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Filosofia Geral : Problemas Metafísicos Professora Esp. Franciele Freire Favareto Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação à Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt 2021 by Editora Edufatecie Copyright do Texto C 2021 Os autores Copyright C Edição 2021 Editora Edufatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correçao e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permi- tidoo download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 4 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 www.unifatecie.edu.br/site As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site Shutterstock. AUTORA Professora Especialista Francielle Freire Favareto Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9058704080330971 ● Graduada em Filosofia – Licenciatura Plena pela Universidade Estadual de Maringá ● Graduanda em Pedagogia – Unicesumar. ● Especialista em Gestão do Ensino de Religião, Sociologia e Filosofia – Facul- dade Eficaz. ● Especialista em Tutoria em Educação a Distância – Faculdade Eficaz. ● Especialista em Educação Especial – Faculdade Paulista. ● Curso de Filosofia para Crianças – Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças. ● Projeto de extensão: O Papel Pedagógico das Tragédias Gregas –Universidade Estadual de Maringá ● Professora durante nove anos na rede estadual, atuando no Ensino Médio, nas disciplinas de Filosofia e Sociologia. ● Professora no Curso Preparatório Inovação nas disciplinas de Filosofia e Sociologia. ● Palestra sobre a “Origem da Filosofia – Organização social e política entre os gregos” na Câmara Municipal de Marialva – Projeto Câmara Jovem – 2018. ● Palestra sobre “Escola Pública e Privada: a formação de um cidadão crítico” na Faculdade Cidade Verde. APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Prezado(a) aluno(a), que satisfação ter você nesta disciplina. Iniciaremos uma grande jornada ao conhecimento filosófico, elementar para a construção de um pensa- mento reflexivo e crítico no assunto que tange até hoje a mente de grandes pensadores, que é a questão do Ser. Iremos percorrer o caminho que a metafísica trilhou desde o seu nascimento, ápice e declínio, dando espaço para uma nova forma de pensar o Ser. Na Unidade I, começaremos nossa jornada conhecendo a forma que os gregos clássicos se relacionam com questões cotidianas, histórias fantasiosas para explicar a própria realidade, denominado de Mitologia, ponto inicial para o pensamento cosmogônico. Na Unidade II vamos inserir um novo conceito. Se a Unidade I, com a descoberta da metafísica, palpitou nossa mente, será na Unidade II que conheceremos a ontologia, que, em poucas palavras, significa “o estudo do ser”. Nesta unidade, a metafísica já é um conceito – estudo para tudo que está além da física – e o estudo do ser começa a ganhar corpo. Na Unidade III veremos a filosofia cristã surgir e fundamentar-se no pensamento das autoridades Platão e Aristóteles. Neste momento, a filosofia será suprimida pela revelação. Por fim, na Unidade IV, veremos o declínio da metafísica e o nascimento da feno- menologia, momento este em que o sujeito volta a ser dono da sua própria experiência e sendo auxiliado pela ciência. Aqui, a filosofia deixa de ser subordinada e passa a ser fator essencial para busca e compreensão da dualidade corpo-mente. É neste momento que lanço a mão para reiterar o convite de juntos trilharmos o caminho do conhecimento sobre os temas propostos neste material. Espero alcançar o objetivo de instigar em você o pensamento filosófico. Grata e bom estudo! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 6 Problemas Metafísicos e Filosofia - Pré-Socráticos UNIDADE II ..................................................................................................... 28 A Ontologia Antiga UNIDADE III .................................................................................................... 51 A Onto-Teologia Medieval UNIDADE IV .................................................................................................... 70 Corpo e Alma: Liberdade Verus Determinismo Plano de Estudo: ● Mitologia – Pensamento Cosmogônico; ● Pré – Socráticos – A busca pela Arché; ● Permanência e Devir – Parmênides e Heráclito; ● Pensamento Cosmológico. Objetivos da Aprendizagem: ● Compreender a relação do pensamento mítico com o pensamento racional no contexto grego; ● Compreender a importância dos filósofos pré-socráticos para a busca da origem das coisas “arché”; ● Estabelecer a diferença entre a Cosmogonia da Cosmologia. UNIDADE I Problemas Metafísicos e Filosofia - Pré- Socráticos Professora Esp. Franciele Freire Favareto 06 INTRODUÇÃO Prezado(a) estudante da disciplina “Filosofia Geral: Problemas Metafísicos”, é com grande satisfação que te convido a entrar no universo do conhecimento filosófico. Este processo de conhecimento irá trazer a você, caro(a) estudante, a oportunidade de navegar no processo de busca para encontrar o sentido do ser – metafísica – processo este que custou uma extraordinária mudança no pensamento ocidental em relação à origem das coisas materiais e sobrenaturais. Esta introdução busca orientar e situar você, estudante, a entender a importância em conhecer o nascimento do processo racional que utilizamos até hoje, processo este que não aconteceu de forma rápida ou engendrado pelo acaso. Como citado, a metafísica não se estabeleceu de forma aleatória, foi necessário que o homem grego entendesse o mundo que estava inserido e, a partir daí, levantasse questionamentos da própria realidade. Mas, para tanto, o mundo grego precisou passar por transformações no mundo material, tendo como efeito a revelação da própria existência. Iremos, nesta unidade, entender como esse processo de “revelação” e ambientação foi necessário para o homem levantar a questão sobre o Ser. O homem grego no seu princípio estava conhecendo seu mundo, estabelecendo verdades intuitivas, não questionando as explicações sobre o mundo que estava inserido. Embarcaremos no estimulante ato de aprender sobre o mito, cosmogonia, cosmologia e iniciar um passeio nas condições que a Grécia proporcionou para o nascimento da Filosofia. Vamos conhecer o berço da investigação do pensamento? Bons estudos! 7 1 MITOLOGIA – PENSAMENTO COSMOGÔNICO Iremos iniciar nosso estudo referente à Metafísica e, de uma forma genérica e inicial, podemos traduzir como uma forma de entender o sentido do Ser. Mas, para entendermos essa necessidade de encontrar o sentido do Ser, faz-se necessário voltarmos à época dos povos primitivos. Desde os povos primitivos, o homem sempre tentou entender sua realidade, buscar explicações para compreender o meio onde habitam, os fenômenos naturais equiçá as questões sobrenaturais que faziam parte da vida cotidiana. Dessa forma, foi entre os povos primitivos que o mito se fez presente. O mito era, para os povos primitivos, uma forma de explicar a realidade em que estavam inseridos, construída de explicações fantasiosas, não crítico para compreender fatores naturais e sobrenaturais. Mesmo sendo uma forma fantasiosa de explicar a realidade que esses povos primitivos estavam inseridos, não se pode negar que essas explicações eram para eles uma verdade – verdade esta que chamamos de intuitiva –, ou seja, que não precisa de provas para ser aceita. Vale ressaltar, querido(a) leitor (a), que o mito, reproduz um desejo do homem em dominar o mundo em que está inserido e apaziguar o medo e a insegurança do desconhecido. Devido a esse medo de enfrentar o desconhecido, o mito passou a ser entendido como pensamento mítico, carregado de magias, para sanar o desejo de que as coisas acontecessem da forma que desejavam. Para que isso fosse possível, os mitos apresentavam uma ferramenta para transformar um pensamento em ação, os rituais. Os rituais eram os mitos em forma de ação. Prezado(a) estudante, como citado, o mito é uma verdade intuitiva e, por carregar esse significado conceitual, temos que ressaltar sua função. Tendo em vista 8 que o mito nasce do desejo do homem em dominar o mundo em que estava inserido, sua função consiste em fixar modelos, exemplos das atividades humanas – as ações, utilizando como ferramenta os rituais, que eram expressões imaginárias do homem em relação aos deuses. Dessa forma, o homem, em sua necessidade de encontrar explicações sobre sua realidade, utilizava dos ritos para demonstrar aos homens exemplos do que era o bem e o mal, recorrendo como protagonista o papel dos deuses. Por conseguinte, o mito tem sua característica para ser considerado como tal. Quando pensamos nos mitos dos povos primitivos, é necessário entender que consistia na busca de uma explicação que atendia a todo o grupo. O indivíduo só se sentia pertencente, quando era reconhecido como parte do grupo, isto é, sua consciência/sua existência tinha que ser reconhecida pelos outros. Figura 1 - Cosmogonia e Teogonia Outra característica do mito é que, por não necessitar de provas e por não haver contestação dos fatos relatados, era considerado como um conhecimento dogmático, pois sua aceitação dependia da fé ou da crença. Como suas normas atendiam o coletivo, não respeitar os rituais, por exemplo, não afetava só o indivíduo, 9 mas sua família também, e, por necessidade de impor medo caso houvesse transgressão, foram criados os tabus (proibição). Mas do que se tratava o mito de fato? Como os mitos chegaram ao conhecimento de todos? Quem os contava? O que versava os mitos eram narrativas sobre as origens ou o fim das coisas, sobre a formação do universo. Os mitos eram recheados de narrativas de lutas, intrigas, trabalho, numa tentativa de explicar situações costumeiras no cotidiano, utilizavam as narrativas com o intuito de educar e as histórias eram contadas oralmente. O nome dado às narrativas sobre a origem do universo é cosmogonia – “gonia” significa engendrar, gerar e “cosmo” quer dizer “o universo organizado”. No início de tudo, o que primeiro existiu foi Abismo: os gregos dizem Kháos. O que é o Caos? É um vazio, um vazio escuro onde não se distingue nada. Espaço de queda, vertigem e confusão. [...] depois apareceu Terra. Os gregos dizem Gaîa, Gaia. [...] Depois de Caos e Terra aparece em terceiro lugar, o que os gregos chamam Éros, e que mais tarde chamaram “o velho Amor (VERNANT, 2008 p. 17-19). Já os mitos que explicavam a origem dos deuses eram classificados de teogonia. No teatro do mundo, o cenário está montado. Abriu-se o espaço, o tempo passou, gerações vão se suceder. (...) Assim como a terra é um local estável para os homens e bichos, também, no alto, o céu etéreo é morada segura para a divindade (VERNANT, 2008, p. 28). 10 Figura 2 - Homero e Hesíodo As narrativas, histórias e mitos eram contados pelos aedos – rapsodos “Aedos” –, que compõem os próprios poemas e os cantam acompanhados de instrumentos. “[...] Rapsodos, artista popular ou cantor que, na antiga Grécia, ia de cidade em cidade recitando poemas” (WIKIPEDIA, 2021). Há dois nomes importantes que narram os mitos, são eles Homero e Hesíodo. A Homero, no final do século VIII a.C. ou século IX a.C., não se sabe ao certo em qual época ele existiu ou se ele existiu, são atribuídos os poemas Ilíada e Odisseia, epopeias que relataram valores culturais que eram memorizados desde a infância por ser um meio de entendimento sobre questões sobre a vida. Ilíada conta a história da guerra de Troia. A Odisseia relata o regresso de Ulisses para a sua ilha, chamada Ítaca, após o término da guerra. Ressalvo, prezado(a) estudante, que a guerra durou cerca de dez anos e a única embarcação que sobrou depois da guerra foi a de Ulisses, este que demorou mais ou menos dez anos. Hesíodo teria vivido no século VII a.C., trouxe a gênese dos deuses com a sua teogonia, narrativa que contava o nascimento dos deuses, tendo como base inicial o caos que significa “universo desorganizado”. 11 Cada cidade grega tinha um deus ou uma deusa representando a sua ligação com o sagrado. Faziam festas, rituais, oferendas na intenção de agradar, para que não houvesse nem um tipo de castigo. Foi com o desejo de entender ou até mesmo em dominar o que não entendiam, que as cosmologias e as teogonias foram fortemente construídas na mentalidade do homem grego primitivo. Cativo estava o homem grego mítico, preso à uma verdade intuitiva, temeroso, rude, tentando construir sua própria história. 12 2 PRÉ-SOCRÁTICOS – A BUSCA DO ARCHÉ Os primeiros homens a pensar a natureza de forma racional questionando o princípio das coisas, não aceitando mais narrativas fantasiosas ou imaginárias foram chamados de Pré-Socráticos ou Naturalista ou Filósofos da Physis, nome dado para identificar pensadores que tinham como objeto de observação a natureza como princípio das coisas. Pré-socrático – é uma corrente de pensamento que iniciou antes de Sócrates, portanto essa denominação tem a função de situar as filosofias pré-socráticas dentro da história, estabelecendo uma ordem cronológica. Outra contribuição desses filósofos foi fomentar a ruptura do mítico para o racional filosófico, com suas indagações sobre a origem das coisas. Através da busca pela arché, os pré-socráticos, por meio de seus questionamentos, introduziram um conceito transformador, o lógos – razão ou explicação racional e argumentativa das coisas do mundo. Conceitos introduzidos, como arché, physis, lógos, caro(a) estudante, determinaram a mudança da mentalidade dos gregos, que foram pensados de forma racional pelos pré-socráticos, estes que eram classificados em monistas e pluralistas. Os monistas foram os pré-socráticos que elegeram um único elemento para designar o princípio, foram eles Tales de Mileto (640 a.C. – 548 a.C.) a água, 13 Anaxímenes (588 a.C. – 524 a.C.) o ar infinito, Heráclito (544 a.C. – 484 a.C.) o fogo, Pitágoras (século VI a.C.) o número e Parmênides (544 a.C. – 450 a.C.) o Ser. Os pluralistas, como o nome indica, estipularam mais de um único elemento como arché, sendo eles: Empédocles (483 a.C. – 430 a.C.) o Úmido, o Seco, o Quente e o Frio, Anaxágoras (499 a.C. – 428 a.C.) as sementes que continham os elementos de todas as coisas “raízes”, os atomistas Leucipo (século V a.C.) e Demócrito (460 a.C. – 370 a.C.) os átomos. Mas o que vem a ser Arché? É o conceito atribuído para designar a busca pelo princípio, “a origem de todas as coisas”, partindo de que a origem ou o princípio das coisas não surgem do nada. 14 3 PERMANÊNCIA E DEVIR – PARMÊNIDES E HERÁCLITO Parmênides de Eléia Parmênides de Eléia (séculoVI a.C.) foi um filósofo pré-socrático significativo para a história da Filosofia. O primeiro a se atentar para a importância da metafísica. Na verdade, seu propósito deixou de ser uma mera especulação cosmológica, tornando-se uma ontologia (teoria do ser). Sua teoria diz que a realidade é imutável: “O ser é, o não ser não é”. Demonstra que o mundo sensível é ilusório, e que só o mundo inteligível é verdadeiro e imutável. 3.1 Permanência Parmênides escreveu um poema filosófico, em versos: Sobre a Natureza. Essa obra é composta por três partes: Proêmio, Primeira Parte e Segunda Parte. Na primeira trata da verdade; na segunda da opinião. Conservam-se numerosos fragmentos da primeira parte e alguns da segunda de acordo com Souza (SOUZA, 1996, p. 26). A primeira parte, a da verdade, esclarece as coisas enquanto são, isto é, a do que é e que não tem a possibilidade que não seja. É nesta primeira parte do poema que o naturalista Parmênides anuncia o grande princípio de não-contradição, “o ser 15 existe e não pode não ser e o não-ser não existe e não pode ser” (REALE, 2007, p. 34 ). Na segunda parte do poema, Parmênides abandona a via da verdade e argumenta sobre a opinião dos mortais. São poucos os fragmentos que chegaram até nós sobre essa segunda parte, o que foi possível interpretar foi que essa via introduz o conceito de movimento. Vale ressaltar que, na primeira parte do poema, são tratadas duas vias: verdade e opinião. Na segunda parte que é tratado sobre a opinião dos mortais é a terceira via, lembrando: são escassos os fragmentos da segunda parte. É por esse caminho que Parmênides identifica o que seria para ele o arché, chegando ao resultado de que as coisas são entes, As coisas [...] mostram aos sentidos múltiplos atributos ou propriedades. São coloridas, quentes ou frias, duras ou moles, grandes ou pequenas. [...] Mas consideradas como órgão, com o pensamento (noûs), apresentam uma propriedade sumamente importante e comum a todas: antes de ser brancas ou vermelhas, ou quentes, são. São simplesmente (MARÍAS, 2004, p. 26). Dessa forma, Parmênides faz seu trajeto contrapondo a mobilidade de Heráclito que “tudo flui”, alegando que existe sim o movimento, mas esse movimento acontece só no mundo sensível. O mundo sensível, para Parmênides, é uma percepção ilusória, pois se baseia na opinião, sendo assim, um conhecimento não confiável. 16 Figura 3 - Heráclito Heráclito (século VI a.C.– V a.C.), pré-socrático, defendeu a ideia “o verdadeiro é mutável”, pensador da frase célebre “não nos banhamos nunca duas vezes no mesmo rio”. Sua filosofia consistia que a realidade sofre mudança, chamando essa mudança de devir. Identificou que o ser é múltiplo. Apresentou também a doutrina da “harmonia dos contrários”, o mundo é guiado pela luta dos contrários, assim, determinando a harmonia. 3.1.1 Devir A teoria do Devir, que tudo vir-a-ser, diz que tudo muda, transforma, tanto o homem quanto o mundo, tudo flui. E essa concepção aconteceu após eleger o fogo como arché. O fogo é, para Heráclito, o elemento que é menos consistente e o que mais muda. 17 O dilema de Heráclito passa pela questão: se tudo muda, se transforma, como posso afirmar que conheço algo verdadeiramente? Para o pré-socrático é perceber a mudança que se instaura o conhecimento. Por isso, acreditando na mudança, é que sua teoria apresenta a doutrina da “harmonia dos contrários” pois é através da luta dos contrários que o mundo se apresenta de forma harmônica. 18 4 PENSAMENTO COSMOLÓGICO Chegamos ao nosso último tópico desta unidade onde trataremos do “Pensamento Cosmológico”. Vamos percorrer por alguns períodos o que a sociedade Grega passou, elencando fatores que consagrou a passagem do pensamento mítico para o pensamento filosófico. Estamos falando aqui da transição entre a Cosmogonia para a Cosmologia – cosmos (kósmos), que significa “a ordem e organização do mundo” ou “o mundo ordenado e organizado”, e logia, que vem da palavra lógos que significa “pensamento racional”, “discurso racional”, “conhecimento”. No tópico I desta unidade, vimos o que era o mito, suas características e sua função no mundo grego e que houve uma ruptura entre o pensamento mítico para o pensamento racional filosófico por meio dos questionamentos sobre a origem das coisas, o arché. O questionamento foi a expressão racional que o homem grego passou a fazer, deixando de lado a verdade intuitiva em busca da verdade lógico racional, é dessa forma que os pré-socráticos tiveram seu papel na história da Filosofia. Mas o que proporcionou essa “revolução” de forma de se pensar? Grécia passou a ser o berço da Filosofia, proporcionando condições para o exercício filosófico. 19 O homem grego passou a ser cidadão, a participar das decisões levantadas na ágora, dispondo de argumento, oratória para apresentar suas ideias, abriu campo para a indagação, questionamento atributos da Filosofia. É neste momento que a metafísica surge como um exercício crítico de perguntas e respostas. E como já vimos, foi com o pré-socrático Parmênides que não só a metafísica, como a ontologia, começou a fazer parte dos questionamentos de toda uma sociedade. Vamos falar das condições para o nascimento do pensamento racional ou filosófico? Foram seis fatores significativos para essa “preparação” que a sociedade grega estava respirando são eles; 1. as viagens marítimas, 2. a invenção do calendário, 3. a invenção da moeda, 4. o surgimento da vida urbana, 5. a invenção do alfabeto e 6. A invenção da política. 1. As viagens marítimas proporcionaram ao homem grego a possibilidade de conhecer novas culturas e novos modos de pensamento. O relacionamento comercial entre os povos da Grécia, Babilônia, Macedônia, Egito, trouxe uma nova mentalidade aos gregos. 2. A invenção do calendário proporcionou o cálculo das estações, obrigando o homem a olhar a natureza de outra forma, isto é, criando métodos para registrar as repetições que acontecem com a natureza, possibilitando prever condições climáticas, favorecendo a agricultura e a navegação. 3. Com a invenção da moeda, o homem grego passou a abstrair o valor das coisas. Passou-se a usar as moedas abstraindo valores e o escambo (trocar um material por outro) teve seu fim. 4. O surgimento da vida urbana, efeito das navegações, comércio e o surgimento da moeda deu espaço para o artesanato, dessa forma, diminuindo os prestígios da aristocracia (dos senhores donos de terras), pois uma nova classe surgiu trazendo para perto o estímulo das artes, fonte importantíssima para o nascimento da filosofia. 5. A invenção do alfabeto trouxe ao homem grego um pensamento abstrato, isto é, com a manipulação do alfabeto, transformando letras em palavras ao invés de desenhos (hieróglifos) dos egípcios ou os ideogramas (símbolos gráficos) dos chineses, o alfabeto tornou possível 20 eternizar ideias, ao contrário dos signos que carregava conotações mágica. Figura 5 - Alfabeto grego 6. E o último, mas não menos importante, foi a invenção da política. Foi com a política que desejos de uma comunidade eram discutidos, favorecendo as relações internas, ou seja, as vontades da comunidade beneficiam as relações internas, assim nascendo a pólis (nome dado a cidade-Estado grega). A pólis proporciona discussão, permitindo ao homem, aliás, ao cidadão o exercício da oralidade, argumentação, persuasão para apresentar solução de problemas que surgiam. Era na ágora (assembleia) que os cidadãos discutiam as necessidades da polis. Foram essas condições que possibilitaram o nascimento da filosofia, momento que o mito deixa de ser a explicação da origem das coisas, passando para o entendimento da metafísica pelos pré-socráticos das filosofias sobre a origem com uma linguagem racional e sistemática buscando o princípio natural eeterno, gerador 21 de todas as coisas, ao contrário do pensamento cosmogônico que a origem é fruto do acaso. Esse período é chamado de pré-socrática ou cosmológica. SAIBA MAIS Sobre o “Lugar dos Gregos na História da Educação” “A posição específica do Helenismo na história da educação humana depende da mesma particularidade da sua organização íntima – a aspiração à forma que domina tanto os empreendimentos artísticos como todas as coisas da vida – e, além disso, do seu sentido filosófico do universal, da percepção das leis profundas que governam a natureza humana e das quais derivam as normas que regem a vida individual e a estrutura da sociedade. Na profunda intuição de Heráclito, o universal, o logos, é o comum na essência do espírito, como a lei é o comum na cidade. No que se refere ao problema da educação, a consciência clara dos princípios naturais da vida humana e das leis imanentes que regem as suas forças corporais e espirituais tinha de adquirir a mais alta importância.” Fonte: JAEGER (1995, p. 13). SAIBA MAIS Você sabia que na mesma época dos pré-socráticos viveram os sábios do Oriente, como Confúcio e Lao-Tsé (China), Sidarta Gautama, o Buda, (Índia) e Zaratustra (Pérsia, atual Irã). Fonte: ARANHA, 2016, p. 25. REFLITA Será que reproduzimos, na atualidade, o termo mito, com a mesma conotação que os povos primitivos entendiam? Fonte: A Autora. 22 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desta unidade, percorremos o caminho da instigante Filosofia: desde as primeiras formas de se pensar o mundo até o pensamento filosófico. Vimos que o mito teve papel fundamental nos povos primitivos como artimanha de organização social, narrativas que conduziam não só o modo de se pensar sua existência, mas normativas para manter a ordem social por meio dos rituais, elegendo regras que, se fossem transgredidas toda a comunidade sofreria penas vindas dos deuses. Aprendemos que houve uma passagem do pensamento mítico para o pensamento filosófico através de condições que a Grécia proporcionou. O conceito metafísico foi o baluarte essencial para a indagação sobre o “ser” através da filosofia de Parmênides, que não só conceituou a metafísica, mas a ontologia com seu princípio Ente. Vimos também que, com o advento dos pré-socráticos, o conhecimento do mundo passou de cosmogonia para a cosmologia, em que a origem das coisas não surgiu do acaso como a cosmogonia sugere, mas de um princípio natural que foi fonte geradora de todas as outras coisas, o arché. Passamos por alguns nomes de filósofos pré-socráticos que contribuíram para esse crescimento do espírito grego, que, aliás, Parmênides chama de nôus. 23 LEITURA COMPLEMENTAR “Sobre a verdade e as opiniões: o Poema de Parmênides e a incisão entre ser e devir” O ponto de partida desta tese consiste em avaliar o Poema de Parmênides através da clivagem que lhe serve como principal orientação: a absoluta incompatibilidade entre verdade e opiniões. É a partir dela que se torna privilegiadamente possível analisar a obra parmenídica em sua integridade, na medida em que configura o gesto que determina a própria estrutura tripartida do Poema. Essa incompatibilidade que cinde verdade e opiniões de forma irreconciliável depende, no entanto, de uma decisão de pensamento que a sustenta e que lhe é anterior, servindo- lhe como fundamento – a clara e distinta incisão entre ser e devir. Defende-se, deste modo, que o verbo ser aplica se tão-somente à verdade, assim como o devir caracteriza as opiniões, o que exige a pergunta: ao que se pode aplicar, então, cada um desses verbos em sua restrita propriedade, uma vez imiscíveis? Propondo uma nova semântica e mesmo uma nova gramática para o verbo ser, a verdade parmenídica e o ente de que trata serão aqui compreendidos como um artifício e um exercício de autonomia da linguagem, de uma linguagem, por conseguinte, necessariamente auto referente; ao passo que a linguagem que se faz como uma fala acerca dos sensíveis, aquela que se propõe a responsabilidade de discorrer acerca do que costumamos nomear “realidade sensível”, é necessariamente plural e, portanto, opinativa. Verdade e opiniões não são dois modos distintos de pensar o mesmo, mas modos distintos do pensar: o noético e o frenético, cabendo a cada uma dessas modulações não apenas uma propriedade específica de operar o pensamento e a linguagem, mas também a submissão àquele que que determina o seu gênero e caráter: o motivo pelo que se fazem, respectivamente, verdade e opiniões deve-se justamente àquilo sobre o que versam. Não há verdade sobre o “mundo”, posto que este não é, deve ser plural e diverso, ele exige da linguagem a diversidade e a pluralidade das opiniões. Em contrapartida, só é possível verdade sobre o que não devem. E o que não devem? Seria pouco responder “o ente”. O desafio maior do Poema de Parmênides resulta em saber do que se diz quando se diz “o ente”. Que seja feita, finalmente, a pergunta: o que é o ente? Fonte: COSTA, Alexandre, Domínio Público, 2010, Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=180903 24 http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=180903 MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Odisseia Autor: Ruth Rocha Editora : Salamandra; 1ª edição (1 janeiro 2011). Sinopse: Esta obra narra o retorno de Ulisses (Odisseu) para sua ilha Ítaca depois da guerra de Tróia. 25 FILME/VÍDEO Título:Tróia Ano: 2004 Sinopse: Filme conta a história épica da guerra de Tróia, narrativa contada por Homero na obra Ilíada. 26 REFERÊNCIAS COSTA, Alexandre. Sobre a verdade e as opiniões: o Poema de Parmênides e a incisão entre o ser e o devir. Portal Domínio Público, UFRJ/FILOSOFIA: Programa de Pós-Graduação da CAPES, 2010. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co _obra=180903. Acesso em: 14 jul. 2021. JAEGER, Werner, Paidéia – A formação do homem Grego. Trad. Artur M. Parreira. Martins Fontes – São Paulo. 1995. MARÍAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Os Pré-Socráticos. Trad. José Cavalcanti de. Souza et al. São Paulo, Abril, 1989 (Coleção Os Pensadores). REALE,Giovanni. “História da Filosofia: filosofia pagã antiga, v. 1. – São Paulo: 3ª ed. Paulus, 2007. Vernant, Jean-Pierre. O universo, os deuses e os homens. 7. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. WIKIPÉDIA: Troia - Filme. 2020. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Troia_(filme). Acesso em: 16 ago 2020. 27 Plano de Estudo: ● Dialética Socrática; ● Teoria das ideias - Platão; ● Metafísica aristotélica; ● Escolas helênicas. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar o pensamento filosófico após o advento da metafísica; ● Compreender os tipos de filosofias de acordo com a necessidade de interpretar o homem; ● Estabelecer a importância da racionalidade para compreender a vida humana. UNIDADE II A Ontologia Antiga Professora Esp. Franciele Freire Favareto 28 INTRODUÇÃO Olá, caro(a) estudante, nesta unidade navegaremos no campo da investigação das ações humanas. Após termos estudado, na Unidade I, as filosofias pré-socráticas que se preocupavam em encontrar o arché, nesta unidade iremos acompanhar a transformação da busca para compreender a existência do homem. Iremos navegar em águas racionais, exercitando a capacidade de explicar as ações do homem sem indicar como pressuposto condições cosmogônicas, partindo da filosofia de Sócrates e finalizando esta unidade com as Escolas Helênicas, que trazem consigo pensamentos, correntes, teorias ou filosofias que buscam uma alternativa prática para se viver com sabedoria. É por meio de águas agitadas quea busca para atingir a felicidade acontece. Será necessário aos filósofos elaborar conceitos relativos ao homem, não só na forma material, mas o que move, o que dá a partida, o que faz com que exerçam as atividades cognitivas e práticas. O caminho para entender o pensamento de cada filósofo ou corrente filosófica será a passagem da busca em compreender a metafísica para abraçar a ontologia, o estudo que tenta compreender o ser. Será uma honra navegar nas águas do conhecimento filosófico ocidental, tradição que carregamos ainda atualmente, como a ciência, por exemplo. Bons Estudos! 29 1 DIALÉTICA SOCRÁTICA Figura - Estátua de Sócrates da Academia de Atenas, Grécia. Sócrates: 470/469 – 399 a.C., não se sabe ao certo a data de nascimento e morte, pois nada escreveu. O que se tem registrado são seus saberes em forma de diálogos, que seus discípulos escreveram após sua morte. Por não haver nenhum registro de punho de Sócrates, seus sucessores reproduziam seus diálogos da forma que entendiam, ou seja, a interpretação de seus saberes ficava à mercê de quem reproduzia, como exemplo, Platão e Aristófanes. Platão interpreta Sócrates de forma idealizada, reproduzia os diálogos socráticos de forma séria ao contrário de Aristófanes, que ridiculariza Sócrates em sua peça As Nuvens, confundindo Sócrates com os sofistas. Apesar desses contratempos com os diálogos de Sócrates, o importante é entender por que Sócrates é um marco no pensamento filosófico. Mesmo Platão idealizando seu mestre ou Aristófanes o ridicularizando, o importante são as filosofias que nasceram depois de Sócrates. O pensamento socrático tornou-se um marco no pensamento filosófico por distanciar-se do pensamento naturalista que foi concebido pelos pré-socráticos e se 30 tornando mais próximo a conhecer e identificar no homem suas ações, ou seja, diferenciando o homem da natureza o tornando mais especial. Os pré-socráticos se preocupavam em entender a natureza, procuravam descobrir o princípio das coisas – arché. Sócrates estava em busca de justificação filosófica, fundamentos para desvendar a natureza ou essência do homem. 1.1 Sócrates e os Sofistas Com o advento do pensamento filosófico, pautado na razão, surgiram, na Grécia, homens que ensinavam a técnica da argumentação, retórica, oratória para os cidadãos que tinham o privilégio de ter um tutor. Esses homens eram chamados de Sofistas. Os sofistas são considerados os primeiros professores, por ensinarem aos mais abastados as regras da argumentação, para terem vantagens ou satisfazer seus desejos. Viajavam de uma cidade para outra realizando discursos e exposições para atrair alunos. A bagagem intelectual dos Sofistas divergia dos pensamentos socráticos, ou seja, os Sofistas pregavam que a verdade é relativa, mutável e múltipla, ao contrário dos saberes socráticos que veremos adiante. 1.1.1 Sócrates e o conceito de alma Sócrates estabeleceu alguns conceitos relativos ao homem, ao contrário dos pré-socráticos, que buscavam entender a natureza a partir do seu princípio. Não que Sócrates não tenha feito a mesma observação, mas após a filosofia de Parmênides, as observações não ficaram permeando questões cosmológicas e metafísicas, mas as questões ontológicas estavam pautadas na mente dos indivíduos que buscavam compreender sua própria existência, explicações para suas ações de forma racional. Desta forma, Sócrates, a partir de seus diálogos, buscava entender o que movia a matéria do indivíduo, o que alimentava ou sustentava o homem nas suas tomadas de decisões, chegando à conclusão de que o homem é a sua alma. Alma no pensamento socrático era entendido como a consciência, a moralidade e a capacidade de entender e de querer, atributos reconhecidos só entre os homens, o que nos faz distanciar dos outros seres vivos. 31 A alma é a habilidade de aprender, é uma atividade cognoscitiva. E por atividade entende-se ações, ações que são reflexos de conhecimentos adquiridos, isto é, a alma é a ação em forma abstrata. No pensamento socrático, a cura da alma acontece através da “virtude”, a virtude é a ciência, o conhecimento que potencializa a alma. Por tratar a virtude como ciência para a cura da alma, Sócrates entende que ninguém, de forma voluntária, erra por que quer e sim por ignorância. 1.1.1.1 Sócrates e a Liberdade Sócrates entende que a liberdade é o controle interior, é o autodomínio. Ou seja, quando se entende que o homem é a sua alma, é o que torna o homem racional, conquistando a liberdade quando consegue se afastar do mundo externo, libertando- se das paixões. A liberdade socrática é entendida como desprendimento do mundo externo. 1.1.1.1.1 O método socrático ou a dialética socrática Na condução das suas conversas, Sócrates, nos seus diálogos articulados, criava dois momentos: o irônico-refutatório e a maiêutica. Mas antes, caro(a) estudante, vamos entender o que é a “Dialética Socrática”. Dialética, traduzindo de forma literal, significa “caminho entre as ideias”. O método que Sócrates usava em seus diálogos caminhava por ideias na figura do “não-saber”, a partir de perguntas e respostas, método que foi inaugurado pelo filósofo. Percebe-se, caro aluno, que Sócrates inaugura um método e, como todo método, tem que chegar em uma finalidade. Chegamos agora, querido (a) aluno (a), na finalidade do método socrático. É necessário entender a finalidade para depois compreender sua estrutura e a função. A finalidade era de natureza ética e educativa, ou seja, era por meio do diálogo, no formato de pergunta e resposta, que o homem tinha a oportunidade de fazer um “exame da alma”, um acertar de conta da própria vida, um olhar interior, afastando-se das paixões. Navegaremos agora na estrutura do método. 32 A estrutura da dialética socrática era indagar, perguntar, questionar a confiança do interlocutor, ou seja, questionar suas crenças. Sócrates propõe diálogo, se colocando na figura do “não-saber”, atitude não comum aos sofistas, pois estes tinham a modéstia de quem sabia de tudo, ao contrário de Sócrates, pois sua atitude era de quem não sabia de nada e que estava disposto a aprender com o outro. Sócrates, quando toma essa postura do “não-saber”, mostra que a sua filosofia buscava algo diferente dos outros pensadores, como os naturalistas, sofistas e políticos. Os saberes dos naturalistas eram em vão, dos sofistas demonstravam convencimento e dos políticos, sem conteúdo. Como apontado, chegou a hora de falarmos dos dois momentos que acontecem na dialética socrática: a ironia e a maiêutica. Em um primeiro momento, dentro da conversa, da dialética, do jogo de perguntas e respostas, acontecia o irônico-refutatório, momento que Sócrates caminhava para as ideias do interlocutor a partir de perguntas a cair em contradição, chegando sozinho a reconhecer sua própria ignorância. O momento irônico só acontecia, porque Sócrates se apresentava na figura do “não saber”, indagando certezas estabelecidas, forçando uma definição, refutando (dizendo o oposto) as ideias postas pelo interlocutor, utilizando de forma irônica as mesmas palavras. Esse momento de ironia e refutação, causava, nos soberbos, irritabilidade já para as pessoas humildes causava uma certa purificação1, pois descobriram, com a ajuda de Sócrates, certezas que eram concebidas como verdadeiras, porém depois de refletir notavam que não podiam tomar como verdadeiras. Agora, caro(a) aluno(a), chegamos no segundo momento da dialética socrática, a maiêutica. Na concepção grega, “maiêutica” é a arte obstétrica, é o parir. Sócrates apropriou-se do termo “maiêutica” para explicar como se dá o nascimento da verdade. Vamos entender como ocorreu esse processo? O termo “maiêutica” foi apropriado por Sócrates em decorrência de sua mãe ter sido parteira, considerando também que a parteira grega era a mulherestéril, que não podia ter filhos e que, mesmo assim, tinha a propriedade em julgar o recém-nascido, 1 Purificação neste sentido significa “catarse” purificação da alma, termo utilizado pelos gregos na época da Grécia Antiga. 33 se eram perfeitos ou não, de acordo com Cabral (2021). Através dessa analogia, Sócrates julgava não saber de nada e que sua função, através do método, era a de fazer nascer a verdade. A Maiêutica Socrática era um “parir” conclusões embasadas em reflexões e não em tradições já estabelecidas sem o crivo da razão. Sócrates apenas conduzia seu interlocutor a encontrar a verdade que estava dentro de si, ceifando tradições que fugiam da luz da razão. 2 TEORIA DAS IDEIAS - PLATÃO Figura Estátua de Platão e da deusa Atenas. 2.1 Platão Platão (428/427 a.C.) nasceu em Atenas e teve como primeiro mestre Crátilo, depois Heráclito e, por último, Sócrates. Idealizava os saberes socráticos. Vivenciou a política, porém decepcionando-se com métodos violentos aplicados por dois parentes que depositavam confiança. O ápice de sua frustração foi com a condenação 34 de Sócrates, afastando-se por completo da política. Sua maior contribuição foi a “teoria das ideias”. 2.1.1 Teoria das ideias Não podemos deixar de realçar, a importância de Platão para o estudo da “ontologia”. Sua ontologia está explicada no “Mito da Caverna” ou “Alegoria da Caverna”. Platão descreve que alguns homens, desde a infância, geração após geração, se encontram aprisionados em uma caverna. Neste lugar, não conseguem se mover em virtude das correntes que os mantêm imobilizados. Virados de costas para a entrada da caverna, veem apenas o seu fundo. Atrás deles há uma parede pequena, onde uma fogueira permanece acesa. Por ali passam homens transportando coisas, mas como a parede oculta o corpo dos homens, tudo o que os prisioneiros conseguem ver são as sombras desses objetos transportados. Essas sombras projetadas no fundo da caverna são compreendidas pelos prisioneiros como sendo tudo o que existe no mundo. Certo dia, um dos prisioneiros consegue se libertar das correntes que o aprisionava. Com muita dificuldade, ele busca a saída da caverna. No entanto, a luz da fogueira, bem como a do exterior da caverna, agride seus olhos, já que ele nunca tinha visto a luz. O ex-prisioneiro pensa em desistir e retornar ao conforto da prisão, a qual estava acostumado, mas gradualmente consegue observar e admirar o mundo exterior à caverna. Entretanto, tomado de compaixão pelos companheiros de aprisionamento, ele decide enfrentar o caminho de volta à caverna com o objetivo de libertar os outros e mostrar-lhes a verdade. No diálogo, Sócrates propõe que Glauco, seu interlocutor, imagine o que ocorreria com esse homem, em seu regresso. Glauco responde que os outros, acostumados à escuridão, não acreditariam no seu testemunho e que aquele que se libertou teria dificuldades em comunicar tudo o que tinha visto. Por fim, era possível que o matassem, sob a alegação de perda da consciência ou loucura (MENEZES, 2011). A Alegoria da caverna apresenta dois mundos, o “mundo sensível” e o “mundo inteligível”. O mundo sensível é o mundo das aparências, da opinião, da mudança, é 35 o mundo das coisas, o mundo inteligível é o mundo da verdade, identidade, estabilidade da permanência, da essência do Ser. Além das diferenças citadas, o mundo sensível é o mundo da cópia, simulacro do mundo das ideias que é perfeito e que corresponde a essência, aquilo que torna algo o que é. A Alegoria da caverna está repleta de simbologias, o sol representa a ideia do bem, as sombras são conhecimentos errados, os prisioneiros somos nós presos, sair da caverna simboliza a busca pelo conhecimento. 3 METAFÍSICA ARISTOTÉLICA Figura - Estátua do filósofo Aristóteles Aristóteles (384 – 322 a.C.) Nasceu em Estagira, na Grécia, ficou órfão com 18 anos e mudou-se para Atenas; frequentou a escola de Platão por 20 anos. Após a morte de seu mestre, Aristóteles fundou sua própria escola. Foi preceptor de Alexandre até este tomar posse do trono. Neste momento, Aristóteles volta para Atenas e funda o Liceu, permanecendo por dez anos. Para Aristóteles, não há separação dos mundos, como teorizou Platão, para ele só existe a essência o que faz uma coisa ser o que é, o que a define. O que existe 36 para o Estagirita é uma única realidade onde as coisas e a essência estão juntas. Momento este que inicia a ontologia aristotélica, conceito que veremos adiante. A Metafísica aristotélica está composta por três estudos, são elas: o “divino”, o estudo dos “primeiros princípios” e, por último, os atributos dos seres. Para Aristóteles, o divino é a realidade primeira, a perfeição, que não muda, o “Primeiro Motor”. Todos os seres procuram aproximação, transformando-se na própria vontade de encontrar sua essência divina e perfeita. O segundo estudo são os “primeiros princípios” e as causas primeiras de tudo que existe. O terceiro estudo está relacionado aos atributos dos seres buscarem sua essência, que faz dele o que é. Dentro do estudo aristotélico sobre a metafísica existem conceitos que definem e dão corpo ao seu estudo, são as causas primeiras, lógica, a definição do ser e o que faz o ser como é. Iniciaremos pela lógica aristotélica. São três os princípios da lógica, a identidade, não contradição e terceiro excluído. São conceitos que demonstram que o ser é e não pode deixar de ser de forma racional. As causas primeiras são compostas por quatro causas, a causa formal que a sua substância, a causa material que a matéria da substância, causa eficiente que é o que faz existir, que dá forma e a causa final que é a finalidade, para que existe. Há definições que fazem um ser ser o que é, estamos falando da matéria que é do que as coisas são feitas, a forma que particulariza a matéria, a potência que dá força para algo vir a ser e o ato, o processo da matéria em uma forma. Para completar a metafísica aristotélica, o estagirita2 apresenta conceitos para explicar o que faz um ser ser como é, os conceitos são: essência, acidente, substância e os predicados. A essência é o que define, que faz o ser o que é. Acidente são atributos que podem existir ou não, não se fazem necessários; a substância é o que determina o ser, é o que o diferencia de todas as outras coisas. O predicados são o que estrutura o ser, são as qualidade, quantidades, e não afetam a própria natureza do ser. 2 Nome dado a quem nasceu em Estagira (onde nasceu Aristóteles), utilizado muitas vezes para se referir a Aristóteles. 37 4 ESCOLAS HELÊNICAS Caro(a) estudante, na Unidade I estudamos a passagem do pensamento cosmogônico para o cosmológico, processo que aconteceu devido a uma certa “maturidade” do pensamento humano. O surgimento das Escolas Helênicas passou pelo mesmo processo. Aconteceu uma passagem da era clássica para a era helenística. Alexandre Magno (334-323 a.C.), com o seu comando para o Oriente, resultando em conquistas territoriais e instituindo uma monarquia universal divina, causou crise na Polis. Devido a expansão territorial, o conceito de cidade-Estado (Polis) foi superado pelo ideal “cosmopolita” (o mundo inteiro é uma Polis), o homem da cidade foi substituído pelo homem-indivíduo (REALE, 2007, p. 249). Mudanças houve também na cultura e espiritual, empreendendo a necessidade de novas filosofias, deixando de lado pensamentos de Platão e Aristóteles, recorrendo a pensamentos mais práticos. A cultura helênica tornou-se cultura helenística, Atenas deixou de ser o centro da filosofia, dando lugar para Alexandria. Com todas as mudanças e a necessidade de novas filosofias, surgiram filosofias que tratavam diretamente da vida prática. Essas filosofias são: Cínica, Epicurista, Estóica e Cética. Nosso estudo terá início no Cinismo.38 4.1 Cinismo Figura 1 - Imagem do filósofo Diógenes - Filósofo Cínico e do Alexandre o Grande O Cinismo, termo que deriva do grego kyôn - cão, e explica a forma que os cínicos entendiam a existência. Entendiam que era necessário desprezar o mundo material, os prazeres. Pregavam que cultivar a virtude bastava, pois os prazeres do mundo não tinham importância. Andavam apenas com uma túnica e uma sacola, demonstrando desprezo pelas “coisas do mundo”, passando uma imagem de superioridade, porém, as pessoas não acreditavam e julgavam esse comportamento de falsidade, que não era verdadeiro, era apenas fingimento. A Filosofia Cínica focava na Autarquia, o indivíduo é capaz de se bastar, de ser independente. 39 4.2 Epicurismo Figura 2 - Imagem de Epicuro, filósofo grego que fundou o epicurismo O Epicurismo, escola fundada por Epicuro de Samos (341 a.C.), em Atenas, traz uma bagagem de filosofias extensa, como a de Demócrito, com a teoria atomista, de Sócrates, com a arte de viver, e com a Escola Cirenaico, a relação entre felicidade e prazer. O prédio onde os epicuristas estudavam já era uma revolução, um prédio com jardim no subúrbio, não no formato de palestras no tumulto da cidade, por isso a escola é chamada de “Jardim” e os epicuristas de “filósofos do jardim”. A filosofia epicurista se resume em: 1º. o homem consegue entender a realidade; 2º. dentro dessa realidade há um espaço para a felicidade; 3º. a dor não é compatível com a felicidade; 4º. a felicidade não depende do outro, só de si mesmo; e 5º. por não depender do outro para alcançar a felicidade, as instituições, as cidades e a riqueza contribuem para obter felicidade. 40 4.3 Estoicismo Figura 3 - Filósofo grego estóico Marco Aurélio O Estoicismo acreditava que só o prazer físico afasta o homem da sabedoria, que o único meio para atingir a felicidade era a prática da virtude. Apreciam cultivar o intelectualismo e a moral, tratam com indiferença tudo que é do mundo “Apathea”, pois acreditavam que os prazeres do mundo viciam a Alma. Acreditam que o universo é comandado por uma razão universal. 41 4.4 Ceticismo Figura 4 – Representação do questionamento O Ceticismo entendia que a felicidade se encontrava na atitude de não julgar nada e ninguém, e que a neutralidade é o comportamento ideal. A certeza das coisas era impossível de ser encontrada, a atitude correta é a do questionamento. A corrente cética, do ponto de vista filosófico, afirma que é impossível obter o verdadeiro conhecimento. Portanto, para o cético, o indivíduo não é capaz de apreender o objeto de conhecimento. 42 SAIBA MAIS Sócrates foi acusado de “corromper” os jovens gregos e como punição tomou cicuta (veneno). Sócrates teve a oportunidade de exílio, porém não aceitou pois estaria contradizendo sua filosofia. Fonte: A autora. SAIBA MAIS O termo metafísica surgiu no século I a.C. quando Andrônico Rodes ao classificar as obras de Aristóteles de “Filosofia Primeira” após as obras de física: meta physis ou seja, depois da física. Posteriormente o “depois” foi compreendido como “além” dessa forma, o termo metafísica é o estudo para tudo que além da física (matéria), do sensível Fonte: Filosofando (2016, p. 112). 43 REFLITA Será que na atualidade estamos na caverna, cegos pela luz do sol ou tentando voltar para caverna para avisar aos outros sobre a verdadeira realidade? Fonte: A autora. REFLITA A filosofia de Sócrates marcou um avanço no pensamento do indivíduo pois com o seu método nos ensinou a refletir sobre verdades que estavam estabelecidas por outros. Será que refletimos antes de agir ou agimos seguindo tradições que não foram pensadas por nós. Fonte: A autora. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na Unidade II foi abordado o processo que a ontologia antiga percorreu. A ontologia tem o homem como objeto de observação e, por consequência, o estudo é para compreender o Ser. Por este caminho, a filosofia grega passou por transformações, o que proporcionou um ambiente de indagações sobre a questão do Ser. Diferente dos pré-socráticos, que buscavam entender e explicar o arché (princípio, origem) das coisas, filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles e os filósofos das Escolas Helênicas direcionaram suas observações na condição humana. Foi neste momento que o homem foi tratado de forma especial, quando todo o esforço estava voltado a decifrar o Ser. Espero que o esforço dos filósofos antigos tenha atingido a todos(as), causando em uma reflexão sobre o ser e, como efeito, uma autorreflexão sobre o que entendemos por Ser. 45 LEITURA COMPLEMENTAR Do Mito da Caverna às Redes Sociais O Mito da caverna, também conhecido como Alegoria da Caverna ou Parábola da Caverna; é metáfora criada pelo filósofo grego Platão, presente na obra “A República”; que consiste na tentativa de explicar a condição de ignorância em que vivem os seres humanos e o que seria necessário para atingir o verdadeiro “mundo real”, baseado na razão acima dos sentidos, nunca esteve tão atual. A obra de Platão relata a história de um grupo de prisioneiros que viviam numa grande caverna, com seus braços, pernas e pescoços presos por correntes, forçando-os a fixarem-se unicamente para o fundo da caverna. Atrás dessas pessoas existia uma fogueira e outros indivíduos que transportavam imagens de objetos e, ao redor da luz do fogo, tinham as suas sombras projetadas na parede da caverna, onde os presos ficavam observando. Os prisioneiros podiam enxergar apenas as sombras das imagens, julgando serem aquelas projeções da realidade. Certa vez, um dos prisioneiros conseguiu se libertar das correntes e saiu para o mundo exterior. A princípio, a luz do sol e a diversidade de cores e formas assustou o ex- prisioneiro, fazendo-o querer voltar para a caverna. No entanto, com o tempo, ele acabou por se admirar com as inúmeras novidades e descobertas que fez. Assim, quis voltar para a caverna e compartilhar com os outros prisioneiros todas as informações e experiências que existiam no mundo exterior. As pessoas que estavam na caverna, porém, não acreditaram naquilo que o ex-prisioneiro contava e chamaram-no de louco. Para evitar que suas ideias atraíssem também outras pessoas para os “perigos da insanidade”, os prisioneiros mataram o ‘fugitivo’. Para Platão, a caverna simboliza o mundo onde todos os seres humanos vivem, enquanto que as correntes significam a ignorância que prendem os povos. As pessoas ficam presas a estas ideias pré-estabelecidas e não buscam um sentido racional para determinadas coisas, evitando a “dificuldade” do pensar e refletir, preferindo contentar-se apenas com as informações que lhe foram oferecidas por outras pessoas. 46 O indivíduo que consegue se “libertar das correntes” e vivenciar o mundo exterior é aquele que vai além do pensamento comum, criticando e questionando a sua realidade. O Mito da Caverna mantém-se muito atual. Fazendo uma analogia, bem contemporânea, pode-se associá-la ao universo digital, das redes sociais e internet, do qual, praticamente, todos estão inseridos. Os usuários encantados com tantas possibilidades que estes dispositivos propõem para suas vidas, podem ficar presos a esta realidade virtual como se fosse a única realidade que há, passando a viver em uma escuridão como se estivesse dentro de uma caverna. E, inseridos nas redes sociais, preferem permanecer alheios ao pensamento crítico (seja por preguiça ou falta de interesse) e aceitar as ideias e conceitos que são impostos por um grupo dominante, por exemplo, de influenciadores, blogueiros e artistas midiáticos. Ao recorrer ao uso contínuo das redes sociais e da internet, oindivíduo, então, desenvolve em sua mente, um mundo completamente diferente da realidade. E, com medo de ser rejeitado, de seu conteúdo não ser compartilhado, cria a sua própria realidade com intuito de se manter numa zona de conforto, ou seja, uma prisão social. Com isso, há um isolamento social, na vida real. Afinal, o “inferno são os outros”, parafraseando o filósofo e escritor francês, Jean-Paul Sartre. Ou seja, alienado da realidade, vivendo o ‘mundo virtual’, os indivíduos acabam sendo intolerantes ao convívio social real. Pois, o problema é que projetos pessoais entram em conflito com o projeto de vida dos outros. E, os outros, tiram parte da autonomia pessoal. Porém, ao mesmo tempo, é pelo olhar do outro que o indivíduo se auto reconhece, com erros e acertos. Já que a convivência expõe as fraquezas pessoais. Fonte: Folha do ABC (2019, on-line). Disponível em: www.folhadoabc.com.br/index.php/secoes/item/12733-do-mito-da-caverna-as-redes-sociais 47 MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Ficções Autor: Jorge Luis Borges Editora: Companhia das Letras Sinopse: Contos que abordam questões metafísicas. 48 FILME/VÍDEO Título: Baraka Ano: 1992 Sinopse: Um mundo além das palavras. Baraka é uma antiga palavra que pode ser traduzida como o sopro ou a essência da vida, de onde se desencadeia o processo de evolução da vida. Com imagens captadas em 24 países, nos seis continentes do globo, Baraka busca traduzir visualmente a ligação do ser humano com a Terra. Baraka é um espetáculo visual deslumbrante que deve ser visto, sentido e vivido para ser compreendido. 49 REFERÊNCIAS CABRAL, J. F. P. Ironia e Maiêutica de Sócrates. 2021. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/ironia-maieutica-socrates.htm. FILOSOFANDO. Introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 2016. FOLHA DO ABC. Do mito da caverna às redes sociais. 2019. Disponível em: http://www.folhadoabc.com.br/index.php/secoes/item/12733-do-mito-da-caverna-as- redes-sociais. Acesso em 12 de jul de 2021. MENEZES, P. Mito da caverna. 2011. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/mito-da-caverna. Acesso em 12 de jul de 2021. REALE, G. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 2007. 50 http://www.folhadoabc.com.br/index.php/secoes/item/12733-do-mito-da-caverna-as-redes-sociais http://www.folhadoabc.com.br/index.php/secoes/item/12733-do-mito-da-caverna-as-redes-sociais https://www.todamateria.com.br/mito-da-caverna 51 Plano de Estudo: A questão da finitude e infinitude no pensamento medieval; ● Patrística e a existência do mal; ● Escolástica - Fé x Razão; ● Provas da existência de Deus. Objetivos da Aprendizagem: ● Entender o processo de ruína que levou o pensamento grego e a metafísica grega ter sido reelaborada pelos medievais. ● Compreender a problemática que os pensadores da Idade Média se debruçaram a resolver. ● Estabelecer a importância da metafísica e ontologia conceitos que foi elencado pelos filósofos gregos e que serviu de modelo para os pensadores medievais. UNIDADE III A Onto-Teologia Medieval Professora Franciele Freire Favareto APRESENTAÇÃO Olá, caro(a) estudante. A nossa viagem pelo conhecimento será no período da Idade Média, palco do nascimento da Filosofia Cristã e nossos principais personagens serão Santo Agostinho de Hipona e São Tomás de Aquino. Vimos na Unidade II a consolidação da Metafísica e a busca em explicar a Ontologia. O estudo do Ser foi o objeto de observação e estudo dos filósofos antigos. Platão e Aristóteles teorizaram e conceituaram o ser sem desvincular do sagrado. Porém, estudante, entraremos em um período em que a preocupação maior era unir a filosofia dos gregos com a fé cristã, que estava sendo instaurada. Com o advento do Cristianismo, surgiu a Patrística, que leva esse nome por ser estudada pelos Padres da Igreja, padres estes que tinham a herança intelectual dos filósofos gregos. A função desses padres era conciliar a fé e a razão como base do conhecimento. Além da Patrística estudaremos a Escolástica, filosofia que fundamenta a fé como instrumento de conhecimento. Primeiro a fé, depois a razão, considera que o homem, denominado por criatura, não é capaz de chegar ao conhecimento das coisas na sua totalidade pela razão. Questões como existência do mal, fé versus razão e a prova da existência de Deus são assuntos que serão abordados nesta viagem. Bons Estudos! 52 1 A QUESTÃO DA FINITUDE E INFINITUDE NO PENSAMENTO MEDIEVAL Figura - PRAGA, REPÚBLICA CHECA - 12 DE OUTUBRO DE 2018: O ar fresco barroco do teto de St. Agostinho entre os anjos na igreja de Santo Tomás de Václav Vavřinc Reiner (1689 - 1743) A filosofia, na Idade Média, foi inserida de forma escassa, ocupando um lugar secundário, subordinada da Teologia, que neste momento era o conjunto dos saberes. Vale ressaltar que a idade média surge a partir de três fatores, a ruína do mundo clássico antigo, a invasão dos bárbaros e o Cristianismo. A passagem de um período para o outro acontece quando o antigo está arruinado, sofrendo processos de aniquilação forçando uma formação de um novo pensamento, deixando algum legado cultural. Não há uma ruptura sem deixar alguma herança; no caso do período clássico antigo para o medieval, a filosofia esteve presente mas não da mesma forma que no Classicismo, ou seja, a filosofia ficou abaixo da ciência divina (revelação). Neste momento, o homem medieval tende a olhar com os olhos da fé, voltado para as coisas do espírito, mirando a Vida Eterna, ou seja, enquanto no classicismo o homem é levado a buscar a posição de sábio para atingir a felicidade ou ser um homem de bem, na idade média, com o advento do Cristianismo, o homem só se realiza na plenitude divina – em Deus. 53 Considerados como primitivos, os bárbaros abraçaram o Cristianismo de forma totalizante, não contribuindo com o pensamento filosófico. O terceiro fator para o fortalecimento da idade média foi o Cristianismo, trazendo como fundamento a renovação do homem, e, com a presença maciça dos bárbaros, o Cristianismo ganhou espaço no pensamento dos homens medievais. Na metafísica houve uma reelaboração da metafísica grega, pois alguns conceitos gregos não teriam chance de serem aceitos pelo cristianismo como aponta Chauí (2011). (CHAUÍ, 2011). Alguns desses conceitos são: a eternidade do mundo sensível e inteligível, a divindade é uma forma cósmica, impessoal, o homem é um ser natural (corpo e alma) e seu intelecto (razão) é superior e imortal, a liberdade é uma atividade humana (ação) o que orienta na escolha e governa a vontade, o conhecimento é uma ação da razão,segundo Chauí (2011). Essas e outras que não foram citadas não faziam parte do fundamento do pensamento medieval atribuído ao Cristianismo. A grande dificuldade encontrada no início do Cristianismo foi unir a razão de forma filosófica com as verdades da crença e um ponto central dessa problemática foi a questão da finitude e infinitude. No Dicionário Básico de Filosofia, a palavra finitude tem o seguinte significado: "O pensamento cristão introduz, na origem do mundo criado, um Deus perfeito e infinito. O infinito ganha um sentido positivo, mas a finitude do mundo criado não sai da ordem das coisas” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 112). Se para os gregos Deus aparece de forma cósmica e impessoal, segundo Chauí (2011, p. 243), “participamos da natureza com a nossa alma, participamos da inteligência divina”, ou seja, o homem além de interagir participa de toda realidade. Mas como se ajustou a filosofia grega com o pensamento medieval sobre a questão do homem e Deus? Este ajuste, caro(a) aluno(o), partiu da separação entre o homem e Deus na concepção cristã, através do pecado original. Mas antes faz-se necessário entendermos essaproblemática da finitude e infinitude. Na Escolástica do século IX ao XVI pulverizou a expressão “o agir segue o ser”, ou seja, o ser infinito – Deus – e aos seres finitos – criaturas. O ser é, portanto, fonte 54 do agir. No ser finito, o agir é o seu processo natural de ser-mais, de crescer no ser1, de se enriquecer ontologicamente, aproximando de sua essência, do ser infinito (COUTINHO, 2008, p. 132). Finitude caracteriza-se por condição humana, seja na concepção cristã, por oposição à transcendência e à perfeição divina, “[...]o infinito vai ser filosoficamente pensado como positivo – por oposição à finitude (humana), que é doravante compreendida como negação (ou carência) do ser” (DUROZOI; ROUSSEL, 1993, online), Deus é o que dá vida às criaturas segundo Meier (2014). No pensamento medieval, Deus é o criador de tudo que existe, sendo assim, o ato puro, ser por essência, configurando, portanto, que tudo que existe, é derivado desse Deus. No pensamento medieval, a criação do mundo e das criaturas se deu a partir de uma iniciativa de amor gratuito, ao contrário do pensamento grego, que Deus não é gerador da matéria (MEIER, 2014). Vale ressaltar, caro(a) aluno (a), que a metafísica medieval não dialoga com a metafísica do classicismo, pois ela deixou de ser indagação passando para questões e respostas dogmáticas. 1 A expressão “ser-mais, crescer no ser” demonstra que a ação dos seres finitos é um processo que engrandece o ser finito, com meta de se aproximar do Infinito. 55 2 PATRÍSTICA E A EXISTÊNCIA DO MAL Figura - Santo Agostinho A Patrística (séc. II ao séc. V) é considerada a primeira corrente filosófica na fase cristã. Leva esse nome por indicar como pensadores os Padres da Igreja, por serem os primeiros a fundamentar a doutrina cristã. Inicia com São Paulo e com os evangelhos de São João e finda no século VIII, com o início do período medieval. A filosofia Patrística inaugurou a relação entre a filosofia greco-romana e a fé, isto é, relacionar a filosofia antiga com os pensamentos na nova religião que surgia, o Cristianismo. Esta filosofia tinha como objetivo converter pagãos, aqueles que não aceitavam ou não conheciam a nova religião, introduzindo conceitos e fundamentos contrários ao pensamento clássico antigo. Esses fundamentos eram: a existência do mal, fundamentar que a criação aconteceu do nada, que o homem carrega um pecado original, a existência de um juízo final etc. O assunto que iremos abordar dentro da Filosofia Patrística é a existência do mal, tema tratado por Santo Agostinho. Santo Agostinho, o bispo de Hipona, nasceu em 354 e converteu-se ao cristianismo em 386. Serviu ao cristianismo até 430, ano da sua morte. Filho de pai pagão e mãe cristã, teve o privilégio de frequentar e acessar a educação clássica e, ao contrário de quem tinha o mesmo acesso a esta educação, não teve resistência aos pensamentos e filosofias fora do âmbito cristão. Agindo de forma contrária, Agostinho apropriou-se da filosofia platônica para defender o pensamento cristão. 56 Santo Agostinho justificava que os gregos não erraram por completo, apenas não atingiram a razão, pois acreditava que o homem tem uma limitação, causando a impossibilidade de conhecer todas, porém, defende que o homem – criatura – carrega, na sua interioridade, a verdade. O homem é um ser racional, porém sua inteligência é para buscar Deus, no pensamento de Agostinho a fé não prescinde da razão. Destarte, Agostinho problematiza a questão do mal. Em primeiro momento, indaga a origem, sendo o homem fruto do amor de Deus – criador de todas as coisas –, é impossível pensar que O Criador foi o criador do mal. Agostinho, recorre à matéria em um primeiro momento. Será que o mal surgiu da matéria criada por Deus? Mas se Deus é infinita bondade e onipotente, criar o mal seria contrariar o que Deus é. Portanto, o mal não advém da criação da matéria. Dessa forma, não tem como alegar que o mal é criação divina, sugestionando que o mal é a privação do bem. Alcançamos, caro(a) aluno(a), três formas que Agostinho aponta como possível a existência do mal, são elas: metafísica, moral e físico. O mal metafísico não tem existência no cosmo, não existe uma entidade que aborda essa característica. Para Agostinho, o mal metafísico é a inferioridade do homem em relação ao Criador, isto é, o que acontece é a existência de criaturas que estão em diferentes graus, porém, não conclui, acrescenta que o mal metafísico perante o ponto de vista da grandiosidade que é o Universo, o mal metafísico desaparece incluindo também em seu raciocínio, que aparentemente Deus sendo o criador de tudo seria responsável pelo mal (MEIER, 2014). Para resolver a questão do mal, Agostinho defende que nada mais é do que uma interpretação a partir do ponto de vista da medida de quem analisa. O mal, a partir da moral, de acordo com Meier (2014), é consequência do pecado cometido pelo homem, por não saber fazer uso do livre-arbítrio, o homem que peca moralmente escolhe desviar do caminho de Deus, aproximando-se dos bens finitos, mundanos. A condição do mal no olhar físico surge devido às ações moralmente erradas, ou seja, quando o desviamos de Deus, consequentemente o físico e o espiritual tendem ao sofrimento. Santo Agostinho, segundo Meier (2014), sugere que o mal, em todas as suas formas, é nada mais que o orgulho, vaidade do homem enquanto criatura singular ou vivendo coletivamente, é a corrupção do ordenamento da Natureza. Concluímos, caro(a) aluno(a), a problemática em volta do mal questionada por Santo Agostinho, pensador da Filosofia Patrística. 57 3 ESCOLÁSTICA: FÉ X RAZÃO Imagem de Santo Tomás de Aquino Querido(a) aluno(a), agora iremos estudar o período conhecido por Escolástica, que surge no final do século V, sobrevivendo até o século XVI. Foi neste período que surgiu a primeira Universidade atuando como ponto de partida para difundir o conhecimento cristão. Neste período, o aristotelismo se fez presente nos estudos de São Tomás de Aquino. Tomás de Aquino nasceu em 1225, na Itália, em uma família abastada. É o pensador mais importante para a doutrina cristã, responsável por “cristianizar” a filosofia de Aristóteles, fundamentando o aristotelismo a serviço da fé. Haja vista que na filosofia cristã, Tomás também busca conciliar a fé e a razão. Tem como tese a possibilidade que o homem pode alcançar em provar a existência de Deus através da mente, embora não consiga decifrar por completo, pois os sentidos não têm condições de alcançar. Faz-se necessária a intervenção da fé. Tomás de Aquino teve como objeto de estudo a conciliação da fé com a razão. A fé, para Tomás de Aquino, é a verdade que ultrapassa a razão, seguindo a concepção que a razão demonstra, de forma racional, o que a fé revela, ou seja, a razão é o caminho para a fé. 58 4 PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS Caro(a) aluno(a), é na Filosofia Cristã que pensadores e teólogos buscam provar a existência de Deus. Claro, em virtude de afirmar e fundamentar a doutrina cristã, conhecida por nós de Cristianismo. Vimos no início desta Unidade os fatores que causaram a mudança da metafísica, ou melhor, a mudança de conceitos referente a assuntos metafísicos desenvolvidos pelos filósofos gregos. É através da filosofia cristã que surgem os dogmas religiosos em defesa da fé, que estava sendo pulverizado. Encontrar respostas para questões que alimentavam a filosofia cristã foi o papel da Patrística e da Escolástica. Com a Patrística, Santo Agostinho problematizou a questão do mal. Mas não foi sua única tese. Agostinho também desenvolveu a sua filosofia sobre a existência de Deus. Alegava que a razão humana é incapaz de resolver e entender a existência de Deus, que esta questão é subjetiva, ou seja, essa problemática é uma questão a ser resolvida pela fé. Para embasarsua teoria sobre a existência de Deus, divide os seres em insensíveis, sensíveis e racionais, as pedras seriam seres insensíveis, os animais sensíveis e o homem racional. Deus é para Agostinho “verdade superior”. Partindo dessa sequência, o homem, por ser dotado de razão, estaria acima dos seres insensíveis e sensíveis, por ser capaz de emitir julgamento, porém está abaixo de Deus, que é a verdade em excelência. 59 Na Escolástica, Tomás de Aquino é o grande expoente, conciliando a fé com a razão, desenvolvendo cinco vias que provam a existência a Deus: 1ª via - Motor Imóvel, 2ª via - Causa primeira, 3ª via - Necessário e contingente, 4ª via - Graus de perfeição e a 5ª via - Finalidade do ser. A primeira via tomista aponta para o movimento, tudo que se move precisa que seja movido, essa questão seria infinita se não fosse admitido a existência de um Motor Imóvel, o que dá movimento sem se mover, Tomás atribui esse Motor a Deus. A segunda via, Causa primeira, sinaliza que tudo que existe deve-se a uma causa que foi a primeira, pois as coisas não têm origem em si. Neste caso, Deus é a causa primeira de todas as coisas. O necessário e o contingente que corresponde à terceira via, responde a coisas que existem ou que já existiram. Para as coisas existentes, a causa primária sustenta a explicação; e para sustentar as coisas que já existiram, mas que não existem mais, não é concebido sua geração acontecer do nada, por ser contingente existir ou não, não afeta de ter sido gerado pela Causa primeira, Deus. A quarta via tomista diz respeito aos Graus de perfeição. Todas as coisas são melhores ou piores e, para definir o grau de perfeição, é necessário existir um modelo que seja, por excelência, perfeito para atender parâmetros. E a última via, a quinta, é a Finalidade do ser. A natureza é ordenada a chegar ao fim, e, para isto, existe um ser Deus, que, através de sua excelência, orienta tudo que é referente à natureza, todas as coisas, a chegar ao fim. Tomás, com explanação das cinco vias, tenta, de alguma forma, justificar uma causa primeira, causa esta que todas as outras coisas dependem, Deus (IZÍDIO, 2013, p. 35). Não apenas Agostinho e Tomás tentaram provar a existência de Deus, Santo Anselmo argumentou que existem dois tipos de perfeição, a perfeição que existe por excelência e a perfeição que é fruto da mente. A perfeição por excelência é a que realmente existe, superando a perfeição imaginária. O que contribui para existir a perfeição por excelência é que ela existe e, se Deus é perfeito por excelência, não tem como argumentar que Deus não existe (NICOLA, 2005, p. 140). 60 SAIBA MAIS NEOESCOLÁSTICA No século XIX, o pensamento Tomista reapareceu como o nome de Neotomismo pelo Papa Leão XIII. A intenção era restaurar a filosofia cristã. Fonte: A Autora. SAIBA MAIS Algumas ocorrências oriundas da Idade Média impulsionaram o Renascimento. Vale ressaltar: as Grandes Navegações, o evento da colonização, a Revolução Comercial, o Capitalismo, o surgimento da burguesia e o proletariado foram força motriz para a superação da razão, libertando-se das crenças aplaudidas na Idade Média. Fonte: A autora. REFLITA “Procurei o que era o mal e não encontrei uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema – de vós – ó Deus.” Fonte: Agostinho (1996, p. 190). REFLITA Os monges foram os grandes responsáveis pela reprodução das obras clássicas, chamadas de copistas. A pergunta é: quem decidia o que era escrito, quem manuseava os manuscritos? Fonte: A autora. 61 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), concluímos a Unidade III, superando temas que foram o alimento para fundamentar a Filosofia Cristã. Viajamos pelo período da Idade Média, época em que a filosofia foi posta à prova, resultando subordinação à crença – a fé. Com a passagem do pensamento clássico antigo para a Idade Média, aprendemos que a metafísica grega sofre alterações, sendo reelaborada pelos padres, teólogos. O homem medieval, principalmente aquele que estava incumbido de instaurar e fortificar a nova metafísica, utilizou os pensamentos dos filósofos antigos e readequou às necessidades da Igreja. Filósofos pertencentes ao Classicismo como Platão e Aristóteles foram considerados “Autoridades”, pois Agostinho banhou-se da filosofia platônica e Tomás de Aquino, da filosofia aristotélica. 62 LEITURA COMPLEMENTAR REFLEXÕES DE TOMÁS DE AQUINO O objetivo deste texto é analisar as principais reflexões que Sto. Tomás de Aquino faz, de modo particular na Suma Teológica e na Súmula Contra os Gentios, acerca da natureza de Deus e sua criação, bem como das observações referentes à fé e a razão, a fim de compreender as objeções e alguns propósitos da ciência teológica de São Tomás. São Tomás procura conciliar a filosofia aristotélica com os princípios do cristianismo; desta forma, Tomás utiliza o discurso filosófico para abordar assuntos teológicos: refutar os argumentos dos adversários, esclarecer, defender e transmitir os ensinamentos da Doutrina Sagrada, ou ciência divina, a qual equivale a conteúdos de verdades reveladas pelo próprio Deus a fim de corrigir, educar os homens na justiça e ordená-los ao caminho da salvação (Suma T., art. 1, p. 138). Todavia, vale questionar: até que ponto o discurso argumentativo ou racional é vantajoso e útil para a teologia? Considerando que o conhecimento humano tem seu princípio na sensibilidade e depende da experiência, é possível conhecer e demonstrar a natureza e essência de Deus: um ser transcendental e finito? O nosso intelecto é suficiente e capaz de entender as verdades divinas, e estas são acessíveis aos homens? Diante dessas dificuldades convém analisar a primeira objeção do artigo 1 referente à primeira questão da Suma Teológica, onde São Tomás declara que: “na verdade, o homem não deve esforçar-se por alcançar aquilo que está acima da razão humana. “Não te afadigues com obras que te ultrapassam”, diz o Eclesiástico” (Suma T., art. 1, p. 137); logo, fica claro que a razão humana é limitada e insuficiente para alcançar um conhecimento pleno das coisas divinas, e como nos afirma ainda a seguinte passagem: “a verdade sobre Deus pesquisada pela razão humana chegaria apenas a um pequeno número, depois de muito tempo e cheia de erros” (Suma T., art. 1, p. 138). Nesta linha de raciocínio, é possível perceber uma semelhança entre Tomás e o pensamento cartesiano, como em suas meditações, Descartes também admite as imperfeições e os limites da razão natural em relação a realidade de Deus - um ser 63 independente, infinito e absoluto Ora, o que sustenta e garante, portanto, ao homem, a existência e a plenitude de Deus? Nessa medida pode-se inferir que a questão em pauta está, pois, no âmbito da fé, conforme São Tomás pontua: “embora não se deva investigar por meio da razão o que ultrapassa o conhecimento humano, contudo, o que é revelado por Deus, deve- se acolher na fé” (Suma T., art. 1, p. 139). Percebe-se que Sto. Tomás faz uma articulação entre a fé e a razão e sustenta que elas são distintas uma da outra, mas não opostas; como já havia mencionado anteriormente: Tomás serve-se da razão natural para explicar os “preâmbulos da fé”, contestar e mostrar o erro dos que criticaram o pensamento cristão, defender e manifestar os ensinamentos religiosos e divinos; neste sentido, vê-se que o objetivo não é provar os princípios divinos: porque estes são indemonstráveis e verdadeiros por si mesmos - uma vez que recebem a certeza da luz divina, ou seja, são revelados pelo próprio Deus. Nota-se, com efeito, que, para São Tomás, a razão e a fé possuem cada uma a sua ordem, mas ambas não podem opor-se. E ponderando que a verdade é una - e que Deus é a verdade absoluta - a verdade segundo a razão e a verdade segundo a fé
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