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cosmovisão,_epistemologia_e_educação_(1)

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CAPÍTULO I 
 
COSMOVISÃO 
 
 
 
Os homens de nosso século são 
seres arrebentados, dilacerados, que 
em seu medo de ver sua unidade de 
significação se estabelecer numa 
história da qual eles não são mais os 
únicos senhores, preferem negar que 
existe uma unidade de sentido. 
 
 Pierre Trotignon 
 
 
 
1.0. CONCEITUAÇÂO 
 
É comum em todo ser humamo o desejo de conhecer a realidade, 
entendendo-se por esta tudo o que existe, desde o universo, os seres, as coisas, 
até os fenômenos naturais e sociais. Nossa existência se caracteriza por uma 
busca permanente de significado para a vida e os acontecimentos. 
 
Essa vertiginosa aventura à procura de conhecimento é tipicamente 
humana. Só o homem se define como animal racional, isto é, como ser capaz de 
formular conceitos abstratos para aquilo que ouve, sente e observa. Disto 
resulta uma concepção de realidade, ou melhor, uma cosmovisão, integradora de 
todos os fenômenos que fornece ao homem um sentido de harmonia ao 
universo. 
 
O homem de hoje, como o de outrora, necessita sentir-se seguro 
diante da vastidão cósmica. E essa segurança advém do sentimento de posse da 
realidade, já que sabe explicá-la por meio de palavras. Sem uma cosmovisão, a 
vida perde o seu sentido. Martin Heidegger (1988) certa vez afirmou que a 
 2 
ausência de ordem e, portanto, de cosmos era o que havia de mais intolerável. 
Isto significa que a condição humana se define essencialmente por uma busca 
contínua de ordenação das coisas, uma busca de significado para si mesma e 
para o mundo. A compreensão da realidade situa o ser no mundo, torna-o 
senhor de si e de tudo que o rodeia, liberta-o da angústia do desconhecido e do 
inominado. 
 
Com efeito, o modo como o ser humano apreende a realidade, a partir 
do espaço-tempo em que se insere, é o que denominamos cosmovisão. Vale 
ressaltar, porém, que essa forma de ver o mundo não é uma criação isolada de 
um indivíduo, mas a soma dos múltiplos aspectos de uma cultura produzidos 
pela consciência coletiva num determinado contexto sócio-histórico. A 
cosmovisão é, assim, uma construção coletiva que expressa uma maneira de 
interpretar a realidade entre outras possíveis. Essa totalidade significativa é 
apenas um arranjo provisório que se mantém até onde a coletividade se sente 
segura. Quando, no entanto, este conjunto de crenças e valores, costumes e 
tradições, mitos e saberes não é mais capaz de assegurar a tranqüilidade 
espiritual da coletividade, os elementos que compõem a mundividência 
começam a se desintegrar e, aos poucos, cedem lugar a novas significações. 
 
 
2.0. O HOMEM: LINGUAGEM, HISTÓRIA, TRABALHO E CULTURA. 
 
 
 Do ponto de vista social e cultural, o homem é um ser inacabado, um 
ser que está no mundo em permanente desafio. Sua efetivação não está de 
antemão garantida, mas submetida a situações determinadas, carecendo de 
vencer os obstáculos que a própria natureza e a cultura se lhe impõem a cada 
instante. Ele está sempre sob o apelo de criar as condições necessárias para 
efetivar-se no mundo -- espaço de múltiplas relações -- onde, pelo conhecimento 
e pela ação tenta articular uma configuração de si mesmo. Livre do peso 
determinante dos instintos, o homem se encontra na contingência de criar um 
mundo onde possa viver humanamente. Ser ativo, autodeterminado e 
determinante, ele se desenvolve e se aperfeiçoa através da participação na obra 
de sua autoconstrução, junto com os outros homens. Em interação constante 
com o meio, carecendo de desenvolver suas potencilidadedes, ele é muito mais 
possibilidade do que efetivação, mais liberdade do que predeterminação, mais 
subjetividade do que objetivação. Ele sabe que é interpelado a decidir-se não só 
em relação a si mesmo, mas também em relação a seu mundo. É no exercício da 
 3 
liberdade que ele descobre o seu rumo e constrói o seu “destino’’. 
 
 Liberdade é relação com a natureza e com o mundo dos homens; é 
decisão livre a respeito da forma, da configuração específica desse encontro com 
a alteridade (o outro). Emergindo como ser da liberdade, o homem, mais uma 
vez, se revela como ser de possibilidade, que só se efetiva quando se transforma 
em projeto e ação. Ao contrário dos animais, que se repetem e não progridem, o 
homem, a cada geração, não pode ser o que já é. Seu ser social está em 
constante evolução. Para Nietzsche (1844-1900), o homem é o animal que 
jamais se define. Sua essência é mutação. Por mais que construa, conheça e 
projete ações, nunca chega a exaurir a profundidade misteriosa de si mesmo. Em 
suma, o homem é sempre esse conhecido desconhecido. 
 
 
2.1. A LINGUAGEM 
 
 A natureza é muda. Embora pareça estar expressando algo por meio 
de suas formas, suas paisagens, suas tempestades ruidosas, suas erupções 
vulcânicas, sua brisa ligeira, a natureza não responde. Os animais reagem de 
maneira que tem sentido, mas não falam. Só o homem fala. Só entre os homens 
existe essa alternância de discurso e resposta continuamente compreendidas. 
 
 A linguagem possibilita ao homem exprimir sua existência no ser, na 
qual ouve e vê, sente e se emociona, deseja e espera, raciocina e conhece, se 
alegra e se entristece, sofre e se angustia. O homem possui uma existência 
expressiva. De acordo com Paul Ricoeur (1978), 
 
 É na linguagem que o cosmos, o desejo, o imaginário se 
elevam até a expressão. Sempre é necessária uma palavra para 
retomar o mundo e convertê-lo em hierofania (p.15). 
 
Na esfera do símbolo, o homem articula o sentido do seu ser, o 
significado de toda a realidade e de seu agir no mundo. O mundo propriamente 
humano é o mundo do sentido. É precisamente enquanto ser do sentido, 
lingüisticamente expresso, que o homem se torna capaz de conhecer sua 
realidade (teoria) e de agir (prática) na feitura de um mundo humano, isto é, de 
um mundo “sensato”. 
 
 O específico do sentido é que ele se exprime na linguagem, pela qual 
 4 
aquele que fala tem já a pretensão de validade do seu discurso, mas que, em 
princípio, está vulnerável a um questionamento crítico. Isto decorre do próprio 
processo de entendimento mediatizado pela linguagem, onde se busca um 
consenso racional radicado em razões que podem ser explicitadas através da 
mediação da argumentação. 
 
 Falar é criar o mundo do sentido; este mundo, agora, emerge como o 
mundo onde sujeitos interagem, criando uma série infinita de imagens que 
revelam a realidade sob múltiplas formas. 
 
 O pressuposto deste processo é que os sujeitos se constituem como tal 
na medida em que, precisamente pela ação lingüística, se põem na esfera da 
constituição do sentido e, assim, se capacitam a conhecer o real e a agir a partir 
do sentido captado. Isto significa que cada falante é interpelado a reconhecer 
seu parceiro (interlocutor) como ser que conhece o significado da realidade e 
age sobre ela como ser de igual dignidade. 
 
 
 
2.2. A HISTÓRIA. 
 
 
 Como vimos anteriormente, a vida humana é constante processo de 
auto-elaboração. Isto significa que o homem tem necessidade de se produzir a si 
mesmo através da mediação da natureza. Com efeito, ele emerge como um “ser 
carente”, ou seja, como um ser que tem necessidades naturais a serem satisfeitas. 
Seu fazer-se é, antes de mais nada, a “luta pela vida”, isto é, pela conquista das 
condições materias que tornem a vida humana possível. 
 
 Nesta perspectiva, a ação do homem no mundo se vincula à 
inexorabilidade do processo histórico, à tessiturados acontecimentos que 
configura o progresso da humanidade como um todo e a evolução ou involução 
de uma cultura em particular. Temos aqui o fundamento da liberdade humana: a 
escolha incondicionada entre diferentes possibilidades. A partir dessa escolha 
assumida conscientemente, o homem se faz sujeito da história. Seus ideais e 
suas utopias orientam a sua ação e dão significado à própria vida. O indivíduo 
que não toma consciência do seu existir histórico sofre a angústia de apenas 
contemplar o desenrolar dos acontecimentos. 
 
 5 
 A história, portanto, pode ser concebida como a ciência da mudança 
das condições de existência do homem impulsionadas pela sua ação sobre o meio 
ambiente. Noutras palavras, a história é o relato da ação de nossos antepassados, 
que nos trouxeram até o ponto de onde prosseguimos incansavelmente. 
 
 A história constrói a realidade que é a composição de elementos 
conjunturais e estruturais. O exame da conjuntura revela sempre as aparências, 
os aspectos parciais, instantâneos, imediatos, momentos da realidade; já o 
estudo da estrutura mostra as raízes, os fundamentos, a substância da realidade. 
Em termos históricos, a realidade se apresenta tecida de uns e outros elementos, 
mas por motivos óbvios, os conjunturais dominam a visão e compreensão da 
realidade. É preciso ter claro que a realidade é mais que a nossa visão 
conjuntural -- esta concepção superficial típica do senso comum dos indivíduos. 
Compreendemos mais e melhor a ação dos homens na história, tanto mais nos 
conscientizamos de ser sujeitos ativos no processo histórico. Fora de nossa 
existência na história, não dispomos de nenhum fio de Ariadne capaz de 
conduzir-nos à autenticidade. Sem história, vemo-nos privados de linguagem 
que nos permita indiretamente falar das origens de que brotamos e que nos 
sustentam . 
 
 
2.3. O TRABALHO 
 
 
 Dissemos que o homem é um ser que busca a satisfação de suas 
necessidades. Isto é mediado pelo trabalho transformador da natureza, no qual o 
homem imprime seus fins às coisas. O trabalho está, pois, a serviço da 
satisfação das necessidades humanas, ou seja, está situado em seu projeto de 
vida. Por intermédio do trabalho, o homem acrescenta um “mundo novo” 
(cultura) ao mundo natural já existente. O trabalho é, portanto, elemento 
essencial da relação dialética entre o homem e a natureza, entre o saber e o fazer, 
entre a teoria e a prática. 
 
 Nesse sentido, o trabalho é uma atividade tipicamente humana, porque 
implica a existência de um projeto mental que determina a ação a ser 
desenvolvida para alcançar o objetivo almejado. O trabalho permite ao homem 
desenvolver sua criatividade, realizar suas potencialidades, mudar a si mesmo e 
transformar a natureza em cultura. Numa palavra, o trabalho é o elemento 
 6 
fundamental do processo de autogênese do homem enquanto ser histórico, 
enquanto agente de transformação da natureza e de produção da cultura. 
 
 
2.4. A CULTURA 
 
 Quando nos colocamos diante da palavra cultura, a primeira 
concepção que nos ocorre é a de que ela significa a manifestação dos costumes 
de um povo ou o conhecimento adquirido e acumulado por determinada pessoa. 
Entretanto, se refletirmos sobre estas concepções, logo veremos que são 
insuficientes para abranger de forma adequada toda a riqueza que este fenômeno 
engloba. 
Não passa pelo senso comum que a cultura é, antes de tudo, um 
conjunto de atos concretos e simbólicos criados pelo homem para conceder um 
“sentido” ao mundo e a si mesmo. Ainda que esta conceituação seja de âmbito 
fenomenológico
1
, ela nos parece mais adequada para caracterizar a cultura 
como um fenômeno especificamente humano. A cultura nasce da experiência de 
um povo (e não de um indivíduo ou de algumas pessoas isoladamente) e se 
manifesta na sua cosmovisão, englobando todas as criações da coletividade nos 
planos materiais (objetos), comportamentais (modos de agir, costumes) e 
espirituais (instituições, saberes, ideologias, manifestações religiosas e 
artísticas). 
 
 São inúmeros os exemplos que podemos extrair do cotidiano para 
atestarmos a riqueza dos simbolismos que concedemos aos fenômenos: a 
multiplicidade de formas de confeccionar os alimentos, a variedade da moda nos 
vestuários, a diversidade de códigos linguísticos, de gestos, de culto ao sagrado 
etc. Isto significa que o homem é o único ser que não se repete. Só ele produz 
culura na medida em que cria símbolos para expressar seus sentimentos, atribui 
valores às coisas e transforma a natureza para atender às necessidades de 
sobrevivência e bem-estar. 
 
 Com efeito, a cultura não é um dom gratuito, mas o resultado de um 
esforço perseverante do homem no afã de conhecer o universo e a si mesmo, 
 
1
 Designação daquilo que é apreendido pela consciência a partir dos elementos manifestados pelo objeto, sem 
se restringir aos dados concretos, mas sim às idéias que fornecem “sentido” para a existência do mesmo. 
 7 
manifestar sua criatividade e transformar o meio em que vive. Isto ocorre 
porque o homem é livre com respeito às suas ações e seus projetos. O meio o 
influencia, mas não o determina, o que dá origem a diferentes formas de 
organização do espaço físico e social. Os povos se diferenciam uns dos outros 
pela sua cultura . Há tantas culturas, tantas civilizações, quantas forem as 
sociedades distintas. 
 
 Enquanto aquilo que é universal, comum a todos os homens, revela sua 
natureza, tudo o que aparece relacionado à cultura traz a marca da diversidade e 
da relatividade. Há, por isso, vários sistemas filosóficos, políticos, econômicos, 
vários modos de organização social, vários estilos de arte, várias religiões, vários 
códigos de moralidade etc. 
 
 Ao mesmo tempo que a cultura é produzida pelo homem, ela também 
produz um certo tipo de pessoas, pois a cultura na qual nascemos nos condiciona 
e nos imprime marcas que vão caracterizar o nosso modo de ser. Por isso, para 
convivermos harmoniosamente com pessoas e grupos tão diversos culturalmente, 
é necessária a prática da tolerância sem a qual torna-se impossível estabelecer o 
diálogo entre as culturas. A tarefa educativa propõe e favorece esta tolerância 
em relação ao outro, enquanto portador de valores próprios e diferentes dos 
nossos. A capacidade de aceitar, respeitar e comungar a diferença constitui o 
vigor da personalidade humana ou da identidade pessoal. Isto nos obriga a estar 
constantemente abertos e receptivos para o diferente e o novo e nos incita a 
desinstalar-se e a arriscar-se. 
 
 
 3.0. A FORMAÇÃO DOS CONHECIMENTOS 
 
 
 
Durante milênios, a “memória” da humanidade colheu fatos 
esporádicos dos eclipses do sol e da lua, das grandes inundações, dos terremotos 
e maremotos, pretendendo descobrir as origens do mundo e da vida, a causa da 
morte natural, a estrutura e a organização do corpo humano etc. Contudo, até o 
século VI a. C., aproximadamente, o homem não era capaz de generalizar e 
sistematizar esses fatos separadamente. A sua inteligência não estava 
suficientemente desenvolvida para sintetizar as idéias das coisas e dos 
fenômenos, sendo incapaz de se abstrair das particularidades. A tendência 
dominante era no sentido de abordar as abstrações como se fossem coisas reais, 
 8 
devido a incapacidade de separar as formas abstratas das concretas. 
 
Como exemplo disso, podemos citar o famoso mito de Pandora no 
qual o mal toma a forma de um objeto concreto: na casa de Epimeteu havia uma 
caixa que guardava todos os males. A sua mulher, curiosa eintrigada, abriu-a e 
os males se espalharam pelo mundo inteiro. Foi assim, segundo o relato mítico, 
que o mal apareceu entre os homens. 
 
A percepção do real por meio de imagens concretas, visíveis, é 
característica de uma determinada fase do desenvolvimento da humanidade. Para 
generalizar, é preciso saber distinguir o substancial do acidental, o necessário do 
contingente, a causa do efeito. Esta capacidade não surgiu imediata e 
espontaneamente; é produto de uma longa trajetória do homem em seu desejo de 
explicar a realidade, em seu esforço para compreendê-la e assim tornar a vida 
melhor. No curso dessa trajetória, o homem foi construindo o conhecimento em 
suas múltiplas formas, como veremos a seguir. 
 
 
 
3.1. O MITO 
 
 
O mito foi a primeira forma de conhecimento adquirido pelo homem 
em seu esforço para compreender e explicar a realidade. Na sua incapacidade de 
explicar os fenômenos naturais e de formular conceitos abstratos, o homem 
recorreu a entidades sobrenaturais, em busca de um sentido para o mundo e para 
os acontecimentos que envolviam sua própria vida. 
 
3.1.1. Origem e características 
 
O mito conhece duas fontes de origem, uma interior e outra exterior. 
Noutras palavras, o homem é dotado de certas matrizes, arquétipos ou 
representações simbólicas que assimilam conteúdos vindos da realidade exterior 
e dão origem aos mitos e símbolos históricos. O mito, portanto, emerge de uma 
atmosfera de simbiose amorosa do homem com seu meio, sem rupturas nem 
divisões, fundindo-se aquilo que no horizonte da razão aparece como oposto: 
sujeito (aquele que conhece) x objeto (a realidade a ser conhecida). 
 
As categorias do pensamento mítico são a imaginação, a fantasia e a 
 9 
emoção. Seu objeto é a apresentação de um conjunto de ocorrências fantásticas 
com que se procura dar sentido ao mundo e à vida. Seus personagens são os 
entes sobrenaturais e os homens elevados à categoria de heróis. Sua linguagem 
encerra profundo conteúdo existencial, na medida em que traduz os anseios da 
natureza humana e, por isso mesmo, a revela a seu modo. 
 
Sob múltiplas formas, o mito aparece em todas as culturas desde as 
mais primitivas até as atuais. Ele se relaciona com a questão das origens 
cósmicas e humanas, a origem das instituições, a busca da felicidade, os êxitos e 
os fracassos do homem. Como diz Constança Marcondes Cézar, 
 
 O mito sintetiza, recorrendo a símbolo, conteúdos que se referem às 
mais profundas aspirações do ser humano: sua sede de absoluto e de 
transcendência, sua deslumbrada busca de plenitude (In: Morais, 
1988, p. 37-38). 
 
 
Mircea Eliade (1972), procurando caracterizar o mito, afirma que "é 
uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e 
interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares" (p.11). Em 
seguida diz: 
 
 
 A definição que me parece a menos imperfeita, por ser a 
mais ampla, é a seguinte: mito conta uma história sagrada; ele relata 
um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do 
“princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às 
façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, 
seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma 
ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma 
instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele 
relata de que modo algo foi produzido e começou a ser (Eliade, 1972, 
p. 11). 
 
 3.1.2. Função do mito 
 
 
O mito aparece e funciona como mediação simbólica entre o sagrado e 
 10 
o profano, condição necessária à ordem do mundo e às relações entre os seres. 
Sua função é conferir à natureza uma dimensão humana, ligando o tempo do 
homem ao tempo da natureza por meio de uma história exemplar. Em sua forma 
principal, o mito é cosmogônico ou escatológico, tendo o homem como o ponto 
de interseção entre estado primordial da realidade e sua transformação última, 
dentro do ciclo permanente nascimento-morte, origem e fim do mundo. 
 
O mito não é o elenco de narrativas inventadas e "falsas", como dizia o 
racionalismo de origem iluminista
2
. Não é algo que se oponha à realidade; ao 
contrário, ele é a própria realidade, tanto para o membro de uma comunidade 
primitiva, quanto para o homem de nossa sociedade. Enquanto ligado à 
experiência religiosa, o mito envolve um tipo de compreensão do real diverso da 
experiência racional. Impregnado de emoção e simbolismo, o mito contém a 
reminiscência de uma ordem universal primordial em que se engendrou a 
tessitura da vida presente, constituindo-a e justificando-a. Assim, trabalho, 
pobreza, riqueza, violência, existem em razão de atos ancestrais. Por isso, o mito 
é dado como verdadeiro porque se vê na vida social a confirmação da 
cosmogonia, passando sempre como história exemplar, um modelo a ser 
conhecido. A cosmogonia fornece o padrão ideal para os homens cada vez que se 
realiza qualquer ato, tanto na esfera coletiva quanto na particular. Segundo 
Malinowski (Myth in primitive psychology, 1926), 
 
O mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe 
de ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva, à 
qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria 
abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da 
religião primitiva e da sabedoria prática (...). Essas histórias 
constituem para os nativos a expressão de uma realidade primeva 
[primeira], maior e mais relevante, pela qual são determinados a vida 
imediata, as atividades e os destinos da humanidade. O conhecimento 
dessa realidade revela ao homem o sentido dos atos rituais e morais, 
indicando-lhe o modo como deve executá-los (Citado por Eliade, 1972, 
p. 23). 
 
 A realidade apresentada pelo mito de forma simbólica é a realidade 
transcendental desconhecida que se encontra além da observação e da simples 
 
2
 O iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII que estabeleceu a supremacia da razão como 
fonte de todo o conhecimento, desprezando outras formas de interpretação da realidade. 
 11 
dedução, mas que pode ser reconhecida como existente e operativa. Essa 
realidade é captada e representada com fatos (e não com abstrações) em forma de 
história. Esses fatos são o resultado das ações e interações de seres pessoais em 
escala cósmica, constituindo o modelo e o fundamento dos acontecimentos no 
mundo dos fenômenos. Não se trata de causalidade como entendem a filosofia e 
as ciências, mas de uma abordagem da realidade intuitiva, da qual não podemos 
exigir estrutura lógica. Por conseguinte, o mito não implica em falsidade, mas 
sim em verdade, na medida em que é apenas uma parte essencial dos modelos de 
pensamento e de discurso humanos. É, pois, um modo de pensar diferente 
daquele da racionalidade. É um outro acesso à realidade e, por isso, uma forma 
própria de totalizar as experiências humanas. 
 O pensamento mítico não trabalha com conceitos. Está mais próximo 
da realidade concreta tal como ela aparece à nossa percepção. Suas 
representações são menos abstratas do que aquelas que o conceito produz. 
 
 
3.1.3. O mito hoje 
 
 
 Desde a filosofia grega (século VI a.C.), até a ciência atual, o homem 
tem usado a razão para afirmar ou negar a existência de algo que transcende a 
sua percepção sensorial. No desejo de estabelecer relações de causa e efeito 
entre os fenômenos, o pensamento categorial encarregou-se de negar o valor do 
mito como forma de acesso à realidade. De posse do logos(razão), o homem 
arrogou-se ser capaz de explicar o mundo e seus fenômenos a partir de 
princípios lógicos (filosofia) ou de processos experimentais (ciência). As 
imagens e as representações míticas passaram a ser concebidas como produtos 
do misticismo peculiar à “mentalidade primitiva”, ou seja, uma primeira 
tentativa de estabelecer ordem no caos. Instalou-se o preconceito em relação ao 
mito. O pensamento verdadeiro não poderia ter outra origem senão ele próprio. 
 No entanto, os esforços realizados por filósofos e cientistas para 
explicar o universo e “racionalizar” o conhecimento não foram capazes de banir 
o mito da consciência humana, não só porque a razão é insuficiente para dar 
conta de toda a realidade, mas também porque o homem traz em si mesmo a 
capacidade de transcender-se e de expressar sentimentos que o pensamento 
categorial não tem condições de sintetizar nem tampouco mensurar. 
 O mítico em nós não é apenas uma categoria do nosso passado 
histórico; é uma categoria do nosso presente psíquico, pois faz parte de nossa 
 12 
arqueologia interior que continua viva e atuante hoje, como atestam os 
psicanalistas. A realização pessoal e a saúde humana dependem muito do modo 
como nos relacionamos com esta realidade e como o consciente reage face aos 
conteúdos do inconsciente, seja acolhendo-os e integrando-os, seja inimizando-
se com eles e recalcando-os. É por isso que o mito resiste a toda tentativa de seu 
banimento. Ele está presente tanto na consciência do homem primitivo quanto 
na do homem contemporâneo e se manifesta não só sob a forma de magia mas 
também como ciência, arte, religião, filosofia etc. 
 Ao perceber a impossibilidade de dissociar razão e mito, Mircea Eliade 
(1972) caracteriza o homem como um ser mitologizante. As festas de 
aniversário, casamento, formatura, passagem de ano, relembram os ritos de 
passagem da comunidade primitiva. As liturgias religiosas, as lendas, os contos 
literários , a procura desenfreada pela literatura de auto-ajuda, o interesse pelas 
notícias de “discos voadores”, os ídolos do mundo artístico e desportivo, os 
fanatismos ideológicos, os super-heróis das histórias em quadrinhos, o desejo de 
possuir objetos “sagrados”e “mágicos”, a consulta aos horóscopos, denotam a 
sobrevivência dos arquétipos míticos. 
 Ao reconhecer o papel do mito na estruturação do ser-no-mundo, não 
se quer dizer que todos os mitos são válidos. Há que se admitir que muitos deles 
são prejudiciais ao homem e, portanto, devem ser rechaçados. Como ensina 
Gusdorf (1979): 
 
O mito propõe todos os valores, puros e impuros. Não é da 
sua atribuição autorizar tudo que sugere. Nossa época conheceu o 
horror do desencadeamento dos mitos do poder e da raça quando seu 
fascínio se exercia sem controle. A sabedoria é um equilíbrio. O mito 
propõe, mas cabe à consciência dispor. E foi, talvez, porque um 
racionalismo estreito demais fazia profissão de desprezar os mitos, 
que estes deixados sem controle, tornaram-se loucos. De modo algum 
o reonhecimento dos mitos é a rejeição da razão, a recusa da moral. 
Muito ao contrário, as grandes épocas da civilização definiram 
sempre sob a forma de um ideal mítico o seu estilo de vida (...). 
A mitologia oferece, pois, um inventário das possibilidades 
humanas, uma escrita cifrada que desenvolve todas as intenções 
implícitas constituídas do ser no mundo. Cada época da cultura 
 13 
recomeça a obra de exprimir as estruturas do homem nas linguagens 
do tempo, linguagem da arte, linguagem da política e da filosofia. De 
idade a idade, as formas de expressão se renovam, mas na tapeçaria 
de Penélope que é a história, a trama permanece. Esta trama nós a 
encontramos no testemunho dos mitos, nesta unidade de inspiração 
que os mantêm atuais, mesmo quando parecem desaparecidos. O mito 
data e não data porque é contemporâneo da humanidade. Permite 
que o homem tome consciência, no tempo, de sua vocação para além 
do tempo (p. 308-309). 
 
 
3.2. A RELIGIÃO 
 
Entre as diversas manifestações da cultura, a que mais singulariza o 
homem no reino animal é, sem dúvida, a religião. Nos mais primitivos registros 
arqueológicos de todas as culturas, encontram-se referências ao sagrado, seja 
através da arte rupestre ou por meio dos vestígios de rituais de magia deixados 
nas aldeias pré-históricas. E não só as culturas primitivas, mas também as atuais 
têm marcas profundas do sagrado, o que faz da religião um fenômeno co-natural 
à existência humana. Por isso, podemos afirmar que o homem, além de sapiens, 
sociales, faber, loquens, ludens, é também religiosus.
3
 
 
3. 2. 1. Manifestação do sagrado 
 
De um modo geral, reconhece-se como manifestação do sagrado tudo 
o que o homem faz com o propósito de transcender à ordem natural. Assim, tanto 
os rituais de magia praticados pelo homem primitivo quanto as formas litúrgicas 
mais abstratas das religiões atuais são expressões do sagrado que configuram 
uma outra dimensão existencial humana: a do seu relacionamento com o 
transcendente. 
 
A emergência do sagrado é contemporânea da fase mítica da 
 
3
 A antropologia assinala como caracteres que diferenciam o homem dos animais a racionalidade, a 
sociabilidade, a capacidade técnica, a linguagem articulada, a atividade lúdica e a religiosidade. 
 14 
consciência humana. Muito embora não se possa confundir mito e religião, 
ambos têm um núcleo comum em suas origens e desenvolvimento: a capacidade 
humana de criar símbolos, não só para representar as coisas e os seres, mas 
também para expressar sentimentos e experiências pessoais. Através do símbolo, 
o homem refaz e rediz a realidade no nível do imaginário. Neste processo, entra 
em ação a carga arquetípica de nosso inconsciente pessoal e coletivo para 
exprimir de forma mais densa e abrangente aquilo que outros acessos não 
conseguem dizer. É neste contexto que emergem das profundezas arqueológicas 
do inconsciente humano, as evocações e analogias que dão suporte ao discurso 
religioso, rico de imagens e símbolos. Quem mergulha fundo em realidades cujo 
significado não deixa o homem indiferente, como o amor, a doença, a morte de 
um ente querido, a aquisição de um bem fundamental, a realização de um desejo, 
sabe que o conceito é insuficiente para exprimir o sentimento que brota do 
interior do ser. Somente através de gestos simbólicos (mito, magia, religião) e de 
formas criativas de representação (arte) se pode expressar a carga de sentimentos 
que brotam dessas vivências. 
 
No âmbito religioso, as relações do homem com o sagrado são tão 
significativas que adquirem uma característica de mistério -- algo 
definitivamente indecifrável. Mesmo assim, o mistério não constitui uma 
realidade que se opõe ao conhecimento. Paradoxalmente, ele pode ser conhecido, 
não de modo objetivo, mas subjetivamente. O mistério não é o limite da razão. 
Por mais que conheçamos uma realidade, jamais se esgota nossa capacidade de 
conhecê-la mais e melhor. 
 
Aquilo a que chamamos realidade apresenta-se incomensuravelmente 
maior que a nossa razão e a nossa vontade de dominar pelo conhecimento. Não 
há melhor meio de acesso ao conhecimento do mistério que envolve as relações 
do homem com o sagrado do que o coração. Com ele podemos dar sentido ao 
discurso religioso, estabelecer a “lógica” da fé e explicar nossa simpatia por tudo 
que envolve o sagrado. Albert Einstein, em seu ensaio Como vejo o mundo 
(1981), escreveu: 
 
O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É este 
sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência.Se 
alguém não conhece esta sensação ou não pode experimentar espanto 
ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos cegaram. Aureolada de 
temor é a realidade secreta do mistério que constitui também a 
religião (p. 12). 
 15 
 
A capacidade de percepção do mistério é fundamental tanto para o 
filósofo quanto para o cientista, porque lhes permite ficar sensível àquelas 
dimensões da realidade impossíveis de serem apreendidas pela razão lógica ou 
pelas fórmulas científicas que estreitam os limites do nosso conhecer. 
Freqüentemente, Einstein (1981) repetia: 
 
Afirmo com todo o vigor que a religião cósmica é o móvel 
mais poderoso e mais generoso da pesquisa científica. (...) O espírito 
científico, fortemente armado com seu método, não existe sem a 
religiosidade cósmica ( p. 22-23). 
 
A ciência e a técnica nos proporcionam grande quantidade de 
conhecimentos, mas são insuficientes para a exploração de todas as nossas 
vivências subjetivas. Elas dizem quase nada sobre nós mesmos, deixando-nos 
com uma sensação de alienação de nossas profundezas espirituais. Isoladas, sem 
esse complemento espiritual, a ciência e a técnica nos fazem sentir alienados uns 
dos outros e do mundo. Em decorrência disso, Leonardo Boff (1994) sustenta 
que: 
 
Não podemos absolutizar nosso paradigma moderno científico-
experimental e técnico. Este não desnuda todas as dimensões da 
realidade, apenas aquelas que entram no diálogo experimental com a 
natureza. Ainda assim, este diálogo nunca termina. Há também outras 
formas de diálogo, pois as várias culturas e os vários tempos 
históricos desenvolveram mil formas de conhecimento, seja pelos 
sonhos, pela intuição, pelos mitos e símbolos, pela reflexão religiosa e 
filosófica, e outras mais (p. 15). 
 
3.2.2. Função da religião 
 
 
Ao contrário do que se dizia a algum tempo atrás, a religião, longe de 
alienar o indivíduo, opera da maneira mais radical a sua integração na realidade, 
e essa é talvez a explicação mais adequada da universalidade antropológico-
cultural do fenômeno religioso. Quanto maior é a inserção do homem na 
realidade, mais ela se torna multifacetada, oferecendo-se à inteligibilidade com 
múltiplos sentidos. Em outras palavras, se definirmos a realidade como o pólo 
 16 
que faz face às necessidades subjetivas do homem, veremos que a realidade dada 
ou natural é apenas o suporte da realidade propriamente humana, que é a 
realidade significada ou cultural. Ora, o sistema das representações religiosas se 
mostra, desde as origens da cultura, como o horizonte mais amplo e mais 
profundo de abertura do homem à realidade ou ao universo do sentido. 
 
Com efeito, depois do avanço das ciências humanas, particularmente a 
antropologia, não podemos encarar a religião como uma forma restritiva da 
compreensão do mundo, mas como um alargamento de nossa inteligibilidade. 
Quanto à diversidade de símbolos, cosmogonias, ritos, teofanias, aspectos 
subjetivos e objetivos presentes nas inúmeras religiões, só podem ser 
compreendidos como expressões de um fenômeno cultural e socialmente 
complexo que exige de nós compreensão e respeito. 
 
É verdade que existem formas de expressão religiosa que amiúdam o 
homem e o fazem preconceituoso, tímido, mesquinho, bárbaro. . . Mas, em sua 
essência, não é essa a função da religião. Ela existe para elevar o homem à sua 
verdadeira dimensão, fazendo-o capaz de transcender-se ao espaço do mundo e 
do tempo, de libertar-se de tudo que o impede de ser confiante, crítico e criativo. 
Não importa que no circuito dos interesses humanos se tenha tentado fazer da 
religião um imenso negócio. Somente os espíritos enfraquecidos se deixam iludir 
pela retórica do interesse que difunde o medo e impede o homem de conhecer o 
verdadeiro Deus e de se relacionar profundamente com Ele. 
 17 
 
 
3.3. O SENSO COMUM 
 
 
O homem é um ser situado e datado, isto é, um ser marcado pelas 
circunstâncias geográficas e históricas que se refletem no seu modo de pensar, 
agir e entender a realidade. 
 
Anterior e simultaneamente à nossa existência, estão presentes valores 
padrões de conduta, costumes, tradições, modos de organização da vida social, 
de relacionamento do homem com a natureza e com os outros homens, que nos 
dão uma certa visão de mundo, uma forma peculiar de compreender a realidade. 
Esses elementos vão chegando até nós de maneira fragmentada, a partir das 
tradições e das experiências do nosso cotidiano. Aos poucos, formulamos 
explicações para a vida, para os fenômenos da natureza, para as normas sociais, 
para as crenças religiosas, para as relações entre marido e mulher, pais e filhos, 
professores e alunos, chefes e subalternos; enfim, um conjunto de explicações 
para os acontecimentos de nossa existência. Lentamente, esses elementos 
explicativos penetram em nossa consciência, em nossa afetividade, em nosso 
modo de pensar e agir sobre a realidade. Acostumamo-nos, afinal de contas, a 
todas essas apropriações e, raramente, nos perguntamos se existem outras 
possibilidades de explicação para tudo que observamos, vivenciamos e 
participamos. O mundo, os seres, as coisas, nossa forma de pensar e agir, tudo, 
enfim, se compreende e se organiza a partir desse senso comum da realidade. 
 
3. 3. 1. Origem e características 
 
O senso comum nasce exatamente desse processo de “acostumar-se” a 
uma explicação ou compreensão do real, sem que seja questionada. Mais do que 
uma interpretação adequada da realidade, o senso comum é uma forma de ver a 
realidade espontânea, fragmentária, intuitiva, acrítica, subjetiva e 
assistematicamente. Noutras palavras, o senso comum é uma forma de 
conhecimento sem o rigor metodológico da ciência e da filosofia. 
 
A formação do senso comum tem o seu dinamismo externo e interno. 
Enquanto nos desenvolvemos, ao longo do tempo, sofremos a interferência de 
novos elementos que emergem na vida social e crescem junto conosco. Os mais 
 18 
velhos nos transmitem valores e nós os introjetamos e transmitimos às gerações 
que nos sucedem. Além disso, somos também criadores de novas compreensões 
da realidade, que podem ter as características do senso comum e as passamos às 
gerações posteriores. 
 
 Com efeito, o senso comum se forma tanto pelas tradições da 
coletividade, quanto pela experiência individual oriunda das sensações. Quem 
ainda não foi aconselhado a observar as fases da lua antes de cortar os cabelos, 
de ir à pesca ou de fazer a semeadura? Quantas pessoas acreditam que o número 
13 dá azar? Quantos séculos viveu a humanidade acreditando que a terra fosse 
plana e imóvel? 
 
As sensações constituem uma fonte importante dos nossos 
conhecimentos porque refletem características, qualidades e propriedades das 
coisas. No entanto, através das sensações, não percebemos diferentes aspectos 
dos objetos e fenômenos, mas as coisas inteiras. Vemos campos verdes, o céu 
azul, estrelas resplandecentes e longínquas; ouvimos o ruído produzido pela 
chuva ou a trovoada; sentimos a frieza do gelo, o calor da lã, o peso do chumbo e 
a leveza do algodão... As percepções são as impressões sensoriais (imagens) dos 
objetos que representam a sua forma, grandeza, cor, posição no espaço etc. Mas 
os órgãos sensoriais, apesar de serem perfeitos, têm as suas limitações e, 
portanto, não podem revelar-nos todas as propriedades das coisas. Por exemplo, 
não podemos ver objetos em radiações ultravioleta e infravermelha, nem 
átomos, nem moléculas, bem como não podemos perceber o ultra-som. Então, 
perguntamos: qual a causa das limitações, ou melhor, da seletividade dos órgãos 
sensoriais? 
 
Os órgãossensoriais percebem o que é vitalmente importante, o que é 
imperativamente necessário, para que possamos nos orientar no mundo real. Eles 
nos dão um conhecimento da realidade imprescindível para a vida e a atividade 
prática. As sensações são as janelas para espreitar o mundo. Mas será que as 
nossas impressões sensoriais nos dão sempre um conhecimento exato acerca do 
mundo e das coisas ou será que nos enganam? 
 
O que dissemos sobre a verdade do mito e da religião vale também 
para o senso comum, na medida em que ambos são formas espontâneas e 
acríticas de compreensão do mundo, mas que dão uma certa inteligibilidade à 
vida como um todo. O homem vê, ouve e sente dentro dum determinado 
diapasão sensorial que, para ele, é suficiente para organizar a realidade, as ações 
 19 
diárias, as relações entre as pessoas. Pertencem ao senso comum um vasto 
conjunto de concepções a respeito dos mais diferentes aspectos da nossa vida, 
umas corretas, outras incorretas. O que as caracteriza, é o fato de serem 
produzidas por conhecimentos fragmentários, superficiais e, por isso, sujeitas a 
distorções. Como forma de saber, o senso comum é extremamente útil e 
significativo porque constitui a forma de pensamento genérico de um povo num 
determinado tempo e lugar. O senso comum não é uma faculdade particular, nem 
uma espécie de instrumento, nem uma ciência, mas a concordância prática, o 
acordo espontâneo ou a síntese do que o homem entende, imagina, sente e 
deseja. É a partir desse “acordo” coletivo que o homem se situa no tempo e no 
espaço, faz a leitura do mundo, compreende a si mesmo e se relaciona com os 
outros. 
 
Contudo, se a humanidade hoje estivesse limitada somente ao 
conhecimento do senso comum, o progresso da civilização não teria ultrapassado 
senão uns poucos inventos técnicos. Presa das aparências e da subjetividade, das 
crenças e dos preconceitos, o senso comum nos dá apenas uma amostra 
superficial da realidade a partir da qual são feitas generalizações muitas vezes 
apressadas e imprecisas. Com efeito, a superação do senso comum é necessária 
para atingirmos o conhecimento do real. A crítica do senso comum é, pois, um 
caminho para a obtenção de um conhecimento mais refletido, mais objetivo e, 
portanto, menos impregnado de deformações produzidas pela nossa 
subjetividade. 
 
3.3.2. O bom senso 
 
O senso comum é uma entre tantas outras formas de interpretação do 
mundo e de apropriação da realidade. Por ser um conjunto de concepções 
fragmentadas, muitas vezes incoerentes, condiciona a aceitação mecânica e 
passiva de valores não-questionados. Mas não devemos acreditar que todo o 
saber do senso comum é destituído de valor. Há nele um núcleo racional, sadio, 
que merece ser preservado, desenvolvido e transformado em algo unitário e 
coerente. Deve ser elevado ao bom senso, como visão crítica do mundo, como 
senso comum depurado. 
 
Esta elevação do senso comum ao bom senso tem valor 
epistemológico (crítico), finalidade ideológica (desmistificação) e até mesmo 
pedagógica, isto é, de aprendizado e participação junto com a experiência. 
 20 
Enquanto o senso comum é o conhecimento espontâneo, tal como vimos acima, 
no seu caráter acrítico, difuso, fragmentário, tradicional, o bom senso faz que o 
transformemos em pensamento organizado, coerente e crítico suficientemente 
capaz de abstrair as falsas impressões e detectar os conteúdos ideológicos que 
permeiam as diversas instâncias das relações humanas: a família, a escola, a 
moral, a religião, a política, os meios de comunicação social etc. 
 
Isso posto, podemos concluir afirmando que o senso comum não se 
opõe à filosofia nem à ciência, mas a elas se antecipa e lhes fornece a base sobre 
a qual se erigem a reflexão filosófica e a constatação científica. 
 
 
3.4. A FILOSOFIA 
 
A mente humana é, por sua natureza, questionadora. O ser humano 
nunca está absolutamente satisfeito com o que já sabe. Ele está sempre à procura 
de algo que ainda não conhece, sobretudo quando o conhecimento que já possui 
se torna frágil e, muitas vezes, contraditório. 
 
 Face a essa disposição natural do homem para conhecer mais e 
melhor, é que surgiu a filosofia como um desejo de preencher as lacunas 
deixadas pelo mito, pela religião ou pelo senso comum. Durante muito tempo, 
essas formas de conhecimento foram suficientes para responder à consciência 
indagadora, mas à medida que as fronteiras da cultura se dilatavam, o ser 
humano não se deu por satisfeito e recorreu às categorias da razão para encontrar 
uma nova maneira de explicar a realidade. Ao rejeitar a interferência dos agentes 
divinos na explicação dos fenômenos naturais e na interpretação do seu próprio 
comportamento, o homem foi levado a refletir sobre a realidade -- o mundo, sua 
origem, o movimento, os seres, a vida, os acontecimentos, o comportamento 
humano etc. Dessa reflexão surgiu a filosofia como esforço para explicar as 
coisas e suas causas mais remotas. 
 
O surgimento da filosofia é assim marcado por uma ruptura com um 
saber cujas estruturas de representação se tornaram questionáveis e, por isso 
mesmo, insuficientes para prover ao espírito humano o equilíbrio que ele 
necessita e deseja. O filósofo francês Georges Gusdorf (1980) caracteriza essa 
mudança de cosmovisão da seguinte maneira: 
 
A reflexão consagra o fim da inocência mítica. Para o 
 21 
futuro, o homem já não pode deixar-se levar pelas evidências 
estabelecidas. Ele se torna o artesão da verdade, isto é, tanto capaz 
como culpado do erro. 
A existência funda-se em desgarramento, em uma separação 
entre homem e mundo, de si para si e de si para Deus; e todo o esforço 
da sabedoria e do saber humano terá por ambição remediar isso (p. 
151). 
 
3.4.1. O processo de evolução do conhecimento filosófico 
 
Na Antigüidade, o saber filosófico correspondia à totalidade do 
conhecimento racional desenvolvido pelo homem. Abrangia, portanto, os mais 
diversos tipos de conhecimento que se estendiam pela matemática, astronomia, 
física, biologia, lógica, ética etc. À filosofia interessava conhecer toda a 
realidade sem dividi-la em objetos específicos de estudo. 
 
 Esse significado amplo e universalista do saber filosófico manteve-se, 
de modo geral, no decorrer da Idade Média. Poucas áreas separaram-se da 
filosofia, como a teologia, por exemplo, que se desenvolveu enquanto estudo 
específico a respeito de Deus. 
 
 Durante a Idade Moderna, entretanto, o vasto campo da filosofia entrou 
num processo de redução, na medida em que a realidade a ser conhecida passou 
a ser dividida, fragmentada, despertando estudos especializados. 
Gradativamente, conquistaram autonomia muitas ciências particulares que se 
desprenderam do tronco comum do abrangente saber filosófico. Hoje, 
perguntamos: o que resta de característico para a filosofia que esteja fora do 
alcance das inúmeras ciências particulares? 
 
Na verdade, a filosofia continua tratando da mesma realidade abordada 
pelas ciências, mas enquanto estas se especializam e observam recortes do real, 
aquela jamais renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. 
A visão filosófica é uma visão de conjunto. A realidade que fora fragmentada 
pelo saber especializado de cada ciência particular é resgatada na sua integridade 
pela filosofia, a única capaz de fazer uma reflexão crítica e global sobre o saber e 
a prática do homem. 
 
Assim, em todos os setores do conhecimento e da ação, a filosofia 
 22 
deve estar presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse 
conhecimento e desse agir humanos. 
 
3.4.2.Natureza da reflexão filosófica 
 
Como dissemos acima, a reflexão filosófica apresenta, como objeto 
próprio, o mundo a conhecer e a ação a efetuar. Isto supõe um certo recuo, um 
relativo desligamento no que diz respeito à objetividade das coisas, como elas 
existem, como funcionam, como podemos modificá-las. Disso se ocupa a 
ciência. A atitude filosófica emerge de nossa admiração diante da realidade que 
suscita em nós o desejo de conhecer, mais e melhor, porque as coisas existem. 
 
 Esta atitude revela a capacidade do espírito humano de poder alçar-se 
acima das determinações concretas da realidade -- os seres -- e perguntar pelo ser 
simplesmente. A partir do ser (conceito abrangente) podemos conhecer mais 
profundamente os seres, as coisas, porque a realidade não se dá a conhecer 
totalmente nem pelo senso comum, nem pela ciência. 
 
A reflexão filosófica é radical na medida em que procura alargar as 
fronteiras do saber. Ela conscientiza o fato de que, no conhecido, há sempre um 
desconhecido, que no dito, persiste um não-dito e que no sabido, existe um 
ignorado. Nosso conhecimento é sempre representativo, modelar e 
aproximativo
4
. Por isso, a consciência filosófica é permanentemente 
indagadora. Ela sabe não possuir a verdade, mas a disposição permanente de 
procurá-la. 
 
O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso não significa 
que a filosofia esteja à margem do mundo e da ação dos homens como se fosse 
um saber puramente abstrato que possa ser dispensável, sem nenhum prejuízo 
para o indivíduo e a sociedade. A filosofia autêntica, muito longe de ignorar a 
realidade, reflete sobre tudo o que acontece tanto no mundo físico quanto no 
mundo da cultura. O cometimento filosófico visa transformar um acontecimento 
em experiência para compreendê-lo, extrair sua lição, a fim de chegar a uma 
visão sistemática e unificada do universo. 
 
 
4
 Dizemos que o conhecimento é representativo, modelar e aproximativo porque ele não é a própria realidade, 
mas apenas sua representação, ou seja, um modelo aproximado daquilo que os nossos sentidos captam das coisas 
e dos fenômenos. 
 23 
A filosofia pensa a realidade presente. A presença da realidade 
estimula o pensamento a fazer filosofia. Por esse desejo de estar junto à 
realidade, a filosofia elucida, por meio de conceitos e idéias bem arquitetadas, a 
evidência ou transparência do real que experimentamos. Na experiência do dado 
imediato, sem visualizá-lo num esquema de medidas, o filósofo lê a realidade, 
elabora juízos de valor e, assim, dá sentido à experiência vivida. 
 
3.4.3. Filosofar é preciso 
 
O homem é um ser de necessidades, não somente do ponto de vista 
biológico mas também do ponto de vista gnosiológico. Ele quer conhecer a 
natureza para transformá-la através do seu trabalho, e assim extrair dela os meios 
necessários à sua sobrevivência. Quer também conhecer a si mesmo para poder 
construir sua vida e dar sentido à sua própria existência. Por isso, o homem 
filosofa, isto é, questiona e reflete sobre tudo que o envolve direta e 
indiretamente. É verdade que qualquer um de nós poderá viver sem refletir de 
forma radical, profunda, mas se isso acontecer a nível da coletividade, o ser 
humano corre o risco de involuir, de perder a consciência de si mesmo e do 
mundo a sua volta. É o que, a nível ideológico, designamos por estado de 
alienação. 
 
Se não questionarmos a realidade, se não refletirmos criticamente 
sobre os valores que constituem nosso modo de vida e orientam nossas ações, 
outros, em outro lugar e situação, estarão pensando por nós. Nesse caso, 
estaremos submissos ao pensar crítico de outros que decidem e orientam o nosso 
viver. 
 
Filosofar é preciso. Como especulação, a filosofia procura captar ou 
apreender a realidade, buscando as causas primeiras das coisas; como prescrição 
ou norma de conduta, ela recomenda e prescreve valores e ideais; como crítica 
ou análise, examina os conceitos, julga as idéias e assinala as incoerências do 
nosso pensamento. 
 
 
3.5. A IDEOLOGIA 
 
 
O homem nasce e se desenvolve num meio sócio-cultural, num mundo 
 24 
de símbolos e valores que lhe influenciam fortemente no transcurso de toda a sua 
vida. Como ser racional, ele não se encontra no mesmo plano das coisas e dos 
animais: é um ser dotado de inteligência e liberdade que podem ser usadas, tanto 
para reprimir os desejos,quanto para realizá-los. Como ser social, o homem se 
faz na trama das relações com os outros homens, influenciando e sendo 
influenciado, atuando sobre o meio ambiente e produzindo não só o mundo dos 
bens materiais mas também as artes, os saberes, as tecnologias e até o próprio 
modo de ser do ser humano. Como animal político, ele se organiza em 
comunidade na qual as relações de sociabilidade são constituídas por relações de 
poder, reguladas por princípios de mando e obediência, convencionalmente 
pactuados. 
 
 O fato de ser animal político, isto é, de viver numa polis (comunidade 
organizada), significa que tudo entre os homens deve ser decidido mediante 
palavras e persuasão, e não através da força ou violência. Quanto mais a 
sociedade humana evolui, maior é a importância do discurso na ação política dos 
seus membros. Os mais loquazes são, certamente, os que têm maiores chances 
de governar o corpo político. 
 
Aos poucos, os que produzem idéias separam-se dos que produzem 
bens materiais, formando um grupo à parte. À medida que vão ficando cada vez 
mais distantes e separados dos trabalhadores materiais, os que pensam começam 
a acreditar que as idéias estão, em si e por si mesmas, separadas das coisas 
materiais. Ao conferir autonomia à consciência e às idéias, julgam que estas 
não só explicam a realidade, mas produzem o real. Surge assim a ideologia 
como crença na autonomia das idéias e na capacidade que elas têm de criar a 
realidade. 
 
3.5.1. Origem 
 
Vários fatores podem ensejar o aparecimento de uma ideologia: 
impulsos irracionais, condicionados por interesses psicossociais; desejo de um 
grupo ou de uma classse social de manter um sistema de privilégios numa 
determinada estrutura sócio-política; processo de reação a uma situação 
dominante que se torna problemática, não sendo mais possível manter a 
unanimidade de visão vigente. 
 
Seja qual for sua origem, é impossível desvincular a ideologia do 
contexto sócio-político em que emerge e se propaga. Como pensamento situado 
 25 
e datado, a ideologia é uma tomada de consciência da identidade dos membros 
de um grupo ou de uma classe social em ascensão, que explicita os seus 
interesses, valores, representações e aspirações comuns. Tal consciência 
dinamiza, motiva e compromete os indivíduos através de seus ideais, interesses, 
atitudes e ações. 
 
A ideologia sedimenta-se e consolida-se no momento em que se torna 
“senso comum”, quando todos pensam da mesma maneira, espontaneamente, 
sem se dar conta dos interesses particulares ocultos. Ao popularizar-se, 
tranforma-se num conjunto de idéias, valores e representações aceitas por todos 
os que se opõem à situação vigente e imaginam uma sociedade alternativa. 
 
Uma vez vitoriosa, consolidada e interiorizada na consciência, a 
ideologia que se apresentava como garantia de realização dos ideais de todos, 
passa a ser manipulada pelos indivíduos que, através do discurso, têm maior 
poder de persuasão. Ocultando interesses particulares, camuflando a realidade, 
distorcendo a verdade, o grupo que assume o controle do poder impõe sua “visão 
do mundo” aos demais. O que de fato são seus valores, seusinteresses, seu 
modo de pensar e agir, sua maneira de viver, é apresentado como bom para todos 
os integrantes da sociedade. 
 
Para isso, a classe dominante usa todos os mecanismos de persuasão, 
para inculcar nas outras seus valores e ideais. Desse modo, a família, as escolas, 
as universidades, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos e, 
principalmente, a mídia, vinculam-se de tal modo a determinada classe que 
acabam gerando e divulgando imagens, escritos, atividades, slogans, provérbios, 
histórias, propagandas, símbolos, costumes e modismos impregnados dos valores 
dessa classe. 
 
3.5.2. Características 
 
Como teoria das idéias, o fenômeno da ideologia foi estudado por 
diversos autores: Destutt de Tracy (1754-1836), Augusto Comte (1798-1857), 
Émile Durkheim (1855-1917), Max Weber (1864-1920), Karl Mannheim (1893-
1947), entre outros. Mas foi Karl Marx (1818-1883) e F. Engels (1820-1895) que 
deram ao termo a conotação que tem hoje: um sistema de pensamento, uma 
forma de conceber o mundo em seus aspectos naturais, mas sobretudo o mundo 
social, as relações entre os homens e sua atividade. Essa “visão do mundo” não 
 26 
pode ser compreendida senão como produto e reflexo de uma sociedade e de 
uma época e, particularmente, de grupos sociais, extratos e classes. São os 
interesses, a atividade e o papel histórico desses grupos ou classes sociais que a 
ideologia expressa, enquanto visão do mundo. Não os expressa, porém, como 
conhecimento verdadeiro, mas como racionalização, isto é, falsa consciência que 
deforma e obscurece o real. Assim, “na ideologia os homens e as suas relações 
aparecem em posição invertida como numa câmara escura.” (Marx e Engels, 
1991, p. 37). 
 
Como podemos observar, o enfoque marxista atribui à ideologia um 
sentido negativo, quando a interpreta como instrumento de dominação de uma 
determinada classe que, no afã de afirmar sua hegemonia, propaga suas idéias 
e valores às demais classes sociais. 
 
A teoria marxista da ideologia representa uma ruptura radical com as 
concepções até então existentes quanto à natureza e função das idéias, imagens e 
símbolos na vida social e política. Implica nova atitude, cuja radicalidade se 
expressa como relativização do pensamento, ou seja, implica na afirmação de 
que todo pensamento tem raízes em situações e interesses sociais e, por 
conseguinte, sua unidade e coerência não podem ser compreendidas apenas em 
termos lógico-formais pela análise imanente de seu significado. 
 
Com efeito, as ideologias fixam, em um sistema de representação 
mental relativamente coerente, não somente uma relação real (as condições de 
existência), mas também uma relação imaginária (inversão das condições de 
existência). Em outras palavras, as formas de pensamento, idéias, crenças, 
valores, imagens e símbolos através dos quais os homens compreendem o mundo 
e nele se orientam nas suas relações sociais, possuem a coerência e a unidade 
necessárias a que suas relações se mantenham relativamente estáveis. 
 
Nesse sentido, é que Marx e Engels (1987) conceituam a ideologia 
como uma “opacidade” das relações sociais, vale dizer, como uma consciência 
dessas relações que é verdadeira na medida em que se acha inserida nas 
atividades práticas sociais, mas, ao mesmo tempo, necessariamente falsa, já que 
as sociedades existentes (tanto mais quanto maiores são os seus antagonismos 
internos) não podem revelar completamente seus mecanismos. 
 
Desse modo, o conceito de ideologia implica referência a uma 
“realidade” que somente de maneira imperfeita, parcial e deformada se deixa 
 27 
reconstruir no pensamento. Eis porque Gramsci (1978) afirma que a ideologia é 
o cimento da estrutura social, o conjunto de idéias e valores que, ao tornar 
possíveis e regulares as relações sociais tal como elas se estruturam em 
determinada sociedade e determinada época, ao mesmo tempo tende a cristalizá-
los nessa mesma forma, particularmente pela legitimação do poder político e da 
organização econômica existentes. 
 
3.5.3. Ideologia e conhecimento 
 
A ideologia penetra todos os níveis da estrutura social, dando coesão 
às múltiplas relações sociais que os indivíduos mantêm entre si. Embora 
contendo elementos de conhecimento, as ideologias (sentido negativo) são 
representações deformadas da realidade social. Nesse caso, podemos chamar de 
ideológico todo pensamento, todo discurso que interpretando o mundo, o 
representa de maneira falsa, distorcida, cujos componentes sociais ocultam suas 
raízes, suas origens econômicas, políticas, sociais etc. Essa ocultação passa a ser 
encarada não em função de sua coerência ou incoerência, mas como essencial à 
sua condição enquanto produto de interesses e situações sociais. Se as lacunas 
deixadas pelo discurso ideológico fossem preenchidas, haveria o 
desmascaramento dos seus disfarces. Por isso, a ideologia é ilusória, não no 
sentido de ser “falsa”ou “errada”, mas porque mascara ou oculta a maneira pela 
qual a realidade social foi produzida. 
 
Vimos que as ideologias refletem os interesses das classes sociais na 
medida em que lutam para estabelecer sua hegenomia. A classe cujos fatores 
históricos e sociais favorecem o domínio sobre as demais, procurará 
universalizar seu sistema de pensamento em forma de arte, religião, moral, 
política, filosofia, ciência, tornando-se senso comum da sociedade. Isto acontece 
não só com os slogans mais comuns, mas também com as formulações mais 
abstratas e intelectualizadas. O modo pelo qual a classe dominante representa a si 
mesma e sua relação com os outros homens e com o mundo, tornar-se-á a 
maneira pela qual todos os membros dessa sociedade irão pensar. Assim, bem-
estar, felicidade, ordem, progresso, bem da nação, são apenas slogans que 
escondem e mascaram a subjugação a que são submetidas as classes dominadas. 
 
A universalização das idéias, dos princípios, das regras de 
reciprocidade, é resultado de uma abstração na medida em que seus produtores -
- os teóricos, os ideólogos, os intelectuais -- apresentam-nas como entidades 
autônomas, como algo separado e independente das condições materiais. Assim, 
 28 
por exemplo, quando se diz que “todos são iguais perante a lei” ou que “o 
trabalho dignifica o homem”, estamos diante de ideais abstratos, longe de serem 
efetivados nas condições reais de existência social dos homens. 
 
Althusser (1989) refere-se aos “aparelhos ideológicos do Estado” 
(famílias, igrejas, sindicatos, instituições jurídicas, partidos políticos, imprensa 
etc) como reprodutores da ideologia da classe dominante. São eles que 
 
 
...garantem, em grande parte, a reprodução mesma das relações de 
produção, sob o “escudo” do aparelho repressivo do Estado . É neles 
que se desenvolve o papel da ideologia dominante, a da classe 
dominante, que detém o poder do Estado (p. 74). 
 
 Assim, enquanto exerce o poder de dominação, ou seja, a capacidade 
garantida pela força de mandar e fazer-se obedecer, o discurso ideológico exerce 
não o poder, mas uma hegemonia que é a qualidade de liderança intelectual e 
moral, capaz de gerar bases de consentimento ou de aceitação generalizada em 
forma de senso comum. Para os setores dominantes da sociedade, interessa que o 
senso comum impere em todos os segmentos da vida social e cultural, 
especialmente naqueles que se destinam às grandes massas, como é o caso da 
educação e dos meios de comunicação social. Tornado senso comum, o discurso 
ideológico constitui-se no meio eficaz de manipulação das informações, das 
condutas e dos atos políticos e sociais dos dirigentes e dos setores dominantes da 
sociedade. 
 
Porisso, o discurso ideológico mostra uma realidade invertida, isto é, 
toma o determinado pelo determinante, o efeito pela causa e assim 
sucessivamente. Por exemplo, quando as elites dominantes ocupam os meios de 
comunicação social para falar das formas de combate à violência na sociedade 
brasileira, não fazem referência ao modelo econômico excludente e concentrador 
de riquezas, não mostram a necessidade da reforma agrária, da distribuição da 
renda, da geração de novos empregos, da democratização da educação, da saúde, 
da moradia etc, mas exigem das autoridades tão somente a ampliação e 
modernização do aparelho repressivo do Estado. 
 
É típico da ideologia dominante querer legitimar o status quo por meio 
de um discurso homogêneo, mistificador, subliminarmente preconceituoso e 
coerente em sua aparência. Nas palavras de Marilena Chauí (1987), 
 29 
 
 ...ela [a ideologia] é coerente não apesar das lacunas mas por causa 
ou graças às lacunas. Ela é coerente como ciência, como moral, como 
tecnologia, como filosofia, como religião, como pedagogia, como 
explicação e como ação apenas porque não diz tudo e não pode dizer 
tudo. Se dissesse tudo, se quebraria por dentro (1987, p. 115). 
 
Isto é, daria lugar fatalmente a outra que, na perspectiva do processo dialético de 
formação das idéias, se apresenta como antítese
5
. Tudo é articulado e 
apresentado como resultado de uma “ordem natural” ou “ordem lógica” para 
promover o consenso e justificar as desigualdades sociais, a exploração entre as 
classes e os privilégios das elites. A visão de mundo, o amor, o sexo, a moda, o 
progresso, o dinheiro, a família, a religião, a educação, a moral, os preconceitos, 
a propaganda comercial, o noticiário jornalístico, enfim, tudo está impregnado de 
conotação ideológica. Por mais que façamos para nos desvencilhar, ela se faz 
presente em nossa maneira de pensar, sentir, valorizar, fazer, tanto em forma de 
senso comum quanto na maneira de fazer filosofia, religião, arte ou ciência. 
 
De um modo geral, as ideologias são fenômenos vitais de dinamismo 
envolventes e contagiosos. São dotadas de uma “mística” especial que lhes 
confere um forte poder de penetração em todas as instâncias de modo muitas 
vezes irresistível. Seus slogans, seus apelos, suas expressões típicas, seus 
critérios de avaliação e julgamento, chegam a marcar profundamente, mesmo 
aqueles que estão longe de aderir voluntariamente a seus princípios doutrinais. 
Muitas pessoas vivem praticamente dentro dos limites de determinadas 
ideologias sem se darem conta da alienação de suas consciências. Isto acontece 
não só no interior das ideologias que legitimam a exploração de classe, mas 
também daquelas que pretendem mudá-la. 
 
A recusa da alienação exige discernimento e consciência crítica. 
Discernimento para julgar com clareza e sensatez a natureza dos discursos 
ideológicos (aqueles que mascaram a realidade) e não-ideológicos (aqueles que 
des-velam o real). Consciência crítica para decodificar as mensagens, selecioná-
las, evitando os irracionalismos de perversas conseqüências. Elevadas à categoria 
de mitos, as ideologias tornam-se perigosas porque são capazes de arrastar 
 
5
As idéias, como de resto todo o conhecimento, são formadas a partir de um processo dialético que consiste na 
formulação de uma tese (afirmação), de uma antítese (negação parcial ou total da tese) e de uma síntese 
(negação da negação ou conciliação de alguns aspectos da tese e da antítese). 
 30 
multidões a holocaustos, voluntária ou forçosamente. A consciência crítica 
possibilita a interação entre o pensar e o agir do sujeito, isto é, entre teoria e 
prática. É ela que suscita a problematização da realidade e nos torna capazes de 
entender e participar do processo de construção do conhecimento expresso em 
suas diversas modalidades. 
 
Ter consciência crítica não significa ser destituído de ideologia, visto 
que todo discurso é ideológico por natureza. Significa uma disposição constante 
à busca da verdade, uma atitude firme e segura de autocrítica e revisão das idéias 
e dos valores em que acreditamos. 
 
Comumente, é ressaltado o aspecto negativo da ideologia. Mas 
precisamos entender que ela pode conter também diversos ingredientes positivos. 
Além da sua função de dar coesão aos grupos sociais, ela poderá ter uma função 
didático-pedagógica de suscitar a conscientização dos indivíduos quando 
chamados a produzir um contra-discurso. Nesse caso, a ideologia poderá ser um 
instrumento de desalienação do homem que, pelo seu poder de negatividade, 
tornar-se-ia capaz de se dar conta de sua situação e de pôr à lume as contradições 
dos agentes ideológicos que lhe oprimem. Como bem acentua Lucien Goldmann 
(1979), o importante não é deixar de ter ideologia, ser neutro (pois isto é 
impossível) mas sim dar-se conta dos próprios pressupostos ideológicos. 
Para concluir, dizemos com Vera Werneck (1992): 
 
 A ideologia não pode ser apenas considerada o pensamento 
do “outro”. Não seria possível um espaço totalmente não-ideológico. 
(p.115). 
 
 O ideal não é a procura de uma pretensa neutralidade, mas a 
aquisição de uma postura aberta, se não para a verdade, ao menos para a 
aceitação do outro com vistas a uma sociedade democrática, onde haja lugar para 
as divergências que não firam os princípios de respeito e reciprocidade. 
 
 
3.6. A CIÊNCIA E A TÉCNICA 
 
 
O homem viveu muitos milênios cultivando e transmitindo às novas 
gerações o conhecimento que o mito e o senso comum lhe sugeriam. Após a 
 31 
descoberta da racionalidade, por volta do século VI a. C., passou a acreditar que 
um conhecimento mais seguro deveria ser avalisado pela razão lógica em sua 
versão filosófica do saber. Passaram-se muitos séculos para que o espírito 
humano percebesse a insuficiência das abstrações filosóficas na explicação de 
toda a realidade. A filosofia havia cumprido o seu papel no processo de 
alargamento das fronteiras da cultura, mas tornara-se incapaz de dar conta das 
particularidades que a inteligência agora fazia questão de explicar. 
 
Até então, era o filósofo quem se ocupava de explicar a realidade a 
partir de intuições e analogias sob o rigor do método lógico-dedutivo
6
. Não havia 
separação entre filosofia e ciência e, por isso, muitos filósofos, como Aristóteles, 
Arquimedes, S. Alberto Magno foram também eminentes cientistas. 
 
No entanto, as transformações que assinalaram a transição da 
sociedade agrária feudal para a sociedade comercial burguesa em fins da Idade 
Média propiciaram mudanças profundas na maneira de ver a realidade, no modo 
de pensar e agir sobre o mundo, na forma do homem se relacionar com a 
natureza. O alargamento das fronteiras geográficas suscitou também o 
alargamento das fronteiras do saber. Já não bastava conhecer empírica e 
abstratamente o mundo, a natureza, os seres, à maneira do senso comum e da 
filosofia, mas tornou-se imprescindível a demonstração do conhecimento pela 
via do método indutivo-experimental.
7
 É aqui que a ciência se desgarra da 
filosofia para se ocupar das particularidades que esta não é capaz de desvendar. 
 
Concomitante ao progresso da ciência, a partir do século XVII, dá-se 
também o avanço da técnica e, desde então, uma se torna subsidiária da outra. 
 
3.6.1. O conceito de ciência 
 
A palavra ciência deriva do verbo latino scire que significa conhecer, 
saber. Se quisermos compreendê-la por meio de uma definição, podemos afirmar 
 
6
 O método lógico-dedutivo foi criado por Aristóteles (384-322 a.C.) e consagrado pelos filósofos medievais.Sua formulação é o silogismo, que consiste em partir de uma premissa maior (universal) que se tem por 
verdadeira (por exemplo: Todo homem é mortal), seguida de uma premissa menor (p. ex.: Sócrates é homem), 
para se obter uma conclusão particular (p. ex.:Logo, Sócrates é mortal). 
 
7
 Esse método é o inverso da dedução lógica. Consiste em partir da observação de fenômenos específicos (o 
ferro, o cobre, o bronze ... são bons condutores de eletricidade) e de uma constatação (o ferro, o cobre, o bronze... 
são metais), para se chegar à generalização (logo, o metal é bom condutor de eletricidade). 
 32 
que, em sentido amplo, ciência é um conjunto de conhecimentos 
sistematicamente organizados relativos a um determinado objeto e, em sentido 
estrito, ciência é um conhecimento objetivo, obtido através de processos 
experimentais. 
 
A primeira acepção refere-se ao domínio sistemático que podemos 
possuir dos conhecimentos relativos a determinado ramo do saber sem que haja 
necessidade de apresentar provas objetivas, por meio de processos experimentais 
ou formais. É o caso, por exemplo, dos conhecimentos concernentes às ciências 
hermenêuticas (humanas ou sociais), cujas afirmações incidem num grau de 
subjetividade muito elevado. Ciência assim entendida, não designa apenas um 
acervo de conhecimentos sobre um objeto, mas uma estrutura mental na qual o 
sujeito integra ordenadamente esses conhecimentos e a qual lhe confere um 
poder criador para avançar e dilatar as fronteiras do saber. 
 
A segunda acepção, por sua vez, corresponde àquele conhecimento 
que qualquer estudioso pode chegar pela aplicação dos mesmos métodos de 
investigação, não implicando contradição nos resultados. Nesse caso, a 
compreensão do termo ciência nos lembra laboratório, instrumental de pesquisa, 
trabalho programado e aplicação do método de indução que, partindo da 
observação e da experiência controlada, chega a formular leis sobre a 
regularidade dos fenômenos, para as assumir em teorias científicas 
caracterizadas por um grau mais ou menos elevado de generalização que nos 
permite predizer, com certa segurança, eventos futuros. Esse rigor metodológico 
é típico das ciências naturais ou empírico-formais (física, química, biologia, 
geologia, astronomia) que, auxiliadas pelas ciências formais (matemáticas e 
lógica), alcançam um elevado índice de objetividade nos seus resultados. 
 
Muito mais que as ciências hermenêuticas, as ciências formais e 
empírico-formais exprimem o ritmo de autonomia da razão no processamento de 
dados, porque seu objeto é o vasto campo da materialidade, no qual o sujeito 
(pesquisador) se mantém a uma certa distância dos fenômenos observados. 
Contudo, em nenhuma delas é possível obter conhecimentos absolutamente 
objetivos (Japiassu, 1975), já que o homem vive permanentemente na sensação, 
ou melhor, na experiência sensível da realidade. A sensação não é um ponto de 
chegada, mas um caminho para as coisas, ou seja, laboratório de onde partem 
todos os endereços de investigação e pesquisa. 
 
 33 
3. 6. 2. O método científico 
 
A realidade científica é uma realidade construída. Um fato só tem 
significado quando transposto de maneira que possa oferecer-nos características 
objetivas mensuráveis. A construção científica exige uma técnica ou um modo 
de proceder pelo qual o cientista adquire, de maneira segura, certos tipos de 
conhecimento. É uma sucessão de passos ou operações que vão, desde a 
observação, até a incorporação do novo conhecimento no patrimônio científico 
da humanidade. Segundo concepções tradicionais, esses passos ou operações 
podem ser escalonados da seguinte maneira: 
 
 
a) Observação rigorosa. Observar é aplicar a atenção a um fenômeno, 
captá-lo tal como se manifesta. Situa-se a observação particularmente na fase 
inicial da pesquisa, mas perdura durante todo o processo, alternando-se com a 
experimentaçxão, pois é necessário observar os resultados das manipulações das 
variáveis após os exprimentos. 
 
 A observação pode ser natural e espontânea ou dirigida e intencional. 
E as etapas posteriores da pesquisa ficarão prejudicadas se não partirem da 
observação correta e adequada ou, tanto quanto possível, completa na 
enumeração das circunstâncias antecedentes ou variáveis. 
 
b) Formulação de hipóteses. Toda inverstigação nasce de algum problema 
teórico/prático que se observa. Não basta observar. O pesquisador deve 
ponderar fatos e relacioná-los; deve refletir à procura de uma explicação 
provável, isto é, deve formular uma hipótese de solução plausível e verificável. 
A hipótese é o enunciado da solução estabelecida provisoriamente como 
explicativa de um problema qualquer. Ela representa a opinião do pesquisador 
à procura de evidências posteriores que a sustentem e comprovem . Sua função é 
fixar uma diretriz capaz de impor ordem e finalidade a todo o processo da 
experimentação. 
 
 c) Submissão das hipóteses a testes críticos – experimentação. As hipóteses 
devem ser postas à prova, isto é, submetidas a testes de verificação. Isto é feito 
por meio de experimentos nos quais se reproduzem os fenômenos sob rigoroso 
controle das variáveis, com o objetivo de identificar os fatores antecedentes 
responsáveis por determinado evento subseqüente. 
 
 34 
 Na formulação das hipóteses, a reflexão antecipa-se às evidências 
demonstradas. Na experimentação, falam os fatos e não o gênio do pesquisador. 
Noutras palavras: na hipótese, as idéias prejulgam os fatos; na experimentação, 
os fatos é que julgam a adequação ou não das idéias, isto é, das hipóteses. 
 
 d) Comprovação dos resultados obtidos. Certificar-se de que os resultados 
obtidos durante a investigação estão corretos é um pré-requisito para a 
constituição de uma ciência. Isto é feito por meio da investigação das relações 
causais do fato observado com outros semelhantes ou diferentes. Se for 
confirmada a regularidade do fenômeno ou evento nas mesmas condições, pode 
se formular a lei ou teoria e generalizá-la. 
 
 Este procedimento no encaminhamento da pesquisa, não só permite fazer 
reajustes e eventuais correções, precisando o grau em que pode, agora, ser 
confirmado ou não o fenômeno, mas também amplia-o com novas investigações. 
 
 e) Comunicação dos resultados – passagem da atividade para uma 
linguagem. A partir do que foi verificado em determinado experimento 
singular, o pesquisador elabora uma teoria geral sobre o conjunto dos fatos 
investigados, isto é, formula um conjunto sistemáticos de conceitos que explicam 
e interpretam as relações de causa e efeito, as relações de dependência e as 
diferenças entre todos os objetos que constituem o campo investigado. 
 
 A teoria científica permite que uma multiplicidade de fatos 
aparentemente diferentes sejam compreendidos como semelhantes e submetidos 
às mesmas leis e, vice-versa, permite compreender também por que fatos 
aparentemente semelhantes são diferentes e submetidos a leis diferentes. 
 
Contudo, estas etapas não podem ser seguidas à risca por todos os 
cientistas visto que, dependendo do objetivo da pesquisa, alguns desses 
procedimentos são inteiramente ineficazes. Para o cientista social, por exemplo, 
a técnica da entrevista é muito mais valiosa do que para o astrônomo; para o 
biólogo, a técnica da observação microscópica é eficaz, mas não serve ao 
psicólogo. Por isso é que o filósofo Karl Popper (1974) e seus discípulos fizeram 
vigorosas críticas à noção tradicional indutivista do método científico de 
inspiração baconiana
8
. Segundo Popper, quem observa, observa alguma

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