo, divide as lesões em dois grupos: (a) lesões intraepiteliais cervicais de baixo grau (LSIL, low grade squamous intraepithelial lesion), que correspondem à NIC I. As alterações epiteliais indicativas de infecção pelo HPV (alterações coilocitóticas), mesmo sem displasia, são consideradas lesões de baixo grau; (b) lesões intraepiteliais cervicais de alto grau (HSIL, high grade intraepithelial lesion), que se referem às NIC II e III e ao CIS. O Quadro 18.2 relaciona os principais sistemas de classificação das lesões precursoras do carcinoma cervical. Nos exames citológicos cervicais, existe uma outra categoria de alterações, denominada atipias celulares de significado indeterminado (ASCUS, atypical squamous cells of undetermined significance), introduzida para designar lesões limítrofes ou de classificação incerta. O diagnóstico de ASCUS pode corresponder, portanto, a alterações reacionais ou inflamatórias ou a lesões proliferativas. Em 2001, o sistema Bethesda foi modificado para incorporar outros conhecimentos adquiridos pelos novos métodos de rastreamento por testes moleculares e pelos avanços no entendimento do câncer cervical. O diagnóstico das anormalidades em células escamosas vistas em exames citológicos baseia-se em quatro categorias: (1) ASC (células escamosas atípicas), com dois subtipos: ASCUS (atipias escamosas de significado incerto, incluindo-se as anormalidades sugestivas de lesão de baixo grau) e ASC-H (atipias em células escamosas não sendo possível excluir lesão de alto grau); (2) LSIL, que corresponde à NIC I; (3) HSIL, que corresponde às NIC II e III; (4) carcinoma de células escamosas. A categoria ASCUS da classificação anterior foi modificada por causa das dificuldades na sua aplicação. Quadro 18.2 Sistemas de classificação morfológica das lesões precursoras e do carcinoma cervical Sistema Bethesda Classificação de Richart Aspectos morfológicos Significado clínico Lesão de baixo grau NIC I Efeito citopático do HPV Displasia discreta Infecção por HPV de baixo risco e progressão incomum para CCE Displasia Lesão de alto grau NIC II NIC III NIC III moderada Displasia acentuada Carcinoma in situ Infecção por HPV de alto risco e progressão frequente para CCE Aspectos morfológicos Histologicamente, as lesões precursoras apresentam distúrbios da proliferação e maturação celulares, perda da estratificação do epitélio e atipias variadas. O epitélio escamoso normal, sem atipias, está mostrado na Figura 18.20 A. Na displasia leve (Figura 18.20 B), as alterações celulares estão presentes no terço basal do epitélio, onde se observam proliferação com atipias celulares discretas e alterações da polaridade das células. Na displasia moderada (Figura 18.20 C), as atipias e os distúrbios da polaridade e da diferenciação celulares são mais intensos e alcançam metade da espessura do epitélio; figuras de mitose são mais frequentes, inclusive acima da camada basal. Na displasia acentuada (Figura 18.20 D), as alterações são ainda mais evidentes, atingindo praticamente toda a es-pessura do epitélio; figuras de mitose, típicas e atípicas, são mais comuns. À medida que a lesão progride, intensificam-se as atipias nucleares e aumenta a relação núcleo/citoplasma. A diferenciação entre displasia acentuada e CIS (Figura 18.20 D e E) baseia-se no encontro, na primeira, de algum grau de diferenciação ainda preservada na camada mais superficial do epitélio. As lesões podem estender-se ao canal cervical e atingir o epitélio escamoso não me-taplásico. Achado importante na infecção pelo HPV é a coilocitose, em que as células escamosas, além de atipias nucleares, mostram efeito citopático (halos claros perinucleares). Como se trata de lesão espectral, em um mesmo caso podem ser encontradas lesões em vários estágios evolutivos (Figura 18.20 F). No epitélio displásico, as células superficiais expressam o antígeno Ki-67 (marcador de divisão celular) e há superexpressão de p16 (Figura 18.21), um inibidor de CDK (cinase dependente de ciclina); p16 é marcador de infecção pelo HPV e indicador de integração do DNA viral ao DNA celular e de expressão da proteína E7 (sinal de maior risco de progressão). Ambos os marcadores podem ser detectados pela imunohistoquímica. A maioria das alterações celulares induzidas pelo HPV é transitória: 90% delas regridem espontaneamente em 12 a 36 meses, pela renovação do epitélio e por eliminação do vírus pelo sistema imunitário. Regressão é inversamente proporcional à gravidade da lesão. O maior risco de progressão se dá nas lesões de alto grau, que é de 10%. Figura 18.20 A. Epitélio escamoso normal. B. Displasia leve (NIC I). Proliferação e atipias do epitélio no terço basal; nessa região, há perda da polaridade e da maturação das células. A metade superficial do epitélio é normal. C. Displasia moderada (NIC II). As atipias estão presentes também no terço médio do epitélio. D. Displasia acentuada (NIC III). Distúrbios acentuados de proliferação e diferenciação das células escamosas em quase toda a espessura do epitélio. Notar pleomorfismo celular, hipercromasia nuclear e figuras de mitose. E. Carcinoma in situ (NIC III). Hipercelularidade, perda da polarização e atipias celulares em toda a espessura do epitélio, estendendo-se por superfície às glândulas endocervicais. F. Padrão espectral da lesão intraepitelial escamosa numa mesma região, de displasia leve (1), moderada (2), acentuada (3) a carcinoma in situ (4). A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) reconhece ainda uma outra entidade que antecede o carcinoma invasor, denominada carcinoma microinvasor (CMI, Figura 18.22). Trata-se também de neoplasia pré- clínica, de dimensões microscópicas, que, além dos achados histológicos de CIS, apresenta focos de invasão superficial no estroma, medindo até 5 mm de profundi- dade a partir da membrana basal do epitélio de superfície ou glandular e até 7 mm de extensão superficial, sem confluência de focos. O CMI tem baixo índice de metástases em linfonodos regionais e pouca tendência a recidiva. O CMI é encontrado em faixa etária semelhante à do câncer invasor e também é lesão diagnosticadaà colposcopia, por exame citológico ou através de biópsia cervical. Figura 18.21 Epitélio escamoso com positividade forte e difusa, nuclear e citoplasmática, para p16. Figura 18.22 Carcinoma com invasão mínima (microinvasor). Para ser classificada nesta categoria a lesão não pode ter infiltração em profundidade maior que 5 mm e/ou extensão superficial maior que 7 mm. Carcinoma invasor O carcinoma de células escamosas (CCE) invasor do colo uterino ainda constitui neoplasia maligna frequente no Brasil, sobretudo em algumas regiões, ao contrário de muitos outros países, onde, graças aos bem-sucedidos programas de atenção à saúde, as lesões precursoras são detectadas precocemente e o tratamento eficaz pode ser feito antes de aparecer a invasão. O carcinoma invasor incide preferencialmente entre a terceira e a quinta décadas de vida, com pico entre 40 e 45 anos. Aspectos clínicos As displasias cervicais e o CIS não têm sintomatologia própria e são reconhecidos por exame citológico ou colposcopia. Nos casos suspeitos, é feita biópsia da lesão. No carcinoma invasor, os sintomas dependem do tamanho do tumor e do estadiamento. As lesões pequenas são assintomáticas. Nas lesões maiores e com extensão extracervical, as pacientes queixamse de corrimento, sangramento genital e dispareunia; especialmente nos casos avançados, pode ser detectada lesão que deforma ou destrói o colo uterino. A extensão do tumor ao corpo do útero e aos paramétrios resulta em diminuição da mobilidade do órgão ou provoca aderências a estruturas vizinhas. A extensão à pelve pode causar dor ciática e, com o acometimento dos linfáticos, linfedema das extremidades. A infiltração da parede vesical pode provocar hematúria e infecção urinária. Aspectos morfológicos O carcinoma de células escamosas precoce apresenta-se como área endurecida ou pequena úlcera elevada. No carcinoma avança-do, há três padrões de crescimento: (1) exofítico, caracterizado por massa polipoide, verrucosa ou papilífera que se projeta na luz vaginal; é o tipo de melhor prognóstico (Figuras 18.23 e 18.24); (2) ulcerado, de pior prognóstico; (3) endofítico, que acomete inicialmente o canal endocervical; pode ser nodular, crescendo na luz do canal endocervical, ou ulcerado, mais agressivo, com infiltração precoce da parede uterina e extensão aos paramétrios, razão pela qual tem pior prognóstico. Nesses casos, o aspecto da ectocérvice pode até ser normal. O estadiamento do carcinoma cervical está resumido no Quadro 18.3. Microscopicamente, trata-se de carcinoma de células escamosas, com aspecto morfológico que varia em função do padrão de crescimento, do tipo celular e do grau de diferenciação. As células neoplásicas formam linguetas, cordões e ninhos que infiltram o es-troma. HPV está presente em praticamente todos os casos. O tumor pode ser dos tipos usual ou variantes. De acordo com a extensão da diferenciação escamosa, o CCE por ser classificado como bem, moderadamente ou pouco diferenciado. Os tumores bem diferenciados (grau 1) têm abundante produção de ceratina, com frequentes pérolas córneas (Figura 18.25). Nos tumores moderadamente diferenciados (grau 2), as células são mais pleomórficas, com menor ceratinização individual e pérolas córneas mais escassas, enquanto nos tumores pouco diferenciados (grau 3) o pleomorfismo celular é acentuado, o índice mitótico é alto e as áreas de necrose são frequentes, sendo difícil identificar ceratinização. Entre as variantes do CCE, a mais importante é o carcinoma basaloide, que é bastante agressivo e tem alto grau de malignidade; o tumor é formado por massas de células imaturas do tipo basal, que formam ninhos geralmente com necrose central. Figura 18.23 Carcinoma do colo uterino. Lesão elevada, ulcerada, iniciada na JEC, acometendo o lábio posterior. (Cortesia do Dr. César Augusto Bueno dos Santos, Belo Horizonte-MG.) Figura 18.24 Carcinoma do colo uterino, do tipo exofítico, com destruição do lábio posterior. (Cortesia do Dr. Paulo Guilherme Oliveira Sales, Belo Horizonte-MG.) Figura 18.25 Carcinoma de células escamosas invasor, bem diferenciado, com formação de pérolas córneas. Quadro 18.3 Estadiamento do carcinoma do colo uterino segundo a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (2000) Estádio 0 Carcinoma in situ (carcinoma pré-invasivo) Estádio I Carcinoma confinado ao colo uterino Ia Carcinoma invasivo por diagnóstico microscópico Ia1 Infiltração em profundidade menor que 3 mm, com extensão superficial menor que 7 mm Ia2 Infiltração em profundidade maior que 3 mm, porém até 5 mm, com extensão superficial menor que 7 mm Ib Lesão identificável macroscopicamente e confinada à cérvice, incluindo-se as lesões maiores que Ia2 Ib1 Lesões menores que 4 cm na maior dimensão Ib2 Lesões maiores que 4 cm na maior dimensão Estádio II Carcinoma que se estende além do colo, sem atingir a parede pélvica ou o terço inferior da vagina IIa Não há infiltração dos paramétrios IIb Há extensão aos paramétrios Estádio III Carcinoma que se estende à parede pélvica e/ou acomete o terço inferior da vagina. Incluem-se os casos associados a hidronefrose ou rim não funcionante, a não ser que sejam causados por outro fator identificável IIIa Não há extensão à parede pélvica, embora exista acometimento do terço inferior da vagina IIIb Extensão à parede pélvica e/ou presença de hidronefrose e/ou de rim não funcionante Estádio IV Carcinoma que se estende além da pelve e/ou se infiltra na mucosa do reto ou da bexiga IVa Há extensão além da pelve verdadeira e/ou infiltração da mucosa do reto e/ou da bexiga IVb Há metástases a distância Como em tantas outras neoplasias, o maior desafio é o diagnóstico das lesões precursoras, que podem ser tratadas com sucesso antes da progressão para tumor invasivo. No colo uterino, isso pode ser feito pelo exame citológico, convencional ou em meio líquido, ou ambos. Por esse exame, podem ser detectadas alterações morfológicas nas células, além de a mesma amostra servir para testes para detecção e tipagem do HPV, o que pode ser feito também em biópsias cervicais. DNA do HPV pode ser detectado por hibridação in situ, por captura híbrida ou por PCR. Com sondas específicas, esses testes permitem a identificação dos tipos virais mais prevalentes. Além desses, sequenciamento do DNA viral também possibilita a identificação do tipo de HPV. O tratamento das lesões precursoras pode ser feito por meio de eletrocirurgia de alça (LEEP), crioterapia e conização, com alto índice de cura, independentemente do método utilizado e do grau da lesão. Porém, a dimensão da lesão, que se correlaciona com maior possibilidade de retirada sem margens adequadas, é fator que se associa a recorrência. Positividade nos testes moleculares de pesquisa do DNA do HPV, realizados 12 meses após o tratamento, é fator preditor de recidiva e/ou doença residual. No carcinoma invasor, os fatores que modificam o prognóstico são o estadiamento, a idade da paciente e, para os tumores entre os estádios Ib e IIa, a dimensão, a profundidade de infiltração e a presença de invasão angiolinfática, que se correlacionam com metástases linfonodais e/ou sistêmicas. O grau de diferenciação da neoplasia também constitui fator prognóstico; tumores bem diferenciados são menos agressivos e permitem sobrevida maior. As metástases se dão preferencialmente por via linfática, sobretudo nos linfonodos pélvicos (as cadeias mais acometidas são as sacrais, ilíacas, para-aórticas e inguinais). Metástases hematogênicas em órgãos distantes são menos comuns e ocorrem nos estádios avançados da doença, afetando qualquer órgão, em especial a medula óssea, o fígado
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