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FILOSOFIA Professor Me. Jonas Silva Faria GRADUAÇÃO Unicesumar Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Head de Produção de Conteúdos Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli Gerência de Produção de Conteúdos Gabriel Araújo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Supervisão de Projetos Especiais Daniel F. Hey Coordenador de Conteúdo Maria Cristina Araújo de Brito Cunha Design Educacional Camila Zaguini Silva Jaime de Marchi Junior Larissa Finco Maria Fernanda Canova Vasconcelos Nádila de Almeida Toledo Rossana Costa Giani Iconografia Amanda Peçanha dos Santos Ana Carolina Martins Prado Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Editoração Fernando Henrique Mendes Revisão Textual Jaquelina Kutsunugi Ilustração Robson Yuiti Saito C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. FARIA, Jonas Silva: Filosofia. Jonas Silva Faria Reimpressão - 2018 Maringá - PR, 2017. 176 p. “Graduação Serviço Social - EaD”. 1. Filosofia 2. Positivismo. 3. Conhecimento 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-8084-946-2 CDD - 22 ed. 101 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar – assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi- bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Professor Me. Jonas Silva Faria Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (2006) e graduação em Teologia pela Faculdade Teológica das Assembléias de Deus em Curitiba (2001). Mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2012), na área de Teologia e Evangelização (Novo Testamento). A U TO R SEJA BEM-VINDO(A)! Caro(a) aluno(a), é com muito prazer que apresento a você o livro de Filosofia, o qual fará parte de sua formação acadêmica. O pensamento filosófico nasceu na Grécia Antiga, por meio de uma ruptura com o mito. A pergunta que dividiu os estudiosos foi se realmente tal ruptura foi radical ou gradual, isto é, se os primeiros filósofos romperam com o mito ou se a Filosofia é a continuidade da mitologia. Você verá neste livro como os primei- ros filósofos se portaram diante da mitologia e como romperam com as cosmogonias e teogonias de Hesíodo, para dar à Filosofia as suas primeiras características, em forma de cosmologia. Contudo, a busca dos primeiros filósofos pela arché, isto é, o princípio originário de todas as coisas, com os filósofos pré-socráticos, perdurou até o surgimento da Filosofia socrática, em que Sócrates tanto questiona o panteão de deuses atenienses como consolida a Filosofia como um saber racional, ou seja, os problemas existenciais do ser humano no aqui e agora são mais importantes que a busca pela origem de todas as coisas, seja na mitologia ou mesmo pelo princípio originário do cosmos. Com Sócrates (nos diálogos platônicos, transcritos por seu discípulo Platão), surge o processo de concepção inatista, ou a maiêutica. No diálogo Teeteto, de Platão, define-se a maiêutica como a arte de partejar ideias, ou seja, o filósofo faz o parto das ideias, as quais, segundo Platão, são ideias inatas, ou seja, já estão gravadas nas nossas mentes desde que nascemos, porém, estão adormecidas, cabendo então ao filósofo a função de partejá-las. No Teeteto, Sócrates diz ao jovem que, assim como sua mãe (de Sócrates) fazia com as mulheres atenienses no parto, uma vez que ela era parteira de profissão, agora, ele toma como modelo a mesma profissão da mãe, só que com uma diferença, faz partonão de mulheres, mas sim de homens, ou seja, o parto das ideias. A função da Filosofia, portanto, é levar o estudante a pensar sobre o mundo, sobre o porquê somos, ou então, sobre o que somos. Podemos, então, resumir que Filosofar é pensar, mas pensar de forma filosófica. No entanto, conforme os estudiosos da Filosofia têm proposto, chegamos a um primeiro questionamento: se filosofar é pensar, e todo mundo pensa, por que então nem todos são filósofos? Sílvio Gallo (2012, p. 16) propõe que a melhor forma para se aproximar da Filosofia é fazendo perguntas, no entanto, as perguntas filosóficas não são perguntas questões, mas são perguntas problemas. Portanto, a função primordial da Filosofia é a problematização, a reflexão ou, ainda, a indagação. Pensar nasce da insatisfação do homem com a realidade do mundo no qual ele está inserido, logo filosofar não é buscar respostas prontas e instantâneas, como a nossa sociedade consumista está acostumada. Pensar de forma filosófica é um exercício do espírito, é procurar por um caminho criativo que produza mais perguntas do que respostas pragmáticas, isto é, utilitaristas. Neste trabalho, apresentaremos uma visão da história da Filosofia, mostrando o pensa- mento de diversos filósofos no decorrer da história da Filosofia sobre os grandes temas do pensamento filosófico. Vale ressaltar que, em hipótese alguma, este trabalho tem a pretensão de ser um tratado filosófico, nem mesmo pretende expor de forma pormeno- rizada o pensamento de um filósofo ou um dos temas aqui tratados. Contudo, o estudo dos temas e filósofos aqui trabalhados abre caminhos para o que o estudante se apro- APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO À FILOSOFIA funde no pensamento de um determinado Filósofo ou então de um tema específico aqui trabalhado. Como introdução à Filosofia, o trabalho que você tem em mãos é um guia que o(a) conduzirá pela história da Filosofia, desde a Filosofia antiga até a Filosofia contemporânea. Entendemos que a formação do pensamento filosófico deve passar pela história da Filosofia, como já pensava Hegel. Mesmo que, para Kant, não seja possível ensinar Filosofia, mas somente ensinar a filosofar, entendemos que a junção do pensamen- to hegeliano e kantiano são a base para a construção de todo o processo do filoso- far. Você verificará, a partir deste trabalho, que a formação do pensamento humano passa pelo conhecimento filosófico, quer seja na teoria do conhecimento, pelo es- tudo da formação das ideias, pela ética, pela política ou, ainda, pela Filosofia da arte. Percorrer a história da Filosofia é, portanto, percorrer a história do homem (ser hu- mano), porém com um espírito crítico, como já dizia Hegel: a Filosofia é como a coruja de Minerva (deusa romana, versão da deusa grega Athena, símbolo da Fi- losofia), que alça voo ao entardecer, isto é, a Filosofia como a coruja de Minerva só aparece depois que a história acontece. Dessa forma, depreende-se que a função do filósofo é criticar a história, logo depois que os fatos aconteceram. No decorrer deste trabalho, você perceberá que todo o filósofo é fruto de seu tem- po. A cada unidade, veremos que os filósofos estão tratando sobre assuntos diver- sos: sobre o conhecimento, ética, política ou estética, sempre a partir da realidade dos problemas enfrentados dentro do contexto social em que eles estavam inseri- dos. Vale salientar também que muitos filósofos foram pensadores extemporâneos, ou seja, escreveram sobre problemas de seu tempo, mas não foram compreendidos pelos seus contemporâneos, daí a necessidade de um estudo meticuloso sobre seus escritos. Boa leitura, e que a busca pelo conhecimento, como a etimologia do próprio ter- mo Filosofia expressa (do grego: philo; amigo e sophia; sabedoria), seja um alvo a ser perseguido por cada acadêmico desta universidade. Espero que este livro sirva de inspiração para muitos na busca incessante pela sabedoria e, em especial, pela Filosofia. APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO 15 Introdução 16 A Passagem do Mito à Filosofia 20 Os Pré-Socráticos 23 Sócrates, Platão e Aristóteles 26 Considerações Finais UNIDADE II FILOSOFIA E CONHECIMENTO 33 Introdução 34 Platão e o Mundo das Ideias 40 A Metafísica Aristotélica 43 Filosofia Patrística e Escolástica 47 René Descartes e a Filosofia Moderna 49 O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume 54 O Idealismo Alemão: Kant e Hegel 63 Positivismo: Auguste Comte e a Física Social 68 A Escola de Frankfurt 71 Considerações Finais SUMÁRIO UNIDADE III ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO 77 Introdução 78 Ética e Moral: Um Problema Filosófico 80 Aristóteles e a Ética a Nicômaco 82 Concepção de Liberdade em Espinosa 84 Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo 87 Concepção de Liberdade em Sartre 90 Nietzsche e a Transvaloração de todos os Valores 93 Considerações Finais UNIDADE IV CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA 99 Introdução 100 Os Gregos e a Invenção da Política 104 A Igreja e o Estado na Idade Média 109 Os Filósofos Contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau 119 Nicolau Maquiavel e a Obra O Príncipe 121 A Concepção de Hegel sobre o Estado 127 Karl Marx: Conflitos entre a Burguesia e o Proletariado 138 Liberalismo e Neoliberalismo no Mundo Contemporâneo 142 Considerações Finais SUMÁRIO 11 UNIDADE V FILOSOFIA E ARTE 149 Introdução 150 Filosofia e Arte: Introdução e Conceitos 154 A questão do Belo em Platão 157 O Problema do Gosto no Pensamento de Hume 159 Kant e a questão do Juízo em Estética 160 Conceitos de Estética em Hegel 163 Educação pela Arte numa Perspectiva Social 171 Conclusão 173 Referências U N ID A D E I Professor Me. Jonas Silva Faria INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer as origens da Filosofia na Grécia antiga. ■ Compreender o processo de ruptura entre mito e Filosofia. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A passagem do Mito à Filosofia ■ Os filósofos pré-socráticos ■ Sócrates, Platão e Aristóteles INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, estamos iniciando o caminho para o aprendi- zado da Filosofia. O primeiro passo será dado com uma visão panorâmica da Filosofia Antiga, mais precisamente na Grécia Antiga, que é o berço da Filosofia, conforme a maioria dos historiadores da Filosofia. As reflexões históricas sobre as origens da Filosofia nos indicam o caminho pelo qual os primeiros filósofos perscrutaram para que fosse possível uma rup- tura entre o Mito e Filosofia. O Mito, até então uma verdade absoluta, passa a ser questionado pelos filósofos que não estão mais interessados no surgimento dos deuses e, assim, começam a indagar de forma reflexiva sobre o princípio origi- nário de todas as coisas (Arché). Contudo, foi somente com Sócrates que a Filosofia se consolida como um saber racional, isto é, os filósofos de então passam a indagar sobre os problemas existenciais do ser humano “aqui e agora”, ou seja, não interessava mais saber sobre a origem dos deuses (Teogonia) ou do universo (Cosmogonia), esquecendo- se dos problemas da vida, inerentes a todo ser humano. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 15 ©shutterstock INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E16 A PASSAGEM DO MITO À FILOSOFIADizem que a palavra filósofo foi inventada por Pitágoras no século V a.C. Ele era reverenciado como sábio (sofós, em grego), mas, como era um tanto modesto, dizia-se quando, muito, um amigo do saber (de fi- los, que significa amigo, amante – vem de filia, amizade – e sofia, sabe- doria, saber), cunhando a palavra filósofo. Só mais tarde surgiu a pala- vra Filosofia, para designar a atividade daqueles que se caracterizavam como filósofos (GALLO, 2012, p.15). A Passagem do Mito à Filosofia Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 17 O caminho para a aprendizado de Filosofia é árduo, porém, muito gratificante. Segundo Reale (2012, p. 15), o filósofo Aristóteles começa a obra intitulada “Metafísica” dizendo que todos os homens por natureza tendem ao saber. Tal busca faz parte da cultura e natureza do ser humano. Desde seus primórdios, o homem buscava explicações para todos os fenômenos da natureza, mas nem sem- pre conseguia respostas satisfatórias para as perguntas relacionadas aos fenômenos da natureza e muito menos para as questões de caráter existencial. A maneira mais fácil para encontrar tais respostas foi buscando explicações míticas, uma vez que estas são “verdades absolutas”, ou seja, o Mito não exige explicações, já que ele é uma verdade fundamentada na fé do indivíduo ou do grupo no qual o indivíduo está inserido. As respostas eram sempre buscadas nas teogonias e kosmogonias, isto é, os homens estavam mais preocupados com o nascimento do cosmos e dos deuses do que com os próprios problemas relacionados aos seus espaço e tempo ime- diatos (aqui e o agora). A origem dos termos cosmogonia e teogonia é grega. A raiz etimológica desses termos é: Kosmos, que significa ordem, decência; logo, ordem do universo. Gonia vem de um verbo grego gennao, que significa gerar, dar a luz, produzir, desenvolver, fazer crescer. A expressão Teogonia, por sua vez, tem sua origem nos seguintes vocábulos gregos: theós, que significa Deus, e gonia que, conforme exposto acima, está relacionado ao nascimento. Portanto, teogonia significa o nascimento de Deus ou dos deuses, haja vista que os gre- gos eram politeístas. Em suma, de acordo com Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins, ainda que o Mito seja também uma forma de compreensão da realidade, sua fun- ção é, primordialmente, acomodar e tranquilizar o ser humano em um mundo assustador. Entre as comunidades “primitivas”, o mito se constitui um discurso de tal força que se entende por todas as dependências da realidade vivida; não se restringe apenas ao âmbito do sagrado (ou seja, da relação entre a pessoa e o Divino), mas permeia todos os campos da atividade huma- na. Por isso, os modelos de construção mítica do real são de natureza sobrenatural, isto é, recorre-se aos deuses para compreender a origem e a natureza dos fatos [...] (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 72). INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E18 Portanto, pode-se depreender daqui que o Mito não é lenda ou fantasia, mas verdade, porém uma verdade intuída, centrada não na razão mas na intuição, logo, dependente da fé. Para esclarecer o significado do Mito, transcrevo as palavras de Junito de Souza Brandão: É necessário deixar bem claro, nesta tentativa de conceituar o Mito, que o mesmo aqui não tem conotação usual de fábula, lenda, invenção, ficção, mas a acepção que lhe atribuíam e ainda atribuem as sociedades arcaicas, as impropriamente denominadas de culturas primitivas, onde o Mito é um relato de um acontecimento ocorrido no tempo primor- dial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais. Em outros termos, mito, consoante Mircea Eliade, é o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios, illo tempore, quando, com a in- terferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou vegetal, um comportamento humano. Mito é, pois, a narrativa de uma criação: conta-nos de que algo, que não era, começou a ser. (...) Talvez se pudesse definir o Mito, dentro do conceito de Carl Gustav Jung, como a conscientização dos arquéti- pos do inconsciente coletivo, quer dizer, um elo entre o consciente e o inconsciente coletivo, bem como as formas através das quais o incons- ciente se manifesta. Compreende-se por inconsciente coletivo a herança das vivências das gerações anteriores. Desse modo, o inconsciente coletivo expressaria a identidade de todos os homens, seja qual for a época e o lugar onde tenham vivido (BRANDÃO, 2010, p. 37-39). Conforme visto anteriormente, o Mito teve sua importância durante vários séculos ou milênios. Porém, com a invenção da escrita, o surgimento da moeda e a consolidação da democracia, fez-se necessário que o conhecimento transmi- tido de forma oral desse lugar a uma forma racional e sistematizada no processo do conhecimento e desenvolvimento humano. Assim, diante da pergunta: “O que é Filosofia?” temos também outra questão: para que serve a Filosofia? Perguntar para que serve ou que utilidade têm as ciências é parte da cultura do ser humano. Ante ao questionamento “para que Filosofia?”, deve-se primei- ramente compreender o que é Filosofia. Segundo Hegel (1995, p. 46), o nome de Filosofia foi dado a todo o saber que se ocupou do conhe- cimento da medida fixa e do universal, no mar das singularidades em- píricas, e do necessário, das leis, na desordem aparente da multidão A Passagem do Mito à Filosofia Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 19 infinita do contingente; e com isso, ao mesmo tempo, tomou seu conte- údo do próprio intuir e perceber do exterior e do interior, da natureza presente como do espírito [também] presente, e do coração do homem. Observamos, então, que o questionamento “para queFilosofia?” nos leva a dizer que filosofar é problematizar um pensamento, reconstruí-lo para poder com- preendê-lo. A Filosofia nos leva à compreensão da história, visto que um pensar filosófico aumenta a nossa compreensão a respeito de nossa própria história a par- tir dos seus problemas, como nos diz Mário Ariel González Porta (2002, p. 85): A Filosofia possui algo que poderíamos chamar de ‘coluna vertebral’. Embora nela haja muitas coisas que ‘posso’ não saber, há outras que não posso deixar de saber. A esta categoria do imprescindível perten- cente à existência de mudanças decisivas, de um verdadeiro fio condu- tor composto por Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel e, talvez, Wittgenstein, Husserl e Heidegger. Assim como devemos focalizar, de- vemos hierarquizar”. [...] “Não se trata de saber muitas coisas ‘sobre’ Descartes ou Platão; trata-se de saber por que Descartes é Descartes ou Platão é Platão. Por conseguinte, a Filosofia está incumbida de olhar a história com uma visão crítica-histórica, isso está explícito numa frase de Hegel: “Um grande homem condena os seres humanos a explicá-lo”. Essa é a função da Filosofia: não importa o que podemos fazer com ela, mas sim o que a Filosofia pode fazer por nós, no tocante à formação da nossa consciência filosófica. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E20 OS PRÉ-SOCRÁTICOS A Filosofia nasceu na Grécia antiga por volta dos séculos VII e VI a.C. e, de acordo com historiadores da Filosofia, Tales de Mileto foi o primeiro filósofo. Os primeiros filósofos, também conhecidos como pré-socráticos,não mais compre- endem o mundo como cosmogonias ou teogonias; eles buscam por um princípio Arkhé do qual todas as coisas são constituídas. A essa maneira de compreensão do mundo chamamos de Cosmologia, isto é, eles procuram uma racionalidade constitutiva do cosmos (Universo). Segundo a professora Marilena Chauí (2010, p. 49), “a Cosmologia não admite a criação do mundo a partir do nada, mas afirma a geração de todas as coisas por um princípio natural de onde tudo vem e para onde tudo retorna”. Ao se consolidar como um saber racional, Filosofia rompe com o mito, não de forma abrupta e radical como se acreditava, mas de forma gradual, ou seja, aos poucos o saber filosófico vai se solidificando e consolidando seu próprio método, donde surge então o processo do filosofar. A metodologia do estudo da Filosofia deve estar centrada na ideia da pro- blematização, que é a coluna vertebral do processo do Filosofar. Conforme Silvio Gallo (2012, p.14), “o melhor meio para se aproximar da Filosofia é fazer pergun- tas. Só que não são perguntas/questões, são perguntas/problemas. São perguntas Os Pré-Socráticos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 21 de caráter reflexivo, ou seja, o pensamento dentro de uma ação humana que per- mite uma tomada de atitude dos homens diante dos acontecimentos da vida”. Filosofar é não mais aceitar, de forma ingênua, as coisas e o mundo como eles nos são apresentados. Além disso, dar importância à questão do processo do filosofar não é neces- sário apenas para entender um filósofo em particular, mas também para perceber a dinâmica própria do movimento filosófico ao longo da história. Não podemos entender a Filosofia se a reduzirmos a um ponto de vista diverso, já que a exata fixação do problema é o elemento essencial para precisar o sentido do filosofar. Portanto, filosofar é pensar de forma racional e lógica, é ver o mundo por diver- sos ângulos possíveis. A ruptura entre Mito e Filosofia está diretamente ligada ao período cosmo- lógico, também conhecido como período Pré-Socrático, ou seja, período no qual viveram os filósofos que antecederam a Sócrates. Os principais filósofos Pré- Socráticos são: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitágoras de Samos, Xenófones de Colofão, Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia, Melisso de Samos, Empédocles de Agrimento, Filolau de Crotona, Arquitas de Tarento, Anaxágoras de Clazômenas, Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera. Os filósofos pré-socráticos ou primeiros filósofos escreveram pouco e a maior parte do que escreveram não chegou até nós, a não ser por pequenos frag- mentos inseridos em obras escritas séculos posteriores ao deles. No período da Renascença, os humanistas, motivados pela incessante busca e retorno aos clás- sicos, descobriram e traduziram muitos dos escritos que chegaram até nós. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E22 Tales de Mileto. Segundo uma tradição, que remonta aos próprios gregos antigos, o pri- meiro filósofo teria sido Tales de Mileto. As datas a respeito de sua vida são incertas, sabendo-se, porém, com segurança, que ele viveu no período compreendido entre o final do século VII e meados do século VI a.C. Famoso como matemático, alguns historiadores consideram que sua colocação pe- los antigos entre os “sete sábios da Grécia” deveu-se principalmente a sua atuação política: teria tentado unir as cidades-Estados das Ásia Menor numa confederação, no intuito de fortalecer o mundo helênico diante das amea- ças de invasões de povos orientais. Para a história da Filosofia, a importância de Tales advém sobretudo de ter afirmado que a água era a origem de todas as coisas. A água seria a physis, que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de “fonte originária” quanto a de “processos de surgimento e de desenvolvimento”, correspon- dendo perfeitamente a “gênese”. Segundo a interpretação que dará Aristó- teles séculos mais tarde, teria tido início com Tales a explicação do Universo através da “causa material” (SOUZA,1991, p. XV-XVI). Sócrates, Platão e Aristóteles Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 23 SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES Segundo os historiadores da Filosofia, Sócrates nasceu em Atenas por volta de 470/469 a.C. e morreu em 399 a.C. Sócrates era filho de Sofrônico e de Fenarete, parteira. Com a mãe, ele aprende a arte de partejar, fato que o levaria à teoria da maiêutica ou parto das ideias, que veremos na unidade II. Seu método de ensino consistia na ironia, o que despertava o ódio de seus conterrâneos. Foi acusado de corromper os jovens e de introduzir novos deuses em Atenas, por isso foi jul- gado e condenado à morte. Sócrates não deixou nada escrito, tudo o que sabemos sobre sua vida foi registrado por seu discípulo, Platão, por Xenofonte e por seu principal “inimigo” Aristófanes. Sócrates morreu no mês de fevereiro do ano 399 a.C. Condenado à morte, teve como fim beber uma taça de cicuta, um triste fim para um dos maio- res filósofos de todos os tempos. Diferentemente de Sócrates, Platão escreveu muitas obras em forma de diálo- gos. Platão nasceu em Atenas, por volta de 427 a.C. De família aristocrática, estava ligado pelo lado materno a grandes figuras do mundo político ateniense de sua época. Sua mãe descendia de Sólon, o grande legislador, e era irmã de Cármides e prima de Crítias, dois dos trinta tiranos que dominaram a cidade durante algum tempo. Seu nome era Arístocles, mas devido ao seu vigor físico ou à largura de sua testa ou ombros, recebeu o apelido de Platão (do grego platôs, largueza ou extensão). INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E24 Quando tinha aproximadamente 20 anos de idade, Platão conheceu Sócrates, do qual tornou-se discípulo e, por sinal, seu mais ilustre discípulo. Em Atenas, Platão fundou uma academia nos famosos jardins de Academus, um herói grego. De acordo com os historiadores da Filosofia Reale e Antisseri (2007, VL1, p. 127), as obras de Platão podem ser divididas da seguinte maneira: I: Eufríton, Apologia de Sócrates, Críton, Fédon; II: Crátilo, Teeteto, O Sofista, A Política; III: Parmênides, Filebo, O Banquete, Fedro; IV: Alcebíades I, Alcebíades II, Hiparco, Os Amantes; V: Teages, Cármides, Láqués, Lísis; VI: Eutidemo, Protágoras, Górgias, Menon; VII: Hípias menor, Hípias maior, Ion, Menexeno; VIII: Clitofonte, A República, Timeu, Crítias; IX: Minos, As Leis, Epinome, Cartas. A grande tríade da Filosofia antiga se completa com o brilhante aluno de Platão, Aristóteles, da cidade de Estagira. Nasceu por volta do ano 384 a.C., numa colônia de origem jônica na Macedônia. Era filho de Nicômaco, médico do rei Amintas II, o qual era pai de Felipe e avô de Alexandre o Grande. Aristóteles era muito jovem quando seu pai morreu. Por volta de 366/365 a.C., e com apenas 17/18 anos, Aristóteles entrou para a Academia de Platão em Atenas, permanecendo nela por 20 anos, a princípio como aluno, no entanto, com o destaque que teve, tornou-se professor até o ano 348/347, ano da morte de Platão. Por ser filho de médico, Aristóteles tomou gosto pelos conhecimentos empíricos relacionados às ciências da natureza, conhecimentos que com maestria trabalhou, da mesma forma que logrou êxito nos estudos e escritos sobre Metafísica. Denis Huisman(2001, p. 63), autor do Dicionário dos Filósofos, citando Hegel, assim resume Aristóteles como pensador empírico positivista: Segundo Hegel, Aristóteles foi o pensador da “empiria” total: subme- teu todos os aspectos do universo ao jugo do conceito, foi “fundador da maioria das ciências”. Digamos, que foi pelo menos um prodigioso organizador do saber, a um só tempo preocupado com a generalização, sem a qual não há ciência possível, e capaz de respeitar as diferenças Sócrates, Platão e Aristóteles Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 25 que não só distinguem os indivíduos como também impedem de re- duzir uns aos outros os grandes gêneros de fenômenos e, consequente- mente, as ciências que os estudam. Aristóteles foi tutor de Alexandre o Grande e, com certeza, teve grande influência sobre o grande conquistador filho de Felipe da Macedônia no que diz respeito à unificação das cidades gregas. Contudo, é possível que Aristóteles nunca tenha compreendido a ideia de Alexandre em helenizar os bárbaros. Em meados de 335/334 a.C., Aristóteles fundou em Atenas o grande Liceu, também conhecido como Perípatos (passeio, em grego), uma vez que Aristóteles costumava ensi- nar andando pelos jardins do Liceu, fato que cognominou seus discípulos de “peripatéticos”. Dentre as inúmeras obras de Aristóteles, as que chegaram até nós foram anotações de seus discípulos (com exceção da obra Constituição de Atenas, des- coberta em 1890), as quais mais tarde foram sistematizadas por Andrônico de Rodes por volta do ano 62 a.C. Destacamos aqui as principais obras desse filósofo: ■ A Constituição de Atenas ■ Ética a Nicômaco ■ Ética a Eudemo ■ A Política ■ Órganon ■ Retórica ■ A Poética ■ De anima ■ Metafísica ■ Categorias INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IU N I D A D E26 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), você pode perceber que ao longo desta unidade procuramos evidenciar alguns dados históricos da Filosofia Antiga, desde sua ruptura com o Mito até os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Você aprendeu que o pen- samento filosófico é um encadeamento lógico, ou numa linguagem hegeliana, círculo de círculos, onde o pensamento filosófico caracteriza-se em todos os filó- sofos pela grande pergunta sobre o que é o Ser. Mesmo sendo construído de diferentes formas ou por diferentes teorias, o saber filosófico não é um emaranhado de ideias sem fundamentação, onde todos pensam de forma dispersa, e todo pensamento resulta em Filosofia. Portanto, a construção do saber racional ou filosófico dá-se através da problematização do conhecimento humano dentro de um contexto histórico o qual, ao longo dos séculos e em diversas culturas, sempre se volta para a grande pergunta da huma- nidade, haja vista que o problema do homem é sempre o mesmo, entretanto, visto por ângulos diversos, levando em consideração, nesta perspectiva, o espaço, o tempo, a cultura e o momento histórico. 27 1. Partindo do pressuposto que a Filosofia nasceu na Grécia antiga, o que foi necessário para que houvesse uma ruptura entre Mito e Filosofia? Tal ruptura ocorreu de forma gradual ou abrupta? 2. Defina etimologicamente os termos Cosmogonia, Teogonia e Cosmologia. 3. Por que, segundo Hegel, Aristóteles foi o filósofo da empiria? O OBJETIVO DA FILOSOFIA Quem filosofa dá um passo além do mundo do trabalho cotidiano. O sentido de um passo, porém, é determinado menos pelo ponto de partida que pelo ponto de chegada. Continuamos, portanto, a indagar: para onde vai o filosofante ao transcender o mundo do trabalho? Evidentemente, ultrapassa uma fronteira: que tipo de região é essa que se encontra além da fronteira? E como se relaciona o campo no qual o ato filosófico avança com o mundo que justamente por meio desse ato filosófico é superado e ultrapassado? Será aquele campo o “autêntico” e o mundo do trabalho o ”inautêntico”? Será o “todo” em contraposição à “parte”? A verdadeira realidade em con- traposição a uma realidade meramente aparente ou sombra do real? (...) Como se diferencia uma questão filosófica de uma não filosófica? Filosofar significa, tal como dissemos, voltar o olhar para a totalidade do mundo. É, portanto, a questão filosófica (e somente ela) que tem expressa e formalmente por tema a totalidade do ser, o todo das coisas existentes? Não! Mas, o próprio e o diferenciador de uma questão filosófica é o fato de ela não poder ser formulada, refletida e respondida (na medida em que uma resposta é possível) sem que simultaneamente “Deus e o mundo” entrem no jogo, ou seja, a totalidade daquilo que é (PIEPER, 2014, p. 23; 36). Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR Mediante ao conteúdo visto nesta unidade, formulamos a seguinte questão: é possível chegar à verdade absoluta através do conhecimento filosófico? Introdução à História da Filosofia - Vol. 1 - Dos pré-socráticos a Aristóteles Marilena Chauí Editora: Companhia das Letras Sinopse: O objetivo é oferecer informações básicas sobre a história do pensamento filosófico, dirigidas aos leigos e aos que se iniciam nos estudos de Filosofia. Por seu caráter pedagógico, o livro é um estímulo aos estudantes no exercício do pensamento e pode auxiliar os professores a preencher lacunas bibliográficas na preparação de suas aulas. As modificações introduzidas pela autora foram feitas tendo em conta que o livro, planejado para o ensino médio, passou a ser lido também por alunos das faculdades de Filosofia, assim como de outras áreas universitárias que incluem essa disciplina no currículo. U N ID A D E II Professor Me. Jonas Silva Faria FILOSOFIA E CONHECIMENTO Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender a questão do conhecimento filosófico em diferentes épocas da história da Filosofia. ■ Estabelecer distinção entre conhecimento inato e conhecimento empírico. ■ Compreender o que é racionalismo, empirismo e idealismo. ■ Avaliar a importância do Positivismo na Proclamação da República do Brasil. ■ Definir o que foi a Escola de Frankfurt. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Platão e o mundo das ideias ■ A Metafísica Aristotélica ■ Filosofia Patrística e Medieval ■ René Descartes e a Filosofia moderna ■ O empirismo inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume ■ O idealismo alemão: Kant e Hegel ■ Positivismo: August Comte e a Lei dos Três Estados ■ A Escola de Frankfurt INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade II, vamos estudar a Teoria do Conhecimento a partir de alguns filósofos, os quais consideramos ponto de partida para uma introdução de tal conhecimento. Ressaltamos que esta unidade não tem por fina- lidade ser um tratado minucioso sobre a Teoria do Conhecimento, no entanto, os assuntos e filósofos aqui abordados proporcionam uma visão panorâmica ao estudante, visando à compreensão sobre as origens e a formação das ideias, tão discutidas em toda a história da Filosofia. Começando pelo Ser de Parmênides e o Não-Ser de Heráclito, veremos que a formação das ideias em Platão e a Metafísica de Aristóteles serão, a partir de então, o lema da história da Filosofia, seja na Patrística, Escolástica ou mesmo na Filosofia Moderna e no Idealismo alemão. As diversas correntes filosóficas sobre o problema do conhecimento, seja Metafísica, Empirismo, Racionalismo ou Idealismo, nos ajudarão a entender os diversos momentos históricos da Filosofia, até chegarmos ao Positivismo de August Comte e, mais tarde, à Escola de Frankfurt.Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 33 FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E34 PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS Conforme mencionado na Unidade I, o problema do ser humano sempre foi a busca pelo conhecimento. Desde os pré-socráticos, os filósofos persistiram na busca pelo Arkhé, ou seja, pelo princípio originário de todas as coisas. Aqui, veremos que o filósofo Platão busca resolver um dilema da Filosofia, o “Ser ou Não Ser” já discutido desde os pré-socráticos, especificamente por Heráclito e Parmênides. Para Heráclito de Éfeso, o mundo é um eterno devir, como trans- crito por Marilena Chauí (apud CHAUÍ, 2002, p. 81): Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos (...) Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio: suas águas não são as mesmas e nós não somos os mesmos (...) “tudo flui”, tudo passa, tudo se move sem cessar. O úmido seca, o seco umedece, o quente esfria, o frio esquenta, a vida morre, a morte renasce, o dia anoitece, a noite amanhece, a vigília adormece, o sono desperta, a criança envelhece, o velho se infantiliza. O mundo é um perpétuo nascer e morrer, envelhe- cer e rejuvenescer. Tudo muda, nada permanece idêntico a si mesmo. O movimento é, portanto, a realidade verdadeira. De acordo com Heráclito, o mundo está em constante mudança, nada é fixo ou imóvel. O fluxo do mundo não é um caos, contudo, é uma luta dos contrários. Platão e o Mundo das Ideias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 35 Para Heráclito (SOUZA, 1991, p. 57), “O deus é dia noite, inverno verão, guerra paz, saciedade fome; mas se alterna como fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo o gosto de cada”. O problema heraclitiano é a concilia- ção dos contrários, o que não se coaduna com o pensamento de Parmênides. Por outro lado, para Parmênides de Eleia, o Ser é imóvel e imutável, pois se fosse diferente, isto é, se mudasse, já não seria mais o que é. Na Filosofia de Heráclito, o Não-Ser não existe, a ponto de não poder ser pensado e nem dito. Marilena Chauí (2002, p. 90) observa que a complexidade do pensamento de Parmênides não foi um problema apenas para seus contemporâneos, mas alastrou- se por toda a história da Filosofia tornando-se, desta forma, a grande pergunta filosófica de todos os tempos, conforme podemos ver abaixo: Que está dizendo Parmênides? Que o ser é e o nada não é. Que o ser pode ser pensado e dito. Que o nada não pode ser pensado e nem dito. Que pensar e ser são o mesmo. Que, portanto, o nada é não-ser e impensável. Que dizer e ser são o mesmo. Que, portanto, o nada é não-ser e indizível. A Filosofia de Platão sofre influências de Heráclito e Parmênides. Marilena Chauí (2002, p. 241), citando o diálogo Sofista de Platão, relata que, para o segundo o filósofo grego, é preciso cometer um parricídio, isto é, faz-se necessário matar o pai Parmênides para que seja possível o ato de filosofar, ou seja, matar o pai Parmênides é aceitar o Não-ser. Dessa forma, Heráclito não estaria completa- mente errado, pois Platão também admite a existência do Não-ser. Platão tem como missão buscar a reconciliação entre as teorias de Heráclito e Parmênides. Dessas duas contradições filosóficas surge a famosa teoria das ideias de Platão, âmago de toda a sua Filosofia. Na Filosofia de Platão, nem Heráclito nem Parmênides estão inteiramente equivocados. Heráclito errou em conside- rar que o devir era a totalidade do real. Para Platão, o devir de Heráclito nada mais é do que o mundo sensível, logo, o Não-ser; enquanto que o Ser imóvel de Parmênides está relacionado ao mundo inteligível. FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E36 Conforme Platão, existem dois mundos: um da verdadeira realidade e o outro, o mundo das sombras. O mundo inteligível não tem nenhuma interferência dos sentidos ou opiniões. O mundo sensível é uma sombra, logo, um Não-ser. O Não-ser, segundo Platão, não é o puro nada, pelo contrário, ele é alguma coisa. Ele é o outro do Ser, logo, é diferente do Ser. O Não-ser é aquilo que é inferior ao Ser, uma vez que é o que nos engana, nos ilude, é a causa dos nossos erros. De fato, a questão do Ser e do Não-ser é complexa, mas vamos resumi-la a fim de que se torne mais clara. O que Platão chama de Não-ser, sombras, ilusão, são as coisas do mundo sensível, ou seja, as coisas do nosso mundo. Por outro lado, o que ele chama de Ser são as coisas inteligíveis, as ideias ou o mundo das ideias. As ideias ou o mundo das ideias são a verdadeira realidade e perfeição. O Não-ser não é um puro nada, mas apenas um falso Ser, ou então uma som- bra do Ser verdadeiro. Platão denomina o Não-ser de pseudo-Ser (falso ser). O Não-ser é o sensível, é o mundo em que vivemos. Para sintetizar a teoria platônica sobre o mundo sensível e o mundo inteligí- vel, tomamos como exemplo uma interpretação do Mito da Caverna, contido no livro VII da República (de Platão)1. O mito da caverna é um diálogo Platônico no qual Sócrates e Glauco, de forma dialética, procuram chegar à essência do conhecimento verdadeiro. No mito da caverna, vemos a condição do ser humano preso ao mundo sensível, à ignorância, sem poder libertar-se das amarras nas quais encontra-se preso. É somente pelo conhecimento (filosófico) que o indi- víduo consegue libertar-se da prisão da ignorância. Contudo, ao libertar-se, ele volta à caverna para ajudar os seus amigos que lá permaneceram. Contudo, não será compreendido, pelo contrário, como diz Marilena Chauí (2002, p. 261): Torna-se motivo de zombaria e riso, e correrá o risco de ser morto pe- los que jamais se disporão a abandonar a caverna. Impossível para o lei- tor não identificar a figura de Sócrates na do prisioneiro que se liberta, retorna e é morto pelos homens das sombras. 1 Para uma melhor compreensão da Alegoria da Caverna, veja a leitura complementar ao final desta unidade. Platão e o Mundo das Ideias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 37 Chauí (2002, p. 258) interpreta o Mito da Caverna conforme o esquema abaixo: MUNDO SENSÍVEL MUNDO INTELIGÍVEL Sol Bem Luz Verdade Cores Ideias Ideias Ideias Olhos Alma racional ou inteligência Visão Intuição Treva, cegueira, privação de Luz Ignorância, opinião, privação de verdade No diálogo Teeteto, Platão nos esclarece o método socrático de ensino e apren- dizagem. Trata-se da maiêutica socrática, ou seja, o parto das ideias. Nesse diálogo, Sócrates encontra-se com um jovem cujo nome é Teeteto, apresen- tado a Sócrates por Teodoro, conforme vemos na citação do próprio diálogo (PLATÓN, 2008, p. 33): Teodoro — Efetivamente, Sócrates, vale tanto a pena eu falar como ouvires a respeito de um adolescente que descobri entre vossos conci- dadãos. Se se tratasse de um belo rapaz, teria medo de manifestar-me, para não pensarem que eu o fazia como apaixonado. Porém a verda- de — sem querer ofender-te — é que ele não é nada belo; parece-se contigo em ter o nariz chato e os olhos saltados, aliás em grau menos acentuado. Por isso, falo sem o menor constrangimento. Sabe, pois, que no meio de tantos jovens que até agora conheci — e não têm conta os com que já tenho conversado — não encontrei nenhum com tãomara- vilhosa natureza. A facilidade de aprender como apenas se encontraria em mais alguém, uma docilidade única, associada a singular valentia são qualidades que nunca imaginei pudessem existir ou que ainda ve- nhamos a encontrar. Nesse diálogo, no qual a perscrutação acerca do conhecimento (Episteme) é o centro de todas as discussões, Platão aborda também outra questão, a da remi- niscência (ou rememoração). O papel do filósofo aqui não é o de ensinar, e sim, como o de uma parteira, trazer à luz as ideias adormecidas até então na mente de seu interlocutor. Para tornar mais claro esse pensamento, vamos citar diretamente FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E38 o pensamento do filósofo (Nunes, 2014, p. 10): Sócrates — Eis aí a função das parteiras; muito inferior à minha, Em verdade, não acontece às mulheres parirem algumas vezes falsos filhos e outras vezes verdadeiros, de difícil distinção. Se fosse o caso, o mais importante e belo trabalho das parteiras consistiria em decidir entre o verdadeiro e o falso, não te parece? Teeteto — Sem dúvida. VII — Sócrates — A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulher, porém homens, e de acompanhar as Almas, não os corpos, em seu trabalho de parto. Porém a grande superioridade da minha arte consiste na faculdade de conhecer de pronto se o que a Alma dos jovens está na iminência de conceber é algu- ma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadeiro. Neste particular, sou igualzinho às parteiras: estéril em matéria de sabedoria, tendo grande fundo de verdade a censura que muitos me assacam, de só interrogar os outros, sem nunca apresentar opinião pessoal sobre nenhum assunto, por carecer, justamente, de sabedoria. E a razão é a seguinte: a divindade me incita a partejar os outros, porém me impede de conceber. Por isso mes- mo, não sou sábio não havendo um só pensamento que eu possa apresen- tar como tendo sido invenção de minha Alma e por ela dado à luz. Porém os que tratam comigo, suposto que alguns, no começo pareçam de todo ignorantes, com a continuação de nossa convivência, quantos a divinda- de favorece progridem admiravelmente, tanto no seu próprio julgamento como no de estranhos. O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam nada comigo; neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo, servindo, nisso tudo, eu e a divindade como parteira. E a prova é o seguinte: Muitos desconhecedores desse fato e que tudo atribuem a si próprios, ou por me desprezarem ou por injunções de terceiros, afastam- se de mim cedo demais. O resultado é alguns expelirem antes do tempo, em virtude das más companhias, os germes por mim semeados, e estra- garem outros, por falta da alimentação adequada, os que eu ajudara a pôr no mundo, por darem mais importância aos produtos falsos e enganosos do que aos verdadeiros, com o que acabam por parecerem ignorantes aos seus próprios olhos e aos de estranhos. [...]. [...] Teeteto — Convém saberes, Sócrates, que já por várias vezes procu- rei resolver essa questão, por ter ouvido falar no que costumas pergun- tar sobre isso. Porém não posso convencer-me de que cheguei a uma conclusão satisfatória, como nunca ouvi de ninguém uma explicação como desejas. Apesar de tudo, não consigo afastar da idéia essa questão. Sócrates — São dores de parto, meu caro Teeteto. Não estás vazio; algo em tua Alma deseja vir à luz. Platão e o Mundo das Ideias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 39 Teeteto — Isso não sei, Sócrates; só disse o que sinto. Sócrates — E nunca ouviste falar, meu gracejador, que eu sou filho de uma parteira famosa e imponente, Fanerete? Teeteto — Sim, já ouvi. Sócrates — Então, já te contaram também que eu exerço essa mesma arte? Teeteto — Isso, nunca. Sócrates — Pois fica sabendo que é verdade; porém não me traias; nin- guém sabe que eu conheço semelhante arte, e por não o saberem, em suas referências à minha pessoa não aludem a esse ponto; dizem apenas que eu sou o homem mais esquisito, do mundo e que lanço confusão no espírito dos outros. Para Platão, portanto, o mundo sensível, o nosso mundo, é o mundo das som- bras, das imperfeições, uma vez que pelos nossos sentidos não podemos chegar à verdade nem ao verdadeiro conhecimento. Somente no mundo das ideias é possível chegar ao verdadeiro conhecimento, à ideia do Bem. O sensível, assim como o nosso corpo, é a prisão da Alma, por isso esta deve fugir dele, tornar-se virtuosa, ou seja, assemelhar-se a Deus. Os sentidos só nos permitem conhecer as cópias imperfeitas daquilo que é perfeito no mundo das ideias, isto é, só podemos emitir opiniões (doxa), as quais são sempre contraditórias sobre o verdadeiro conhecimento ou a verda- deira realidade. O mundo dos sentidos, como dito anteriormente, é a prisão na qual estamos detidos, e é preciso, por meio razão (logos), libertar-se dessa pri- são e assim ascender ao mundo das ideias, ou melhor, ao mundo da perfeição. Platão defende a teoria da transmigração das Almas, ou seja, a Alma pode ir e vir do mundo das ideias muitas vezes, encarnando aqui, num processo deno- minado de metempsicose, no qual a Alma pode transmigrar de forma humana, animal ou até vegetal. Em suma, é um assunto complexo, mas tentaremos resumir a teoria da transmigração da Alma nas palavras de Dom Walter Michael Ebejer: Cebes é o primeiro a registrar seus temores de que a Alma, após a morte, pode ficar dispersa e dissipada, como fumaça, no nada (70 A). Como resposta, Sócrates começa invocando a doutrina órfica da trans- migração, que ensina que os vivos vêm dos mortos, como os mortos dos vivos (70 D). Esse nexo da geração recíproca de opostos, partindo FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E40 de opostos, que Sócrates vislumbra manifestamente em todos os seres naturais, e nas qualidades (beleza e feiúra), e nos existenciais (dormir e acordar), dá-lhe o pretexto para o início do seu argumento dos “proces- sos recíprocos”; e assim demonstrar a imortalidade da Alma. [...]. Essa ‘reminiscência’ é muito parecida com o que entendemos com a frase “associação de ideias”, porém com a diferença essencial: que enquanto nós, em virtude de semelhança, ou dessemelhança ou contiguidade, re- memoramos aqueles outros objetos ou acontecimentos deste mundo, a doutrina da reminiscência afirma que vendo, ouvindo, etc. a realidade Física a mente fica imediatamente conscientizada das realidades não Físicas que representam a natureza dos objetos físicos em pauta, mas que são apartadas – as Formas subsistentes (EBEJER, 2010, p. 76-77). A METAFÍSICA ARISTOTÉLICA Todos os homens por natureza desejam o saber. O prazer causado pelas sensações é a prova disto, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, elas nos agradam por elas mesmas, e , mais do que todas as outras, as sensa- ções visuais. De fato, não só para agir, mas mesmo quando nos propo- mos nenhuma ação, a vista é por assim dizer, o que proferimos a todo o resto. A causa disto é que a vista é, por assim dizer, o que preferimos a todo o resto. A causa disto é que a vida é, de todos os sentidos, o que nos faz adquirir mais conhecimentos e nos mostra o maior número de diferenças (ARISTÓTELES, 1969, p. 37). A Metafísica Aristotélica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 41 O termo Metafísica não foicriado por Aristóteles. Acredita-se que sua origem está relacionada aos peripatéticos ou ainda por Andrônico de Rodes no século I a.C. Em Aristóteles, o encontramos como a Filosofia primeira, isto é, a ciência do ser enquanto ser, e por isso tem como finalidade chegar às causas primeiras do ser enquanto ser; ou ainda como Teologia, para se opor a outra ciência empí- rica denominada de segunda, ou Física. Podemos dizer, então, com Martins e Aranha (2004, p. 123), que “Aristóteles traz as ideias do céu à terra”. Diferentemente de Platão, para quem o sensível era inferior ao inteligível, Aristóteles faz agora uma junção dos dois termos e os denomina de substân- cia (ousía), ou seja, uma realidade primeira da qual todos os demais seres são dependentes. A Metafísica de Aristóteles pode ser resumida da seguinte maneira: “Matéria e forma”, “potência e ato”, “particular e universal”, e “motor imóvel e as coisas que são movidas”. A Metafísica se propõe a buscar a causa primeira de todas as coisas. Segundo Aristóteles, quatro são as causas: causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. As duas primeiras são a matéria e a forma com as quais as coisas são constitu- ídas. A causa eficiente diz respeito ao artífice, artesão, aquele que gerou a coisa. A causa eficiente está relacionada ao devir, ou seja, à finalidade para qual a coisa foi feita. A origem do homem está relacionada à matéria (physis) graças ao princípio das causas: matéria e forma, ato e potência, essência e existência, e substância e acidentes, ou seja, das quatro causas. Essa ideia pode ser resumida como segue: ■ Ato: é o que é. ■ Potência: é o que é o que poderá vir a ser. ■ Ato Puro: é o que é o que é não poderá vir a ser de outra maneira. ■ Essência: aquilo que a coisa é. ■ Existência: aquilo que é ou subsiste; ■ Causa primeira daquilo que os demais seres são dependentes, ou seja, é da causa primeira que todas as coisas existentes vieram a ser o que são. ■ Acidente: qualidade que pode pertencer ou não a um determinado sujeito (ex. Ser alto ou baixo não descaracteriza o fato de ser homem). FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E42 Aristóteles trabalha a questão da causa e do movimento sempre buscando pelo princípio ou causa primeira de todas as coisas. Segundo Aristóteles, nós não podemos ficar infinitamente procurando pela causa primeira de todas as coisas. Deve existir um ser que é antes de todas as coisas, logo, a causa da existência de tudo. Para que seja a causa de tudo, nada pode ter existido antes dele, ou seja, ele deve necessariamente ser o primeiro. Para explicar essa teoria, Aristóteles vale-se da teoria do primeiro “Motor imó- vel”. Ele é a causa da existência de todas as coisas. É imóvel, ou seja, por ninguém é movido, mas é a causa do movimento de todas as coisas, é o Deus Aristotélico, não o Deus cristão, criador, mas o Deus que gera, a partir dele, todas as coisas. Esse é o “Motor Imóvel” (...) Mas de que modo o Primeiro Motor pode mover permanecendo absolutamente imóvel? No âmbito das coisas que nós conhecemos existirá algo que saiba mover sem mover ele próprio? Aristóteles responde apresentando como exemplos coisas como “o ob- jeto do desejo e da inteligência”. O objeto do desejo é aquilo que é belo e bom: o belo e o bom atraem a vontade do homem sem moverem-se de modo algum; da mesma forma, o inteligível move a inteligência sem mover-se. Analogamente, o Primeiro Motor “move do mesmo modo como o objeto de amor atrai o amante” e, como tal, permanece absolu- tamente imóvel. Evidentemente, a causalidade do Primeiro Motor não é uma causalidade do tipo “eficiente” (do tipo exercido por uma mão que move um corpo, pelo escultor que modela o mármore ou pelo pai que gera o filho), sendo, mais propriamente, uma causalidade de tipo “final” (Deus atrai e, portanto, move, como perfeição”) (REALE; AN- TISERI, 2007, VL1, p. 186). O Motor Imóvel ou Primeiro Motor consiste em ser o Ato puro, puro pensa- mento, Ser necessário, incorruptível, uma vez que não está ligado nem limitado à matéria, como mais tarde São Tomás de Aquino, o qual cristianiza a Filosofia Aristotélica, afirma categoricamente que o Primeiro Motor é Deus. Filosofia Patrística e Escolástica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 43 FILOSOFIA PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA FILOSOFIA PATRÍSTICA A Filosofia Patrística é um período do pensamento filosófico cristão que ocorreu do século II ao século VII d.C. A Patrística pode ser dividida em três períodos, conforme Abbagnao (2007, p. 868-869): ■ Do século II até o século III, o período dos padres apologistas (Justino, Taciano, Atenágoras, Teófilo, Irineu, Tertuliano, Minúcio Félix, Cipriano e Lactâncio). ■ Do século II até meados do século IV, período de formulação das dou- trinas cristãs. Tem como principais nomes os seguintes Pais da Igreja: Clemente de Alexandria, Orígenes, Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa e Agostinho. ■ Do século V ao século VII - esse período tem como característica a FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E44 formulação e sistematização das doutrinas até então postuladas. Os prin- cipais nomes desse período são: Nemésio, Pseudo-Dioníso, Máximo Confessor, João Damasceno, Marciano Capela, Boécio, Isidoro de Sevilha, Beda, o Venerável. Segundo os historiadores Etienne Gilson e Boehner Philotheus, compreende- se por Filosofia cristã toda Filosofia que, criada por cristãos convictos, distingue entre os do- mínios da ciência e da fé, demonstra suas proposições com razões na- turais, e não obstante vê na revelação cristã um auxílio valioso, até certo ponto moralmente necessário para a razão (GILSON; PHILOTHEUS, 2003, p. 11). A Filosofia Patrística também pode ser dividida como o período que antecede Agostinho, período Agostiniano, e o Período Pós-Agostinho, no qual começa também a decadência da patrística. A Filosofia Patrística está intrinsecamente atrelada à Teologia patrística. Os pais apostólicos (aqueles que foram discípulos imediatos dos apóstolos), os pais apologistas e os pais polemistas foram os defensores da doutrina cristã nos primeiros séculos do Cristianismo. É possível que Justino, o Mártir (século II), tenha sido o maior expoente da época. Justino, que fora um pagão, também foi por um período de tempo adepto da Filosofia Platônica e, como não encon- trou satisfação plena na Filosofia Pagã, converteu-se ao Cristianismo, onde teria encontrado a verdadeira Filosofia (GILSON; PHILOTHEUS, 2003, p. 27-28). Contudo, segundo Paul Tillich (2000, p. 47), faz-se necessário especificar o que Justino realmente compreendia por Filosofia: “Nessa época o termo ‘Filosofia’ se referia a movimentos de caráter espiritual opostos à magia e a superstição”. Para Justino, além da Filosofia Cristã não ser supersticiosa e nem constituída de elementos mágicos, ela era, para ele, a verdadeira Filosofia por ser universal. Apesar da importância de Justino, o Mártir, e de outros filósofos do Cristianismo, Aurélio Agostinho (Santo Agostinho) é, sem sombra de dúvidas, o grande nome da Filosofia Cristã (Patrística Latina) e de toda a era da Patrística ou, por que não dizer, de toda a história do Cristianismo. Agostinho nasceu na África, em Tagasta, no ano 354 de nossa da era cristã, filho de pai pagão (que converteu-se ao Cristianismo no final da vida) e de mãe devota, Filosofia Patrística e Escolástica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Códi go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 45 historicamente conhecida como Santa Mônica. Teve grande influência do Bispo Ambrósio de Milão, do qual no ano de 387 recebeu o batismo. No ano 395, tornou- se Bispo da cidade de Hipona, onde ficou conhecido como Agostinho de Hipona. Na Filosofia, foi influenciado diretamente pelo Neoplatonismo depois de ter deixado o Maniqueísmo. A produção filosófica e teológica de Agostinho é extensa, convém citar aqui apenas as principais obras: ■ Contra os acadêmicos. ■ A Vida Feliz. ■ Os Solilóquios. ■ A Imortalidade da Alma. ■ A Trindade. ■ A Cidade de Deus. ■ Confissões. ■ Sobre o Livre Arbítrio. ■ Filosofia Escolástica Entende-se por Escolástica o período da história da Filosofia que vai do século VIII ao século XV da era Cristã. A Escolástica chega para substituir o sistema monástico. Recebeu o nome de Escolástica por ser o sistema de ensino vigente nas escolas da época. A Escolástica atinge seu apogeu com o seu maior represen- tante, Tomás de Aquino, conhecido historicamente como São Tomás de Aquino. O período denominado de Escolástica pode ser dividido também em Escolástica, em que sobrevive o pensamento platônico-agostiniano fruto da Patrística, e a Alta Escolástica, no qual predomina o pensamento do Aquinate. Os principais nomes dos períodos da Escolástica são: ■ Escolástica: João Scoto; Santo Anselmo da Cantuária; São Bernardo de Claraval; Pedro Abelardo. ■ Alta Escolástica: Alberto Magno; São Boa Aventura; São Tomás de Aquino; Duns Escoto; Mestre Eckhart. FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E46 Conforme mencionado anteriormente, São Tomás foi o mais proeminente filó- sofo da Alta Escolástica. Contudo, vale salientar que isso é questionável, uma vez que a Igreja pode ter priorizado o referido filósofo em detrimento dos outros. Contudo, esse fato é irrelevante neste momento, pois o que pretendemos aqui é apenas expor de forma sucinta parte do pensamento e obras do Doutor Angélico, como ele é conhecido pela Igreja. De acordo com os historiadores da Filosofia, Tomás de Aquino nasceu entre 1224/25 no Reino de Nápoles. Tomás de Aquino foi o grande propagador do aristotelismo de seu tem- po no meio cristão. Vale ressaltar que a Filosofia Aristotélica não era bem vista pela Igreja, devido ao fato de Aristóteles ter sido traduzido e comentado pelos filósofos árabes, principalmente por Averróis. O escritor Manuel Correia de Barros bem resume a causa da guerra da igreja contra os escritos de Aristóteles: Com verdadeiro entusiasmo, os doutores cristãos começaram o estudo do aris- totelismo. Mas os livros de Aristóteles são dum pagão; pela brevidade do estilo, são de compreensão difícil; a sua doutrina aparecia deformada nas traduções árabes; que a interpretavam num sentido totalmente oposto ao Cristianismo. Aristóteles não fala da Criação; disse, ou parece dizer, que Deus não conhece o mundo (BARROS, 1966, p. 31). Por sua vez, o Aquinate, como bom aristotélico, cristianiza as ideias do filó- sofo de Estagira (Aristóteles), enfatizando que o Motor Imóvel é Deus. Para São Tomás, Deus não é o primeiro por ser o número um numa série, mas é primeiro por ser o único imóvel (BARROS, 1966, p. 187). São Tomás também defende que não podemos retroceder ao infinito para chegar a Causa Primeira: Não podemos aqui remontar ao infinito. A existência de cada termo da série está dependente da de todos os anteriores. Suprimindo o pri- meiro – o Primeiro por essência, que existe sem causa, por si mesmo –, suprimem-se todos os outros; e esses outros existem – o mundo existe –; logo, Deus existe (BARROS, 1966, p. 189). René Descartes e a Filosofia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 47 RENÉ DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA René Descartes é considerado o pai da Filosofia moderna. Nasceu em 1596 em La Haye, Touraine. Segundo o professor Paulo Vieira Neto, Descartes participou com Mauricio de Nassau da conhecida Guerra dos Trinta Anos, mas logo aban- dona a carreira militar, passando por Roma até retornar a Paris, já com 30 anos (NETO, 2006, p. 80). Foi educado pelos Jesuítas na escola de La Flèche, para os quais possivelmente sempre foi devedor. Não tinha boa saúde, contudo, era de uma inteligência incomparável. Seu método foi fundamentado na busca pela ver- dade, objetivo pelo qual sacrificou bens como família, pátria e até a vida social. A influência de Descartes foi muito grande, a ponto do grande filósofo G. W. Leibniz (1646 – 1716) referir-se a ele com as seguintes palavras: Eu costumo chamar os escritos de Descartes de ‘vestíbulo da verdadei- ra Filosofia’, já que, embora ele não tenha alcançado o seu núcleo ínti- mo, foi quem dele se aproximou mais do que qualquer outro antes, com a única exceção de Galileu, do qual quisessem os céus que tivéssemos todas as meditações sobre os diversos temas, que o destino adverso re- duziu ao silêncio. Quem ler Galileu e Descartes se encontrará em me- lhores condições de descobrir a verdade do que se houvesse explorado todo o gênero dos autores comuns (REALE; ANTISERI, 2007, VL2, p. 351). A Filosofia de Descartes é também conhecida pela questão da dúvida hiperbólica (exagerada). Na obra “Discurso do Método”, encontramos a seguinte afirmação de Descartes: [...] de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse pri- meiro claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que se apresen- tasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele (CORVISIERI, 1999, p.49). Portanto, Descartes parte do princípio de que se deve duvidar de tudo. Ele duvida “das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do tes- temunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade do seu próprio corpo” (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 131). A série de dúvidas de Descartes FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E48 é interrompida com o “Cogito, ergo sum” (penso, logo existo). Sobre o Cogito, Descartes nos diz: porém logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava ser alguma coisa. E ao notar que esta verdade: eu penso logo existo, era tão sólida que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam ca- pazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da Filosofia que procurava (CORVISIERI, 1999, p. 62). Para Descartes, nossas ideias são dividas em três tipos: ■ Ideias Inatas: que são aquelas que já nascem comigo. ■ Ideias Adventícias: são as ideias que provêm do mundo exterior. ■ Ideias Factícias: são as ilusões da mente. As principais ideias são as inatas, uma vez que elas são claras e distintas, logo, não sujeitas a erros. As ideias inatas são o Cogito (res cogitans – coisa pensante), a ideia de Deus, a imortalidade da Alma e a ideia de extensão e movimento. A certeza de que existo e que existe um mundo fora de mim só pode ser verda- deira porque existe um Deus, que é eterno e infinitamente bom. Logo, se Deus existe, e é infinitamente bom, ele não me engana e é a garantia de que as coisas pensadas são verdadeiras e reais. Portanto, não há dúvidas, eu tenho um corpo, logo, eu existo. Conforme Descartes,a ideia de Deus só pode existir em mim, ser imper- feito e finito, se um outro ser, perfeito e infinito, tivesse colocado em mim tal ideia. Essa ideia (de Deus) não pode ser fictícia porque foge à minha capacidade retirar ou acrescentar alguma coisa a ela. Também não pode ser adventícia por- que não a recebi através dos meus sentidos. Portanto, ela só pode ser inata, uma vez que ela existe em mim desde que fui criado por Deus, pois de outra forma, segundo Descartes, ela não existiria. O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke E David Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 49 O EMPIRISMO INGLÊS: FRANCIS BACON, JOHN LOCKE E DAVID HUME FRANCIS BACON Estas três coisas (a arte da impressão, a pólvora e a bússola) mudaram a situação do mundo todo, a primeira nas letras, a segunda na arte militar, a terceira na navegação; provocaram mudanças tão infinitas que nenhum império, nem seita, nem estrela parece ter exercido maior influência com mais eficácia sobre a humanidade do que essas três invenções ( REALE; ANTISERI, 2007, VL 2, p. 319). O filósofo empirista Francis Bacon nasceu em Londres, em 1561. Segundo Antonio Rezende, o método utilizado por Bacon, bem como pelos demais filósofos empi- ristas, é conhecido como método experimental (REZENDE, 2005, p. 118). Novo FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E50 Organum é a obra mais conhecida de Bacon, na qual o filósofo trata das questões pertinentes ao método indutivo científico que, por sua vez, tem como objetivo a construção ou interpretação das ciências da natureza. Entre as atividades exerci- das por Bacon consta que ele foi jurista, parlamentar, guarda dos selos, chanceler e Visconde de Saint-Albans (HUISMAN, 2001, p. 105). A Filosofia de Bacon tem como finalidade instaurar uma ciência prática, logo, é preciso transpor os conceitos filosóficos medievais baseados mais na razão do que na observação. Contudo, vale ressaltar que, para Bacon, nem todas as expe- riências são válidas, sendo válidas as experiências bem guiadas, caso contrário, elas serão de todo vagas. A Filosofia de Bacon, no entanto, não deve ser conside- rada tecnicista, já que para ele a ciência só é valida se posta a serviço “do ideal da caridade e da fraternidade” (REALE; ANTISERI, 2007, Vl2, p.347). Portanto, em questões de ética, Bacon defende a ideia de que o indivíduo pode e deve progre- dir, sem deixar de ser humano, ou seja, a função da ciência deve estar centrada na transformação social do ser humano, com base no conceito da fraternidade. Empirismo é uma “corrente filosófica para a qual a experiência é critério ou norma de verdade, considerando-se a palavra ‘experiência’ no significado: Em geral, essa corrente caracteriza-se pelo seguinte: negação do caráter absoluto da verdade ou, da verdade acessível ao homem; reconhecimento de que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Portanto, o Empirismo, não se opõe à razão ou a nega, a não ser quando a razão pretende estabelecer verdades necessárias, que valham a pena em absoluto, de tal forma que seria inútil ou contraditório submetê-las à prova” (ABBAGNANO, 2007, p. 377-378). O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke E David Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 51 JOHN LOCKE John Locke (1632 - 1704) era filho de um pequeno proprietário e advogado da cidade de Wrington, próximo a Bristol. Quando Locke tinha dezesseis anos começou a guerra civil, e o pai dele alistou-se no exército que apoiava o governo. Locke foi um filósofo inglês de grande influência no século XVII, sendo consi- derado o sucessor de Tomas Hobbes.2 Para Locke, nós temos ideias simples e ideias complexas (compostas). A formação das ideias complexas se dá a partir das ideias simples, as quais são provenientes dos nossos sentidos. As ideias simples podem ser impressões de sensação, ou seja, são aquelas que vêm de fora, são externas, porém me afetam porque são captadas através dos órgãos dos sentidos, conforme podemos ver nas palavras do filósofo: Para melhor conceber as ideias que recebemos da sensação, não nos parece impróprio considerá-las com referência aos diferentes meios pelos quais elas se aproximam de nossas mentes e tornam-se por nós percebíveis. Primeiro, algumas entram em nossas mentes por um único sentido. Segundo, outras transportam-se à mente por mais de um sentido. 2 Para saber mais sobre a Filosofia política de Hobbes, ver a unidade IV deste livro. FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E52 Terceiro, outras derivam-se apenas da reflexão. Quarto, algumas abrem caminho, e são sugeridas à mente, por todos os meios da sensação e da reflexão (AIEX , 1978, p. 166). Diferentemente de Descartes, o qual, como vimos anteriormente, defendia a exis- tência de ideias inatas, para Locke, não existem ideias inatas nem mesmo a ideia de Deus é inata para o referido filósofo, uma vez que há povos que não conhecem ou não têm uma palavra para designar Deus e não possuem nenhuma religião. Além de tais povos, as crianças e os idiotas (pessoas com algum tipo de defici- ência mental) não possuem nenhuma ideia inata sobre a divindade. Portanto, Locke não aceita a teoria das ideias inatas (AIEX, 1978, p. 146). Para Locke, se afirmarmos que as impressões estão na mente, mas que o indivíduo não as conhece, é a mesma coisa que reduzir essas impressões a nada. Segundo o filósofo supracitado, é possível que um homem viva muitos anos sem jamais conhecer algumas verdades que sua mente seria capaz de conhecer. Portanto, Locke conclui que “ninguém jamais negou que a mente seria capaz de conhecer várias verdades. Afirmo que a capacidade é inata, mas o conhecimento, adquirido” (AIEX, 1978, p. 146). Segundo Locke, todas as nossas ideias derivam da reflexão, logo a experi- ência dos objetos externos chegam até nós pelos nossos sentidos, isto é, pela sensação. Contudo, as experiências internas chegam até nós pela reflexão. Para Locke, a nossa mente é como uma tábula rasa (folha em branco): à medida que a nossa mente recebe as informações, seja pela sensação ou pela reflexão, ela forma, a partir das ideias simples, as ideias complexas, que são ativadas em nós pela experiência. De acordo com Locke, o entendimento não tem o menor vislumbre de quaisquer ideias se não as receber de uma das fontes. Os objetos externos suprem a mente com as ideias das qualidades sensíveis, que são todas as diferentes percep- ções produzidas em nós, e a mente supre o entendimento com ideias através de suas próprias operações (AIEX, 1978, p. 146). O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke E David Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 53 Locke ainda prossegue: Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conheci- mento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento estánela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes, que são por nós mes- mos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos entendi- mentos com todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento jorram as nossas ideias, ou as que possivelmente termos (AIEX, 1978, p. 159). Portanto, segundo Locke, as ideias estão na nossa mente, mas são produto e influ- ências das coisas externas absorvidas pelos nossos sentidos. Sobre a existência de Deus, o filósofo empírico considera que ela é certa, muito mais do que os nossos sentidos nos manifestam (REALE; ANTISERI, 2007, p. 510-520). A seguir, faze- mos menção de uma citação de Locke feita por Reale e Antiseri (2007, p. 525), a qual salienta a fé de tal filósofo: A Sagrada Escritura é e sempre será o guia constante do meu assenti- mento. E eu sempre lhe darei ouvidos, porque ela contém a infalível verdade sobre as coisas da máxima importância. Se pudesse, gostaria de dizer que nela não há mistérios, mas devo reconhecer que, para mim, eles existem e temo que existirão. Entretanto, onde me faltar a evidência das coisas, encontrarei um argumento suficiente para que possa crer: Deus disse isto. Portanto, condenarei imediatamente e rejei- tarei toda doutrina minha tão logo se me mostrar que ela é contrária a qualquer doutrina revelada na Escritura. FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E54 O IDEALISMO ALEMÃO: KANT E HEGEL EMMANUEL KANT Esclarecimento é a saída do homem da menoridade pela qual é o pró- prio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio en- tendimento sem direção alheia. O homem é o próprio culpado por esta incapacidade, quando sua causa reside na falta, não de entendimento, mas de resolução e coragem de fazer uso dele sem a direção de outra pessoa. Sapere aude! Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do Esclarecimento ( FIGUEIREDO, 2009, p. 407). O filósofo Emmanuel Kant nasceu em Königsberg, em 22 de abril de 1724, na cidade da antiga Prússia, hoje situada na Polônia (REGO, 2006, p. 149). Como filósofo, destacou-se entre os mais importantes da história da Filosofia3, dei- xando inúmeras obras, dentre as quais podemos destacar: 3 “Imannuel Kant (1724-1804) é um dos filósofos mais lidos e discutidos nos dias de hoje. Suas contribuições abrangem todos os campos do saber, estendendo-se da epistemologia à moral, passando pelo pensamento jurídico-político, estético e antropológico. Dedicou-se a praticamente todos os assuntos em voga em sua época – uma época que ele mesmo definiu como a do Esclarecimento, e da qual somos em grande medida ainda tributários. Daí por que tomar conhecimento da Filosofia kantiana e de sua articulação com o seu tempo constitua uma oportunidade para seguirmos de perto a formação de concepções que orientam nosso próprio modo de compreender a realidade e agir sobre ela. Em suma, voltar a Kant é uma maneira de compreender melhor as ideias e princípios que nos fazem pensar como pensamos” (FIGUEIREDO, 2009, p. 399). O Idealismo Alemão: Kant E Hegel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 55 ■ Crítica da razão pura. ■ Resposta à pergunta: O que é Iluminismo? ■ Fundamentação da Metafísica dos costumes. ■ Crítica da razão prática. ■ Crítica do juízo. ■ A Religião nos limites da razão pura. ■ A Metafísica dos costumes. A obra “Crítica da razão pura” tem a ciência como ponto de partida, e a inter- roga sobre condições de possibilidade do conhecimento científico. De fato, quando a faculdade de conhecer é analisada por Kant nessa obra, observa-se a distinção entre duas formas de conhecimento: o empírico ou a posteriori, e o conhecimento a priori. O conhecimento empírico é aquele que contém a sensa- ção e, assim, pressupõe a presença real dos objetos. Ele se funda na experiência, e esta, em última instância, é um saber baseado nos sentidos. O conhecimento a priori é aquele que não é fundado na experiência, ou seja, ele é independente de toda e qualquer experiência. Para Kant, somente a experiência pode nos dizer como as coisas são, con- tudo, ela não pode dizer que as coisas devem ser sempre dessa maneira, e não de outro modo. Dessa forma, se há um conhecimento que tenha essas qualida- des e seja necessário e universal, então ele não pode ser empírico, logo, deve ser a priori. Para o filósofo de Könisberg, conhecer é dar forma à matéria dada, e esta matéria é a posteriori, enquanto que a forma é a priori. Portanto, o conhecimento depende do objeto, mas a forma é invariavel- mente encontrada em todos os objetos e por todos os sujeitos. Na Matemática e na Física, temos conhecimentos que são, ao mesmo tempo, racionais e objetivos, no sentido de procederem da razão e de se referirem a objetos. A Matemática é um exemplo magnífico de como tão longe conseguimos chegar ao conhecimento a priori, independente da experiência. O problema, para Kant, é saber por que essas ciências podem determinar certos objetos a priori, e por que o mesmo não se dá com a Metafísica. Para Kant, a Metafísica é racionalista, ou seja, vai além da experiência. O FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E56 mesmo se dá com a Matemática, que tem suas verdades baseadas em si mesmas ou demonstradas a partir de verdades evidentes. No entanto, na Matemática isto não se dá da mesma forma que na Física, onde predomina o conhecimento pela experiência, pois, quando os matemáticos demonstram seus teoremas, não o fazem pela experiência, mas pela razão. Ora, se nas Matemáticas a razão conse- gue produzir conhecimentos a partir de si mesma, por que ela não poderia fazer o mesmo na Metafísica? Se a razão não precisa da experiência nas Matemáticas, por que precisaria dela na Metafísica? Segundo Kant, a Matemática nada mais é do que doutrina das formas da intuição pura (espaço e tempo). A Metafísica, pelo contrário, está baseada nas de pensamento, onde o objeto ou matéria de conhecimento pode ser incluído. Essas formas de entendimento são as condições da possibilidade do conheci- mento sintético. O que diferencia os conhecimentos racionais da Matemática e da Física dos da Metafísica é que estes são juízos analíticos e aqueles, juízos sin- téticos a priori. A grande pergunta, no entanto, é: Como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Os juízos sintéticos a priori, segundo Kant, são necessários e universal- mente válidos; limitam-se, todavia, a explicitar o que já está contido no sujeito do juízo. Assim, não permitem o progresso do conhecimento. O juízo analítico é explicativo porque o predicado, aquilo em que o sujeito consiste, é um juízo tautológico e de identidade, porque repete, ou seja, o conceito não pode deixar de ser assim e vale para todos os tempos e lugares, por exemplo: “um triângulo não pode deixar de ser um polígono de três ângulos”. Isto é um juízo em que o predicado não contradiz o sujeito, mas não é um juízo que permita o progresso do conhecimento. Nos juízos sintéticos, o predicado não está contido no sujeito e, por isso, alargam o nosso conhecimento. Contudo, para que os juízos sintéti- cos constituam um autêntico saber, é preciso que sejam objetivos, mas também necessários e universais, isto é, sintéticos a priori. Conforme Kant, um juízo é sintético a posteriori quando não resulta de uma análise do sujeito da proposição, mas lhe acrescenta algo. Embora ampliando o conhecimento, não é um juízo verdadeiramentecientífico, porque estando sujeito a exceções, é sempre contingente e não universal e necessário. Esse tipo de juízo depende da experiência, logo sua validade circunscreve ao momento da O Idealismo Alemão: Kant E Hegel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 57 observação. Contudo, os juízos sintéticos a priori são universais e necessários, sem eles não haverá conhecimento científico. Pela necessidade e universali- dade, têm as vantagens dos juízos analíticos, pela ampliação que conferem ao conhecimento, gozam da vantagem dos juízos a posteriori. No entanto, é neces- sário salientar que os juízos sintéticos a priori se opõem aos analíticos porque aumentam o conhecimento, e também se opõe aos juízos a posteriori porque são universais e necessários, isto é, de validade independente da experiência. Agora, resta-nos esclarecer a questão dos juízos em Kant, respondendo à indagação levantada sobre a seguinte questão: Por que o conhecimento a priori é possível na Física e não na Metafísica? Podemos dizer que, enquanto a Física se propõe a tratar dos fenômenos, a Metafísica pretende tratar das coisas em si (do absoluto). É por isso que a razão cai em contradições, pois ao introduzir a ideia de incondicionado4 na análise regressiva das condições, trata o que é tão somente um fenômeno como se fosse a coisa em si. Para Kant, os juízos sintéticos a priori são diferentes dos juízos sintéticos a posteriori, nestes (a posteriori) a Filosofia não encontra nenhum problema, uma vez que eles são derivados da experiência. Já os juízos sintéticos a priori são construídos a partir da abstração. Os critérios para se chegar a eles são a uni- versalidade e a necessidade. Para Kant, é impossível demonstrar racionalmente a existência de Deus. Somos incapazes de juízos científicos sobre Deus porque ele não ocorre no espaço e no tempo. Juízos científicos devem dizer uma ver- dade que é, ao mesmo tempo, necessária (a priori) e sintética, ou seja, juízos sintéticos a priori que, embora não fundados na experiência sensível, ampliem nosso conhecimento (sinteticamente) e não apenas expliquem (analiticamente). Segundo Kant, apenas são possíveis na Matemática e na ciência natural e não na Metafísica tradicional, que é apenas Metafísica das aparências. A priori é a forma do conhecimento, enquanto que a posteriori é o conteúdo. 4 Incondicionado ou absoluto: Termo usado no sentido filosófico pela primeira vez por Espinosa, com o sentido de certeza absoluta. Porém em Kant, o termo pode significar Absoluto, aquilo que não pode ser alcançado pela razão teórica. Cf. Caygill, Howard. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000, p. 1. “Deus, porquanto escapa todas as limitações do pensamento humano e por isso é inconcebível” (ABBAGNANO, 2007, p. 633). Para Kant a “coisa em si” é um grupo de significados atribuídos a noumena (objetos transcendentes, aquilo que se opõe aos fenômenos sensíveis), “As- sim, a coisa-em-si-mesma não pode ser conhecida, uma vez que o saber está limitado a experiência possível, mas pode ser pensada, desde que satisfaça a condição de um pensamento possível que não seja autocontraditório”. Por- tanto, pra Kant na crítica da razão pura, Deus não pode ser “conhecido”, mas pode ser pensado. Não pode ser conhecido, porque não faz parte do mundo fenomênico, ou seja, não é possível conhecê-lo através de nossos sentidos (CAYGILL, 2000, p. 58). FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E58 HEGEL George Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart (Alemanha), em 1770, e morreu em Berlin, em 1831. Estudou Teologia e Filosofia no seminário da igreja protestante em Wurttemberg, mas desistiu de ser pastor e dedicou-se à Filosofia. Primeiramente, Hegel interessou-se pelos problemas religiosos e políticos, con- tudo, mais tarde simpatizou-se pelo Criticismo e pelo Iluminismo e, em seguida, dedicou-se ao Historicismo Romântico. Em Tubingen, conheceu o poeta Hölderlin e o estudante de Filosofia Schelling. Aproximou-se dos sistemas filosóficos de Fichte e Schelling. Contudo, afastou-se deles mais tarde, após deixar o seminá- rio teológico, chegando até a combatê-los em cursos nas Universidades de Jena, Heidelberg e Berlim. Ainda jovem, nutriu grande admiração pela Revolução Francesa (1789). Hegel “trabalhou como preceptor de filhos de famílias ilustres da época, e depois como professor de Filosofia em um Ginásio em Nuremberg, do qual foi diretor em 1808. Em 1816, foi nomeado para a cátedra de Filosofia da Universidade de Heidelberg e, em 1818, ingressou na Universidade de Berlin, nela permanecendo até a sua morte, vítima de cólera. Pouco antes, em 1829, tinha assumido o cargo de reitor dessa mesma Universidade” (RAMOS, 2009, p. 299). As principais obras de Hegel são: ■ Fenomenologia do Espírito. O Idealismo Alemão: Kant E Hegel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 59 ■ Lógica. ■ Enciclopédia das Ciências Filosóficas. ■ Filosofia do Direito. Para Hegel, a Filosofia é a apresentação do absoluto, e ela reconcilia o infinito ao finito. A Filosofia, na visão de Hegel, tem que deixar de ser um amor ao saber, para tornar-se um saber efetivo. “A Filosofia é uma sistematização do pensamento”, isto é, há uma lógica no pensamento filosófico, ou seja, cada parte da Filosofia é um todo filosófico, um círculo que se fecha sobre si mesmo; porém nelas (as par- tes) a ideia filosófica está numa determinidade ou num elemento particular” (p. 419). O pensamento de Hegel parte do princípio que o tempo é cíclico, ou seja, partimos sempre com a mesma pergunta dos primeiros filósofos a respeito da origem do Ser. Contudo, à medida que a consciência se desenvolve, as questões ficam melhor elaboradas, ou sistematizadas. Logo, para Hegel, o Todo se apresenta como um círculo de círculos, de forma que cada um é um momento necessário, de tal sorte que o sistema de seus ele- mentos próprios constitui a ideia toda, que aparece igualmente singular (HEGEL, 1995, p. 419). Em 1807, aos 37 anos, Hegel publica a obra “Fenomenologia do Espírito”, por muitos considerada a obra mais genial da história da Filosofia, pela originali- dade de sua concepção, pela maestria incomparável no uso de sua dialética e pela elaboração de uma nova linguagem. A cultura de sua época é, então, reor- denada segundo os princípios de sua própria Filosofia. Trata-se, para Hegel, de percorrer o caminho de experiências da consciência, de tal maneira que o desen- volvimento da humanidade mostre o sentido do seu percurso, num saber que o funda e o justifica. A Fenomenologia do Espírito é uma propedêutica enquanto mostra como o saber, passando por suas várias figuras, eleva-se do conhecimento sensível até a Ciência. São etapas de sua formação nas quais a mais elevada contém etapas inferiores, como momentos suprassumidos. Seu percurso assimila as aquisições culturais da História, que em seu tempo foram etapas necessárias ao desenvol- vimento do espírito universal. A Fenomenologia pode também considerar-se como a primeira parte da Ciência, que se caracteriza por estudar o Espírito no FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E60 elemento do “ser-aí” imediato; enquanto as partes subsequentes da Filosofia estu- dam o Espírito em seu retorno sobre si mesmo. A Fenomenologia do Espírito é mais que uma teoria do conhecimento. É o homem integralque a Filosofia estuda e descreve, e a Antropologia de Hegel não é nenhum pouco intelectualista. A predominância do ponto de vista cognitivo, que se traduz pelo fato de a Fenomenologia começar por uma análise do conheci- mento, é apenas uma contingência histórica. Segundo Hegel, contudo, tal História não é um romance, mas uma obra científica. O desenvolvimento da consciência apresenta uma necessidade em si mesmo. Seu término não é arbitrário, embora não esteja pressuposto pelo filósofo, resulta da própria natureza da consciência. A Filosofia de Hegel é famosa por seu sistema dialético. Na Fenomenologia do Espírito, encontramos a famosa dialética hegeliana do “Senhor e do Escravo”, a qual tem grande importância dentro do sistema filosófico de Hegel: Vale a pena investigarmos essa importante parte da Fenomenologia do Espírito. Hegel parte do princípio que toda dialética sobre a luta das consciências de si opostas, sobre a dominação e servidão, supõe a concepção de ambos os termos, o outro e o si. O outro é a vida universal, tal como a consciência de si a descobre, enquanto diferente de si mesma. E o si, em face dessa positividade, é unidade refletida que se tornou pura negatividade. Agora o si se encontra no outro, emerge como uma figura vivente particular, um outro homem para o homem. Ao por a vida em risco, a consciência faz a experiência de que a vida lhe é tão essencial quanto à pura consciência de si; por isso, os dois momentos de início e imedia- tamente unidos se separam. Uma das consciências de si se eleva acima da vida animal capaz de se defrontar com a morte. A outra consciência de si prefere a vida à consciência de si; escolheu, portanto, a escravidão: poupada pelo Senhor, ela foi conservada como se conserva uma coisa. Reconhece o Senhor, mas não é por ele reconhecida. Ambos os momentos, o do si e o do outro, são aqui disso- ciados. O si é o senhor que nega a vida em sua positividade, o outro é o Escravo, ainda uma consciência; porém, não uma consciência da vida enquanto positivi- dade. O escravo é o adversário vencido que não arriscou a vida até o fim, que não adotou o princípio dos senhores, vencer ou morrer. Ele aceitou a vida concedida pelo outro, portanto, depende do outro, mesmo porque preferiu a escravidão à morte e, por isso, ao permanecer vivo, vive como Escravo. O Idealismo Alemão: Kant E Hegel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 61 A relação entre Senhor e Escravo não é um reconhecimento propriamente dito. O Senhor não é o único a se considerar como Senhor, o escravo também o reconhece. Mas esse reconhecimento é unilateral, porque o Senhor não reco- nhece o escravo, sendo assim ele também não se realiza, visto ser reconhecido por alguém que ele não reconhece. Ele só é reconhecido pelos outros, porque tem um escravo, e sua vida de senhor consiste no fato de ele consumir produtos de um trabalho servil, e de viver por esse trabalho. O escravo reconhece desde o início o outro (o Senhor), e basta-lhe impor- se a ele, fazer-se reconhecer por ele, para que se estabeleça o reconhecimento mútuo e recíproco, o único que pode realizar e satisfazer plena e definitivamente o homem. Mas, para que isso aconteça, o escravo deve deixar de ser escravo, ele tem de transcender-se e suprimir-se como escravo. O Senhor não tem desejo, está fixado em sua dominação. Para ele só resta manter-se como Senhor ou mor- rer. O escravo não quis ser escravo, submeteu-se à servidão para não morrer. Ele está aberto à mudança, nada é fixo nele, em seu ser ele é mudança, transcendên- cia, transformação e educação. O Senhor força o escravo a trabalhar. Ao trabalhar, o escravo torna-se Senhor da natureza. Ora, ele só tornou-se escravo do senhor porque, à primeira vista, era escravo da natureza ao se identificar com ela e ao submeter-se às suas leis pela aceitação do instinto de conservação. Quando, pelo trabalho, se torna Senhor da natureza, o escravo liberta-se de sua própria natureza, do instinto que o ligava à natureza e que fazia dele o escravo do Senhor. Ao libertar o escravo da natureza, o trabalho também o liberta de si próprio, de sua natureza de escravo: liberta-o do Senhor. No mundo natural, dado, bruto, o escravo é escravo do Senhor. No mundo técnico, transformado por seu trabalho, o escravo reina ou, pelo menos, reinará um dia, como Senhor absoluto. O homem só atinge a autonomia verdadeira, a liberdade autêntica, depois de ter passado pela sujeição, depois de haver superado a angústia da morte pelo trabalho efetuado a serviço de outrem (que, para ele, encarna essa angústia). O trabalho libertador é, pois, necessariamente, à primeira vista, o trabalho forçado de um escravo que serve um Senhor Todo-Poderoso, detentor de todo poder real. Para Hegel, o encontro do “Senhor e do escravo” não é um encontro amo- roso, mas uma disputa de vida ou morte. O problema estaria na religião, onde o FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E62 homem torna-se escravo de seu adversário porque quer a todo custo conservar-se vivo; da mesma forma, ele se torna “escravo” de Deus quando quer evitar a morte procurando em si, como homem religioso, uma Alma imortal. De outro lado, o homem chega ao dualismo religioso, pois, não podendo realizar sua liberdade aqui na terra, cede ao seu Senhor e fixa sua esperança no transcendente religioso. Para Hegel, o Deus dos judeus, que ele chama o “primeiro imutável”, é ina- cessível. Por causa da ideia de transcendência, a ação do homem religioso não é uma ação verdadeira, e a sociedade religiosa (a igreja) não é um verdadeiro Estado. Sendo assim, o homem não é um indivíduo livre e histórico. A ideia de transcendência tira toda eficácia da ação individual e social do homem religioso. Quando o homem reconhece isso, e espera a salvação através da graça divina, e não através de suas próprias ações, o homem reconhece e aceita a infelicidade como a própria essência de sua existência, que é tanto a fonte como consequên- cia de sua religiosidade. De acordo com Hegel, a única forma de o homem livrar-se dessa infelici- dade, é abandonar a ideia do além. Deve compreender que sua realização efetiva deve realizar-se aqui na terra. Quando o homem compreende tudo isso, ele deixa de ser o homem da consciência de si, que resulta na consciência infeliz, e tor- na-se o homem da razão. A “Fenomenologia do Espírito”, de Hegel, é uma obra na qual a consciência passa por vários estágios, ou seja, ela desenvolve-se desde a certeza sensível até o absoluto, uma vez que só o absoluto é verdadeiro ou, então, só o verdadeiro é o absoluto. O objetivo da consciência é ir sempre além, ou seja, transcender- se como consciência, superar-se a si mesma. O resultado desse processo é o desenvolvimento e amadurecimento do homem no transcorrer da história O movimento transcender-se, de ir além de si, é um processo característico da consciência. Resumimos aqui a questão do absoluto em Hegel com as palavras do Prof. Dr. José Pinheiro Pertille: O conceito “absoluto” desempenha um importante papel na Filosofia de Hegel. A mais visível evidência dessa importância está na posição que essa noção ocupa na estrutura das principais obras hegelianas. Ne- las, o momento do absoluto aparece recursivamente como o aspecto conclusivo da argumentação desenvolvida nos textos maiores do hege- lianismo: a Enciclopédia das Ciências Filosóficas culmina com o “espí- Positivismo: Auguste Comte e a Física Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e feve re iro d e 19 98 . 63 rito absoluto”, a Ciência da Lógica se encerra com a “ideia absoluta” e a Fenomenologia do Espírito conclui-se com o “saber absoluto” (PER- TILLE, 2012, p.3). POSITIVISMO: AUGUSTE COMTE E A FÍSICA SOCIAL O Positivismo foi uma reação ao Idealismo: enquanto o Idealismo buscava interpretar e unificar a experiência mediante a razão, o Positivismo procu- rava manter-se à experiência imediata como fizera o Empirismo5. A função do Positivismo é a firmar as ciências da natureza (biológicas e fisiológicas) como as grandes ciências que poderão solucionar os problemas da humanidade. A Filosofia positivista rejeita toda e qualquer teoria Metafísica, uma vez que tem 5 Segundo João Ribeiro, o Positivismo pode ser definido como: “uma Filosofia determinista que professa, de um lado, o experimentalismo sistemático e, de outro, considera anticientífico todo o estudo das causas finais. Assim, admite que o espírito humano é capaz de atingir verdades positivas ou da ordem experimental, mas não resolve as questões Metafísicas, não verificadas pela observação e pela experiência (RIBEIRO, 1994, p. 15). FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E64 como verdade única os fatos baseados na experiência, ou seja, só é possível conhe- cer o que está na realidade Física.6 O maior representante do Positivismo francês (uma vez que tivemos posi- tivistas ingleses, como John Stuart Mill) foi o filósofo Auguste Comte (1789 - 1857). Comte nasceu em Montpellier, na França. Oriundo de uma família católica, sofreu grande influência de um pastor protestante, o qual foi seu pro- fessor de Matemática7. Aos 47 anos, Comte conheceu a mulher que se tornaria sua esposa, Clotilde de Vaux, por quem o filósofo apaixonou-se platonicamente. Contudo, ela morreu um ano após a união de ambos, mas permaneceu na vida e nos escritos do filósofo de forma tão intensa a ponto de tornar-se venerada na Filosofia positivista e religiosa e nos escritos da velhice de Auguste Comte. 8 A intensidade da paixão de Comte por sua esposa foi demonstrada na obra que dedicou a ela, Sistema de Política Positiva (ou Tratado de Sociologia Instituindo a Religião da Humanidade) (BENOIT, 2006, p.27). Segundo a professora Maria Célia Simon, podemos definir o Positivismo da seguinte forma: O Positivismo, de acordo com Augusto Comte, não é uma corrente fi- losófica entre outras, mas a que acompanha, promove e estrutura o úl- timo estágio que a humanidade teria atingido, fundado e condicionado pela Ciência. Comte usa o termo Filosofia com o mesmo sentido que lhe atribuía Aristóteles, isto é, como sistema geral do conhecimento hu- mano. E o ermo positivo, significando o real, por oposição ao quimé- rico, o útil em oposição ao ocioso, a certeza em oposição à indecisão, o preciso em oposição ao vago. O termo significa, ainda, o contraditório de negativo e indica a tendência de substituir sempre o absoluto pelo relativo. Finalmente, traduz a proposta de organização moral e intelec- tual da sociedade (SIMON, 2005, p. 144). 6 “Comte olha para o progresso social como condicionado pelos concomitantes biológicos dos indivíduos, de tal forma que nenhuma estrutura social é possível sem que esteja previamente determinada nos fatores biológicos, aliás irredutíveis como o são todas as categorias de fenômenos na concepção comtiana. O processo da sociedade é caracterizado, assim, pela incessante especialização das funções, como todo o desenvolvimento orgânico, para maior aperfeiçoamento na evolução dos órgãos particulares” (RIBEIRO, 1994, p. 23-24). 7 É possível que por influência do pastor luterano Daniel Encontre, seu professor de Matemática, que mais tarde ele venha considerar a Matemática como um instrumento para todas as outras Ciências (BENOIT, 2006, p.14). 8 “É assim que vemos tanto no Positivismo, como no catolicismo, a veneração de ‘santos padroeiros’, isto é, os sábios do passado, os grandes religiosos, os heróis ilustres, cuja recordação e exemplo são sempre exaltados; a veneração de Almas que são ‘particularmente próximas’ como a mãe, as irmãs, as filhas, que Comte chama de ‘anjos da guarda’. O Positivista religioso sente-se, assim, rodeado de ‘Almas amadas’, algumas simplesmente protetoras, outras amantes e auxiliares. É a ‘comunhão dos santos’ positivista. Em torno desses ‘santos padroeiros’, de ‘anjos da guarda’, de ‘Almas amigas’, que são uma parte de Grande Ser, a religião da humanidade reservou um lugar à sua padroeira suprema, para a mulher-tipo, para a ‘intercessora privilegiada entre os homens e a humanidade divinizada’ (RIBEIRO, 1994, p. 31-32). Positivismo: Auguste Comte e a Física Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 65 De 1830 a 1842, foram publicados os seis volumes do que pode ser considerada a maior obra de Comte, Curso de Filosofia Positiva. Comte afirma ter desco- berto os três estágios da humanidade: De fato, segundo ele, o espírito humano teria passado por três estados históricos diferentes: o teológico, o metafísico e o positivo, conforme conferimos nas palavras do próprio filósofo: (...) No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, numa palavra, para os conheci- mentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo. No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples mo- dificação geral do primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observados, cuja ex- plicação consiste, então, em determinar para cada um uma entidade correspondente. Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impos- sibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar- se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocí- nio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida en- tre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo nú- mero o progresso da Ciência tende cada vez mais a diminuir (SIMON, 2005, p. 147). Podemos entender que, para Comte, esta divisão dos estados do espírito humano a qual, no estado teológico, o homem atribuía a causa de todas as tragédias e de todos os fenômenos da natureza era como uma ação e interferência dos deuses (do poli- teísmo ao monoteísmo). Por sua vez, no estado metafísico, os homens já buscavam explicação ou, então, buscavam pela origem e causa primeira de todas as coisas. Segundo os historiadores da Filosofia, Comte foi o fundador da Religião da Humanidade (Sociedade Positivista de Paris). Alguns pensam que, no período em que o filósofo escreveu sobre e fundou a referida religião, ele já estava com FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E66 problemas psíquicos, logo, seus escritos nessa época estariam sob a influência de sua doença mental. Desta forma, pode-se considerar que os escritos da chamada “primeira carreira” foram os mais importantes, e por isso consideradosescri- tos da fundação da Filosofia positivista e da Sociologia. Os escritos da segunda carreira, isto é, do período da doença, são considerados de menor importância. A Religião da Humanidade criada por Comte era antropocêntrica, ou seja, colocava o homem no lugar de Deus, e suas bases não estavam centradas em dog- mas cristãos ou na religião revelada, mas sim em supostas verdades sociológicas. “Quando todos – operários, mulheres, artistas – se convertessem, com sólida fé, àqueles dogmas morais, a questão social seria enfim solucionada” (BENOIT, 2006, p. 29). Contudo, Comte inspira-se muito no Catolicismo9 para firmar as bases de sua nova religião, Do Catolicismo ele copia certos dogmas e adapta-os ao seu credo, por exemplo, o culto à mulher10, inspirado em seu grande amor, a quem deve-se atribuir veneração, como se faz no Catolicismo com a Virgem Maria. Além dos dogmas católicos adaptados à religião positivista, um discípulo que o conheceu descreveu-o como uma espécie de São Francisco de Assis, já que na velhice Comte parece ter adotado um estereótipo de monge mendicante. L. O. Benoit narra a seguinte história sobre o filósofo de Montpellier: Conta-se, entre outras coisas, que costumava comer pão seco a fim de pensar nos infelizes que morrem de fome; de manhã alimentava-se com um pouco de leite e, à noite, com um pouco de carne e legumes. Declarou herdeiros de seus poucos bens, para usufruto em vida, Sophie Bliot e seus familiares. Sophie foi sua empregada doméstica (BENOIT, 2006, p.30). No Brasil, a influência positivista também foi marcante, principalmente com Benjamim Constant (1836-1891), e também com Miguel Lemos e Teixeira Mendes. O Positivismo teve forte influência na Proclamação da República, a começar pelo lema da nossa bandeira, Ordem e Progresso, frase genuinamente 9 “Nós não diferimos dos católicos senão em que a nossa unidade se refere à humanidade, ao passo que a deles se refere a Deus” (Carta de A. Comte a seu pai) (RIBEIRO, 1994, p. 40). 10 Auguste Comte, apesar de toda veneração que teve por sua segunda esposa (Clotilde), não deixou dúvidas da superioridade dos homens em relação às mulheres, fato este que o levou a distanciar-se de Stuart Mill, filósofo que defendia a plena liberdade das mulheres. Para Comte, a humanidade é formada só de homens e o marido deve sustentar a esposa, uma vez que ela pelas irrevogáveis leis da natureza está condenada a uma posição de inferioridade. Por outro lado, as mulheres participam da sociedade positivista como uma espécie de inspiração para os membros de tal sociedade. Elas são o sustentáculo das “Providências Sociais”, ou seja, são uma espécie de sacerdócio intelectual, uma espécie de Providência moral (RIBEIRO, 1994, p. 31-32). Positivismo: Auguste Comte e a Física Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 67 positivista. Para fundamentar tal pensamento, cito aqui Jorge Jaime, quando se refere ao Positivismo e à República: O Positivismo, especialmente pelo entusiasmo com que foi adotado por muitas figuras de relevo na nação brasileira, pela influência que exerceu em um movimento tão importante como o da República, o qual, pode- se dizer, justamente por isso, e abstraindo de juízos sobre o conteúdo da doutrina que o inspirou, constituiu o exemplo de quanto pode uma ideia, mesmo no campo prático dos movimentos sociais e políticos, e de como, neste sentido, eram idealistas os criadores da República – o Positivismo, dizemos, justamente por tudo isso, não constituiu um mo- vimento sem grandeza (2001, p. 203). Miguel Lemos e Teixeira Mendes foram chamados e considerados os apóstolos do Positivismo no Brasil. Foram os idealizadores da Bandeira da República e, segundo os ensinamentos da Religião da Humanidade, da Ordem e do Progresso, consolidaram no lema da nossa bandeira para sempre a principal mensagem positivista, como um termo “teológico” ou messiânico, fundamentados na ideia do progresso, estabeleceram no Brasil o que existe até hoje no Rio de Janeiro, o chamado Apostolado Positivista do Brasil. O Positivismo contribuiu para laicização do Estado brasileiro, já que no Brasil monárquico o Catolicismo era a religião oficial. Benjamin Constant era contra o absolutismo do monarca, por isso defendia a vontade geral do povo, mas não de forma absoluta, pois pensava que o Estado devia ser constituído por ministros que exerceriam a função do executivo, que seriam responsáveis diante do rei o qual, por sua vez, possuiria um poder neutro, ou seja, um poder moderador. B. Constant influenciaria os jovens oficiais (militares), e estes encon- trariam no Positivismo uma boa justificativa para implantar no Brasil o Sistema Republicano, rechaçando de vez com a já enfraquecida monarquia. O lema da nossa bandeira (Ordem e Progresso) demonstra o quanto o Positivismo influen- ciou o Brasil nesse período de transição política da Monarquia para a República (RIBEIRO, 1994, p.67). FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E68 A ESCOLA DE FRANKFURT Se a Filosofia social se encontra no centro do interesse filosófico geral, nem por isso ela está em melhor posição que a maior parte dos esforços intelectuais e fundamentais do nosso tempo. Não pode encontrar-se nela uma determinação conceptual suficientemente consistente para pretender impor um compromisso. Dada a situação científica atual, na qual são postas em causa as funções tradicionais das especialidades, e dado que ignoramos ainda como elas irão desenhar-se num futuro pró- ximo, não parece oportuno tentar definições definitivas dos domínios da investigação (ASSON, 1991, p. 10; 61). A Escola de Frankfurt foi fundada em 1923 por um grupo de intelectuais que na época a denominaram “Instituto para a Pesquisa Social”. A Filosofia dessa escola também é conhecida como “Teoria Crítica”11. Seus principais pensadores foram Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse e Walter Benjamim. Abbagnano (2007, p. 1128), no Dicionário de Filosofia, assim comenta sobre a Escola de Frankfurt: No plano filosófico, a escola de Frankfurt é substancialmente uma dou- trina crítica da sociedade presente, à luz do ideal dialético de uma hu- manidade futura que seja livre e desalienada, vale dizer, uma forma de pensamento negativo tendente a desmascarar as contradições do status quo. Isso através de um modelo utópico capaz de funcionar como estí- mulo revolucionário para a mudança radical da sociedade. Em suas origens, o “Instituto para a Pesquisa Social” (Sozialforschung), de Frankfurt, foi marcado pela Sociologia até 1930, onde os economistas eram dominantes, até que houve a cisão com a Filosofia, e esta leva a melhor através de Horkheimer (ASSON, 1991, p. 42). Baseado no Marxismo, é aqui que a Sociologia científica teve seu destaque desde os escritos de Durkheim, Weber e Marx12. A Teoria Crítica é a responsável pela mudança do Instituto, onde a “cadeira” da 11 Para mais detalhes sobre a fundação da Escola de Frankfurt e sua “Filosofia social”, leia o livro “A Escola de Frankfurt”, de Paul-Laurent Asson (Editora Ática). 12 “O Marxismo não intervém na problemática frankfurtiana como uma doutrina exterior: é a principal referência teórica que legitima a Teoria Crítica, o que quer dizer, ao mesmo tempo, que que a Crítica encontra necessariamente o materialismo histórico para conseguir a sua passagem à história e que o marxismo não é um ‘sistema’ que rebentaria com a crítica, mas unicamente a ferramenta-piloto da crítica. É com esta reserva que se pode associar a Escola de Frankfurt ao Marxismo – o que explica que ela tenha aí naturalmente o seu lugar,mas com uma postura teórica tão particular que se presta mal a uma etiqueta tão sumária (ASSON, 1991, p.56). A Escola de Frankfurt Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 69 Sociologia torna-se “cadeira” da Filosofia Social, ou seja, o caráter Sociológico da Escola de Frankfurt toma uma concepção epistemológica que transcende a sociologia e a Filosofia Social, e este é o grande mérito da Teoria Crítica. Paul- Laurent Asson (1991, p. 42) assim descreve as origens da referida escola: Na mesma época, Félix Weil, o patrono do Instituto, consagra a sua tese ao planejamento Socialista (1921). Encontra-se também esta tendência positivista e economista no principal sociólogo do Instituto, Karl Au- gust Wittofogel, nos estudos sobre a China (1926-1931), que culminam no célebre estudo Economia e sociedade na China. O dualismo entre Sociologia e Filosofia Social consiste em: enquanto a Sociologia estuda como os homens podem viver juntos, ou seja, em sociedade de forma concreta, a Filosofia Social investiga, de forma especulativa, como esses fatos são possíveis e estuda a condição dos homens não apenas enquanto indivíduos, mas como membros de uma comunidade, logo, seu aspecto social, seja no “Estado, no Direito ou na Religião” (ASSON, 1991, p. 44). A Escola de Frankfurt tinha como princípio e finalidade a crítica sobre as indústrias modernas. Adorno critica a Indústria Cultural na qual, segundo ele, “os filmes, rádio e semanários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza entre si e todos entre si” (ADORNO, 2002, p. 7). Segundo Adorno, na sociedade moderna o homem não é livre para decidir por si mesmo, existe uma indústria que dita as regras de consumo. Por outro lado, Herbert Marcuse compara o conceito de belo com o neces- sário e útil de Aristóteles na sociedade moderna. Segundo Marcuse, na Grécia Antiga, a maioria das pessoas realizava o trabalho pesado, físico, enquanto que uma minoria desfrutava do ócio, por isso a sociedade era dividida entre os “supe- riores”, ou seja, aqueles que tinham tempo livre, e os considerado “inferiores”, os escravos. Para a Antiguidade o mundo de belo além do necessário era essencial- mente o mundo da felicidade, do prazer. A teoria antiga não tinha dúvi- das quanto a que o objetivo para os homens neste mundo consistia em satisfação, sua felicidade. Objetivo último – e não primeiro. Primeiro importa a luta pela conservação e garantia da mera existência. Devido ao precário desenvolvimento das forças produtivas na economia antiga, a Filosofia não imaginava que a prática material alguma vez pudesse FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIU N I D A D E70 ser configurada de modo a que nela própria pudessem se desenvolver espaço e tempo para a felicidade. O temor de procurar a felicidade su- prema na práxis idealista se encontra no início de todas as doutrinas idealistas: temor perante todas as condições de vida, ante o “acaso” da perda, da dependência, da miséria, mas também o temor da saciedade, do fastio, da inveja dos homens e dos deuses. Porém o temor em relação à felicidade que conduziu a Filosofia à separação entre o belo e o ne- cessário ainda mantém de pé a exigência de felicidade, inclusive nessa esfera separada. (MARCUSE, 2001, p. 18-19). De acordo com Marcuse, a felicidade e a realização humana, no mundo capi- talista, são repletas de ilusões e frustrações. Na modernidade, são poucas as pessoas que conseguem ter tempo disponível para o prazer, cultura e religião. A cultura afirmativa propõe um mundo maravilhoso, porém idealista, que jamais se realiza de fato. A cultura afirmativa defende a universalidade e igualdade dos homens, porém na prática, segundo Marcuse (2001, p. 17), a burguesia oferece isso apenas de forma simbólica às classe menos favorecidas: Cultura afirmativa é aquela cultura pertencente à época burguesa que no curso de seu próprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar o mundo espiritual-anímico, como uma esfera de valores autônoma, em relação à civilização. Seu traço decisivo é a afirmação de um mundo mais valioso, universalmente obrigatório, incondicionalmente confir- mado, eternamente melhor, que é essencialmente diferente do mundo de fato da luta diária pela existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si ‘a partir do interior’, sem transformar aquela realidade de fato”. Somente nessa cultura as atividades e os objetos culturais ad- quirem sua solenidade elevada tão acima do cotidiano: sua recepção se converte em ato de celebração e exaltação. Em suma, podemos afirmar que a escola de Frankfurt tinha como objeto geral de estudo a Indústria Cultural, ou seja, havia o interesse em estudar de forma analí- tica o problema da “sociedade de massa” e a manipulação das mesmas por todos os meios de comunicação, a fim de anular a individualidade e a capacidade crí- tica dos indivíduos. O principal objetivo disso seria a manipulação da sociedade para que esta consuma os poucos produtos produzidos na cultura, mas que são reproduzidos em larga escala e, desta forma, manter sempre vivo o Capitalismo. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegamos ao final da unidade II, onde o termo teoria constituiu-se como base para o desenvolvimento de toda esta unidade. Vale ressaltar que a palavra teoria é de origem grega, o berço da Filosofia como já estudamos na unidade I. Teoria vem de dois termos gregos, teá (deusa) e oram (visualização), ou seja, no sentido etimológico do termo, teoria é a “visualização da deusa” ou, ainda, a contempla- ção. Portanto, filosofar é visualizar, contemplar, mas nunca desprovido de outro termo de origem grega, que é a práxis (ação humana), donde, da teoria e da ação, o homem produz conhecimento, o qual resulta em benefícios para a humani- dade, conforme veremos na Filosofia política de Karl Marx. Podemos dizer, portanto, que filosofar não é viver “no mundo da lua”, como diz o senso comum, mas é produzir reflexões e problematizações que resultarão em ações práticas na sociedade em que vivemos. É possível dizer, sem exagero, que as grandes revoluções políticas, culturais e religiosas tiveram como ponto de partida o pensamento filosófico. 1. Descreva a partir da teoria de Adorno o que é indústria cultural. 2. Comente sobre o que John Locke entendeu ser a tábula rasa. 3. O que é Positivismo? 4. Como se dá a formação das ideias na Filosofia de Platão? 5. Estabeleça as diferenças entre a formação das ideias em Descartes e Locke. 73 A ALEGORIA DA CAVERNA (PLATÃO) [...] Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas. [...] Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que o transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outrosseguem em silêncio. [...] tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados. [...] Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos esses movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá alguém se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltando para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ele ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora? [...] Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol? [...] Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão da caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como ascensão da Alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto a minha idéia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Deus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a idéia do bem é a última a ser aprendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz e o soberano da luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública (CORVISIERI, 1997, p. 225-228). MATERIAL COMPLEMENTAR Augusto Comte - Fundador da Física Social Lelita Oliveira Benoit Editora: Moderna Sinopse: Embora concebida como Física social, a sociologia comteana possui profundas implicações ideológicas, que nos remetem, sobretudo, à questão da luta de classes. Sob o princípio “progresso dentro da ordem”, Comte demonstrou a existência de leis sociais fundadas em insuperáveis desigualdades biológicas às quais a classe operária, em particular, deveria submeter-se. Este livro traz os seguintes temas - Introdução - A sociologia como Física social; Parte I - Da utopia social à Física social - Do medo da revolução à mistificação do proletariado; A gênese da Física social; A fundação da Física social ou sociologia; Conclusões - A Física social e outras sociologias; Parte II - Antologia - Sob a utopia saint-simoniana; Ciência social e economia política; O poder espiritual; A lei dos três estados; A Física social; A hierarquia das ciências; A desigualdade biológica; Teoria da religião positivista; A religião da humanidade; Teoria feminina positivista; Sobre o proletariado; Ordem e progresso – O fundador da Sociedade Positivista a quem pretenda se filiar (1848); O Positivismo no Brasil. Descartes foi conhecido como o filósofo da “dúvida”. É possível afirmar, me- diante tal pensamento, que Descartes foi um filósofo cético? O que é ceti- cismo? U N ID A D E III Professor Me. Jonas Silva Faria ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer o conceito de Ética em vários momentos da história. ■ Compreender a Ética como um problema filosófico. ■ Definir o conceito de Capitalismo no Protestantismo Histórico. ■ Avaliar o conceito de liberdade e responsabilidade em Espinosa. ■ Conceber o que é transvalorar os valores em Nietzsche. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Ética e Moral: um problema filosófico ■ Aristóteles e a Ética à Nicômaco ■ Concepção de liberdade em Espinosa ■ Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo ■ Concepção de liberdade em Sartre ■ Nietzsche e a transvaloração de todos os valores INTRODUÇÃO Nesta Unidade, pretendo levá-lo(a), caro(a) aluno(a), a refletir sobre um pro- blema muito atual mas, ao mesmo tempo, escasso neste mundo moderno em que vivemos. Fala-se tanto em ética, contudo, poucos são os que a compreendem ou a vivenciam no cotidiano. A presente unidade tem por objetivo demonstrar que tal problema é inerente ao ser humano em todas as épocas da sociedade civili- zada e, ao mesmo tempo, um problema filosófico desde as origens da Filosofia. Segundo Nietzsche, a moral no mundo ocidental teve seu surgimento com Sócrates e culminou com o Cristianismo, mais especificamente com o apóstolo Paulo. Por isso, começamos nosso estudo sobre a ética e a moral a partir do pen- samento socrático-platônico, porém, ressalto aqui que é com Aristóteles que há a fundamentação e sistematização de tais questões, sendo então, dessa forma, considerado o primeiro a elaborar um tratado específico sobre a ética filosófica. Portanto, o presente estudo tem como objetivo levar o(a) aluno(a) a vis- lumbrar a ética não a partir do senso comum, mas sim por meio de teorias dos grandes filósofos que trataram de forma vasta sobre o assunto em pauta. Vale ressaltar, contudo, que não vamos explorar de forma sistemática e profunda o pensamento de cada filósofo, mas temos como objetivo introduzir o assunto e ao mesmo tempo mostrar possíveis problemas para serem investigados, sob o ponto de vista do filósofo a ser estudado. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 77 ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E78 ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO A Moral corresponde ao conjunto das regras de conduta admitidas em determinadas épocas, podendo ser, de igual modo, consideradas como absolutamente válidas. Do ponto de vista histórico, pode-se considerar o decálogo de Moi- sés como a primeira tentativa bem sucedida de delimitar a esfera da vida social. A simbiose que teria lugar, no fim do Helenismo, entre a tradição judaico-cristã, expressa nos dez mandamentos, e o tipo de inquirição racionalizante criada pela cultura grega, iria ensejar se ex- plicitassem muitas questões implícitas naquela tradição. Na espécie, os elementos típicos seriam as noções de pessoa e livre arbítrio, que o Cristianismo viria a suscitar. Apesar dessa circunstância, durante largo período da cultura ocidental as regras morais eram entendidas como aqueles preceitos tornados válidos por inspiração religiosa. Na Época Moderna empreendeu-se esforço significativo em prol da consideração da moral como algo de válido em si mesmo, independente das religiões (PAIM, 1992, p. 21). Ética e Moral: Um Problema Filosófico Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 79 A palavra ética vem do grego ethos e tem como significado costume, ou também pode ser definida como a ciência da conduta1. O termo grego ethos está intrinse- camente relacionado com o termo de origem latina moral (moralis), que também significa costume. Segundo Aranha e Martins (2004, p. 301), os dois termos real- mente têm o mesmo significado, contudo, enquanto moral é um conjunto de regras admitidas em uma determinada época e lugar,a ética é a reflexão a res- peito dos princípios e valores que fundamentam a vida moral. Os princípios éticos como a verdade, a justiça e o amor são normas que visam a um objetivo final do comportamento humano, ou seja, os valores éticos têm suas funções e finalidades em cada época e em diferentes culturas no decorrer da história da humanidade. Portanto, os princípios éticos têm como finalidade última, em sua universalidade, a dignidade do ser humano. Na Filosofia grega, quem primeiro estabeleceu uma teoria racional da ética foi Sócrates, sendo também o primeiro a criticar a Mitologia tradicional da época em Atenas, fato que o levou à condenação por ter corrompido a juventude. Segundo Fábio Konder Comparato (2010, p. 91-92), assim dizia Sócrates aos jovens: [...] deve-se ensinar sempre a verdade, sem nenhuma mescla de erro consciente, ou falsidade. Ora, toda a obra de Hesíodo e de Homero, cuja leitura constituiu a base da educação escolar de sucessivas gera- ções na Grécia, durante séculos, não passava de fábulas ou mitos, na qual se mesclavam sempre, de modo inextricável, a verdade e o erro. Assim, salientou Sócrates, é inadmissível, atribuir aos deuses, cuja na- tureza é moralmente boa, a produção do mal no mundo. Os seres in- trinsicamente virtuosos só podem agir de modo virtuoso. A Mitologia, portanto com todos os seus relatos de brigas ferozes entre os deuses, ou na parte em que descreve Zeus, o pai dos deuses, ocupado em distri- buir aleatoriamente bênçãos e maldições entre os seres humanos, sem nenhuma ligação com o mérito ou demérito de suas ações, não passava de uma intervenção de poetas, própria a agradar ao senso estético, não a transmitir a verdade. Apesar do pioneirismo de Sócrates com relação às questões éticas, foi Aristóteles quem a ensinou de forma sistemática no Liceu (escola de Aristóteles), e seu filho 1 “Na língua grega, duas palavras, quase homônimas e com a mesma etimologia – êthos (ἦθος) e ethos (ɛθος) – indicam, a primeira, de um lado, o domicílio de alguém, ou abrigo dos animais, e de outro, a maneira de ser ou hábitos de uma pessoa; a segunda os usos e costumes vigentes numa sociedade e também, secundariamente, os hábitos individuais” (COMPARATO, 2010, p. 96). ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E80 Nicômaco foi quem fez as anotações, o que justifica o fato de a obra que chegou até nós ser denominada Ética a Nicômaco (GALLO, 2012, p. 54). Em Aristóteles, a finalidade última do ser humano é o bem o qual, quando alcançado, culminará numa vida feliz. Além da obra Ética a Nicômaco, Aristóteles também escreveu a Ética a Eudemo. Eudemo foi um discípulo de Aristóteles e já foi considerado o próprio autor dessa obra. Contudo, Werner Jaeger, após longa investigação, atri- bui sua autoria a Aristóteles, e considera-a como a primeira de suas Éticas. Essa obra é considerada “inferior” a Ética a Nicômaco, uma vez que os livros IV, V e VI da Ética a Eudemo, por exemplo, são idênticos aos livros V, VI e VII da Ética a Nicômaco. Por fim, temos também a Grande Ética, uma coletânea das duas obras anteriores, que foi organizada após a morte do filósofo. ARISTÓTELES E A ÉTICA A NICÔMACO Para Aristóteles, o homem é um ser social e, conforme Olinto Pegoraro, “capaz de pensar e fazer política” (2008, p. 36). Para Pegoraro, a ética de Aristóteles possui quatro eixos: ela é natural, onde o homem é um ser individual, porém racional, político e social. A ética também é finalista, ou seja, ela visa um fim último, o Aristóteles E A Ética A Nicômaco Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 81 sumo bem. Ela também é racional, uma vez que é com a razão que o homem harmoniza e controla os impulsos instintivos, sensitivos e biológicos. Por último, a ética é heteronômica, visto que o homem não escolhe ser ético, isso faz parte de sua natureza, e é por ela (pela natureza) que o ser humano decide todas as suas ações, quer seja para o bem, ou para o mal. Sendo racional e inteligente, mas também biológico, o decidir do homem não será pautado em leis da natu- reza, mas especificamente por sua liberdade, e é claro que é pela natureza que o homem recebe a capacidade de exercer a liberdade. De acordo com Aristóteles, todos os homens por natureza procuram a felici- dade, ou seja, a eudaimonia em grego. Sendo a felicidade a finalidade última do ser humano, é evidente que alcançá-la é objetivo de todos os homens. A felici- dade, para Aristóteles, não consiste nos deleites, honrarias e nos prazeres sensuais, uma vez que, segundo o filósofo, esses prazeres levam à escravidão. A verdadeira felicidade consiste em ter uma vida virtuosa, regrada pelo meio termo, ou seja, ter uma vida mediana, sem excessos e sem falta. O equilíbrio é a “regra de ouro” da ética aristotélica, uma vez que só o indi- víduo equilibrado consegue atingir a verdadeira felicidade. Cabe ao homem prudente reconhecer e distinguir os vícios das virtudes morais. É através do hábito, da prática constante das virtudes que o homem atinge a excelência moral. A realização do homem, portanto, está no seu fim, ou seja, na sua felicidade. Contudo, a felicidade só se alcança por meio da virtude, que é uma atividade realizada segundo a razão, logo felicidade é a harmonia entre paixão e razão. Para Aristóteles, uma vida virtuosa são funções e vitalidade da Alma. Para o filósofo de Estagira, a Alma é composta de três partes: Bios, Psique e Zoé. A pri- meira – bios – todos os seres vivos possuem. A segunda – psique – somente os animais e os seres humanos possuem, ela é a parte da Alma de onde procedem as sensações e os instintos. Por último, Zoé é a parte intelectiva ou racional da Alma, e essa só os seres humanos possuem, sendo o que nos diferencia dos ani- mais. Aristóteles distingue as virtudes em duas categorias: as virtudes éticas, que são propriamente o objeto da moral, e as dianoéticas, que transcendem as virtu- des morais. As virtudes éticas são práticas, ativas, enquanto que as dianoéticas são contemplativas, logo superiores às virtudes éticas ou práticas. ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E82 CONCEPÇÃO DE LIBERDADE EM ESPINOSA Espinosa (1632 – 1677) era de ascendência judaica, mas foi expulso do juda- ísmo acusado ora de heresia, ora de panteísmo ou então de ateísmo. Era filho de hebreus residentes em Portugal, contudo, mais tarde seus pais foram para a Holanda, onde o filósofo nasceu e foi educado na cidade de Amsterdã. Foi con- tra todo o tipo de poder, sendo este político ou religioso. Para Espinosa, tanto o espírito como a matéria são atributos de uma única substância divina, por isso sua Filosofia é considerada um sistema monista. Espinosa recebeu instrução de forma intensiva da cultura e Teologia hebraica, a qual era dada a todas as crianças de sua comunidade, com ênfase no Pentateuco, nos livros dos Reis e profetas e, por fim, foi instruído no Talmud judaico. A prin- cípio, o filósofo recebeu uma formação para tornar-se um rabino, uma vez que, além dos estudos da tradição hebraica acima mencionados, ele também estudou a cabala com alguns filósofos judeus da Idade Média (BRÉHIER, 1965, p.156). Segundo Émile Bréhier (1965, p. 157), houve um filósofo judeu (HASDAI CRESCAS) que exerceu grande influência sobre o pensamento de Baruch Espinosa. Hasdai Crescas foi um filósofo hispano-judeu, renomado professor das tradições judaicas que viria ser a referência de Espinosa, principalmente no que diz respeito ao seu conceito de Deus. Segundo Crescas,filósofo do século XIV, a perfeição de Deus não consiste no conhecimento, mas no amor, e a per- feição da criatura depende de sua participação neste amor. Essa doutrina, que Concepção de Liberdade Em Espinosa Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 83 corresponde de perto com as crenças dos franciscanos, é aquela encontrada no final da Ética de Espinosa. Para a ética de Espinosa, Deus é racional e geometricamente toda a reali- dade, ele é a causa única e substância única, também é eterno e infinito, ou seja, está fora do tempo e por isso se desdobra numa infinitude de perfeições e atri- butos, logo, pode-se dizer que era uma Filosofia panteísta. A ética de Espinosa foi escrita segundo o método geométrico de Euclides. Com efeito, suas conclu- sões são determinadas com rigor a partir de um processo lógico, ou seja, cada parte de do sistema é necessário para que se possa compreender o todo da obra. Portanto, Deus para Espinosa, conforme citação de Bréhier (1965, p. 157), é “o primeiro princípio, é infinito em todos os seus atributos, e uma das teses destes atributos é a extensão”. O ser humano, por ser finito, consegue alcançar pelo intelecto apenas dois dos atributos da divindade, sendo eles a matéria e o espírito. O homem, no pen- samento de Espinosa, é uma derivação do pensamento da substância única, isto é, o homem nada mais é do que um complexo de fenômenos psicofísicos. Para Espinosa, não há uma hierarquia entre corpo e espírito, ou seja, “nem o espí- rito é superior ao corpo, como queriam os idealistas, nem o corpo determina a consciência, como dizem os materialistas” (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 328). A Filosofia panteísta de Espinosa criticou a autoridade das “Sagradas Escrituras”, também criticou as “causas finais” e o livre arbítrio. Para Espinosa, o homem vive num estado de autopreservação, lutando para sobreviver nesse mundo natural. No estado natural, a liberdade do homem termina quando ele encontra outro indivíduo que é mais forte do que ele e, portanto, ele sofre as ações do outro indivíduo. Para que o indivíduo seja o agente de suas próprias ações, é necessário que ele seja a causa de suas próprias ações. Quanto mais o indivíduo nesse estado de leis naturais sofre paixões, tanto mais ele será objeto das ações de outrem. Portanto, podemos dizer que, para Espinosa o homem não é um ser total- mente livre, uma vez que só Deus é o único motivo da existência de todas as coisas, logo, Deus é a substância única e nada há fora de Dele. Deus, portanto, é substância infinita que não pode ser limitada por nenhuma outra, ele é a causa da existência de todas as outras coisas existentes, também a causa de si mesmo. ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E84 Ele é a própria razão que liberta. Deus, segundo Espinosa, é o mundo, Deus é a Natureza, portanto, ele é a causa imanente no mundo. MAX WEBER: A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO O pensador alemão Max Weber (1864 -1920) foi sociólogo e economista ale- mão conhecido principalmente pela obra A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Ele nasceu na cidade Erfurt, em 21 de abril de 1864. Foi nomeado professor de economia da Universidade de Friburgo em 1894 e, em 1896, pas- sou a ensinar em Heidelberg. Entre 1900 e 1918, ficou afastado do magistério por consequência de um colapso nervoso. No período em que ficou afastado da atividade científica e didática, colaborou em diversos jornais alemães e realizou diversas pesquisas. Weber centraliza a análise de suas pesquisas sociológicas e políticas na questão da responsabilidade moral, pincipalmente na moral cristã protestante, especifi- camente na calvinista oriunda da reforma protestante do século XVI. Segundo os historiadores Reale e Antiseri, a definição de Weber sobre o Capitalismo é que o Capitalismo consiste na “existência de empresas que têm como objetivo o máximo lucro a atingir através da organização racional do trabalho. A carac- terística distinta do Capitalismo é a união da vontade de lucro com a disciplina racional” (REALE; ANTISERI, 2007, VL3, p. 478). Para tais historiadores, Weber definiu a ética calvinista conforme a confissão de Westminster, de 1647, e a resu- miu em cinco pontos: 1. Existe um Deus absoluto e transcendente, que criou o mundo e o governa, mas que o espírito finito dos homens não pode captar. 2. Esse Deus, onipotente e misterioso, predestinou cada um de nós à salva- ção ou à danação, sem que, com nossas obras, possamos modificar um decreto divino já estabelecido. Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 85 3. Deus criou o mundo para a sua glória. 4. Esteja destinado à salvação ou à danação, o homem deve trabalhar pela glória de Deus e criar o reino de Deus sobre esta terra. 5. As coisas terrenas, a natureza humana e a carne pertencem ao mundo do pecado e da morte; a salvação não pode ser para o homem senão dom total- mente gratuito da graça divina. (REALE; ANTISERI, 2007, VL3, p. 478). Para Weber, as relações entre a ética protestante e o Capitalismo estão em acu- mular o lucro do trabalho sem gastá-lo com bens deste mundo, ou seja, viver uma vida ascética, que se resume em obter o máximo de lucro sem desfrutar do ganho, pelo contrário, a ideia é reinvesti-lo. Weber também critica a relação entre ética e política, conforme a seguinte citação de Danilo Marcondes sobre os escritos de Weber: E, então, que relações têm realmente a ética e a política? Não haverá qualquer ligação entre as duas, como já se afirmou em algumas ocasi- ões? Ou será verdade o oposto: que a ética da conduta política é idên- tica a de qualquer outra conduta? Ocasionalmente, acreditou-se existir uma escolha exclusiva entre as duas proposições: uma delas deve ser a correta. Mas será verdade que qualquer ética do mundo poderia esta- belecer mandamentos de conteúdo ideal para as relações eróticas, co- merciais, familiares e oficiais; para as relações com nossa mulher, com o verdureiro, o filho, o réu? Será realmente tão pouco importante para as exigências éticas à política que esta opere com meios muito especiais, ou seja, o poder apoiado pela violência? Não vemos que os ideólogos bolchevistas e espartacistas provocam exatamente os mesmo resultados que qualquer ditador militaristas justamente porque usam esse meio político? Em que, a não ser nas pessoas detentoras do poder e de seu diletantismo, diferem o domínio dos conselhos de trabalhadores e sol- dados e o domínio de qualquer detentor do poder do velho regime? [...] “Quem com ferro fere com ferro será ferido”, e a luta é a luta em toda parte. Daí a ética do Sermão da montanha”. No “Sermão da Montanha” vemos a ética absoluta do Evangelho, que é uma questão mais séria do que acreditam as pessoas que gostam de citar hoje tais mandamentos. Esta ética não é brincadeira. (MARCONDES, 2009, p. 122-123). Retomando o pensamento da obra Ética Protestante e Espírito do Capitalismo, Max Weber observa a questão do ascetismo entre os puritanos, principalmente de Richard Baxter. Weber cita alguns ensinamentos de Baxter: ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E86 A perda de tempo é, pois, o primeiro e, em princípio, o mais funesto dos pecados. A duração da vida humana é por demais curta e preciosa pra garantira própria escolha. A perda de tempo na vida social, em conversas ociosas, em luxos e mesmo em dormir mais do que o necessário para a saúde, de seis até o máximo de oito horas, é merecedora de absoluta condenação moral. (WEBER, 2002, p. 119). Além da condenação da ociosidade, os puritanos, segundo Weber, ainda condenavam o esporte, a não ser que este fosse usado de maneira racional para a recuperação da eficiência Física do indivíduo, caso contrário, seria um meio suspeito de diversão e estímulo ao orgulho. O teatro também era detestável para os puritanos, enfim, toda espécie de diversão, conversa fiada e futilidades, bem como a vã ostentação (WEBER, 2002, p. 126). Segundo Weber, o perigo da riqueza é sempre a tentação. Segundo Weber, os puritanos ensinavam que a avareza é tão perigosa quanto a desonestidade, mas esqueciam que a riqueza também é um perigo que pode levar o fiel a ser tentado, uma vez que, nos Evangelhos, Jesus sempre condenou os ricos, principalmente no Sermão da Montanha. O ideal do ascetismo, portanto, é sempre a busca do bem, porém, ele sempre estava à beira de cair na tentação do mal (avareza). O ponto de equilíbrio de tudo isso vem com a reforma do Metodismo, que ante- cedeu a expansão da indústria inglesa no final do século XVII, a qual pode ser resumida nas palavras de John Wesley, citadas por Weber: “aqueles que ganham tudo o que podem e guardam tudo o que podem”, também devem doar tudo o que puderem, uma vez que ao cristão não compete ajuntar tesouros na terra” (WEBER, 2002, p. 131). Concepção de Liberdade Em Sartre Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 87 CONCEPÇÃO DE LIBERDADE EM SARTRE Jean-Paul Sartre nasceu em Paris aos 21 de Junho de 1905, estudou na École Normale Supérieure (Escola Normal Superior) e foi professor de Filosofia nos Liceus de Le Havre e Paris até o início da última guerra. Foi um profícuo escri- tor de contos, novelas e romances. Juntamente com Franz Brentano, Edmund Husserl, Martin Heidegger e Maurice Merleau-Ponty, está entre os grandes nomes dos filósofos que fazem parte de uma linha de pensamento filosófico que surgiu no final do século XIX, denominada de Fenomenologia. O postulado básico da Fenomenologia é a noção de intencionalidade, onde toda consciência é intencional, ou seja, visa algo fora de si (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 150), o qual é diferente do pensamento de Descartes, para quem não há consciência separada do mundo, e dos positivistas, os quais estavam presos à visão objetiva do mundo, que acreditavam numa religião da humanidade, uma espécie de humanismo fechado sobre si mesmo (SARTRE, 2012, p. 43). Para os fenomenólogos, não há objetos em si, uma vez que o objeto está sempre para um sujeito que lhe dá significado. A partir do conceito grego do termo fenômeno, “o que se mostra”, concluímos que a fenomenologia estuda os objetos tais como eles se mostram à consciência. Conforme Aranha e Martins, podemos resumir a fenomenologia da seguinte forma: [...] O corpo não é coisa nem obstáculo, mas integra a totalidade do ser humano, meu corpo não é alguma coisa que eu tenho; eu sou meu corpo. Ao estabelecer contato com outra pessoa, eu me revelo pelos ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E88 gestos, atitudes, mímica, olhar; enfim, pelas manifestações corporais. [...] O corpo é o primeiro momento da experiência humana. Antes de ser “ser que conhece”, o sujeito é um “ser que vive e sente”, maneira essa de participar, com o corpo, do conjunto da realidade (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 330). Sartre foi um filósofo profundamente marcado pela Segunda Guerra Mundial, a ponto de ser possível falar de um Sartre antes da guerra e outro pós-guerra. Em 1943, escreveu aquela que pode ser considerada a sua principal obra, O Ser e o Nada. Para Sartre, que é um filósofo existencialista, fato este que pode ser visto em sua famosa frase “a existência precede a essência”, não podemos pen- sar como a tradição filosófica que, por exemplo, define o ser “mesa”, ou seja, a essência da mesa por aquilo que faz com que ela seja mesa e não outro objeto. Na visão tradicional da Filosofia, não importa do que a mesa é feita, pode ser de madeira, vidro, metal etc., o que a define é o simples fato de ela ser mesa, pos- suir as características que a definam como mesa. De acordo com Sartre, diferentemente dos animais e dos objetos, no ser humano a existência precede a essência, ou seja, o homem primeiro existe, e só depois ele se define no mundo. Segundo Sartre, o homem é um ser lançado no mundo, condenado a existir, porém livre, e o limite para tal liberdade do homem é a própria liberdade. Portanto, a única coisa que não podemos escolher é dei- xar de ser livres. Uma vez lançados na vida, o homem é responsável por tudo o que faz do projeto fundamental, isto é, da sua vida. E ninguém tem desculpas: se falimos, falimos porque escolhemos a falência. Procurar desculpas significa estar de má fé: a má fé apresenta o desejado como necessidade inevitável. Sartre analisou com firmeza as astutas invenções de má fé (REALE; ANTISERI, 2007, VL3, p.608). Podemos observar em Sartre que o homem é sempre responsável pelas escolhas que faz, mesmo que seja recrutado para uma guerra, ele pode de alguma forma escolher não ir, seja optando por um suicídio ou então pela deserção. Portanto, é o homem que escolhe e ele pode mudar a trajetória a qualquer momento, no entanto, a escolha é fator incondicional para o ser humano. Diferente dos ani- mais e das plantas, o ser humano não está determinado a nada que não seja de sua própria vontade, logo o homem é o construtor de seu próprio futuro, como podemos ver a seguir nas próprias palavras de Sartre: Concepção de Liberdade Em Sartre Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 89 O existencialismo ateu que eu represento é mais coerente. Ele declara que, mesmo que Deus não exista, há ao menos um ser cuja existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito, e que tal ser é o homem ou, como diz Heidegger, a rea- lidade humana. Que significa, aqui, que a existência precede a essência? Significa que o homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em seguida. Se o homem, na concepção do existencialismo, não é definível, é porque ele não é, inicialmente, nada. Ele será apenas alguma coisa posteriormente, e será aquilo que ele se tornar. Assim, não há natureza humana, pois não há um Deus para concebê-la. O ho- mem é, não apenas como é concebido, mas como ele se quer a partir desse elã de existir, o homem nada é além do que ele se faz. Esse é o primeiro princípio do existencialismo. É isso também o que se deno- mina subjetividade, e esse é o ermo pelo qual nos criticam. Porém, o que entendemos, na verdade, com isso, senão que o homem tem mais dignidade que uma pedra ou uma mesa? Pois queremos dizer que o ho- mem existe antes de tudo, ou seja, que o homem é, antes de tudo, aquilo que projeta vir a ser, e aquilo que tem consciência de projetar vir a ser, O homem é, inicialmente, um projeto que se vive enquanto sujeito, e não como um musgo, um fungo ou uma couve-flor; nada existe ante- riormente a esse projeto; nada existe de inteligível sob o céu e o homem será, antes de mais nada, o que ele tiver projetado a ser não o que vai querer ser (SARTRE, 2012, p. 19-20). Segundo Sartre, quando dizemos que é o homem que escolhe, significa que cadaindivíduo faz a sua própria escolha, por outro lado, também significa que, ao escolher por si, o indivíduo está escolhendo por todos também. Para Sartre, ao escolhermos, escolhemos sempre o bem, e não há nada que não seja bom se não for bom para todos. Logo, nossa responsabilidade em fazer escolhas é muito grande, uma vez que escolhemos por todos e a nossa escolha envolve toda a humanidade. ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E90 NIETZSCHE E A TRANSVALORAÇÃO DE TODOS OS VALORES Friedrich Wilhelm Nietzsche nasceu no dia 15 de outubro de 1844, na Alemanha (Prússia). Seus pais eram luteranos, bem como todo o restante da família, uma vez que tanto do lado paterno como do lado materno havia vários pastores. Seu pai, responsável pela paróquia de Röcken, faleceu quando o menino tinha apenas 5 anos de idade. Sua mãe, que foi a responsável por sua educação, teve que mudar- se para a cidade de Naumburgo, onde Nietzsche recebeu a educação primária em diversas escolas, já que tinha dificuldades em adaptar-se a uma especifica- mente devido aos problemas de convívio social que já enfrentava. A Alemanha do século XIX em que Nietzsche viveu, sofreu profundas mudan- ças sociopolíticas e econômicas. Depois da guerra franco-prussiana (1870), que promoveu a unificação da Alemanha, Nietzsche observa que a vitória militar trans- mite uma falsa ilusão de que a cultura alemã também foi vitoriosa ou, ao menos, teria parte nessa conquista. A vitória da Alemanha não provocou a decadência da cultura francesa, até porque, segundo Nietzsche, além de ela continuar a mesma, os alemães é que continuam sendo tributários dela (NIETZSCHE, 2007, p. 3). Nietzsche, como um profeta do futuro, prega contra a desvalorização de todos os valores instituídos pela tradição, ou seja, pela moral cristã ou filosó- fica. Para Nietzsche, o Deus da Metafísica está morto, o Deus dos moralistas está morto e o Deus cristão está morto, mas não Jesus. Segundo Nietzsche, é com Sócrates e Platão que surge a ideia de Deus dos metafísicos, uma vez que, sem essa ideia, não teríamos chegado ao pensamento em um Deus único (SHIFFERS, 1985, p. 83). Para Nietzsche, o problema do Cristianismo não é Jesus, mas sim Nietzsche e a Transvaloração De Todos Os Valores Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 91 o apóstolo Paulo, que teria introduzido no Cristianismo as ideias platônicas do mundo grego antigo. Portanto, não somente o Deus do Cristianismo está morto, mas o Deus da Filosofia moral também, que tem seu apoio na Filosofia cristã. Para Nietzsche, Deus morreu por compadecer-se dos homens, por isso ele “é um Deus cuja classe se extinguiu ultimamente por causa da compaixão para com os excluídos: Deus morreu por compadecer-se dos homens. A compaixão estran- gulou (erwürgte) a Deus” (SHIFFERS, 1985, p. 92). [...] Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos! O mais forte e mais sagrado que o mundo até então possuíra sangrou inteiro sob nossos punhais - quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos no lavar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inven- tar? A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deve- ríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? [...] “O que são ainda essas igrejas, se não os mausoléus e túmulos de Deus?” (NIETZSCHE, 2012, parágrafo 125). Sua Filosofia é conhecida como “Filosofia do martelo”, uma vez que para o filó- sofo faz-se necessário declarar o fim da Metafísica e do moralismo. Com sua Filosofia a marteladas, Nietzsche dá o “golpe” final e diz que o “Deus cristão tam- bém está morto”, ou seja, a fé no Deus cristão caiu em descrédito, isto é, os seus contemporâneos mataram Deus. Agora, se Deus está morto, uma vez que ele é uma invenção dos homens, então, para Nietzsche a morte de Deus significa o surgimento do novo homem, ou seja, o super-homem. Zaratustra descreve tal situação com as seguintes palavras: (...) Mas agora morreu esse deus. E diante de plebe não queremos ser iguais. Ó homens superiores, ide embora do mercado! Diante de Deus! Mas agora morreu esse deus! Ó homens superiores, esse deus era vosso maior perigo. Apenas depois que ele foi para o túmulo vós o ressuscitastes. Somente agora vem o grande meio-dia, somente agora o homem superior torna- se – senhor! (NIETZSCHE, 2011, p. 271-272). Para Nietzsche, a ideia de Deus tornou-se vazia, um amontoado de igrejas pare- cendo túmulos vazios. Então Nietzsche, o qual se considera um “profeta desse grande acontecimento e do niilismo universal, deu-se conta que, doravante, ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IIIU N I D A D E92 nenhum problema poderia ter autêntico fundamento. Tudo pairaria sobre um nada infinito” (ZILLES, 1991, p. 172). É necessário, então, que o novo homem supere todos os velhos valores e, além de ser o criador, também estabeleça novas metas para a humanidade futura. É esse novo homem que deve dar novo sentido à vida, uma vez que ele é o homem que ama a terra. Sobre o amor à terra e a fé no aquém, pode ser visto também em Zaratustra, no capítulo da morte voluntária: Muitos morrem tarde demais, e alguns morrem cedo demais. Ainda parece estranho o ensinamento: “morre no tempo certo!”. Morre no tempo certo: assim ensina Zaratustra. (...) Em verdade morreu cedo demais aquele hebreu que é honrado pe- los pregadores da morte lenta: e para muitos foi uma fatalidade, desde então, que ele morresse cedo demais. Ainda conhecia apenas lágrimas e a melancolia do hebreu, juntamente com o ódio dos bons e dos justos – o hebreu Jesus: então foi acometido pelo anseio da morte. Tivesse ele permanecido no deserto, longe dos bons e justos! Talvez tivesse aprendido a viver e aprendido a amar a terra – e também o riso!. Crede em mim, irmãos! Ele morreu cedo demais; ele próprio teria re- negado a sua doutrina, se tivesse alcançado a minha idade! Era nobre o bastante para renegá-la! (NIETZSCHE, 2011, p. 69 -71). A Filosofia de Nietzsche foi e é alvo de inúmeras interpretações. Acredita-se que Nietzsche gostaria de ser aquilo que o próprio Cristo foi. Também, questiona- se se a profunda crítica que o filósofo faz ao Cristianismo, não seria ela uma forma de expor as suas mágoas devido às doenças que o consumiam e aos inú- meros medicamentos que tomava, levando-o à loucura, e portanto Deus era o responsável por tamanho sofrimento, já que ele o havia “enfrentado” e essa luta poderia ser vista como a luta da criatura com o próprio Criador. Independente das diferentes interpretações, as quais não pretendemos enumerar aqui, a lei- tura de Nietzsche é sempre interessante, seja por aqueles que o amam, seja por aqueles que o odeiam. Considerações Finais Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 93 CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, abordamos, sob o ponto de vista filosófico, questionamentos concernentes aos conceitos de ética e moral e seus desdobra- mentos. Observamos que o problema ético é uma reflexão filosófica sobre a moral, ou seja, mesmo que as duas palavras possam significar costume, o termo ética, por ser de origem grega e não latina como moral, traz consigo uma signi- ficação mais profunda quando visto sob a ótica da Filosofia. Abordamos aqui a ética na visão dos filósofosgregos, e também vimos a questão da liberdade e imanência em Espinosa, a questão da Ética Protestante e o Capitalismo em Weber, o problema da liberdade com responsabilidade em Sartre e, por fim, a transvaloração de todos os valores em Nietzsche. As ques- tões tratadas nesta unidade contribuem para que você, a partir delas, encontre fundamentação filosófica para a construção do pensamento concernente à ética tanto para o exercício da cidadania quanto para a sua formação e fundamenta- ção filosófica. 1. Defina o que é meio termo em Aristóteles. 2. Explique a frase de Sartre: “a existência precede a essência”. 3. Por que, para Weber, o Protestantismo é o espírito do Capitalismo? 95 Ética em Espinosa O professor Danilo Marcondes assim resume a ética de Espinosa com as seguintes cita- ções do filósofo: Por bem, entenderei o que sabemos com certeza ser-nos útil. E por mal, o que sabemos com certeza impedir que detenhamos um bem. As coisas singulares, denomino-as contingentes, na medida em que basta examinarmos sua essência para notar que não há nada que ponha necessariamente sua existência, ou que necessariamente a exclua. Essas mesmas coisas singulares, chamo-as possíveis, na medida em que, ao examinar- mos as causas que devem produzi-las, não sabemos se são elas mesmas que a produ- zem. Por afetos contrários, entenderei aqueles que arrastam o homem em sentidos diferen- tes, apesar de serem do mesmo gênero, como a gula e a avareza, que são tipos de amor. E não é por natureza, mas por acidente, que eles são contrários. O que entenderei por afeto a respeito de uma coisa futura, presente e passada, eu o expliquei nos Escólios 1 e 2, Proposição 18. Mas também é o momento de observar que, assim como para uma distância de lugar, tampouco podemos imaginar distintamente uma distância de tempo além de certo limite; isso significa que, assim como imagina- mos – como se estivessem no mesmo plano, da mesma forma imaginamos todos os objetos cujo tempo de existir está distante do presente a um intervalo mais longo que o que imaginamos a igual distância do presente, e os relacionamos, por assim dizer, a um mesmo momento do tempo. Entendo o apetite como aquilo que visamos quando fazemos alguma coisa. Entendo que virtude e potência são a mesma coisa, isto é (pela prop. 7), a virtude, na medida em que diz respeito ao homem, é a essência mesma ou natureza dele, pois lhe confere o poder de produzir certos efeitos que podem ser compreendidos como as úni- cas leis de sua natureza. Axioma Não há coisa singular, na natureza das coisas, que não encontre outra mais poderosa e mais forte. Porém, dada uma coisa qualquer, há outra mais poderosa pela qual a primei- ra pode ser destruída. Fonte: (MARCONDES, 2009, p. 73-74) MATERIAL COMPLEMENTAR Para saber mais sobre a questão da Felicidade na ética a Nicômaco, acesse: <http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/069e4.pdf>. A Filosofia de Nietzsche é conhecida como a “Filosofia a marteladas”. Ele foi contra toda a moral ocidental, ou seja, socrático-platônica, que segundo ele culminou com o Cristianismo. Seria Nietzsche um anticristão ou apenas um espírito livre que lutava contra as estruturas religiosas de sua época? Ética a Nicômaco Aristóteles Editora: Atlas Sinopse: A Ética a Nicômaco é uma das mais importantes heranças daquele que foi o último grande filósofo grego, sucessor de Platão, tutor de Alexandre o Grande e fundador do Liceu. Esta é a primeira tradução portuguesa do original grego, feita por António de Castro Caeiro, texto fundamental e referência para todas as ciências humanas. As palavras de Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho, da Universidade de São Paulo, responsável pela introdução à edição brasileira, são elucidativas: “É primorosa a tradução da Ética a Nicômaco que chega agora às mãos do leitor brasileiro. Fruto da combinação da vocação do tradutor para a Filosofia, de sua elegância e sobriedade na escrita, e de anos de dedicação ao estudo de Aristóteles e da língua grega. [...] Embora não se possa falar de autonomia do direito entre os gregos, reconhece-se o mérito excepcional de Aristóteles de ter assinalado, pela primeira vez e em termos absolutamente explícitos, a autonomia do pensamento prático, da razão mobilizada no agir, em contraposição à razão teórica, epistêmica, que está em jogo na ciência. A compreensão desta sua lição pode desfazer muitos dos equívocos da Filosofia jurídica e moral moderna e contemporânea. U N ID A D E IV Professor Me. Jonas Silva Faria CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender o desenvolvimento das teorias políticas em momentos da história. ■ Entender a política como um problema filosófico. ■ Distinguir as Filosofias contratualistas. ■ Avaliar os pontos positivos e negativos do Socialismo. ■ Distinguir os conceitos de Liberalismo e Neoliberalismo. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Os gregos e a invenção da política ■ A Igreja e o Estado na Idade Média ■ Os filósofos contratualistas ■ Nicolau Maquiavel e a obra “O Príncipe” ■ A concepção de Hegel sobre o Estado ■ Karl Marx: conflitos entre a burguesia e o proletariado ■ Liberalismo e Neolibealismo no mundo contemporâneo INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), nesta unidade, vamos estudar a Filosofia Política, desde a invenção da política entre os gregos até o Neoliberalismo do mundo contem- porâneo. Mediante a importância de tal tema em todas as épocas, não se faz necessário ressaltar aqui a importância de mergulharmos em tais teorias. Esse tema será abordado a partir dos clássicos de alguns filósofos que discor- rem sobre tal assunto. Desde Platão, para quem a administração pública deveria ser uma sofocracia (governo dos sábios), até a seu discípulo Aristóteles, o qual descreveu o ser humano como um ser social e por isso se realiza na pólis, vere- mos como os pensadores da Filosofia debruçaram-se sobre esse importante tema. Serão tratadas aqui também a relação entre Igreja e Estado e as implicações desta relação na política, principalmente na Idade Média, onde essas duas ins- tituições se confundiam, ou tornavam-se uma coisa só. Dos filósofos contratualistas, estudaremos a formulação das teorias do con- trato social a partir do pensamento dos filósofos Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau. De Nicolau Maquiavel, veremos a política a partir da obra O Príncipe, um conhecidíssimo clássico do pensamento filosófico. Abordaremos também as teorias políticas do ponto de vista do Idealismo Alemão, estudando a formação do Estado através do pensamento do filósofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel, a partir da obra Fenomenologia do Espírito. Por fim, partindo de Karl Heinrich Marx e sua Dialética Materialista, terminaremos fazendo um contra- ponto entre Socialismo, Liberalismo e Neoliberalismo. Vamos começar? Acredito que o conteúdo desta unidade lhe dará uma nítida visão de como foram e são construídas as teorias políticas e, ao mesmo tempo, lhe fará raciocinar sobre a fragilidade e insustentabilidade do modelo político instaurado em nosso país, o qual é desprovido de qualquer ideologia séria na qual o bem e o crescimento do povo venha ser a questão primordial. Sejamos, pois os disseminadores do conhecimento. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 99 CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E100 OS GREGOS E A INVENÇÃO DA POLÍTICA Costuma-se dizer que os gregos inventaram a políticamesmo que ela já exis- tisse antes deles. A política foi sistematizada na Grécia antiga, já que as primeiras cidades gregas (pólis) nasceram na Jônia nos séculos VIII e VII a.C. (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 220). Em Atenas, Sólon, em 594 a.C., promove as refor- mas políticas que foram de fundamental importância para a fundamentação da democracia ateniense. Contudo, é somente no governo de Clístenes, no final do século VI a.C., que se inicia um verdadeiro processo democrático que viria alcançar seu apogeu com Péricles, no século V a.C. Esse período da história de Atenas ficou conhecido como a “Idade de Ouro de Atenas” ou Período Clássico, foi uma época de grande desenvolvimento para a cidade de Atenas. Atenas tor- nou-se então, a principal cidade da Grécia Antiga, tornando-se referencial na política, bem como no Teatro, na Filosofia e nas Artes em geral. A Democracia Ateniense foi alvo de muitas críticas, visto que na mesma somente eram considerados cidadãos os homens livres, nascidos em Atenas e maiores de dezoito anos; as mulheres, os escravos, as crianças e os estrangeiros não eram considerados cidadãos, logo não tinham participação ativa na sociedade Os Gregos e a Invenção da Política Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 101 da época. Segundo Marilena Chauí (2002, p. 302), é com Platão que é inaugu- rado no pensamento ocidental algumas ideias sobre política, as quais sofreram variações durante a história, contudo, ainda permanecem entre nós até hoje. Para Chauí, ainda permanecem de Platão os conceitos como Monarquia, Aristocracia e Democracia. A degradação da política também tem suas ori- gens em Platão, a partir das ideias de que a Monarquia pode levar à Tirania, a Aristocracia, à Oligarquia e a Democracia, à Anarquia, ou seja, a ausência de comando ou de governo. É na obra “República” que Platão trata especificamente das questões sobre política. Nessa obra, Platão fala sobre a cidade ideal, cidade esta onde o rei é filósofo ou o filósofo é rei. Ou seja, nessa cidade ideal e utópica, deve prevale- cer o espírito da razão, dos filósofos. A cidade ideal deve ser composta não por cidadãos iguais, mas deve ser composta por indivíduos desiguais, onde haja a divisão do trabalho e a distinção das classes sociais. Segundo Platão, a socie- dade deve ser dividida em três classes: A dos filósofos, a quem cabe administrar a República, uma vez que estes contemplam o mundo das ideias e conhecem a verdadeira realidade das coisas, porque o mundo das ideias ou mundo inteligível é superior ao mundo sensível. A dos guerreiros, a quem cabe a defesa do Estado, contudo, com a orientação dos filósofos, dos quais receberam a educação. Por fim, a classe dos produtores, a quem cabe junto com os artesãos prover o sus- tento e a conservação econômica do Estado. Os produtores ocupariam, segundo Platão, a última classe, visto que para o filósofo o trabalho material (físico) era inferior ao trabalho intelectual. Devido às diferenças entre as classes, Platão defende a ideia de que o Estado e não as famílias é quem deve educar as crianças. Todos deveriam receber a mesma educação até os sete anos, nesta fase da vida dos indivíduos, se faria necessário identificar os “mais grosseiros” ou Almas de bronze, os quais seriam destina- dos aos trabalhos mais pesados, como a agricultura e o artesanato. Aos vinte anos se faria uma nova seleção, onde os menos dotados seriam designados para a classe dos guardiões. A educação em nível mais elevado seria dispensada às classes superiores, ou seja, aos filósofos, portadores das virtudes mais elevadas e, por isso, dignos do governar a cidade, estes, aos trinta anos, seriam selecio- nados para serem os magistrados da cidade depois de uma nova seleção. Para CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E102 Platão, a excelência ou grandeza de um político não consiste na riqueza ou poder militar ou comercial, mas consiste na grandeza moral e intelectual, ou seja, na Alma racional. Aristóteles, que foi discípulo de Platão, discorda de seu mestre no que diz respeito à sofocracia (governos dos sábios), uma vez que esta divide a sociedade ao criar hierarquias. Para Aristóteles, a justiça não pode estar desvinculada da amizade, algo indispensável para os indivíduos em sociedade, bem como para os países e cidades. A política para Aristóteles também não pode estar desvinculada da moral, visto que o fim último é a virtude, que conforme visto anteriormente, é o caminho para uma vida feliz. No entanto, a política distingue-se da moral pois, enquanto esta tem como objeto o indivíduo, aquela visa à formação e ins- tituição da sociedade. Portanto, para Aristóteles, o Estado é superior ao indivíduo, já que o Estado contempla a coletividade visando à satisfação das necessidades do indi- víduo enquanto este está inserido na sociedade, logo, pode-se afirmar que para Aristóteles o homem é um animal político, racional e acima de tudo, social. A família, segundo o filósofo de Estagira, é composta de um “chefe”, mulher, filhos e escravos. Contudo, cabe ao “chefe” da família a direção da família, uma vez que eles (a família) são imperfeitos. Para Aristóteles, os escravos também faziam parte da família como seres humanos, contudo, não negava a indispensabili- dade dos mesmos para a sociedade, uma vez que alguns nasceram para servir (trabalho material) e outros para governar, daí a necessidade da escravidão de alguns indivíduos. Aristóteles, diferentemente de Platão, defende o direito à propriedade pri- vada, mas Platão reconhece a necessidade das castas, visto que alguns nasceram para o trabalho intelectual e outros para realizar as tarefas relacionadas ao tra- balho material. As mulheres, as crianças e os estrangeiros eram livres, porém desiguais. Lembrando que essa desigualdade é política, porém muito determi- nante na sociedade ateniense, visto que o indivíduo se realizava como cidadão na pólis. Os escravos eram uma classe realmente considerada inferior. A política na Grécia Antiga pode então ser resumida da seguinte forma, conforme Comparato (2010): tanto para Platão quanto para Aristóteles todas as atividades humanas, seja de ordem religiosa ou militar, ou de qualquer outra Os Gregos e a Invenção da Política Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 103 ordem deve estar subordinada à política, uma vez que é na pólis que o homem se realiza como cidadão. É na pólis e nas assembleias que se realizam os debates sobre política, religião ou assuntos diversos. Na Ágora, os debates se intensifi- cam e são decididos os destinos dos cidadãos, também é concedida cidadania e são atribuídos “louvores” às personalidades importantes da Grécia antiga. Além disso, a visão política dos atenienses é uma visão integral, uma vez que ela contempla a vida humana em todos os sentidos. Foi por isso que Platão defendeu que os representantes legítimos do povo, em questão de governo, devem ser os filósofos, tendo em vista que o filósofo parte de princípios gerais a fim de encontrar soluções de caráter universal. Ao estado cabe a responsabilidade da educação, e esta sempre deve visar à cidadania, ou seja, educar para tornar o indivíduo um bom cidadão. Vale ressaltar que, tanto para Platão quanto para Aristóteles, é no Estado que o cidadão deve encontrar a felicidade e a plena realização. A busca e a con- quista da felicidade é o bem último do ser humano, as demais coisas são apenas o caminhopara a conquista da finalidade última do ser humano. A felicidade deve ser a finalidade última do ser humano, porém, o legislar ou governar não é para todos. Se Platão defende uma sofocracia (governo dos sábios ou dos filó- sofos), Aristóteles defende a phrônesis ou a prudência (uma sabedoria prática, ou prática com teoria, logo, uma práxis). Somente alguns, segundo Aristóteles, possuem tal virtude, e a estes cabe governar. CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E104 A IGREJA E O ESTADO NA IDADE MÉDIA Por Idade Média compreende-se o período de 476 a 1455 d.C., um período de aproximadamente mil anos de história. Também foi conhecida como idade das trevas (muito questionado esse título, tendo em vista a vasta produção intelec- tual desse período), devido à forte influência que a Igreja exerceu sobre o Estado na época, tanto no aspecto moral como no político. Se no mundo grego antigo, como vimos no tópico acima, o Estado era res- ponsável por gerar e assegurar a felicidade dos indivíduos, na Idade Média ele tornou-se símbolo da natureza humana e, portanto, do pecado, o que levou a igreja a controlá-lo e vigiá-lo (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 229). A partir dessa visão de Estado, surgem então duas instituições governamentais: o Estado e a Igreja. Enquanto o Estado é humano e temporal, a Igreja, por sua vez, não o é. Ela é santa e atemporal, logo uma instituição espiritual, que cuida da salvação das Almas e da educação dos indivíduos. Pode-se dizer que a estreita relação entre o Estado e a Igreja teve como ponto A Igreja e o Estado na Idade Média Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 105 de partida o período do imperador Constantino (234-237 d.C.) (CAIRNS, 1995, p. 100). Constantino era filho ilegítimo de Constâncio, um líder militar, com uma mulher de nome Helena. A princípio ele era pagão, mas depois de uma experiên- cia mística em 313 a.C. enquanto travava uma batalha, Constantino próximo de perder a guerra, afirma ter tido uma visão de uma cruz no céu, com as seguin- tes palavras gravadas nela: “com este sinal, vencerás”. Com a convicção de que o sinal era divino, o jovem continuou a guerra até que venceu a batalha, derro- tando o inimigo na ponte Mílvia sobre o rio Tigre. Com Constantino, inaugura-se uma nova era para a Igreja, visto que, a partir da “conversão” do imperador, a religião Cristã tornou o Estado favorável à Igreja, mesmo que a conversão de Constantino seja muito contestada. No ano 313, Constantino publicou o Edito de Milão, que entre outras coisas concedia a recuperação das terras e o subsídio da Igreja pelo Estado. Também garantiu a liberdade de culto e, em 330, fundou a cidade de Constantinopla, ato este que mais tarde foi fundamental para a divisão do Império entre Oriente e Ocidente, além de contribuir para o Grande Cisma da Igreja, ocorrido no ano de 1054. O Cristianismo abalou as bases do mundo ocidental: a fé Cristã, depois de séculos de perseguição, triunfou no Império Romano e, de certa forma, sobre a Filosofia grega, a ponto de Nietzsche chamar de “total subversão dos valo- res antigos” (REALE; ANTISERI, 2007, p. 389). Uma das questões com a qual o Cristianismo teve de lidar foi com o conceito de Alma, uma criação tipica- mente grega, tratada profundamente pelos filósofos, principalmente por Platão e Aristóteles. Para Platão, a Alma deve procurar fugir do corpo, uma vez que a matéria é a prisão da Alma. O verdadeiro filósofo deseja a morte e a verdadeira Filosofia é exercício da morte. Para o filosofo ateniense, a morte só causa dano ao corpo, nunca à Alma, uma vez que, enquanto o corpo faz parte do mundo sensível, a Alma por sua vez pertence ao mundo inteligível. Portanto, a morte do corpo representa a abertura para a verdadeira vida da Alma, sendo que fugir do corpo pode significar assemelhar-se à divindade. Platão defende a ideia da transmigração das Almas, já o Cristianismo defende a ressurreição do corpo. Os gregos não tinham problema com a ressurreição, CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E106 conforme podemos ver na Bíblia no discurso do apóstolo Paulo no Areópago em Atenas. Enquanto o apóstolo lhes falava sobre Deus, eles o ouviam atentamente, mas, quando falou sobre a ressurreição dos mortos, zombaram dele ou promete- ram ouvir-lhe em outra oportunidade. Para os gregos, a Alma é imortal, porém o corpo não. Platão defendia a teoria da transmigração das Almas em vários cor- pos e, por conseguinte, propõe o “renascimento” da Alma em diferentes formas de seres vivos. Segundo Platão, as Almas que viveram profundamente ligadas ao corpo e as suas paixões não conseguem libertar-se totalmente do corpo e por isso vagam como “fantasmas” até que se ligue a um corpo novamente. Segundo Aristóteles, no livro Περί ψυχής (Acerca da Alma), a Alma ou a vida pode ser dividida da seguinte maneira: ■ Vida sensitiva (Bios), todos os seres vivos a possuem, é a vida vegetativa. ■ Vida sensitiva (psique), somente os animais e os humanos a possuem. ■ Vida intelectiva (Zoê), somente os humanos a possuem. Para Aristóteles, a parte intelectiva da Alma não morre junto com o corpo, ela é indepen- dente do corpo, ou seja, ela é exterior ao corpo, ela vem de fora, logo, pode-se dizer que é a parte divina da Alma (ARISTÓTELES, 2007, p. 77). A questão da Alma de longe foi o centro das discussões teológicas e filosófi- cas dos primeiros cristãos no Império Romano. Os Pais da Igreja, num período denominado de Patrística, foram os primeiros a defender as “verdades” cristãs das “heresias” dos primeiros séculos do Cristianismo. A Patrologia (período dos primeiros teólogos e líderes da Igreja desde o período pós-apostólico até aproxima- damente o século VII) pode ser dividida como: Pais Apostólicos, Pais Apologistas, Pais Polemistas, Pais Alexandrinos, Pais Nicenos e Pais Pós-nicenos. A princí- pio, parece não ser de muita importância a Teologia patrística para a Filosofia, contudo, não podemos nos esquecer que Filosofia e Teologia andavam de mãos dadas, ou melhor, como disse Justino, o Mártir, referindo-se ao Cristianismo: “Esta é a única Filosofia certa e adequada que encontrei” (TILLICH, 2000, p. 47). As questões teológicas resultaram em grandes concílios, como o Concílio de Niceia em 325, convocado pelo Imperador Constantino. Fatos como este já demonstrava a relação da Igreja com o Estado. O grande nome da Teologia e Filosofia cristã da época foi Santo Agostinho. A Igreja e o Estado na Idade Média Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 107 Sua Filosofia não é uma teoria desprovida de prática, ela se resume numa busca ininterrupta de Deus, sendo, portanto, uma Filosofia na qual Agostinho procura fazer uma interpretação de sua própria vida. Jamais teve dúvidas sobre a existên- cia de Deus, sempre manteve a convicção de que existe um Deus. Agostinho procura nos provar a existência de Deus por meio da nossa inte- rioridade, como diz o filósofo na obra Confissões: “ [...] tu estavas dentro de mim e eu fora, e fora te buscava; disforme, lançava-me sobre essas coisas que tu criaste. Estavas comigo, mas eu não estava contigo. Retinham-me longe de ti aquelas coi- sas que, se não fossem em ti, não seriam” (OLIVEIRA SANTOS; AMBRÓSIO DE PINA, 1999, Cap. 27). O eu fora de si busca na objetividade natural o fun- damento da ligaçãode si com aquilo que o supera. Mas a ligação entre o eu e o absoluto é interna e, na verdade, tão íntima quanto possa ser a relação de iden- tificação. Em Agostinho, portanto, o homem pode ser dividido em duas formas: o homem interior, que é aquilo que temos de humano, e o homem exterior, que é tudo aquilo que temos de comum com os animais. Podemos resumir a Teologia e Filosofia de Agostinho sobre a interioridade da seguinte maneira: observamos que Agostinho não tinha a intenção de nos apre- sentar uma prova dialética da existência de Deus, mas destacar em nós a questão da interioridade e da iluminação divina na Alma. Ele mais se preocupa em res- ponder quem é Deus sem se importar em responder algo sobre a existência ou inexistência de Deus, uma vez que, como cristão, ele não tinha nenhuma dúvida sobre a existência de Deus. As provas que Agostinho demonstra sobre Deus são apenas de suas experiências pessoais, provas estas que tornaram Agostinho, de cético e materialista, a um profundo defensor da fé cristã. Nesse contexto teológico e filosófico, florescia o Cristianismo de mãos dadas com o Estado. Inicialmente como a religião perseguida, depois como religião oficial, até o ponto de tornar-se religião dominante não só em questão de fé, mas também em questões políticas. Podemos ter uma ideia sobre este fato na seguinte citação: Talvez no primeiro encontro entre o Papa e um Rei franco, em 6 de janeiro de 754, em Ponthion, se tenha chegado a uma ação simbólica que ainda faria história: Pepino prestou a Estevão II o assim chamado serviço de pajem (alemão, Stratordienst), conduzindo o cavalo do Papa pelas rédeas e segurando o estribo para o Papa apear com mais confor- to (KAUFMANN, 2012, p. 209). CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E108 Podemos ver a influência que alguns Papas tiveram sobre alguns reis e reinos durante a Idade Média. Além do poder político conquistado pela Igreja, é difícil não notarmos tam- bém que, nesse periodo, a Igreja enriqueceu a ponto de ser apontada como a detentora de um terço das terras da Europa, tornando-se, desta forma, a maior detentora de terras do continente. O poder e riqueza da Igreja levaram-na a criar, em 1231, com o papa Gregório IX, os tribunais da inquisição, onde mui- tos “hereges” foram condenados, torturados e mortos. O poder político da Igreja perdurou até a Reforma Protestante, com Martinho Lutero, João Calvino e, principalmente, com a separação da Igreja da Inglaterra com a de Roma, no reinado Henrique VII, o qual, ao não lhe ser permitido seu divórcio com a rai- nha espanhola Catarina de Aragão, rompeu com o Vaticano, de onde surgiu a Igreja Anglicana, até hoje existente na Inglaterra e em alguns países pelo mundo, inclusive no Brasil. Os Filósofos Contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 109 OS FILÓSOFOS CONTRATUALISTAS: THOMAS HOBBES, JOHN LOCKE E JEAN-JACQUES ROSSEAU THOMAS HOBBES Nasceu na Inglaterra em Westport, bem próximo de Malmesbury no dia 05 de abril de 1588. Segundo os historiadores da Filosofia, Hobbes nasceu de forma prematura, devido ao terror da chegada da “Armada Invencível”. Hobbes nas- ceu em uma família pobre e teve seus estudos custeados por um tio, que era um luveiro na cidade de Malmesbury (MONTEIRO; SILVA, 1983, p. VII). Estudou na Universidade de Oxford, e viajou por vários países, como França, Itália e Alemanha. Em Paris, conheceu Descartes, do qual “tornou-se discípulo”, e lá viveu por 10 anos. Retornou à Inglaterra no ano de 1651, quando as condições políticas se tornaram favoráveis, uma vez que, durante toda sua vida, a Inglaterra esteve envolvida em diferentes conflitos. Para Hobbes, “o homem é o lobo do homem”. Com esta frase e com a outra menos conhecida, mas não menos importante “guerra de todos contra todos”, Hobbes lança a teoria do estado de natureza, estado no qual os homens se CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E110 encontram antes do ingresso no estado social. Segundo Hobbes, na obra Leviatã, em seu estado de natureza, os homens são explicitamente egoístas, inimigos uns dos outros, vivem em constantes guerras, a ponto de tornar a própria existên- cia em um perigo constante. No entanto, os homens são iguais visto que, apesar do egoísmo, há nos homens um instinto de autopreservação que os torna iguais. [...] De modo que na natureza do homem encontramos três causas principais de discórdia. Primeiro, a competição; segundo, a descon- fiança; e terceiro, a glória. A primeira leva os homens a atacar os outros tendo em vista o lucro; a segunda, a segurança, e a terceira a reputação. Os primeiros usam a violência para se tornarem senhores das pessoas, mulheres, filhos e rebanhos dos outros homens; os segundos, para defendê-los; e os ter- ceiros por ninharias, como uma palavra, um sorriso, uma diferença de opinião, e qualquer outro sinal de desprezo, quer seja diretamente di- rigido a suas pessoas, quer indiretamente a seus parentes, seus amigos, sua nação, sua profissão ou seu nome. [...] As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens po- dem chegar a acordo. Essas normas são aquelas a que por outro lado se chamam leis da natureza [...]. (MONTEIRO; SILVA, 1983, p. 77). Na obra de Hobbes Contrato Social, os homens, buscando a autopreservação, estabelecem um contrato, escolhem um soberano e dão a ele poder ilimitado para que governe sobre eles. O soberano, contudo, não tem o direito divino dos reis, mas pode também decidir em questões relacionadas à religião e à moral, uma vez que a ele foi dado poder absoluto. Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam ou pactuam, cada um com cada um dos outros, que a qual- quer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoas de todos eles (ou seja, de ser seu representante), todos sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembléia de homens, tal como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os ou- tros e serem protegidos dos restantes dos homens. Os Filósofos Contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 111 É dessa instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido (MONTEIRO; SILVA, 1983, p. 107). Observamos que nessa obra de Hobbes o poder dado ao soberano é total, seja ele civil ou religioso. O soberano não precisa dar satisfações a ninguém, a não ser a Deus. A obediência ao soberano também deve ser total, independente de ter votado a favor de sua escolha ou contra ela. O Estado, portanto, é um monstro, como o Leviatã do livro de Jó (caps.40-41) que, ao mesmo tempo que protege, “devora” os súditos. Comparato (2010, p. 185), observa que o Absolutismo defendido por Hobbes era uma forma de estabelecer a ordem na Europa, a qual era muito confusadepois da Reforma Protestante visto que esta, ao “enfraquecer” o poder absoluto da Igreja, indiretamente transformou a Europa num lugar instável politicamente, já que a Igreja era a controladora dos três principais componentes do mundo ético: a religião, a moral e o direito. Assim, o poder absolutista seria a forma mais viá- vel para instaurar a ordem política e religiosa, submetendo desta forma o poder religioso ao político, e não o contrário, como a séculos acontecia. A sujeição incondicional ao monarca era o fator determinante e indispensável para desfru- tar dos direitos concedidos aos cidadãos. Tomas Hobbes rejeitou a divisão da sociedade em “três estamentos: o Clero, a Nobreza e os Plebeus” (COMPARATO, 2010, p. 197). Para o filósofo inglês, a socie- dade é constituída por uma massa uniforme, regida pela força e poder do soberano. O Estado é constituído intencionalmente, formado a partir do contrato social , e não como pensava Aristóteles, que os homens por natureza vivem em socie- dade, logo, o homem seria um “animal político” e, portanto, um ser social por natureza. Segundo Comparato, Hobbes foi o primeiro filósofo ocidental a defen- der a civilização burguesa em detrimento do modelo de sociedade vivido até então nos moldes da Idade Média. Para Hobbes, a civilização é sinônimo de vida urbana, navegação e distribuição de bens, sempre voltada para a paz e a tranquilidade garantida pelo soberano. Portanto, “o Capitalismo encontrava, assim em Thomas Hobbes o seu primeiro grande defensor no campo político” (COMPARATO, 2010, p. 200). CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E112 Hobbes toma da Bíblia, do livro de Jó (caps. 40-41), o símbolo do Estado, como sendo um monstro horrível, invencível, uma espécie de crocodilo, conforme podemos ver no seguinte texto: “Hobbes adota precisamente o nome de “Leviatã” para designar o Estado e também como título simbólico da obra que sintetiza todo o seu pensamento. Mas, ao mesmo tempo, ele também o designa como “deus mortal”, porque a ele (abaixo do Deus imor- tal) devemos a paz e a defesa de nossa vida. Mas a dupla denominação é extremamente significativa: o Estado absolutista por ele concebido é verda- deiramente metade monstro e metade deus mortal (...)”. (REALE; ANTISERI, 2007, Vl. 2, p. 499). Os Filósofos Contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 113 JOHN LOCKE Se as ideias de Hobbes sobre política e religião contribuíram decisiva- mente para a liquidação da sociedade estamental europeia, e abriram caminho à irresistível ascensão nacional e internacional da burguesia, foi somente graças às propostas institucionais de John Locke que a civi- lização burguesa e o correspondente modo de vida capitalista puderam se afirmar em todo mundo. Para tanto, muito serviu a excepcional capacidade de persuasão desse propagandista nato, aliada à clareza e precisão de suas propostas em matéria constitucional. Suas ideias influíram, poderosamente, no espí- rito do próceres da independência dos Estado Unidos. [...] Ora, a grande divergência entre Hobbes e Locke estabeleceu-se não acerca de questões menores da vida ética, mas sobre o seu próprio fun- damento. Para Hobbes, quer em matéria religiosa, quer em assuntos profanos, o fundamento de todos os deveres do comportamento huma- no é a decisão de uma autoridade superior ao comum dos homens, um soberano situado acima deles, fonte da legitimidade política, e ao qual todos devem submeter-se. Para Locke, ao contrário, é preciso distin- guir três sortes de leis: a divina, a civil e a lei por ele chamada de opinião ou reputação (COMPARATO, 2010, p. 209). John Locke nasceu na Inglaterra. Pertencia a uma família burguesa, donde se jus- tifica a sua boa educação como filósofo, médico e político. Seu pai, na revolução de 1648, lutou ao lado dos puritanos. A Inglaterra sofreu profundas transfor- mações políticas desde o reinado de Henrique VIII, o qual começou a reinar em CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E114 1509 d.C. Henrique VIII, “um católico fiel à Igreja”, chegou a escrever em 1521 um folheto contra Lutero, o que lhe valeu o título de “defensor da fé” (SEFNER, 1993, p. 51). Contudo, essa relação amigável e política com a Igreja romana não durou muito tempo, haja vista que o Henrique VIII havia se casado com a prin- cesa espanhola Catarina de Aragão, que era viúva de seu irmão Artur, o qual faleceu pouco tempo após o casamento com essa princesa. Como Catarina de Aragão não “conseguiu” lhe dar filho homem para suceder-lhe o trono, Henrique pediu ao papa Clemente VII que anulasse o seu casamento com Catarina para que pudesse casar-se com Ana Bolena. A recusa do Papa (por questões políticas, porque Catarina de Aragão era tia do sacro imperador germânico Carlos V) levou Henrique VIII, a apelar por outros meios que lhe pareceram convenientes. Em 1533, conseguiu que Thomas Cranmer (1489-1556), nomeado arcebispo de Cantuária, tornasse nulo seu casa- mento. No ano de 1534, o parlamento aprovou o Ato de Supremacia, que aprovava a desvinculação da Igreja Católica da Inglaterra de Roma, e o rei foi declarado “Protetor e Único Chefe Supremo da Igreja da Inglaterra”, donde viria a surgir a Igreja Anglicana. O mundo onde John Locke estava inserido historicamente viveu essas pro- fundas transformações políticas e religiosas, tanto nos seus dias, como nos anos que tão perto o antecederam. Locke, diferentemente de Hobbes, diz que o Estado está fundamentado na razão e não no instinto selvagem como dizia Hobbes (REALE; ANTISERI, 2007, VL2, p. 523). John Locke, assim como defendeu a teoria de que os seres humanos não pos- suem ideias inatas (conhecimento inato), também defendeu a teoria de que no campo político não há poder inato, como o conhecidíssimo “direito divino” tão difundido e defendido durante a Idade Média. Locke defende a ideia do “con- trato social” entre os homens, já que, antes do contrato, os homens viviam em Estado de natureza. Diferentemente de Hobbes, para quem os homens viviam em constantes guerras e atos de violência, para Locke o problema dos homens era que cada um legislava em causa própria, atitude política que não pode fun- cionar bem em nenhum tipo de sociedade. Para solucionar esse problema, os homens deveriam se reunir e instituir um contrato, no qual delegariam pode- res a um grupo que os representaria, como numa espécie de corpo legislativo. Os Filósofos Contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 115 O filósofo do liberalismo político, ou seja, contra o direito divino dos reis, defende a ideia de que o indivíduo tem direito a sua propriedade privada, como bens ou ainda o próprio corpo, que, na visão de Locke, é o maior dos bens. No entanto, o liberalismo político e burguês de Locke pode ser dúbio, haja vista que os burgueses podem interpretar o direito ilimitado à propriedade privada como uma benção divina, logo, gerando uma desigualdade social (JACY MONTEIRO, 1978, p. 50-52). E assim, sem supor qualquer domínio privado ou propriedade em Adão sobre o mundo inteiro excluindo todos os outros homens, o que não se pode de modo algum provar, nem daí derivar a propriedade de qualquer pessoa; mas supondoo mundo dado, como o foi, aos filhos dos homens em comum, vemos como o trabalho pode dar aos homens direitos distintos a várias parcelas dele para uso privado, nos quais não haveria qualquer dúvida de direito nem lugar para controvérsia. [...] De tudo isso, é evidente que, embora a natureza tudo nos ofereça em comum, o homem, sendo senhor de si próprio e proprietário de sua pessoa e das ações ou do trabalho que executa, teria ainda em si mes- mo a base da propriedade; e o que forma a maior parte do que apli- ca ao sustento ou conforto do próprio ser, quando as invenções e as artes aperfeiçoaram as conveniências da vida, era perfeitamente dele, não pertencendo em comum a outros. [...] Assim, no começo, todo o mundo era como a América, mais ainda do que o é; porque em parte alguma se conhecia o que fosse dinheiro. Descubra-se algo que tenha uso e o valor do dinheiro entre os vizinhos, e ver-se-á o mesmo homem começar imediatamente a ampliar o que possui (JACY MONTEIRO, 1978, p. 50; 51; 53). Além do corpo como propriedade privada, Locke também defende a ideia que o direito à religião também deve ser conservado. Segundo Comparato (2010, p. 212), a religião não é questão de ordem pública, mas pertence ao indivíduo e à família. Mesmo que a confissão de fé do indivíduo ou da família não tenha relação direta com o Estado, este tem o dever de garantir e ser tolerante com a liberdade religiosa de cada indivíduo, e não como argumentou Hobbes, segundo o qual todos os súditos devem ter a mesma religião do soberano. Sobre o direito à religião, Comparato (2010, p. 214), citando Locke, assim discorre: CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E116 As autoridades civis não têm o direito de proibir a pregação ou a prática de nenhuma opinião especulativa, quando tais pregações ou práticas não dizem respeito aos direitos civis dos súditos. “Se um católico roma- no acredita que aquilo que se chama pão é realmente o corpo de Cristo, ele não causa nenhum dano ao seu vizinho. Se um judeu não acredita que o Novo Testamento é a Palavra de Deus, ele não atenta contra os direitos civis dos homens. Se um pagão duvida de ambos os Testamen- tos, nem por isso deve ser punido como se fora um cidadão pernicioso.” Segundo Locke, comentado por Comparato (2010), mesmo que a manifestação religiosa seja uma “idolatria”, ela não deve ser reprimida, uma vez que pecados como cupidez, falta de amor e preguiça, não são considerados faltas diante dos magistrados. Portanto, todo indivíduo, independente da religião, cor da pele ou dos olhos, deve ser tratado e ter os mesmo direitos que os demais. Por outro lado, mesmo que as autoridades civis permitam o divórcio, devem respeitar as leis religiosas que não o permitem, uma vez que as leis civis são distintas das leis religiosas no quesito fé. Contudo, segundo Comparato, Locke apesar de pregar a tolerância, defende a ideia que o ateísmo não deve ser tolerada, o que vai na contramão de suas ideias expostas até aqui. Os Filósofos Contratualistas: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rosseau Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 117 JEAN-JACQUES ROSSEAU O primeiro que, havendo cercado um terreno, teve a ideia de dizer isto me pertence, e encontrou gente bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e homicídios; quantas misérias e quantos horrores não teria poupado ao Gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou aterrando os valados, tivesse gritado aos seus semelhantes: Não ouçam esse impos- tor; vocês estarão perdidos, se esquecerem de que os frutos pertencem a todos e de que a terra não pertence a ninguém (COMPARATO, 2010, p. 236). J. J. Rosseau (1712-1778) era proveniente de família calvinista, nasceu em Genebra e por volta de 30 anos de idade mudou para Paris. Foi amigo de Diderot, filó- sofo iluminista. Escreveu as obras: Discurso da Desigualdade Entre os Homens e Do Contrato Social, além da obra Emilio, na qual trata sobre a educação, embora tenha colocado os cinco filhos no orfanato. Diferentemente de Hobbes, para o qual o homem nasce mau, para Rosseau os homens são bons por natureza. A pergunta de Rosseau, conforme o profes- sor Rodrigo Brandão (2009, p. 570), é como surgiu a desigualdade social entre os homens. Para Rosseau, conforme Rodrigo Brandão(2009), existem dois tipos de desigualdade entre os homens: a primeira natural ou Física, e a segunda entre moral e política. A primeira refere-se à força, à agilidade, à altura e às capacidades CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E118 mentais. A segunda refere-se às diferenças sociais, como a diferença entre ricos e pobres ou entre opressores e oprimidos. Segundo Rosseau, no estado de natureza, os homens viviam de forma isolada, longe do convívio social ou tendo-o de forma esporádica. Contudo, começaram a se juntar, mas sem formar uma sociedade consolidada. Rosseau fala de um pacto entre os homens, no entanto, este é enganoso, uma vez que ele é proposto pelos ricos, ou seja, a propriedade privada pertence sempre aos poderosos, e aos pobres reservam-se sempre a escravidão e servidão involuntária. Da mesma forma que Hobbes e Locke, Rosseau descreve o seu Contrato Social, o qual se dá entre o indivíduo e o soberano. Contudo, o soberano de Rosseau, diferente de Hobbes e Locke, não é um indivíduo ou um grupo, mas o próprio povo, haja vista que no contrato de Rosseau o povo é soberano. Após o contrato, os homens são livres, mas não como eram no estado de natureza, dora- vante, após o contrato, a liberdade dos homens está sujeita à vontade da maioria da sociedade civil. O homem nasceu livre e se encontra a ferros por toda a parte, aquele que se crê senhor dos outros, e não deixa de ser mais escravo do que eles. Como essa mudança ocorreu? Eu ignoro. O que pode torná-la le- gítima? Eu creio poder resolver a questão. [...] Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de base a todos os outros. No momento, entanto, esse direito não vem da natureza; ele é, portanto, fundado sobre convenções. Antes disso, devo estabelecer o que acabo de afirmar. [...] A fim de não constituir, então um formulário inútil, o pacto social contém tacitamente este compromisso, o único que poderá dar forças aos outros, que aquele que se recusar a obedecer à vontade geral, a isto será constrangido por todo o corpo; o que significa apenas que será forçado a ser livre, pois tal é a condição que, oferecendo cada cidadão à pátria, protege-o de toda a dependência pessoal, condição que faz o artifício e o jogo da máquina política, e que sozinha torna legítimas as obrigações civis, as quais, sem isso, seriam absurdas, tirânicas e sujeitas aos maiores abusos (BRANDÃO, 2009, p. 601-604). Para Comparato, o grande mal dos tempos modernos era a civilização burguesa, a qual tinha seus hábitos luxuosos, favorecimento mercantil e criação de desejos artificiais, os quais deveriam ser satisfeitos pelos homens de negócio. O grande Nicolau Maquiavel e a Obra O Príncipe Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 119 mal do ser humano seria então o luxo. Sobre o luxo, Comparato cita o seguinte texto de Rosseau: “O luxo é um remédio porque o mal que pretende curar; ou antes, ele é o pior de todos os males, em qualquer Estado, grande ou pequeno,que possa existir, pois para alimentar multidões de Lacaios e de miseráveis que engendrou, oprime e arruína o lavrador e o cidadão...” (apud COMPARATO, 2010, p. 233). Para Comparato (2010), o filósofo Rosseau foi um crítico mordaz da socie- dade moderna burguesa de sua época, e defendia que tal combate seria possível se o serviço público prevalecesse sobre o privado. O instrumento contra a desi- gualdade social é a educação e, para que isso se consolide, é necessário que a política e a educação estejam intimamente ligadas. Em Emilio, sua obra sobre a educação, Rosseau defende a ideia que é pela e através da educação que os menos favorecidos conseguem se tornar livres e ter condição de igualdade com os demais, ou seja, só há igualdade e liberdade onde todos vivem do seu traba- lho e não da propriedade acumulada, daí a sua crítica à burguesia e ao sistema capitalista. Eis aí as bases da Revolução Francesa sendo lançadas. NICOLAU MAQUIAVEL E A OBRA O PRÍNCIPE Maquiavel nasceu em 1469, na cidade italiana Florença, daí ser conhecido como o filósofo florentino. Quando Maquiavel candidatou-se à chancelaria de Florença, Jerônimo Savonarola já havia instaurado nesta cidade o regime polí- tico Republicano. Segundo o professor Carlo Gabriel Kszan Pancera (2009, p. 418), o conhecidíssimo termo maquiavélico atribuído às pessoas más, astucio- sas, ardilosas, sem dúvida nenhuma tiveram sua origem relacionadas ao nome de Maquiavel. Contudo, é preciso investigar se realmente tais adjetivos pejora- tivos têm alguma relação com a pessoa de Maquiavel, ou seja: era Maquiavel maquiavélico? Para entendermos o pensamento de Maquiavel, faz-se necessário voltarmos ao tempo e situar qual era a verdadeira situação política da Itália na época. Por CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E120 toda a Europa, havia um movimento de centralização do poder político, con- tudo, a Itália permanecia dividida em inúmeros Estados independentes entre si, que na verdade contribuíam mais para a vulnerabilidade política do país do que para a liberdade dos cidadãos. Segundo M. Aranha e M. Martins (2004, p. 233), a Itália sofria com a ganância de outros países como Espanha e França, que rei- vindicavam territórios e assolavam a península com ocupações intermináveis, além dos inúmeros escândalos religiosos e morais no clero romano. Na obra O Príncipe, Maquiavel orienta que o príncipe deve tomar precau- ções tanto com os inimigos externos quanto com os inimigos internos, ou seja, os súditos. Para que o príncipe alcance êxito em seu governo, ele deve ter duas coisas como indispensáveis: a Virtú e a Fortuna. A Virtú é a capacidade de admi- nistrar, força e virilidade, ou seja, o príncipe deve ter “braço forte” para estabelecer a ordem em seu principado. Ele deve ser amado e temido pelos súditos, con- tudo, se não for possível ter as duas coisas, terá que optar pela segunda opção. A Fortuna está relacionada com o acaso, ou como diz um ditado popular; “ao Deus dará”, tal como se as coisas automaticamente, sem a intervenção política, se resolvam da melhor maneira possível. Ao príncipe cabe a função de adminis- trar a cidade, e desta obrigação ele não deve fugir, não deve entregá-la à igreja, visto que religião e política devem estar separadas, ou seja, em questões de polí- tica, quem decide é o príncipe, em questões religiosas, quem decide é a igreja. Sobre a Virtú e a Fortuna podemos ver o que nos diz o próprio Maquiavel em O Príncipe (PANCERA, p. 459): Não desconheço que muitos foram e são de opinião de que as coisas do mundo são de tal modo governadas pela fortuna e por Deus que os homens não podem corrigi-las com a sua prudência; dizem, além de mais, não haver nenhum remédio contra elas. Por isso, julgam que não se deve empenhar muito em tais coisas, mas deixar-se governar pela sorte [...]. Contudo, para que o nosso livre arbítrio não seja eliminado, parece ser verdade que a fortuna seja árbitra de metade de nossas ações, mas também que ela deixa a outra metade, ou quase, ser governada por nós. [...]. De modo semelhante intervém a fortuna que mostra o seu poder onde não está ordenada nenhuma virtú que possa resistir-lhe. Então, volta seu ímpeto para onde sabe que não foram construídos di- ques nem defesas para contê-la. Se vós considerais a Itália, que é o lugar destas variações e a que lhes deu movimento, vereis ser um campo sem diques e sem defesas [...]. A Concepção de Hegel Sobre o Estado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 121 A CONCEPÇÃO DE HEGEL SOBRE O ESTADO Para entender o pensamento de Hegel, faz-se necessário enfatizar que o movi- mento dialético procede-se da seguinte forma: tese, antítese e síntese. Para Hegel, a história é o resultado de um longo processo dialético de fatos acontecidos durante um longo período de tempo. Segundo Comparato (2010), Hegel parte do postulado formado por Fichte e Shelling, onde o ser só se afirma a partir de seu contraditório, como nos diz Heráclito, citado por Comparato (2010, p. 306): “o conflito é o pai de todos os seres, o rei de todos eles”. A Filosofia de Hegel, por- tanto, pode ser vista como uma tríade dialética, ou seja, tese, antítese e síntese. Na obra Filosofia do Direito, Hegel desenvolve sua dialética ou teoria sobre o Estado e também critica os filósofos contratualistas. Segundo Hegel (apud ARANHA; MARTINS, 2004, p. 255), o Estado é uma síntese dos interesses contraditórios dos indivíduos que vivem em sociedade. Essa síntese se dá da seguinte forma: a família é a síntese dos interesses contraditórios dos indivíduos, enquanto que a sociedade civil é a síntese que supera as divergências entre as diversas famí- lias (Hegel foi o primeiro filósofo a usar o termo sociedade civil). Já o Estado é o fundamento da sociedade, ele representa a unidade final dos interesses dos indivíduos das famílias e da sociedade civil. Hegel foi um filósofo que exerceu grande influência na Filosofia de seu tempo e nos filósofos posteriores a ele. Entre os seguimentos da Filosofia influenciada CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E122 por Hegel, temos os hegelianos de direita, que mantêm a Filosofia idealista de seu mestre, e os hegelianos de esquerda (Feuerbach, Marx e Engels), que trans- formaram o idealismo hegeliano em materialismo, como veremos mais adiante. Para melhor entendermos o pensamento de Hegel, melhor é citarmos trechos de seus próprios escritos: “O homem tem uma existência conforme a razão somente no Estado. O fim de toda educação é a de que o indivíduo não permaneça como um ser subjetivo, mas que ele se torne objetivo no Estado. Um indivíduo pode muito bem fazer do Estado um meio para alcançar isto ou aquilo. Mas o verdadeiro é que cada um queira a coisa mesma e elimine o que é inessencial. Tudo o que o homem é ele o deve ao Estado; é somente nele que o homem tem a sua essência. Todo o valor que o homem pos- sui, toda efetividade espiritual, ele somente as possui pelo Estado [...]. Somente assim ele é consciência, somente assim ele está no costume ético; da vida jurídica e ética do Estado. Porque o verdadeiro é a uni- dade da vontade universal e da vontade subjetiva, e o universal está no Estado, nas leis, nas determinações universais e racionais... O Estado é a vida ética efetiva e existente, pois ele é a unidade do querer universal e essencial e do querer subjetivo, e esta unidade constitui a vida ética. O indivíduo que vive numa tal unidade tem uma vida ética e um valor que consiste apenasnesta substancialidade” (RAMOS, 2009, p. 331). “O Estado não é, de maneira nenhuma, um contrato (veja-se § 75), nem a sua essência substancial é tão incondicionadamente a proteção e a garantia da vida e da propriedade dos indivíduos enquanto singulares, ao contrário, ele é uma instância superior, que reclama essa vida e essa propriedade, e exige o seu sacrifício” (RAMOS, 2009, p. 336). Para Hegel, na obra Fenomenologia do Espírito, o filósofo se propõe a uma dupla tarefa: por um lado, conduzir a consciência ingênua ao saber filosófico; por outro, fazer a consciência singular sair de seu pretenso isolamento, de seu ser-para- si exclusivo, para elevá-la ao espírito. É necessário desvelar no próprio seio de seu ser-para-si sua relação ontológica com outros seres-para-si. Assim, a cons- ciência de si singular se elevou à consciência de si universal por meio da luta pelo reconhecimento da oposição entre senhor e escravo (conforme vimos na unidade II), da consciência infeliz, que, por fim, alienando a subjetividade, nos conduziu à razão. A Concepção de Hegel Sobre o Estado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 123 Segundo Hegel, o espírito dizendo que a razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo e do mundo como de si mesma. O vir-a-ser do espírito, mostrou-o o mo- vimento imediatamente anterior, no qual o objeto da consciência – a categoria pura – se elevou ao conceito da razão (HEGEL, 2003, p. 304). A experiência da consciência, incluindo a razão, chegava somente à consciência espiritual. Agora, a substância consciente de si mesma é um espírito que é um mundo: mundo efetivo e objetivo, mas que perdeu toda a significação de algo estranho (como também o si perdeu o significado de um “para-si” separado desse mundo). As figuras anteriores são abstrações do espírito, analisando-se em seus momentos singulares. Assim, o espírito é consciência, quando na análise de si mesmo retém somente seu momento do em-si ou do ser. É consciência-de-si ao fixar-se somente no momento contrário, no ser-para-si. É razão, quando une o ser-em-si e o ser-para-si na categoria (identidade do ser e do pensar) – mas só é espírito em sua verdade quando se institui como razão que é, nela se efetiva e constitui seu mundo. A razão já era a consciência de si universal, mas só em potência, não em ato. Em ato, essa razão se torna um mundo, o mundo do espírito ou da história humana. Nessa história, porém, o espírito deve saber-se a si mesmo, progredir da verdade à certeza. O espírito é um “nós”. O “Eu existo” de uma consciência de si só é possível por meio de um outro “Eu existo”, e é uma condição de meu pró- prio ser que um outro seja para mim e que eu seja para um outro. Não sou para mim mesmo senão ao me tornar objeto para um outro. Como espírito, a razão se tornou o nós, já não é a certeza subjetiva de se encontrar imediatamente no ser, ou de por a si mesma pela negação desse ser, mas se sabe como esse mundo, o mundo da história humana, e, inversamente, sabe esse mundo como sendo o Si. Para Hegel (2003, p. 306), “o espírito é a vida ética de um povo”. O desenvol- vimento dialético desse mundo em três tempos – o espírito imediato, o espírito estranho a si mesmo, o espírito certo de si mesmo – corresponde a três perío- dos da história universal – o mundo antigo (Grécia e Roma), o mundo moderno (do Feudalismo à Revolução Francesa) e o mundo contemporâneo (aquele de Napoleão e da Alemanha no tempo de Hegel). O homem real é sempre um ser CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E124 social, isto é, político e histórico: vive e age dentro de um Estado, e seus atos criam a história. Esse homem que vive em sociedade, através de sua ação cole- tiva cria o Estado e o transforma pela negação sucessiva das diferentes formas de sua realização. Essa transformação do Estado, e, portanto, do homem-cida- dão, é a história universal. O Estado já não pode ser apenas o Estado substancial da cidade antiga, tor- nou-se um espírito certo de si mesmo, e exprime-se na ação histórica de um Napoleão1, enquanto que ainda num mundo burguês (oposto ao cidadão) em que cada um, ao crer trabalhar para si, trabalha para todos. O que caracteriza o primeiro momento do espírito, o momento da imediatez, é que nele o Si ainda não aparece como a potência do negativo que se opõe a ser: a consciência de si ética, a de Antígona ou de Creonte, adere imediatamente a sua ação, ao conte- údo que pretende atualizar. Hegel descreve aqui a Cidade antiga, e o declínio desta cidade será representado segundo a tragédia antiga. A família como conceito carente-de-consciência, e ainda interior, se contrapõe à efetividade do povo, se contrapõe ao povo mesmo; como ser ético imediato se contrapõe à eticidade que forma e se sustém me- diante o trabalho em prol do universal: os Penates se contrapõem ao espírito Universal (HEGEL, 2003, p. 310). A lei humana corresponde às leis explícitas da Cidade, à vida social e política de um povo; a lei divina corresponde aos Penates (deuses da família), isto é, à família que é como o germe e possibilidade do mundo, a qual virá a ser concre- tizada no Estado. O Estado é obra dos cidadãos; em sua necessidade abstrata, ainda não se tornou o destino deles. Portanto, a divisão da substância em lei humana e lei divina, lei manifesta e lei oculta se efetua em virtude do movimento da cons- ciência que não capta o ser se não por contraste com um outro, haure a figura do consciente no fundo de um elemento inconsciente. Lei humana e lei divina, Cidade dos homens e família são outros um para o outro, e, no entanto, com- plementares. A lei humana exprime a operação efetiva da consciência de si, e a 1 Napoleão para Hegel, era a figura Universal do Estado absoluto. Mais tarde, Hegel conclui que não poderia ter sido ele o absoluto, uma vez que ele não tinha consciência que era, e se não tinha tal consciência, logo não era. A Concepção de Hegel Sobre o Estado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 125 lei divina tem, portanto, a forma da substância imediata ou da substância posta somente no elemento do ser: uma já é a operação, a outra é fundo sobre o qual a operação se destaca e no qual emerge. Nenhuma das duas leis é unicamente em si e para si. A lei humana, em seu movimento vital, procede da lei divina; a lei vigente sobre a ter- ra, da lei subterrânea; a lei consciente, da inconsciente; a mediação da imediatez: - e cada uma retorna, igualmente, ao ponto donde procede. A potência subterrânea, ao contrário, tem sobre a terra sua efetividade: mediante a consciência torna-se ser-aí e atividade (HEGEL, 2003, p. 317). A família é a substância da vida ética como pura e simples imediatez, isto é, como natureza. Aqui, a constituição (grega) democrática é a única possível: os cidadãos ainda não têm consciência do particular, nem, por conseguinte, do mal; neles não está esfacelada a vontade objetiva. “Só uma constituição democrática pode- ria ser apropriada para esse espírito e para esse Estado. Vimos o despotismo, em magnífica proporção, como uma configuração adequada ao oriente. Não menos adequada é a forma democrática na Grécia, como determinação histórico mun- dial. Na verdade, a liberdade do indivíduo existe na Grécia, mas ainda não atingiu a concepção abstrata de que o sujeito pura e simplesmente depende do substan- cial– do Estado como tal. Na Grécia, a vontade individual é livre em toda a sua vitalidade, segundo a sua particularidade e a atuação do substancial. Em Roma, veremos, ao contrário, o rude domínio sobre os indivíduos; assim como no impé- rio germânico, uma monarquia na qual o indivíduo tem obrigações a cumprir, não apenas para com o monarca, mas também em relação a toda organização monárquica.” (HEGEL, 1999, p. 210). Nos gregos reinava o hábito de viver para a pátria. Seu fim era a pátria viva, aquela Atenas, aquela Esparta, aqueles templos e altares, aquela maneira de viver em conjunto, aqueles hábitos e costumes. Para o grego, a pátria era uma necessidade fora da qual ele não podia viver. Em resumo, os momentos da essência ateniense eram a independên- cia do indivíduo e sua formação, animada pelo espírito de beleza. Por intermédio de Péricles, foram esses eternos monumentos da escultura, cujos poucos restos assombraram o mundo posterior (Hegel, 199, p. 218). O cidadão antigo era livre à medida que se confundia com a Cidade, na proporção CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E126 que a vontade do Estado não era distinta de sua vontade própria. Ignorava, então, tanto o limite de sua individualidade como a coerção externa de um Estado domi- nador. No entanto, a Cidade – espírito imediato – se dissolveu sob a ação das guerras. Um imperialismo nivelador lhe sucedeu. O cidadão como tal desapa- rece, e em seu lugar surge a pessoa privada. O indivíduo se redobra em si mesmo. Assim, Atenas deu uma demonstração de ter sido um Estado que ba- sicamente viveu para a beleza e que tinha consciência formada sobre a seriedade dos assuntos públicos e sobre os interesses do espírito e da vida humana, ligados à valentia audaz e à atitude prática e hábil (HE- GEL, 1999, p. 219). Para concluir, podemos dizer que a Filosofia de Hegel é um sistema dinâmico, ou seja, a dialética é a própria vida, e sendo um ser que vive, somos obrigados a pensar de forma dialética. Comparato assim resume o Espírito em Hegel: O espírito subjetivo é por si a Alma; para si, a consciência; em si e para si, espírito. O espírito objetivo, que corresponde ao mundo da cultu- ra, é por si direito, para si, costumes (sitten); em si e para si, moral (moralität). O espírito absoluto é por si arte; para si, religião revelada (obviamente o Cristianismo); em si e para si, Filosofia (COMPARATO, 2010, p.309). O Estado em Hegel, apesar de possuir características idealistas, não deixa de ser dinâmico e um organismo vivo. O Estado é a encarnação do espírito do povo, é um todo ético organizado. Em Hegel, a vida do espírito culmina no estado, o qual é o ápice, a expressão maior do espírito objetivo, entretanto, de forma dialética, o espírito absoluto está acima do espírito objetivo, onde de forma hierárquica podemos colocar em graus a Arte, a Religião e a Filosofia. Segundo o historiador da Filosofia Michael Inwood (1997, p. 125), para Hegel não há, portanto, um contraste entre o Estado e o indivíduo, uma vez que a relação entre ambos é sempre mediada por várias instituições, por exemplo, a família. Para Hegel, o Estado é a “marcha de Deus na terra”, logo, algo sublime. Segundo Inwood, Hegel foi influenciado pela Filosofia de Platão e Aristóteles sobre a formação e consolidação do Estado, logo não é possível uma vida fora do Estado. Portanto, no pensamento de Hegel, o individualismo sempre repre- senta perigo para o Estado, uma vez que este (o Estado) significa a união de todos os indivíduos. Karl Marx: Conflitos Entre a Burguesia e o Proletariado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 127 KARL MARX: CONFLITOS ENTRE A BURGUESIA E O PROLETARIADO Os filósofos até agora limitaram-se em interpretar diversamente o mundo; trata-se agora de mudá-lo. (Karl Marx) KARL MARX E A SOCIEDADE CAPITALISTA DO SÉCULO XIX Karl Heinrich Marx (1818-1883) nasceu em Trier na Prússia e era de família judaica que havia se convertido ao Cristianismo, possivelmente devido às per- seguições aos judeus. Marx viveu num período de lenta transição do Feudalismo para o Capitalismo. Segundo o professor Jairo Marçal (2009, p. 463), Marx, aos dezesseis anos, foi estudar em Berlim, onde durante quatro anos esteve CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E128 mergulhado nos estudos de Filosofia. A família de Marx não pode ser tomada como exemplo de vida e de valores, como costumamos idealizar e venerar os nossos “heróis”. Apesar das dificuldades financeiras da família para sobreviver em Londres, tanto Marx como sua esposa (Jenny) preocupavam-se em manter as aparências de um típica família aristocrática do século XIX. Mesmo diante de uma situação econômica caótica, sempre necessitando do socorro financeiro do amigo e industrial Engels, Marx nunca dispensou os préstimos de ter duas empregadas domésticas em casa, como nos diz Leandro Konder, citando Yvone Kapp sobre tal situação: “afinal, era a família de um profissional liberal e não lhe passava pela cabeça viver como uma família operária...” (KONDER, 1992, p. 29). Marx também contestou o namoro de sua Laura com o jovem cubano Paul Lafargue, visto que a situação econômica do rapaz não era das melhores. Para tanto, Marx usou os gestos carinhosos em público do rapaz para com sua filha como um pretexto para repreendê-lo com veemência e em tom ameaçador: “Se você, quando está em na companhia dela, não souber amá-la de uma maneira que se compatibilize com o meridiano de Londres, precisará se resignar a amá- -la de longe. A bom entendedor, meia palavra basta” (KONDER, 1992, p. 29). É claro que não podemos tomar a vida pessoal de um intelectual e fazer dela o nosso modo de vida. Como exemplo disso, já vimos que Rosseau, apesar de ser considerado um marco histórico na Filosofia da educação, não pode ser consi- derado um exemplo pessoal de como cuidar dos filhos, uma vez que o mesmo deixou seus filhos confinados em um orfanato. Mas a questão mais curiosa sobre a família de Marx diz respeito ao nascimento de seu filho Frederick Demuth com a sua empregada doméstica Hélene Demuth, também chamada de “Lenchen”. Por muito tempo a história foi encoberta, devido aos ciúmes e suspeitas de sua esposa. Para encobrir o fato, teria Engels assumido a paternidade da criança, para que o casamento de Marx não viesse a entrar em crise. Engels, contudo, não criou o menino, mas entregou-o aos cuidados de uma família de proletá- rios de Londres e pagou-lhes uma pensão pelos cuidados dispensados à criança. A história da paternidade de Marx em relação a Frederick só se tornou pública quando Engels estava no leito de morte e mesmo impossibilitado de falar, escre- veu com um giz de cera em uma lousa que “Marx era o pai do filho de Lenchen” (KONDER, 1992, p. 30). Segundo Yonne Kapp, citada por Konder (1992), tal Karl Marx: Conflitos Entre a Burguesia e o Proletariado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 129 situação levou Eleanor, a filha menor de Marx, às lágrimas, não pelo adultério de seu pai, mas porque o mesmo não demonstrou nenhum gesto de bondade em relação ao filho, e que o grande responsável pelo mal causado a Freddy (como era chamado Frederick), era o seu próprio pai. O egoísmo e “covardia” de Marx só podem ser compreendidos se levarmos em consideração o mundo e a época em que o filósofoestava inserido, ou seja, na sociedade capitalista do século XIX, e ele, mesmo sendo de pensamento e ideologia contrastante com o seu mundo, não deixava de ser um “filho” da cultura de seu tempo. MARX: A INFLUÊNCIA DE HEGEL E A CRÍTICA À RELIGIÃO Marx foi influenciado pela Filosofia de Hegel, assim como boa parte dos jovens de sua época2. Como os demais jovens hegelianos de esquerda, Marx acreditava que o Estado hegeliano não poderia permanecer numa perspectiva idealista, e muito menos admitir em suas bases a religião, que para os jovens de esquerda era a pura alienação. Karl Marx discorda da visão política de Hegel, uma vez que para este a questão da soberania política pertence ao Estado, enquanto que para Marx a soberania é do povo. Para entendermos Marx, como já foi dito anteriormente, devemos voltar ao mundo no qual ele estava inserido (Europa, século XIX). Segundo Leandro Konder, Marx, assim como praticamente todos os intelectuais de sua época, acreditava na superioridade da cultura europeia sobre as demais, principalmente sobre os povos da África, América e “longínquas” regiões da Ásia, os quais Hegel já havia classificado como “povos sem história”. Karl Marx não escapou das influências culturais de sua época. De fato, Konder, citando Marx quando este refere-se a Simón Bolívar, assim descreve o pensamento eurocêntrico do filósofo alemão (KONDER, 1992, p. 20): Marx avalia a ação de Bolívar à luz de preocupações uniliteralmente européias, condenando o “Libertador” como uma variante “miserá- 2 Segundo Raymond Aron, é possível apresentar um Marx hegeliano a ponto de ver nos escritos de antever um “Hegel marxista”. Essa mistificação pode ser observada segundo Aron por A. Kojève, que interpreta um Hegel marxizado e fiel à obra de Marx de forma indubitável. Por outro lado, para quem não aprecia Marx como G. Gurvitch, segundo Aron Marx pode ser interpretado com um anti-hegeliano, uma vez que para Hegel o devenir histórico é apenas um processo do espírito, enquanto que para Max o processo é dialético histórico, porém materialista (ARON, 2002, p.230). CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E130 vel” do bonapartismo, apoiando-se em inimigos declarados de Bolívar (como Hippisley e Ducudray) e fazendo abstração do papel essencial desempenhado pelo dirigente político à causa – decisiva! – da indepen- dência sul-americana. Karl Marx escreveu com Friedrich Engels (1820-1895,) entre outras obras, o Manifesto Comunista e a Ideologia Alemã. Ambos observaram que a sociedade caminha dividida: de um lado a burguesia, que a cada dia aumentava seu poder e riqueza, e do outro lado a classe operária, que a cada dia era explorada e escra- vizada. A teoria de Marx pode ser dividida em duas correntes: o materialismo dialético e o materialismo histórico. Marx herdou de Hegel a dialética, processo pelo qual se faz necessário negar a negação para que se possa chegar à síntese. Por intermédio de exemplos extraídos do pensamento de Engels, o amigo e “mantene- dor de Marx”, Raymond Aron explica a negação da negação da seguinte maneira: se negamos A, temos menos A2, que é a negação da negação. O mesmo acontece no universo humano: o regime capitalista é a negação do regi- me de propriedade feudal; a propriedade pública do Socialismo será a negação da negação, isto é; a negação da propriedade privada (ARON, 2002, p. 244). Através deste processo dialético, podemos entender o pensamento de Marx. O materialismo dialético de Marx contrasta com a Filosofia idealista de Hegel, no entanto, como dito acima, Marx absorveu a dialética de Hegel. Em Marx, “os fenô- menos materiais são processos”. Além disso, o espírito não é um agente passivo da ação da matéria, pelo contrário, age de forma ativa sobre ela. O materialismo histórico, por sua vez, é a dialética aplicada na história, isto é, a história é expli- cada por fatores científicos, materiais e econômicos. O jovem Marx inicia sua Filosofia com a visão materialista de Feuerbach, mas em pouco tempo a supera uma vez que, para Marx, o homem não pode ser compreendido fora da sociedade na qual vive. De Hegel, Marx absorve a dimen- são histórica da vida humana, contudo, rejeita seu idealismo. Segundo Engels, Marx pegou a dialética de Hegel e colocou-a com a cabeça para cima, ou seja, aquilo que tinha sido fundamento através de seus pensamentos foi colocada de volta a seus pés. Ao contrário da Filosofia Alemã, que desce do céu para a terra, aqui há uma elevação da terra para o céu; em outras palavras, não se parte Karl Marx: Conflitos Entre a Burguesia e o Proletariado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 131 daquilo que os homens dizem, imaginam, se representam, nem tam- pouco do que se diz, se pensa, se imagina, e se representa a respeito deles, para daí chegar ao homem de carne e de osso; é a partir dos ho- mens que agem realmente e de seu processo de vida real, que se expõe o desevolvimento dos reflexos e dos ecos ideológicos desse processo. As formações brumosas do cérebro humano são, elas também, sublimados necessários do processo material de sua vida, empiricamente verificável e ligado a circunstâncias materiais prévias. Em consequência, a mo- ral, a religião, a Metafísica e todas as demais ideologias assim como as formas de consciências que lhes correspondem, não têm história nem desenvolvimento; são, ao contrário, os homens que, ao mesmo tempo que, desenvolvem sua produção e sua acumulação materiais, transfor- mam, com essa realidade que lhes é própria, tanto o seu pensamento, quanto os produtos deste. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. Na primeira concepção, parte-se da consciência enquanto indivíduo vivo; na segunda, que corresponde à vida real, parte-se dos próprios indivíduos, reais e vivos, e considera- se a consciência unicamente como a deles próprios. (COMPARATO, 2010, p. 331-332). Segundo Marx, a crítica da religião já estava concluída na Alemanha, portanto, é o homem que faz a religião e não o contrário. Marx define a religião como sendo uma espécie de projeção do mundo sensível para o mundo inteligível, ou seja, da terra para o céu. Também considera a religião como mera ilusão, logo, o “ópio do povo”. Com Feuerbach, vemos que a religião é o comportamento do homem que o torna diferente dos animais. Para Feurbach, aquilo que o homem atribui a Deus, na ver- dade, se refere ao próprio homem o qual, ao agir assim, destrona Deus e entroniza o próprio homem, como percebemos nas palavras de Urbano Zilles (1991, p. 125): Marx está em oposição a Hegel. Situa-se do lado de Feuerbach. Dele aceitou não só o materialismo, mas também a crítica da religião. Marx crê que Feuerbach concluiu essa crítica na Alemanha. [...]. enquanto, para Feuerbach, a religião permaneceu tema polêmico durante toda a vida, para Marx o ateísmo é um postulado evidente, tão evidente que dispensa qualquer investigação mais séria de sua parte. Deus não passa de uma projeção do homem. Marx sequer examina seriamente qual- quer hipótese. Por isso, religião não passa de produção e alienação do homem. O homem cria a religião. Marx quer detectar as causas que ge- ram o conflito originariamente da religião e superá-las, destruindo-as. Não podemos esquecer que a crítica ao Cristianismo de Marx refere-se primei- ramente ao Cristianismo burguês de sua época. No entanto, segundo Konder, CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E132 Marx não teria defendido a ideia da eliminaçãoda religião, como mais tarde se pregou na União Soviética. Para Marx, a religião era o reflexo da sociedade e, portanto, fazia parte do processo da transformação. A religião, na visão de Marx, seria suprimida quando o Estado tornasse-se comunista, ou seja, se o Estado também fosse suprimido, ou melhor, extinto, a religião também automatica- mente se extinguiria, já que as pessoas não precisariam mais dela. Além disso, conforme Urbano Zilles (1991), existiam algumas perguntas a serem respondi- das pelo Socialismo Marxista sobre, por exemplo, a promessa de um “paraíso futuro” aqui na terra. Como o Socialismo pretende tal coisa? A religião é ape- nas símbolo de opressão e miséria social? E, por fim, por que perseguir algo que está condenado a se autodestruir? Ou ainda, como Konder, pode-se indagar: por que Marx e também Engels acreditavam que a sociedade não iria mais precisar da religião ao tornar-se comunista: “por que ninguém”? (KONDER, 1992, p. 54). Aquilo que Marx e Feurbach teorizaram Lênin levou ao extremo, ou seja, pro- curou o extermínio da religião, porém sem um sucesso efetivo. Segundo Reale e Antiseri (2007, Vl3, p. 790), a pensadora Rosa de Luxemburgo afirma que Lênin errou completamente devido aos meios que usou para impor, de forma ditato- rial, decretos e poderes, de tal maneira que privou a liberdade de imprensa e de reunião, tornando a vida apenas como uma aparência, ou seja, prevaleceram a burocracia e o governo de uma minoria, sem a participação das massas. A LUTA DE CLASSES: BURGUESIA E PROLETARIADO No que me concerne, não me cabe o mérito de nem de ter descoberto a existência das classes nem a da luta de classes na sociedade moderna. Muito antes de mim, historiadores burgueses tinham descrito o desenvol- vimento histórico da luta de classes e economistas burgueses tinham re- presentado sua anatomia econômica. O que fiz de novo foi: 1) provar que a existência das classes está ligada a determinadas fases históricas do de- senvolvimento da produção; 2) que a luta de classes leva necessariamen- te à ditadura do proletariado; 3) que essa ditadura, ela mesma, constitui apenas a transição [Übergang] para a superação [Aufhebung] de todas as classes e para uma sociedade sem classes (KONDER, 1992, p. 44). Karl Marx: Conflitos Entre a Burguesia e o Proletariado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 133 A Filosofia da Marx não se restringe apenas à crítica da religião, mas tem como “cerne” luta de classes, ou seja, o contraditório entre burguesia e proletariado. Uma definição para burguês pode ser a de um indivíduo mergulhado em seus interesses particulares, aquele que se opõe ao cidadão, aquele que calcula sempre uma vantagem. Portanto, ser burguês significa ter a vida centrada em si mesmo. O proletariado é a negação total da sociedade burguesa. Tal contradição pode ser vista no Capitalismo, que defende o direito à propriedade privada. No entanto, o proletário não possui propriedades. Assim, nas sociedades capitalis- tas, a liberdade do indivíduo está relacionada ao produto do trabalho, que é a mercadoria, e isso não permite que o proletariado seja livre. Segundo Marx, a Burguesia, através da exploração do mercado mundial, deu um caráter cosmopolita para a produção e consumo em todos os países. Os preços baratos de suas mercadorias são uma artilharia pesada com a qual derru- bam até mesmo a muralha da China. Ela tornou países “bárbaros” dependentes de países civilizados, nações de camponeses dependentes de nações burguesas, o oriente dependente do ocidente. Aglomerou populações, centralizou meios de produção e concentrou a propriedade privada em poucas mãos, conforme pode- mos ver no Manifesto Comunista de Marx e Engels (1998, p. 20): A indústria moderna converteu a pequena oficina do mestre patriar- cal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de trabalhado- res comprimidos nas fábricas são organizados como tropas. Como soldados do exército industrial, são colocados sob o comando de uma hierarquia perfeita de oficiais e sargentos. Não somente escravizados pela máquina, pelo supervisor e, acima de tudo, pelo próprio indivíduo fabricante burguês. Nesta mesma perspectiva, Adorno afirma que a cultura industrializada ensina e difunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada. O indivíduo deve utilizar o seu desgosto geral como impulso para abandonar-se ao poder coletivo do qual está cansado. As situações cronicamente desesperadas que afli- gem o espectador na vida cotidiana transformam-se na reprodução, não se sabe como, e na garantia de que se pode continuar a viver. A sociedade é uma socie- dade dos desesperados e, portanto, a presa dos líderes. A vida no Capitalismo tardio é um rito permanente na iniciação. Todos devem mostrar que se iden- tificam sem a mínima resistência com os poderes aos quais estão submetidos. CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E134 Nessa luta de classes, podemos dizer que o proletariado, dentre todas as clas- ses sociais, é a única que luta de uma forma revolucionária contra a burguesia. As outras, como a classe média – baixa, o pequeno fabricante, o lojista, o artesão, o camponês, todos esses lutam para não naufragar. O século XIX foi o século da consolidação do Capitalismo, tanto na economia como na vida política, social e cultural. A classe trabalhadora fica enfraquecida, com dificuldades para se orga- nizar e lutar pelos seus direitos. O trabalhador já não se reconhece mais em seu trabalho, alienado e tendo o trabalho como um peso transfere a autoridade que tem sobre si mesmo para o outro. Segundo Konder (1992, p. 44), Marx como um “profeta” do futuro predizia sobre um dia, e não muito distante, em que o Estado seria destituído, e o comunismo rom- peria as fronteiras nacionais, tornando-se um sistema vitorioso a nível internacional, acabando desta forma com as diferenças entre campo e cidade, trabalho manual e trabalho intelectual, enfim, Marx teria acreditado na “ditadura do proletariado”. OS INTELECTUAIS E A FILOSOFIA DE HEGEL A ditadura do proletariado foi mal interpretada pelos marxistas do final do século XIX até meados do século XX. Para Kark Korsch (1977), a ditadura do proleta- riado, mais tarde implantada por Lênin na Rússia, não foi realmente a ditadura do proletariado defendida por Marx, mas a ditadura sobre o proletariado (REALE; ANTISERI, 2007, VL3, p. 812). Para Reale e Antiseri (2007, VL 3, p. 790), Rosa de Luxembrurgo também faz crítica a Lênin, dizendo que a ditadura do prole- tariado de Lênin, na verdade, foi uma ditadura sobre o proletariado. Para ela, a ditadura deve ser uma obra da classe e não de uma minoria que governa em nome da classe. Segundo Korsch (1977, p. 66), os intelectuais burgueses ou marxistas atribuíram pouca importância à Filosofia marxista. Além disso, os professores burgueses de Filosofia, quando muito, dedicam apenas algumas poucas páginas ou então um pequeno capítulo dos manuais de história da Filosofia para tratar do pensamento e história do marxismo, referindo-se à tal Filosofia como uma “fragmentação do pensamento de Hegel”, como verificamos na seguinte na cita- ção de Korsch (1977, p. 68): Karl Marx: Conflitos Entre a Burguesia e o Proletariado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 135 Veremos, com efeito, que tal como na segunda metade do século XIX, os intelectuais burgueses, ao esquecerem totalmente o pensamento de Hegel, perderam porcompleto a visão “dialética” da relação entre a Filosofia e o real, a teoria e a prática, que na época de Hegel, tinha constituído o princípio vivo de toda a Filosofia e ciência, também os marxistas da mesma época tinham por outro lado, deixado cair cada vez mais no esquecimento o significado original deste princípio dialé- tico que, nos anos quarenta, os dois jovens hegelianos Marx e Engels, ao afastarem-se de Hegel, tinham salvo com plena consciência trans- ferindo-o “da Filosofia idealista alemã” para a concepção “materialista’ do processo da evolução histórica e social. De acordo com Korsch, os marxistas ortodoxos convencem-se de que o Marxismo não tem, em sua essência, relação alguma com a Filosofia, e acreditam estar dizendo algo de importante ao seu favor. É com essa base teórica que nasce outra tendência representada por socialistas filosofantes, os quais assumem a tarefa de completar o sistema marxista com ideias extraídas da Filosofia de Kant, Dietzgen, Mach e outros. Segundo Korsch (1977, p.67), quando esses conside- ram que a Filosofia marxista precisa de complemento, eles estão afirmando que o marxismo em si é um pensamento desprovido de Filosofia. Segundo esse autor (Korsch), os filósofos burgueses têm uma atitude que não decorre apenas de sua consciência de classe e de seus interesses econômicos, mas também do esquecimento da dialética de Hegel, ou seja, do desconheci- mento da relação dialética entre e Filosofia e realidade, ou ainda, entre teoria e práxis. O idealismo alemão de Kant e Hegel já assumira a tarefa de ordem prá- tica em relação ao movimento revolucionário burguês, que era contemporâneo deles. Contudo, Korsch (1977) observa que os filósofos idealistas não tinham a pretensão de transformar o mundo, mas sim reconciliar, por meio do conceito, a razão como espírito autoconsciente com a razão como realidade efetiva. Para Korsch (1977, p.76), na Filosofia idealista alemã, e em particular na de Hegel, a revolução vinha a inscrever-se e articular-se apenas tendo o pensamento como o elemento real do processo social da revolução. CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E136 DECLÍNIO DO MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO BURGUÊS E O ERRO DOS MARXISTAS ORTODOXOS Segundo Korsch (1977), em meados do século XIX, a burguesia deixa de ser revolucionária em sua práxis social e, por isso mesmo, deixa de pensar essas rela- ções dialéticas entre Filosofia e revolução. De acordo com Korsch (1977, p.77), a compreensão da relação entre a Filosofia idealista alemã e a teoria materia- lista dialética do marxismo foi ignorada pelos historiadores burgueses, ou ainda, apresentada de forma incompleta ou, por fim, postulada de forma errada, o que permite concluir que a história burguesa da Filosofia está condenada a ignorar ou conceber mal essa Filosofia materialista do proletariado revolucionário. O ponto de vista burguês, se não quiser deixar de ser burguês, isto é, suprimir-se, deverá necessariamente parar onde ficou em sua práxis social. Karl Korsch (1977), ao referir-se os marxistas ortodoxos da II Internacional, observa que estes erraram ao conceber a superação da Filosofia como um ato intelectual aceito de uma vez por todas por Marx e Engels. Quando os teóricos da II Internacional conceberam o Socialismo científico como uma soma de conhe- cimentos puramente científicos sem nenhuma relação imediata com a práxis3, dissolveram então a teoria da unitária revolução social. Para Korsch (1977), o marxismo ortodoxo da “teoria pura” corresponde, na verdade, às necessidades práticas de uma longa fase não revolucionária. É expressão de uma ausência de classes organizadas. Portando, podemos concluir que, para Karl Korsch (1977), o problema da relação entre marxismo e Filosofia deve ser retomado para se restabelecer a verdadeira doutrina de Marx, que foi desfigurada pelos marxistas ortodoxos. O marxismo, portanto, deve voltar às suas origens, ou seja, voltar a ser aquilo que era com Karl Marx: uma teoria da revolução social em sua totalidade viva, segundo um desenvolvimento dialético. Resta-nos ainda, conforme Konder, per- guntarmos se Karl Marx era “marxista” (KONDER, 1992, p. 57), assim como é 3 O temo práxis origina-se no grego antigo. É o resultado da teoria com a prática (poiesis). Diz-se que entre os gregos, costumava-se ir aos templos e admirar a deusa (theá), logo daí vem a palavra teoria, que além de theá também é constituída do termo oram, que significa visualizar o aspecto, logo, teoria pode ser deduzida como um estado de contemplação. De forma simplificada, Práxis então, é a junção da teoria com a poiesis ou a ação. Karl Marx: Conflitos Entre a Burguesia e o Proletariado Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 137 comum perguntar se Maquiavel era maquiavélico. Segundo Konder, o próprio Marx rejeitava aceitar o termo “marxismo” quando este era relacionado com a sua pessoa. Quando os seus genros atribuíram às posições filosóficas defendi- das por ele o termo marxistas, Marx teria reagido dizendo: “o diabo os leve” ou ainda, “o que sei é que não sou marxista” (KONDER, 1992, p. 61), e Konder con- tinua pontuando que somente nos últimos anos de vida de Engels é que o termo se consolidou como que referindo-se à Filosofia de Marx, e Engels só teria acei- tado tal título como forma de homenagear o já falecido. O grande problema então, segundo Konder (1992), não é Marx, mas nós, os historiadores da Filosofia e estudiosos de Marx que muitas vezes o lemos sem situá-lo dentro de seu contexto histórico, interpretando-o apenas de forma arti- ficial. Para Marx, o papel principal da Filosofia da práxis está na décima primeira tese sobre Feuerbach (citada na introdução desta unidade), “os filósofos limita- ram-se a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa, porém, é transformá-lo”. (REALE; ANTISERI, 2007, VL3, p. 192) Assim, segundo Korsch (1977), o marxismo pode ser resumido como um materialismo que visa à com- preensão teórica e a subversão na prática da totalidade da vida histórica e social. CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E138 LIBERALISMO E NEOLIBERALISMO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO LIBERALISMO Segundo Allan G. Johnson (1997, p. 51), o liberalismo origina-se a partir do Iluminismo Europeu, ou seja, entre os capitalistas e a aristocracia feudal. O fun- damento do liberalismo é a liberdade do indivíduo. O liberalismo defende a teoria de que os governos têm que garantir a liberdade dos indivíduos. O liberalismo também pode ser dividido em partes conforme Aranha e Martins (2004, p. 246): Liberalismo político, ético e econômico. Para Donald Stewart Jr. (1990, p. 69), o liberalismo é uma doutrina política que tem como objetivo melhorar a vida dos seres humanos, e ainda enfatiza que “não conseguiram, até hoje, sugerir um outro sistema social que seja tão benéfico para as massas quanto o liberalismo”. Para Stewart Jr., o liberalismo é sinônimo de liberdade, ausência de coerção Liberalismo e Neoliberalismo No Mundo Contemporâneo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 139 sobre os indivíduos, liberdade econômica e liberdade política. Stewart Jr. ainda define o Estado liberal como o lugar onde se instaura um clima de paz, liberdade sem anarquia, convivência social baseada na espontaneidade dos indivíduos. O liberalismopolítico, historicamente, é contra o poder absolutista dos reis, e também contra o direito divino dos reis, conforme já visto com os filósofos contratualistas Hobbes, Locke e Rosseau. No caso, Hobbes, apesar de defender a teoria absolutista, também é contra o direito divino dos reis. O liberalismo ético pressupõe que o Estado é responsável por garantir a ordem pública e a segurança dos cidadãos. O Estado também deve garantir a liberdade religiosa e as penas cruéis, por exemplo, a tortura. Por fim, o liberalismo econômico define-se como a teoria que luta contra a intervenção do monarca em negócios que garantiam privilégios a alguns com a intervenção da realeza, ou seja, intervenção do rei. A grande característica do liberalismo é ter combatido a intervenção do Estado na regulação do mercado, ou seja, “do prevalecimento do livre mercado” (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 274). Segundo Comparato (2010, p. 583), foi no final do século XVIII e início do século XIX que ocorreu a separação radical entre a esfera do Estado e da sociedade civil. A burguesia, por sua vez, passou a defender com veemência a ideia de que o Estado existe unicamente para man- ter a ordem pública, comprometendo à sociedade civil o controle das atividades econômicas. Qualquer tipo de intervenção do Estado passaria a ser visto como perturbação na ordem das coisas. O liberalismo dominou o final do século XVIII, a ponto de que o fato de ser intelectual era sinônimo de ser liberal. Segundo Marilena Chauí (2010, p. 349), nas teorias liberais os indivíduos através do contrato social voluntário cedem ao Estado poderes apenas o que lhe compete, ou seja, a propriedade estatal e pública. Quanto à vida e propriedade privada, nada lhes é cedido, visto que cada indivíduo é um cidadão. No entanto, cabe ao Estado garantir a ordem e a segurança dos indivíduos. Para Chauí, o Estado liberal se apresenta como uma república representativa, através de seus três poderes: executivo, legislativo e judiciário. Foi realmente a partir do século XVIII que alguns grupos conseguiram ser livres, como podemos ver nos Estados Unidos, onde os trabalhadores brancos foram considerados cidadãos. Na Europa, especificamente na Inglaterra e na França, as mulheres só conseguiram a plena cidadania a partir de 1946, ou seja, ©shutterstock CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E140 depois da Segunda Guerra Mundial. O liberalismo, Segundo Stewart Jr. (1990, p. 32), no entanto, sofreu uma decadência no começo do século XX, mas ressurgiu novamente na segunda metade do século no período conhecido como pós-guerra. NEOLIBERALISMO A partir da década de 1940, pensadores com tendências neoliberais, como Frederich August von Hayek, defendiam a ideia do livre mercado, por isso tor- naram-se inimigo dos socialistas, uma vez que também defendiam a ideia da globalização. Piotr Sztompka (1998, p. 173), citando Roland Robertson, diz: “A globalidade é um problema praticamente inevitável da vida contemporânea”. Segundo Sztompka (1998), a globalização é uma faca de dois gumes, ou seja, ela tanto é perigosa como é uma fonte de esperança, por isso precisa ser acolhida. Surge então uma questão: como lidar com as questões das mudanças sociais? Liberalismo e Neoliberalismo No Mundo Contemporâneo Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 141 O neoliberalismo surge nos Estados Unidos, e pode ser definido basica- mente como uma ideologia política e econômica estritamente capitalista, em que o livre comércio deve ser o fundamento para o desenvolvimento econômico de um país. Os neoliberais defendem que o Estado deve interferir o mínimo pos- sível no mercado de trabalho, defendem também a privatização das empresas estatais e a globalização de forma geral. O mundo, no final do século XX, presenciou o neoliberalismo ganhando for- ças, com a eleição de Margaret Thatcher (1979) como primeira ministra no Reino Unido, Ronald Reagan eleito presidente dos Estados Unidos (1980). De forma mais enfática ainda, no final da década de 80, o mundo presenciou a chamada crise do Socialismo, primeiramente com a queda do muro de Berlim (9 de novem- bro de 1989), depois com a dissolução do regime socialista na União Soviética (25 de dezembro de 1991). Assim, o Capitalismo vê na crise do Socialismo um caminho aberto para sua livre propagação. De forma resumida, podemos defi- nir o Capitalismo com as palavras de Antônio Mesquita Galvão: O Capitalismo promete o paraíso da abundância de consumo. Para obter a satisfação de todos os desejos de consumo, eles prometem a superabundância de produção, via maximização do progresso técnico. Quanto mais técnica mais produção, mais satisfação de desejos de con- sumo. O capitalista é um sistema materialista-consumista, por excelên- cia. Para a maximização do progresso técnico – segredo dessa promes- sa – é necessário, segundo eles, a sobrevivência dos mais competentes e a exclusão/sacrifício dos mais fracos. Em virtude disso, dizem eles que os sacrifícios impostos à população pobre são sacrifícios necessários (GALVÃO, 1997, p. 49). O Brasil também foi alvo das políticas neoliberais e da globalização. Mesmo diante do histórico das desigualdades sociais, nossa nação não deixou de ser alvo da cobiça internacional, tendo em vista as riquezas naturais aqui encontra- das. Estamos em busca de um modelo ideal para pôr fim às crises econômicas e sociais da nossa nação. Embora tenhamos experimentado diversas mudanças no cenário político, ainda não conseguimos acabar com o sistema corrupto que historicamente nos devora. Para finalizar, (ou, talvez, para recomeçar), nada melhor do que as pala- vras de Nelson Werneck Sodré (1995, p. 26): “O neoliberalismo não passa de uma farsa, o disfarce com que se apresenta uma forma de política que pretende, CIÊNCIA POLÍTICA: UMA VISÃO FILOSÓFICA Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. IVU N I D A D E142 justamente, o ‘fim da História’, isto é, os ricos ficarão mais ricos os pobres fica- rão mais pobres, e tudo será como no país das maravilhas”. A ambição do ser humano não tem limites, logo, é possível que o maior problema enfrentado pela humanidade seja o próprio homem, e nisto Hobbes tem razão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Você aprendeu nesta unidade sobre as teorias políticas em diversos momentos históricos. Acredito que o conhecimento de tais teorias serviu para visualizar- mos que, em cada época da história do ser humano, os filósofos desenvolveram seus pensamentos a partir dos problemas por eles vivenciados, ou seja, todo filó- sofo é fruto de seu tempo. Não podemos instaurar no nosso mundo uma sofocracia como pretendia Platão, onde todo governante é filósofo ou todo filósofo é governante. Podemos observar que o pensamento político se constrói passo a passo, é um encadeamento que ao longo da história vai amadurecendo, demonstrando que o conhecimento é uma fonte inesgotável. A presente unidade não teve por finalidade induzir o(a) aluno(a) a prefe- rir ou preterir por esta ou aquela ideologia, mas sim, fazer com que a partir dos diversos e divergentes pensamentos, (a)o aluno(a) construa a sua própria estru- tura e desta forma contribua para o desenvolvimento social da comunidade na qual está inserido. No que diz respeito ao Socialismo e Capitalismo, buscou-se apontar os pontos positivos e negativos das duas teorias, sem preterir nenhuma delas, mas sem deixar de mostrar seus pontos fracos. Cabe ao(à) aluno(a) dar continuidade à pesquisa aqui iniciada e, desta forma, construir seu próprio pensamento, não fundamentado nosenso comum ou em crenças ideológicas propagadas pela mídia, quer seja de esquerda ou de direita, uma vez que um bom estudante vai às fontes, ou seja, aos clássicos, para construir e desenvolver seu modo próprio de pensar a política. 143 1. Explique como pode ser possível que os gregos tenham inventado a polí- tica, mesmo que esta já existisse antes deles? 2. Defina os termos Virtú e Fortuna em Maquiavel. 3. Comente sobre a formação do Estado em Hegel. 4. É possível distinguir o pensamento de Marx do marxismo? 5. Faça uma distinção entre “ditadura do proletariado” e “ditadura sobre o proletariado”. Hegel e a formação do Estado “Num primeiro momento a família é o todo substancial ao qual compete a prevenção deste lado particular do indivíduo, tanto no que diz respeito aos meios e habilidades para poder adquirir para si [algo] da riqueza patrimonial universal, como também no que diz respeito à sua subsistência e ao seu provimento no caso de incapacidade in- terveniente. A sociedade civil arranca, porém, o indivíduo desse laço familiar, torna os membros da família estranhos uns aos outros e os reconhece como pessoas subsisten- tes por si; além disso, ela substitui a natureza orgânica externa e o solo paterno, no qual o singular tinha a sua subsistência, pelo seu [próprio] solo e submete o subsistir de toda a família à dependência da sociedade, à contingência. Assim, o indivíduo tornou-se filho da sociedade civil, que tanto tem pretensões em relação a ela, quanto ele tem direitos em relação a ela (...).” (...) “A sociedade civil é a diferença que intervém entre a família e o Estado, embora a sua formação plena ocorra mais tarde do que a do Estado, pois, como diferença, ela pressu- põe o Estado, que ela, para existir, tem de ter diante de si como algo subsistente por si. A criação da sociedade civil pertence, de resto, ao mundo moderno, que, pela primeira vez, faz justiça a todas as determinações da Ideia. Se o Estado é representado como uma unidade de pessoas diversas, como uma unidade que é somente ser em-comum, então só se visa com isso a determinação da sociedade civil. Muitos teóricos modernos do Es- tado não puderam alcançar nenhuma outra maneira de ver o Estado. Na sociedade civil cada um é fim para si, e tudo o mais nada é para ele. Mas em relação aos outros ele não pode atingir a amplitude dos seus fins; esses outros são, por isso, meios para o fim do particular. Porém, pela sua relação aos outros, o fim particular se dá a forma da universa- lidade e se satisfaz enquanto, ao mesmo tempo, satisfaz conjuntamente o bem-próprio de outrem (...)” (RAMOS, 2009, p. 328-329). Material Complementar MATERIAL COMPLEMENTAR O mundo quase que na sua totalidade vive em função da globalização. Uma volta ao Socialismo de Karl Marx ainda é possível ou já é de fato uma utopia? Política Aristóteles Editora: Edipro Sinopse: “A Política”, de Aristóteles, composta por oito livros, traz uma síntese de todo o pensamento aristotélico, pois abrange os temas fundamentais da realidade ateniense, como a vida política da cidade e sua estrutura, a escravidão, a família como sendo o lugar da primeira infância, as riquezas, a organização política de outras cidades, de forma comparada, e a educação, função do estado e raiz do processo de crescimento de um povo. U N ID A D E V Professor Me. Jonas Silva Faria FILOSOFIA E ARTE Objetivos de Aprendizagem ■ Compreender a arte e sua função social, tanto no mundo antigo como no mundo contemporâneo. ■ Observar e refletir sobre a Indústria Cultural e o consumismo no mundo contemporâneo. ■ Distinguir a universalidade do belo em Platão e Kant. ■ Avaliar a possibilidade da existência do belo universal. ■ Determinar o padrão do gosto em Hume. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Filosofia e Arte: Introdução e conceitos ■ A questão do belo em Platão ■ O problema do gosto no pensamento de Hume ■ Kant e a questão do juízo em Estética ■ Conceitos de estética em Hegel ■ A educação pela arte numa perspectiva Social INTRODUÇÃO Prezado(a) acadêmico(a), o interesse pelo belo ou pela Filosofia da arte remonta ao surgimento do ser humano. Desde as suas origens, os homens desenvolve- ram as mais diversas ferramentas para que pudessem sobreviver e desenvolver-se enquanto um ser social e racional. Contudo, nesta unidade, você será inserido não no senso comum sobre a beleza, conforme vemos todos os dias na mídia, mas sim na função da arte através do pensamento filosófico, ou seja, a Filosofia da arte. Serão discutidas nesta unidade as diversas teorias relativas à questão do gosto, desde os filósofos antigos até o pensamento contemporâneo, culminando com uma reflexão contemporânea sobre a indústria cultural e a função social da arte. Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 149 FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E150 FILOSOFIA E ARTE: INTRODUÇÃO E CONCEITOS “A poesia é INDISPENSÁVEL. Se eu soubesse ao menos para quê...” Com esse encantador e paradoxal epigrama, Jean Cocteau resumiu ao mesmo tempo a necessidade da arte e o seu indiscutível papel no atual mundo burguês. O pintor Mondrian, por sua vez, falou do possível “desaparecimento da arte”. A realidade segundo ele acreditava, iria cada vez mais colocando a obra de arte, que essencialmente não passaria de uma compensação para o equilíbrio eficiente da realidade atual. “A arte desaparecerá na medida em que a vida adquirir mais equilíbrio”. A arte concebida como “substituto da vida”, a arte concebida como meio de colocar o homem em estado de equilíbrio com o meio circun- dante – trata-se de uma ideia que contém o reconhecimento parcial da natureza da arte e da sua necessidade. Desde que um permanente equi- líbrio entre o homem e o mundo que o circunda não pode ser previsto nem na mais desenvolvida das sociedades, trata-se de uma ideia que sugere, também, que a arte não só é necessária e tem sido necessária, mas igualmente que a arte continuará sendo sempre necessária (FIS- CHER, 1987, p. 11). Filosofia E Arte: Introdução E Conceitos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 151 Em sua obra A Necessidade da Arte, o poeta, escritor e químico alemão Ernst Fischer (1899 – 1972) defende que a função da arte, em seu estado mais primi- tivo, não consistia apenas no fato de o homem conhecer e mudar o mundo, mas a arte também tem um caráter mágico, haja vista que, desprovida dessa magia, a arte deixaria de ser arte. Segundo Fischer, “a arte é quase tão antiga quanto o homem” (FISCHER, 1987, p. 21). Foi através da invenção e criação das ferramentas que o homem primitivo começou a desenvolver a arte, ou seja, a arte e o homem passaram a viver de forma intrínseca, ligados um ao outro. Para Fischer, o homem primitivo não era capaz de separar o objeto de sua produção com a sua própria atividade, em outras palavras, não era possível determinar quem existiu antes, se o homem ou a ferramenta, uma vez que ambos coexistiram juntos e tal indagação é pura- mente acadêmica. Ernest Fischer exemplifica bem esse fato citando um texto de Karl Marx: O instrumento do trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si e a matéria sobre a qual exerce o seu trabalho; é o condutor de sua atividade. [...] A natureza torna-se, assim, instrumento da ati-vidade humana, um instrumento com o qual o homem suplementa seus órgãos corpóreos e acrescenta alguns planos à sua estatura, passando por cima da metra- gem... O uso e a fabricação de instrumentos de trabalho, embora tenham seus primórdios em outras espécies animais, são características específicas do pro- cesso de trabalho humano. E foi por essa razão que Benjamim Franklin definiu o homem como ‘a tool making animal’ (um animal que fabrica ferramentas) (FISCHER, 1987, p. 23). A arte, para Fischer (1987), é o diferencial que torna o homem, em espe- cial o homem primitivo, superior aos animais. É através do processo de criação de forma coletiva, mesmo após a origem da sociedade dividida em classes, que o homem ainda produzia em e pela coletividade e, desta forma, podemos con- siderar que a função da arte é também social. Fischer (1987) ainda refere-se ao exemplo dado por Marx sobre a superioridade dos humanos em relação aos ani- mais, ou seja, mesmo que as habilidades das abelhas em construir suas colmeias, ou das aranhas em construir suas teias seja motivo para encabular o melhor dos arquitetos, a superioridade humana reside no fato de que, antes de construir FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E152 qualquer objeto, o arquiteto já possui a forma em sua mente, enquanto que os animais agem apenas pelo instinto, ou seja, não são capazes de alterar suas cria- ções em nada que fuja ao instinto. Sobre a superioridade do homem em relação aos animais e a natureza de forma geral, destaco aqui o pensamento do filósofo Blaise Pascal (2001, p. 86), que observa que tal superioridade do homem não está relacionada à força Física, pelo contrário, o homem não precisa mais do que “uma gota de água” para matá- -lo. Ora, mesmo que o homem seja um caniço devido a sua fragilidade, ele é “um caniço pensante”, sabe que vai morrer, mas “o universo de nada sabe”. Sendo o homem um ser criativo, ele é capaz de produzir, gerar, imaginar, é, portanto, capaz de transformar a realidade do mundo existente através do sen- timento e da imaginação. Suzane K. Langer, citada por M. Aranha e M. Martins, assim define o conceito imaginação quando relacionado à arte: A imaginação é provavelmente a maior força a atuar sobre os nossos sentimentos – maior e mais constante do que influências exteriores, como ruídos e visões amedrontadoras (relâmpagos e trovões, um cami- nhão em disparada, um tigre furioso), ou o prazer sexual direto, inclu- sive mesmo os intensos prazeres da incitação sexual. (...) No centro da experiência humana, portanto, existe sempre a atividade de imaginar a realidade, concebendo-lhe a estrutura através de palavras, imagens ou outros símbolos, e assimilando-lhe percepções reais à medida que surgem – isto é, interpretando-as à luz das ideias gerais, usualmente tácitas. Esse processo de interpretação é tão natural e constante que sua maior parte decorre de modo inconsciente (apud ARANHA; MAR- TINS, 2004, p. 371). A capacidade humana de criar pode ser desenvolvida na escola, na família ou entre amigos; porém, se for reprimida, pode ficar na mesmice ou apenas na imitação. Ela também não é uma espécie de conhecimento inato, que o indiví- duo traz consigo desde o nascimento, mas a arte é um conhecimento intuitivo, não mediado pela experiência, ou seja, “não fala à razão, mas ao sentimento e à imaginação (ARANHA; MARTINS, 2004, p.373)”. Para Maria Lúcia Wolchler (2010, p. 6), o termo imaginação começou a ser usado no século XVIII, no sen- tido de criação artística, aquilo que faz a mediação entre o vivido e o pensado. Portanto, o papel da imaginação na arte é exercer a função criadora, originária de toda criatividade. Logo, a criatividade pode ser entendida, por sua vez, como Filosofia E Arte: Introdução E Conceitos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 153 a capacidade interdisciplinar de investigar e trazer à existência novas possibili- dades, e não somente reproduzir aquilo que já é conhecido. A função da imaginação na arte está ligada à intuição, ou seja, o indivíduo imagina e produz de forma intuitiva aquilo que já está em sua mente, não ape- nas como uma imagem irreal, mas pré-real. Segundo Wolchler (2010), o ato de criar refere-se então ao fato de estabelecer uma nova existência, sempre de forma original. O criador da obra de arte tem a capacidade de reproduzir, inventar, fazer nascer de novo. Entre os povos antigos, foi assim que nasceram os inúme- ros “mitos da criação”, provenientes do sobrenatural, não limitados ao estilo de vida cotidiana das pessoas, não sendo também uma mera repetição. Wolchler (2010) define o ato de criar nas palavras que seguem: Criar, então, seria o ato de estabelecer uma nova existência, comprome- tida com a originalidade do fenômeno. E criador torna-se o ser capaz de gerar o novo, o autor, que produz a forma, institui, inventa, faz nas- cer o novo. É desses conceitos que provém o “mito da criação” como algo sobrenatural, que foge a expectativa cotidiana da repetição. “Criatividade”, “criador”, “criativo”, “criar”, trata-se de palavras que tradu- zem um discurso frequente, quando se fala em educação através de arte, porém o fazem dentro de uma premissa tão genérica, que é difícil isolar e definir o con- ceito (WOLCHLER, 2010, p. 7). FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E154 A QUESTÃO DO BELO EM PLATÃO A origem do termo estética remonta ao século XVIII, ao filósofo alemão Alexander G. Baumgarten (1714 – 1762) em sua obra Aesthetica (1750/58). O surgimento do termo estética foi, possivelmente, uma tentativa de Baumgarten de “sistema- tizar racionalmente a diversidade de experiências da beleza na arte” (FEITOSA, 2004, p. 110). Para Charles Feitosa (2004), a estética pode ser resumida como a ciência da sensibilidade, uma vez que a beleza só pode ser apreciada pelos órgãos dos sentidos, fato esse que gera certo preconceito. Feitosa observa ainda que a arte é para ser apreciada mais pelos sentidos e pelo sentimento do que pela reflexão ou a razão. Nesse sentido, a arte é para se sentida e não para ser pensada. Contudo, vale observar que, mesmo que a arte seja sentimento, emo- ção, ou ainda um conhecimento intuitivo do mundo, por outro lado, ela “exige” do apreciador um espírito refinado ou apurado para que dessa forma possa ser apreendida em sua essência. Acredita-se que a “Filosofia da arte” pode ser ligada aos pitagóricos, prin- cipalmente quando voltados ao campo da acústica. Para o professor Roberto Figureli (2009, p. 543), foi Platão o responsável por ter escrito o primeiro tratado de estética, mesmo que nunca tenha usado tal termo. Hípias maior, o diálogo de juventude de Platão, segundo Figureli (2009), foi o primeiro tratado completo de estética. Para Platão, as obras de arte do mundo sensível, ou seja, do nosso A Questão Do Belo Em Platão Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 155 mundo, têm como finalidade apenas desviar os olhos do cidadão das verdadei- ras e perfeitas obras que se encontram no mundo das ideias, obras essas que só podem ser apreendidas pelo pensamento. Segundo o filósofo da academia de Atenas, o belo é universal, porque agrada a todos, porém, é ideal, pois é apreen- dido apenas pelo pensamento. Charles Feitosa observa que Platão via a arte sensível como um estímulo para as paixões afetos e emoções e, portanto, a arte só deveria ser praticadapor “crianças, mulheres, escravos e loucos” (FEITOSA, 2004, p. 116). O fato de Platão depreciar a arte, segundo Feitosa, reside na interpretação que Platão faz sobre a arte, como sendo apenas uma forma de imitação, como podemos ver no livro X da República, onde Platão considera a cama feita pelo pintor como uma espécie de superficialidade da materialidade, ou seja, apenas imitação: Sócrates – Vejamos que há três tipos de camas: uma que existe na na- tureza das coisas e de que podemos dizer, creio que Deus é o criador. Quem mais seria, senão ele? Glauco – Ninguém, na minha opinião. Sócrates – Uma segunda é a do marceneiro. Glauco – Sim. Sócrates – E uma terceira, a do pintor. Glauco – Seja. Sócrates – Assim, o pintor, o marceneiro e Deus são três que presidem à forma destas três espécies de camas. Glauco – Sim, são efetivamente três. (...) Queres então que demos a Deus o nome de criador natural deste objeto ou qualquer outro nome semelhante? Glauco – Nada mais justo, visto que criou a natureza desse objeto e de todas as outras coisas. Sócrates – e o Marceneiro? Devemos chamá-lo de obreiro da cama, não é verdade? Glauco – Sim, é. Sócrates – E chamaremos ao pintor o obreiro e o criador desse objeto? FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E156 Glauco – De modo nenhum. Sócrates – Dize-me então o que é ele em relação à cama. Glauco – Parece-me que o nome que lhe conviria melhor é o de imita- dor daquilo de que os outros dois são os artífices (CORVISIERI, 1997, p.323-324). Observamos que, na obra “República”, conforme citado acima, os personagens Sócrates e Glauco chegarão à conclusão que o pintor é apenas um imitador que está três graus afastado da verdade. Mesmo com essa desconfiança com a obra de arte, Platão a recomenda para a educação das crianças, a fim de que estas sejam estimuladas e educadas, e tivessem uma disciplina do corpo. Voltando ao diálogo platônico, Hípias Maior, no qual Sócrates e o sofista Hípias debatem sobre a pergunta retórica “O que é o belo?”, o professor Figureli destaca que Hípias de Élide, junto com Górgias de Leontinos e Protágoras de Abdera formam o trio de sofistas imortalizados nos diálogos platônicos (FIGURELLI, 2009, p. 544). Diante da pergunta implacável de Sócrates sobre o belo, Hípias não hesita em responder que o belo é uma bela jovem. Contudo, as resposta do filósofo sofista em todo o percurso do diálogo serão sempre voltadas para o que são as coisas belas e não para o que é o belo em si. Platão mergulha numa ver- dade suprassensível, totalmente diferente do pensamento do eloquente Hípias. Para Platão, o belo em si encontra-se na perfeição ou então no mundo das ideias. As coisas sensíveis, por sua vez, são apenas cópias imperfeitas da verdadeira rea- lidade, ou seja, o belo ideal em sua essência. Etimologicamente, a palavra estética vem do grego aisthesis, com o signi- ficado de “faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos” “percepção totalizante”. A ligação da estética com a arte é ainda mais estreita se se con- sidera que o objeto artístico é aquele que se oferece ao sentimento e a per- cepção. Por isso, podemos compreender que, enquanto disciplina filosófica, a estética tenha também se voltado para as teorias da criação e percepção artísticas (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 369). O Problema Do Gosto no Pensamento de Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 157 O PROBLEMA DO GOSTO NO PENSAMENTO DE HUME No mundo globalizado que vivemos, somos bombardeados todos os dias pela mídia nacional e internacional com inúmeros produtos que nos são quase que impostos de forma obrigatória. Diversos famosos tentam nos influenciar para que consumamos todos os produtos produzidos pela indústria cultural. Há um mercado que determina o que é bom ou o que é ruim para os milhares de consumidores alcançados por todo o mundo pela força midiática. A indústria cultural tem uma ordem em comum para todas as idades ou classes sociais, a qual é: Consuma! Consumir de forma irresponsável é “obrigatoriedade” no mundo capitalista. Para Luciano Ezequiel Kaminski, este “mercado do gosto” é um problema social e cultural, e a decisão de consumir foge ao controle do indivíduo, quando este está inserido num contexto de uma determinada sociedade, no nosso caso, a sociedade ocidental capitalista: Fato social é um conceito da sociologia, proposto por Émile Durkeim, um dos fundadores dessa ciência. Segundo ele, os fatos sociais são im- posições que a sociedade faz aos indivíduos e que os obrigam a seguir. São os fatos sociais que fornecem o objeto de estudo da Sociologia e são caracterizados pela: generalidade, fatos comuns a indivíduos de de- terminada sociedade; exterioridade, exteriores ao indivíduo, pois não dependem dele; e coercitivamente, obrigam-no a agir dessa ou daquela maneira (KAMINSKI, 2007, p.289). FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E158 Por outro lado, mesmo diante de uma sociedade consumista e capitalista, não pode passar despercebido que a questão do gosto também está relacionada ao indivíduo ou à cultura na qual ele está inserido; isto é, aquilo que é belo no Brasil pode não ser em outro país, e ainda nem mesmo dentro do próprio país, uma vez que existem costumes e hábitos regionais. Mas ainda existe a questão do indivíduo, o qual possui personalidade e características que lhe são peculiares e, portanto, possui um gosto diferente. Em virtude dessa diversidade e variedade de gostos, nos colocamos diante de uma questão filosófica: Existe um padrão universal para o gosto? Para o filósofo David Hume, não é possível padronizar o gosto, ou seja, “gosto não se discute”. Contudo, Hume pontua que é natural que nós procuremos encontrar um padrão do gosto que venha conciliar os diferentes tipos de gos- tos dos seres humanos. “Pelo menos uma decisão reconhecida, aprovando uma opinião e condenando outra” (MONTEIRO, 1996, p. 335). O caminho, segundo Hume, para a busca do padrão do gosto é a experiência, ou seja, o hábito de pra- ticar alguma coisa. É DEMASIADO óbvia para deixar de ser notada por todos a extrema variedade de gostos que há no mundo, assim como de opiniões. Mesmo os homens de parcos conhecimentos são capazes de notar as diferenças de gosto dentro do estreito círculo de suas relações, inclusive entre pes- soas que foram educadas sob o mesmo governo e em quem desde cedo foram inculcados os mesmos preconceitos. Mas os que são capazes de uma visão mais ampla, e conhecem nações distantes e épocas remotas, ainda mais se surpreendem com essa grande inconsistência e contradi- toriedade. Temos tendência para chamar bárbaro tudo O que se afas- ta muito de nosso gosto e de nossas concepções, mas depressa vemos que esse epíteto ou censura também pode ser-nos aplicado. E mesmo o mais arrogante e convicto acaba por sentir-se abalado, ao observar em todos os lados uma idêntica segurança, passando a ter escrúpulos, em meio a tal contrariedade de sentimentos, de pronunciar-se positiva- mente em seu próprio favor (...). (MONTEIRO, 1996, p. 333). Contudo, para Hume, a busca pela universalidade do gosto cai na impossibilidade de encontrá-lo, uma vez que, segundo o filósofo, há uma variedade de senti- mentos em nós, e “os mil e um sentimentos diferentes despertados pelo mesmo objeto são todos certos, porque nenhum sentimento representa o que realmente está no objeto” (MONTEIRO, 1996, p. 335). Não há como padronizar o gosto, Kant e a Questão do Juízo em Estética Re pr od uç ão p ro ibid a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 159 devido à variedade de sentimentos e gostos em várias culturas, povos, ou ainda, entre indivíduos de uma mesma cultura ou até mesmo de uma mesma família. A sensibilidade do indivíduo em relação ao gosto é uma característica que não nasce com ele, mas deve ser vivenciada, experimenta e desenvolvida pela força do hábito, isto é, do costume. KANT E A QUESTÃO DO JUÍZO EM ESTÉTICA Diferentemente de Hume, para Kant, é possível uma universalização do gosto. Segundo Kant, mesmo que julgamento dos indivíduos não seja o mesmo, a capa- cidade de julgar é a mesma em todos os seres humanos. Portanto, para Kant, o belo “é aquilo que agrada universalmente, ainda que não se possa justificá-lo inte- lectualmente (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 370)”. Para Kant, o que importa é o sentimento do sujeito e não o conceito do objeto. Dessa forma, segundo Kant, há uma possibilidade da universalização do belo, ou seja, é possível expressar a subjetividade do sujeito em relação ao objeto; contudo, o que importa é o sen- timento do sujeito e não o conceito do objeto. No entanto, só há experiência estética quando o sentimento do sujeito é ativado pela presença Física do objeto. Segundo Kant, não podemos conhecer as coisas apenas como elas nos são representadas, só é possível o conhecimento (estético) quando há fenômeno, isto é, presença do objeto. Benedito Nunes assim resume o pensamento de Kant no que diz respeito à possibilidade do conhecimento: Os fenômenos e suas relações, que se situam no espaço e no tempo, são tudo o que podemos conhecer. Determinados uns pelos outros, eles obedecem à lei universal de causa e efeito que é um dos moldes men- tais que o Entendimento lhes impõe, e sem o qual não seria concebível aquilo que chamamos Natureza. Como objeto de conhecimento teóri- co, a Natureza, sucessão regular e ordenada de fenômenos, não oferece nada que seja realmente livre. Resumindo tudo o que podemos conhe- cer, nos limites da experiência organizada, ela é o reino da causalidade natural, de determinismo” (NUNES, 2003, p. 48). FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E160 Conforme Ernest Cassirer (1994, p. 225), até Kant, a estética foi sempre uma ten- tativa teórica ou moral. Para Cassirer, apesar de a beleza ser um dos fenômenos mais conhecidos na história da humanidade, a relação entre beleza e fenômeno foi sempre paradoxal. Kant, segundo Cassirer (1994), foi o primeiro filósofo que, em sua obra, Crítica do Juízo, apresentou de forma clara e contundente a autonomia subjetiva da arte, ou seja, a beleza estética estava alheia aos seus prin- cípios que são a priori. Para Kant, portanto, o juízo do gosto é subjetivo. Hegel, em sua obra Estética: a Ideia e o Ideal, afirma que o belo para Kant é objeto de um prazer necessário, independente de todo o conceito (VITORINO, 1991, p. 55). Dessa forma, Hegel resume o pensamento estético de Kant como segue: O belo, acrescenta Kant, é aquilo que se pode representar fora de todo o conceito, de toda a categoria do intelecto, como objeto de um pra- zer geral. Para apreciar o belo, há que possuir um espírito cultivado. O homem, tal qual, é incapaz de formular um juízo sobre o belo, um juízo que possua validade universal. O universal como tal é, decerto, uma abstração; mas, por isso mesmo, tem o direito de aspirar a uma validade geral cuja determinação traz em si (VITORINO, 1991, p. 55). CONCEITOS DE ESTÉTICA EM HEGEL A arte para Hegel é necessária no processo do desenvolvimento da consciência, para se chegar ao espírito absoluto. Para Jean Lacoste, o espírito em Hegel, con- forme descrito na obra Fenomenologia do Espírito, é a comunidade dos homens que toma consciência de si mesma na His- tória. A arte será, portanto, com a religião e a Filosofia, uma das mani- festações do espírito. E o belo será a manifestação sensível, numa obra de arte histórica, desse espírito Geist)” (apud LACOSTE, 1986, p. 43). Sob essa forma de religião, que corresponde, no espírito efetivo, ao mundo ético, o espírito é objeto para si-mesmo na forma de consciência; passa pelas etapas da arte abstrata, da arte viva, enfim, da arte espiritual, em que se distinguem a epopeia, a tragédia e a comédia. A religião já não é natural: o homem fala. E o Conceitos de Estética Em Hegel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 161 deus é parecido com o homem. A religião da arte é o saber de si do espírito ético, o mesmo que foi visto anteriormente sob o nome de espírito verdadeiro. Esse espírito real já não é o espírito do despotismo oriental ou dos povoados insociáveis, ainda extraviados na vida da natureza, mas é o espírito substancial de uma cidade humana que superou a selvageria da natureza e que ainda não alcançou a abstração e a dor da subjetividade. A Cidade aparece como uma obra consciente de si, um espí- rito universal individualizado e concreto. Os costumes da Cidade são a obra de todos e de cada um. O povo que vive nessa substância é um povo livre. Esse feliz equilíbrio é de uma humanidade perfeita em sua finitude; é, porém, um equilí- brio instável, uma juventude do espírito do mundo. Entre a religião da natureza e a religião cristã surge, pois, essa religião da arte que é a consciência de si do espírito como humanidade finita. A beleza da arte antiga aparece quando o espírito se eleva acima de sua realidade, quando volta de sua verdade objetiva ao puro saber de si mesmo. Dessa forma, essa arte já não é o ser ético, mas a reminiscência e a interiorização desse ser. Quando o espírito grego se torna o saber de si e se reproduz na obra de arte, essa reminis- cência é o sinal de uma forma mais elevada. A evolução da religião da arte é sua passagem à subjetividade abstrata, ao puro conceito, que nessa criação artística ainda não é mais que a forma da atividade que cria. Com relação à obra de arte abstrata, as estátuas, nessa fase, são figurações da divindade, ainda com reminiscências dos elementos da natureza. A obra que cria não é viva: o momento consciente de si está do lado de quem produz ou quem contempla a obra. Mas há também o hino, no qual a linguagem é o elemento de figuração do deus: presença fluida que se propaga como contágio universal. O oráculo, por sua vez, é outra linguagem do deus, que não tem a universali- dade do hino. Além de singular, é contingente: informa sobre dados ocasionais e irrelevantes. Já no culto, a essência divina desce do além, e a Alma sobe a seu puro elemento divino. Na obra de arte viva, o resultado do culto é a unidade imediata do humano e do divino. O homem tomou o lugar da estátua; aqui, porém, somente a corpo- reidade do divino é realizada; é a exterioridade sem a interioridade. Só há um elemento capaz de tornar a exterioridade interior e a interioridade exterior: a FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E162 linguagem, que tem um conteúdo claro e universal. São a epopeia, a tragédia e a comédia, formas superiores da arte. A obra de arte espiritual vai retomar no elemento da linguagem todos os momentos anteriores. Agora o divino já não é realizado no mármore, mas na lin- guagem de um povo que soube elevar-se à universalidade, e é nela que ele obtém sua representação mais adequada. O problema é o da unidade dos dois mundos, o divino e o humano. Os deuses, enredando-se na ação, parecem homens supe- riores, ao passo que, elevados à universalidade pela recolecçãoda recordação, os homens se tornam, por sua vez, deuses mortais. Segundo Lacoste (1986), o belo para Hegel é, portanto, o belo natural, que está relacionado à cultura e à história do ser humano. A Filosofia da arte, como a Filosofia em si, é “círculo de círculos”, ou seja, ela parte do particular para che- gar ao todo do conceito do belo, o espírito absoluto. O belo para Hegel, segundo Lacoste (1986) é uma ideia, mas não uma ideia abstrata, é portanto a “unidade de um conceito e da realidade” (apud LACOSTE, 1986, p. 49). Portanto, em Hegel, há uma racionalidade, uma verdade superior que subor- dina a arte. A arte, por sua vez, é a expressa aparência sensível do Espírito absoluto. Segundo Lacoste (1986), para Hegel, a arte ainda não é o Espírito, é a consciência no caminho do seu vir-a-ser, a arte é ainda a religião da arte, que aparece na Grécia, religião natural na Pérsia, Índia e Egito, e a religião revelada no Cristianismo. Portanto, a arte, junto com a religião e a Filosofia formam apenas uma parte do Espírito Absoluto: O espírito absoluto não se pode explicar em tal singularidade do con- figurar: o espírito da bela arte é portanto um limitado espírito-de-um- -povo, cuja universalidade essente em si, ao avançar para a ulterior determinação de sua riqueza, decompõe-se em um politeísmo indeter- minado (HEGEL, 1995, p. 342). ©shutterstock Educação Pela Arte Numa Perspectiva Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 163 EDUCAÇÃO PELA ARTE NUMA PERSPECTIVA SOCIAL A cidade ideal, idealizada pelo grande mestre da Filosofia antiga, Platão, deve- ria ser isenta de artistas, uma vez que estes, segundo o filósofo, provocavam, “ainda que de forma involuntária o engano e a ilusão” (FEITOSA, 2004, p. 115). Segundo Feitosa, já citado, a cidade ideal platônica deveria ser organizada ape- nas em torno das necessidades e trocas. As necessidades básicas como alimento, comida, habitação e outras, pressupõem que profissões como do agricultor, alfaiate e pedreiro sejam consideradas úteis, visto que suprem tais necessidades. Na cidade ideal, como menciona Feitosa, artesãos, soldados e políticos têm uma função a cumprir, por isso têm o direito de ser sustentados com o traba- lho dos outros. Contudo, a saúde da cidade corre perigo quando, além daqueles que têm função na cidade, outras classes que têm como finalidade o prazer e o luxo começam a surgir. Portanto, quando começam a surgir, “poetas, músicos, dançarinos, pessoas que não desempenham nenhuma função realmente útil” (FEITOSA, 2004, p. 115), a cidade realmente está em perigo. Como foi dito no tópico sobre a estética em Platão, para o filósofo ateniense, somente as mulheres, as crianças e os escravos deveriam aprender e praticar a arte. O “desprezo” de Platão pela arte deve-se ao fato de que, para o filósofo de Atenas, a arte fundamentava-se na imitação (mimesis). A cama pintada pelo pintor é apenas uma representação imperfeita da ideia universal de cama e não FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E164 pode ser utilizada nem mesmo pelo cidadão (homem). Por sua vez, o artista ou o carpinteiro reproduz um objeto que não é mera aparência, mas pode ser usado pelo indivíduo ao dormir. Portanto, para Platão, em A República, a arte pouco ou nada tem a ver com a verdade, mas é mera ilusão, tal qual as obras de Homero, tão reverenciadas por seus concidadãos (FEITOSA, 2004, p. 115). Aristóteles, o discípulo predileto de Platão, de forma diferente do seu mestre, viu na mime- sis não apenas a imitação dos objetos, mas viu nela a possibilidade de que coisas que ainda não são possam vir a ser através da imitação da realidade. Como aqueles que imitam pessoas em ação, estas são necessariamente boas ou más (pois os caracteres quase sempre se reduzem apenas a es- ses, baseando-se no vício ou na virtude a distinção do caráter), isto é, ou melhores do que somos, ou piores, ou então tais e quais, como fazem os pintores; Polignoto, por exemplo, melhorava os originais; Pausão os piorava; Dionísio pintava-os como eram. Evidentemente, cada uma das distas imitações admitirá essas distinções entre si por imitarem assim objetos diferentes (A POÉTICA..., 2005, p. 20). Segundo Feitosa (2004, p. 123), para Aristóteles, a arte é necessária, uma vez que ela produz um efeito denominado de Catarse (termo oriundo da medicina que significa purgação dos elementos perniciosos presentes no corpo). Segundo esse filósofo, o modelo platônico da cidade ideal não seria possível, uma vez que na cidade ideal não haveria paixões, desejos ou luxuosidade. Aristóteles defende uma medida equilibrada de afetividade e razão, uma espécie de mediania entre os excessos e a falta. Segundo Feitosa, a arte sempre teve como finalidade, durante toda a sua história, transmitir mensagens políticas, ideológicas e religiosas. Mas a questão é a seguinte: Hoje, qual é o papel social da arte? Feitosa ainda ques- tiona: “a função primordial da arte é servir ao Estado, às leis ou à educação?” (FEITOSA, 2004, p. 126). Hoje, percebemos nitidamente a influência do mercado do gosto sobre a sociedade pós-moderna. O mercado do gosto é que dita as regras do que é bom ou mau, feio ou bonito, útil ou inútil. Para Ernest Fischer (1987, p. 57), não há dúvidas: “a arte, ela própria é uma realidade social”. Num mundo desumani- zado, onde as coisas possuem mais valor que os seres humanos, com certeza, a arte tem o seu papel social e educativo. Contudo, a arte tem se defrontado com o que Adorno denominou de Indústria Educação Pela Arte Numa Perspectiva Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 165 Cultural: “As obras de arte são ascéticas e sem pudor; a indústria cultural é por- nográfica e pudica” (ADORNO, 2002, p. 37). Para Adorno, a indústria cultural promete muito, no entanto, priva seus consumidores daquilo que promete. Para Fischer, o problema da desumanização ou dessocialização da arte também pro- vém do fato de que existe uma indústria das massas, visível a partir do momento de que cada vez mais o artista se afasta do público, e a produção artística é pro- duzida visando ao consumo em massa (FISCHER, 1987, p. 117). Gramsci (1891 – 1937), em Os Jornais e os Operários (SCHLESENER, 2009, p. 286-288), já denunciava a classe burguesa na Itália, que oferecia uma merca- doria de quatro a seis páginas todas as manhãs ou todas as tardes, onde o que se publica é sempre de interesse da classe dominante, contudo, a classe operária “consome” sem perceber as insídias e perigos contidos em tais jornais. Gramsci termina o artigo recomendando o boicote dos jornais burgueses pela classe ope- rária, ingenuamente ludibriada pela classe burguesa. No século XIX, o romantismo criou a cultura denominada espírito de um povo. Segundo Marilena Chauí, tal cultura nada mais era do que a cultura popu- lar ou, então, folclórica. Para Chauí (2010, p. 359), como a maioria dos Estados eram capitalistas, surgiu um problema: a cultura foi dividida em dois tipos, a erudita e a popular. A questão da divisão entre cultura erudita e popular ficou mais evidente quando os trabalhadores do campo deixaram suas propriedades e, consequentemente, sua “cultura” (folclore) e estabeleceram-se nas periferias das grandes cidades, movendo, dessa forma, as indústrias de massas para a produ- ção em larga escala para essa clientela. Para Chauí, a arte corre o risco de perder a sua essência criativa e tornar-se, por sua vez, apenas objeto dereprodução e consumo, ou seja, uma relação de compra e venda de cultura. Falamos de cultura do mundo antigo ao mundo contemporâneo, espe- cificamente final do século XIX ao final do século XX. Mas o que dizer da informatização e globalização da arte, da cultura, do pensamento, e da infor- mação de forma generalizada através dos sistemas de informatização do nosso mundo? Ao mesmo tempo em que sabemos quase tudo o que acontece no pla- neta em questão de minutos, também somos vigiados, controlados e reféns de um sistema que informa escraviza o indivíduo e torna-o seu “eterno dependente”. Marilena Chauí assim descreve sobre o sistema global de informações: FILOSOFIA E ARTE Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. VU N I D A D E166 A afirmação de que os computadores democratizam as informações não é uma tese verdadeira: a informática, tal como vem sendo pratica- da, está voltada para a concentração e centralização das informações e para o controle da vida dos indivíduos e não para a difusão democráti- ca da informação. Para o computador operar, ele precisa de dados e da centralização dos dados – este é um fato técnico. A democratização da informação, portanto, não pode provir da própria técnica informática, pois esta é centralizadora. A democratização da informação depende de ações políticas da sociedade e dos governos. É o que se vê nas lutas sociais por legislações que impeçam a invasão da vida privada, a es- pionagem política e militar, etc. É também o que é ilustrado pelo mo- vimento sociopolítico de resistência e luta das personagens de Matrix (CHAUÍ, 2010, p. 378-379). A conscientização, a reflexão ética, política e cultural é o caminho para o debate sobre a importância da criação na arte. Sem consciência da gravidade do pro- blema não é possível nem mesmo provocar o debate. É função social da educação, desde seus primórdios, formar crianças e adolescentes com espírito crítico para que os mesmos possam transformar no aspecto social a tão desacreditada situ- ação ética e política do Brasil. Para que haja uma transformação social, é preciso ter um ponto de partida certo, e um alvo como destino a ser seguido, pois sem um caminho a seguir não é possível chegar a lugar nenhum. A educação pela arte ou a arte pela educação é um processo a ser buscado dentro do contexto da Filosofia da arte. Educação Pela Arte Numa Perspectiva Social Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS Você aprendeu que na Filosofia da arte há várias teorias formuladas desde Platão até o pensamento contemporâneo. A busca pela universalidade do belo sempre foi discutida pelas mais diversas correntes filosóficas em todos os momentos da história da Filosofia. Platão foi o filósofo que primeiro abordou esse assunto, mesmo não tendo escrito nenhum tratado que visasse especificamente ao tema. Foi somente no século XVIII, com Alexander Gottlieb Baumgarten, discí- pulo do filósofo Christian Wolff, que a estética torna-se uma disciplina filosófica específica na academia. Foi Baumgarten o primeiro filósofo a dividir a estética em duas categorias, a teórica, que estuda a questão do sensível, quando este está relacionado ao belo; e a prática que diz respeito a uma espécie de lógica ou de princípios que são fundamentais para a imaginação e a formação da capacidade artística do indivíduo, quando este volta-se para descobrir o que é o gosto ou, então, o belo. 1. Defina o que é o belo para Platão. 2. Comente sobre a função social da arte nos primórdios da civilização do ser humano. 3. Qual é o conceito de belo para Hegel? 4. Escreva sobre a objetividade e subjetividade na experiência estética de Kant. 5. É possível padronizar o gosto segundo Hume? Justifique. 169 Arte, religião e o absoluto A Arte, pertencendo pois, juntamente com a Religião e a Filosofia, ao domínio do Espíri- to absoluto, tem o mesmo conteúdo dessas outras duas formas: a verdade total, a Idéia, que é a própria divindade. Nas três, o homem, premido pelas contradições de sua natu- reza finita, tenta romper os estreitos limites de sua subjetividade, buscando a unidade suprema do Espírito, que se confunde com o absoluto. A primeira manifestação do Absoluto, pela qual o Espírito se torna consciente de seus interesses, e experimenta o contato inicial com a verdade, é a Arte. No entanto, essa forma primigênia não é capaz de satisfazer o anseio do homem pela divindade, que, aprofundado pela religião, como certeza interior da Alma devotamente recolhida, só a Filosofia – cuja função é levar a idéia ao estado de objeto para o pensamento racional puro – pode mitigar. A Religião supera a Arte, apesar de que na Grécia, tenham sido os poetas e artistas os primeiros a criarem a forma da divindade, dando assim um conteúdo definido ao senti- mento religioso do povo. Mas depois é a religião que está fadada a morrer dialeticamen- te, para transformar-se na Filosofia, medida definitiva do Absoluto (NUNES, 2003, p. 64). MATERIAL COMPLEMENTAR É filosoficamente válido o famoso jargão popular: “gosto não se discute”? A Necessidade da Arte Ernest Fischer Editora: LTC Sinopse: Esse livro concebe a arte como substituto da vida, como uma forma de colocar o homem em estado de equilíbrio com o meio circundante, ideia que contém o reconhecimento parcial da natureza da arte e da sua necessidade. Esse livro representa uma tentativa de responder a diversas questões com base na convicção de que a arte tem sido, é e será sempre necessária. CONCLUSÃO 171 Por fim, podemos dizer que, ao examinar a história da Filosofia, percorremos diver- sas etapas do conhecimento filosófico. O longo caminho percorrido neste estudo nos mostrou que a história da Filosofia, tal como vimos em Hegel, é um movimento no qual a consciência se exercita em si mesma, é um vir a ser, ou seja, a Filosofia num linguajar hegeliano é círculo de círculos, em outras palavras, as mesmas perguntas que os primeiros filósofos fizeram lá na Grécia antiga, pelo Ser, nós ainda as fazemos, contudo, de forma mais elaborada, em virtude do desenvolvimento do pensamento filosófico e científico. Neste processo do desenvolvimento do conhecimento (insisto no termo “processo”), foi analisado, em cada unidade, o progresso do filosofar. Na unidade I, estudamos as origens, a passagem do mito à Filosofia. Na unidade II, verificamos o problema do conhecimento dentro da perspectiva de vários filósofos, desde os pensadores da Filosofia antiga até pensadores da Filosofia contemporânea. Na unidade III, obser- vamos as questões de Ética na Filosofia. Na unidade IV, estudamos alguns filósofos responsáveis pelos grandes clássicos das teorias políticas de toda a história da Filo- sofia. Por fim, na unidade V, vimos a arte e sua função social. Em algumas unidades foi focada mais a visão marxista, tendo em vista os destina- tários primeiros deste livro, contudo, em momento algum foi a intenção deste tra- balho tomar partido por esta ou aquela corrente filosófica. Entendemos que cabe ao(à) aluno(a) escolher a corrente filosófica com a qual ele(a) mais se identifica para que no futuro desenvolva um estudo mais aprofundado sobre a mesma. A divisão das unidades não pressupõe necessariamente que a unidade anterior seja leitura obrigatória para a unidade subsequente, contudo, para que haja um estudo sistemático de qualidade, é recomendável que as unidades sejam estudadas con- forme a sequência proposta no decorrer do livro. Sobre a importância de se estudar os pensamentos de grandes filósofos, deixo aqui a recomendação atribuída a Hegel (na Enciclopédia das Ciências filosóficas, por BernardBourgeois) “Um grande ho- mem condena os humanos a explicá-lo”. CONCLUSÃO REFERÊNCIAS 173 ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins fontes, 2007. ADORNO, T. Indústria Cultural e Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. AIEX, A. Ensaio Acerca do Entendimento Humano. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978. ARANHA, M. L. A.; Martins, M. H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: 2004. ARISTÓTELES. De anima. São Paulo: Editora 34, 2007. ARISTÓTELES. Metafísica. Porto Alegre: Editora Globo, 1969. 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