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Direito natural

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Direito natural 
A partir dos escritos de Francisco de Vitoria, São Tomás de Aquino, Michel Foucault, entre outros autores que refletiram sobre a questão como defensores ou críticos.
Quando definimos o exercício do poder como um modo de ação sobre a ação dos outros, quando o caracterizamos pelo "governo" dos homens uns pelos outros - no sentido mais extenso dessa palavra - incluímos nele um elemento importante: o da liberdade. O poder não se exerce senão sobre "sujeitos livres". [...]
O problema central do poder não é o da "servidão voluntária" (como poderíamos desejar ser escravos?): no cerne da relação de poder, "provocando" sem parar, está a renitência do querer e a intransitividade da liberdade. (Michel Foucault)
Segundo o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o poder não se exerce senão sobre sujeitos livres. Tomando essa premissa como ponto de partida, propõe-se pensar a seguinte questão: a liberdade é para todos? Para tentar respondê-la, o primeiro passo é refletir sobre o direito natural, fundamental para entender as formas de poder que emergem das relações sociais.
A discussão sobre o direito natural é antiga e muitos pensadores se debruçaram sobre o tema. Até hoje a questão gera polêmica e não há indícios de que se chegue tão cedo a um consenso sobre ela. Se considerarmos a condição livre de todo ser humano ao nascer, o poder de um indivíduo exercido sobre outros parece algo ilegítimo, contrário às leis da natureza.
O direito natural, ou jusnaturalismo, supõe a existência de um direito universal, estabelecido pela natureza. Seu fundamento é o da lei natural, e não o da lei humana, que rege os acordos e contratos sociais.
A lei natural corresponde à physis (natureza), embora, ao longo do tempo, sua própria noção tenha sofrido mudanças que a fizeram passar da esfera natural para a esfera humana, social ou moral. De qualquer forma, o direito natural se contrapõe ao direito positivo, aquele legitimado pelas leis estabelecidas por uma determinada sociedade.
Dentro do pensamento jusnaturalista, existem correntes distintas, mas todas elas manifestam a convicção de que, além do direito regulamentado pelas leis humanas, há uma ordem superior que corresponde à expressão do direito justo. Essa seria a "lei verdadeira", de acordo com a razão universal e imutável da natureza. São Tomás de Aquino, Francisco de Vitoria, Francisco Suárez, Hugo Grotius, a Samuel Von Pufendorf, Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau foram alguns dos principais estudiosos da teoria do direito natural.
Na Idade Média, o jusnaturalismo adquiriu cunho teológico, com base nos princípios da inteligência e da vontade divinas. Segundo essa concepção, as leis seriam reveladas por Deus. São Tomás de Aquino (c. 1225-1274) foi o principal representante dessa corrente.
A lei natural passou a ser questionada na modernidade, com a emergência das noções de Estado, poder e soberania. A unidade que havia no mundo medieval se perdeu com a ruptura dos princípios verticais e unívocos (um rei, uma religião, uma verdade). Nesse contexto político-filosófico nasceu o direito natural moderno, que trouxe um novo método e um novo paradigma, tendo como pano de fundo os cinco pilares fundadores da modernidade:
As Grandes Navegações, que tiveram início no final do século 15;
A expansão da Europa, que se seguiu às grandes descobertas;
O incremento do comércio advindo do novo modelo econômico, precursor do capitalismo;
Direito de propriedade individual.
Direito natural moderno: lei natural x lei humana.
Na busca de um novo estatuto, o jusnaturalismo deixou de refletir a vontade divina para legalizar as ações humanas, ainda que patrocinadas pela fé. A "era dos descobrimentos" engendrou o direito de posse como forma de legitimação da autoridade nos territórios conquistados pelos europeus. A monarquia europeia, com o respaldo da Igreja, encontrou justificativas para seus objetivos de expansão marítima. Assim, portugueses e espanhóis lançaram-se rumo à conquista do Novo Mundo, em nome da Coroa e da fé cristã, tomando para si terras ocupadas por povos ancestrais, que de repente foram destituídos de seus direitos naturais como legítimos proprietários.
Francisco de Vitoria (c. 1483-1546), teólogo tomista e fundador do movimento escolástico denominado Escola de Salamanca, foi talvez o primeiro jurista filósofo a propor discussões sobre a liberdade natural dos indígenas. Sua principal contribuição foi trazer para a filosofia questões antes relativas à teologia. Ao questionar se os indígenas seriam naturalmente livres ou escravos, concluiu que eram livres e, portanto, possuíam o direito de se afirmarem como senhores de seus bens. Em pleno processo de colonização, Vitoria inovou o pensamento da época ao colocar em questão o direito de conquista dos europeus, defendendo o princípio da "guerra justa". Segundo ele, o "direito das gentes" seria algo inalienável, aquilo que todos os povos reconhecem como necessário, um direito natural ou dele decorrente, - daí o seu entendimento de que nada justificaria o domínio europeu sobre outros povos. Desse modo, os indígenas teriam o legítimo direito de defender seu território da tentativa de ocupação estrangeira por meio da guerra, se necessário.
Vitoria contestou a pretensa superioridade europeia e questionou o poder religioso do papa. Na sua concepção, era ilegítimo o direito que os colonizadores tinham de subjugar povos nativos sob a alegação de que estes seriam bárbaros. O processo de colonização implica anular o outro e, para ele, os conceitos de civilização e barbárie tinham significados diferentes para cada cultura, portanto, era preciso respeitar o princípio da alteridade - ideia que seria retomada por Montaigne. Nesse sentido, Vitoria defendia que a comunicação entre os povos era possível.
O direito natural, ou jusnaturalismo, supõe a existência de um direito universal, estabelecido pela natureza. Seu fundamento é o da lei natural, e não o da lei humana, que rege os acordos e contratos sociais.
Na obra publicada pela primeira vez em Lyon, em 1557, Leçon Sur Les Indiens, encontramos as seguintes passagens, nas quais Vitoria pontua as razões da ilegitimidade da dominação espanhola na América, colocando em pauta a discussão valorativa entre hereges e cristãos:
1. O imperador não é o senhor do mundo.
2. Ainda que fosse senhor do mundo, o imperador não poderia ocupar as províncias dos bárbaros, instituir novos senhores, depor os antigos e impor novos tributos.
3. Em se tratando de poder temporal, o papa não é o senhor do mundo.
4. O papa tem um poder temporal destinado às coisas espirituais.
5. A recusa dos bárbaros em reconhecer um poder atribuído ao papa não autoriza nem a lhes fazer guerra nem a lhes privar de seus bens.
6. Se os bárbaros não querem receber a lei mesmo que ela lhes tenha sido anunciada de maneira suficiente, não é lícito lhes fazer a guerra e lhes privar de seus bens.
7. Os príncipes cristãos não têm o direito de punir os bárbaros por seus pecados contra a lei natural, mesmo sob a cobertura da autoridade do papa.(Martín, 1997, pgs. 76-77).
É claro, para Vitoria, que a lei positiva não pode contrariar a lei natural. Por isso, ele defende o direito dos povos da terra às suas diferenças, chamando a atenção para a ótica equivocada do europeu com sua visão eurocêntrica do mundo. Vitoria reformula a "justiça" global da conquista, embora não a negue. A novidade é sua tentativa de propor um novo ponto de vista para o problema.
Referência:
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/48/artigo318052-1.asp
1) História do direito natural
1.1) Sofistas
Os sofistas, já na Antiguidade, mostraram a distinção entre o justo natural e as leis próprias da polis. A ordem natural destinava-se a destruir e mudar a ordem estabelecida pelos homens.
1.2) Aristóteles
Aristóteles foi o primeiro autor conhecido que falou da divisão do direito natural e positivo. A terminologia “direito natural” não é original dele, pois já havia sido utilizada pelos sofistas.Na visão aristotélica, o direito natural tem duas características: não se baseia nas opiniões humanas e em qualquer lugar tem a mesma força. Junto com o direito natural aparece o justo legal, direito positivo. É próprio desse direito provir da convenção humana, tendo como característica própria ser variável[3].
Javier Hervada[4] comenta Aristóteles:
“[...] o direito natural e o direito positivo são verdadeiros direitos. Tanto o justo natural como o justo positivo são espécies ou tipos de direito. Ambos fazem parte igualmente do direito vigente de uma polis (politikón díkaion). É, então, claro que para Aristóteles o direito natural é um direito verdadeiro, um tipo de direito vigente, junto com outro tipo, que é o direito positivo. O direito natural não é, portanto, um principio abstrato, uma idéia ou ideal, um valor ou coisa semelhante; é simplesmente um direito (uma coisa devida em justiça), uma espécie ou tipo particular de direito.”
Não se trata de dois sistemas jurídicos diferentes e paralelos. Só há um sistema jurídico em cada sociedade, qual seja, o sistema vigente. Em relação ao sistema vigente, o direito natural e o direito positivo são partes. Trata-se da concepção clássica do direito natural[5].
1.3) Juristas romanos
O direito primitivo de Roma, conhecido como ius civile, era um direito rígido e formalista aplicável apenas aos cidadão romanos. Tal direito começou a apresentar problemas na consolidação do Império Romano tornando-se necessário um direito aplicável também aos estrangeiros. Surgiu a necessidade de adaptar o ius civile às novas necessidades, assim como humanizá-lo. Para isso, os juristas romanos recorreram ao direito natural[6].
Nesse contexto histórico, o direito natural era o direito comum (ius commune), que a razão natural implanta entre todos os homens e entre todos os povos. Por outro lado, esse direito, enquanto razão natural, devia ser respeitado pelo ius civile. O direito natural funcionou como humanizador do direito positivo, como elemento civilizador, de modo que o direto civil não pode alterar os direitos naturais[7].
 Manteve-se a mesma idéia aristotélica quanto à divisão do direito vigente em direito natural e direito positivo.
Neste sentido, Javier Hervada[8]:
“[...] São dois, então, os tipos de direito que regem a vida dos homens e dos povos: o direito natural e o direito positivo. Enquanto o direito natural é estabelecido pela razão natural, o positivo procede das leis e costumes de cada povo constituído em unidade política superior (civitas). Há, portanto, um direito proprio e peculiar – por conseqüência variável – de cada povo ou civitas, denominado ius civile (direito positivo), e um direito comum a todos os homens, natural, procedente da naturalis ratio. O direito natural apresenta-se como universal em um duplo sentido: universal por ser comum a todos os homens e povos, e universal poruqe determina o que sempre é bom e justo. Em contrapartida, o direito positivo ou ius civile refere-se ao útil e, por isso, é peculiar de cada povo e diferente em cada um deles ( o útil varia no espaço e no tempo); obedece à idiossincrasia e às diversas circunstancias de cada nação, de cada civitas.”
1.4) Tomás de Aquino
Tomás de Aquino segue a concepção clássica do direito e divide o verdadeiro direito, qual seja, o direito vigente, em natural e positivo[9].
Aquino fala de coisa adequada ao homem segundo a natureza da coisa, de onde se deduz que o critério primeiro, fundamental e primário do direito natural é a adequação ao homem[10].
A diferença entra visão de Tomás de Aquino e do jusnaturalismo moderno é que a primeira segue o realismo jurídico clássico e, portanto, fala de coisas naturalmente adequadas ao homem, enquanto o jusnaturalismo moderno situa-se no subjetivismo e entende os direitos naturais como direitos subjetivos[11].
Sobre a lei natural comenta Javier Hervada[12]:
“Na teoria tomista, a lei natural é aquele conjunto de ditames da razão com retidão que prescrevem aquelas condutas adequadas à natureza do homem e proíbem as contrarias. Essa lei é natural porque é produto da razão natural, isto é, da razão enquanto naturalmente capta as condutas exigidas pela natureza do homem e as que são contrárias a ela. Porém, não é uma lei imanente à razão, cuja origem primeira seja a natureza do homem; dada a condição de criatura do homem e entendidos os seres criados como uma participação criada do Ser Subsistente, a lei natural é, para o Aquinate, uma lei divina, naturalmente impressa no homem por via da participação da lei eterna (a lei divina enquanto está na essência de Deus). Por isso, descreve a lei natural como uma participação da lei eterna na criatura racional, isto é, no homem.”
Interessante compreender a teoria do conhecimento racional que Tomás de Aquino defendeu. O homem não tem conhecimentos inatos. Quando cada homem começa a existir, seu entendimento é como uma lousa limpa na qual não há nada escrito. No que se refere à razão prática, o inato é a capacidade de saberes e juízos práticos e a virtude da sindérese. Pela virtude da sindérese, a razão prática realiza um juízo fundamental, sempre a posteriori, ou seja, por meio da experiência. Isto é, o homem capta algumas coisas como boas e outras como más. O inato ao homem não são os preceitos da lei natural, mas a capacidade de raciocínio do intelecto humano e a virtude da sindérese. A razão, retificada pela sindérese, capta o primeiro princípio, infalível, porem não inato[13].
Neste sentido, Javier Hervada[14]:
“A lei natural é uma operação da razão (um ato de conhecimento da razão), que para Aquinate é de evidencia. Cada preceito da lei natural é captado mediante um ato de razão, e, como a razão pode errar, os homens concretos podem cair em erros sobre algum ou alguns preceitos naturais; por isso, embora a lei natural seja universal, o conhecimento concreto de certos preceitos pode não ser. Um aspecto importante da concepção tomista da lei natural é que se trata de um conhecimento não especulativo, mas prático, porque se refere à conduta humana, que se produz em algumas circunstancias históricas e em relação a matérias contingentes. Portanto, os preceitos de lei natural são deduzidos da natureza humana como conclusões especulativas ou teóricas, sendo sua dedução influenciada e marcada pela circunstancia histórica da conduta; isso implica que os preceitos de lei natural refiram-se à conduta em relaçao às situações históricas [...] é preciso observar que no pensamento tomista a historicidade que pode afetar os preceitos de lei natural é aquela que afeta os estados da natureza, visto que a lei natural é regra tirada da natureza: enquanto a natureza humana pode acidentalmente variar (idade, saúde ou doença, corrupção moral com seqüelas de violência etc), há uma possível adequação da lei natural a esses estados.”
1.5) Jusnaturalismo moderno
É própria do jusnaturalismo ou jusnaturalismo moderno, também chamado Escola moderna do Direito Natural, a concepção moderna do direito natural e do direito positivo como duas ordens ou sistemas jurídicos, completos e paralelos[15].
Sobre o jusnaturalismo moderno comenta Javier Hervada[16]:
“Para o jusnaturalismo moderno, precursor da Revolução Francesa e imbuído das idéias racionalistas, o sistema jurídico herdado então vigente – de raízes medievais – constituiria a ordem jurídica – obscurantista e retrograda – do Antigo Regime, que deveria ser substituída pelo sistema jurídico de normas naturais ou direito natural, entendendo com isso o sistema jurídico deduzido das luzes da razão, como essa expressão era entendida naquela época. Nasceu assim a idéia dos dois sistemas ou ordens jurídicas paralelas e coexistentes: o direito natural ou sistema jurídico deduzido da razão e o direito positivo ou legislação vigente. Dois sistemas jurídicos, um destinado a ser exemplar do outro (que deveria ser reformado), cada um com sua obrigatoriedade própria e suas peculiares formas de aplicação. Com isso, o direito natural ficava separado da vida do foro e do sistema de garantias,que seriam próprias apenas do direito positivo – o oposto do típico da doutrina clássica -, e reduzido a um conjunto de normas mais morais que jurídicas. De fato, o jusnaturalismo moderno, de modo implícito ou explicito, transformou com freqüência – há exceções – o direito natural em moral e a ciência do direito natural em filosofia moral.”
1.6) Neo-escolásticos
Sobre o assunto escreve Javier Hervada[17]:
“Desaparecendo o jusnaturalismo moderno com os alvores do século XIX, em especial pela influencia de Kant e de outras corresntes como a Escola Histórica, a tese das duas ordens jurídicas desapareceu em grande parte da doutrina. No entanto, apesar de sua incongruência com a doutrina clássica, a dotada por Tomás de Aquino, a tese  dos dois sistemas – natural e positivo – também é encontrada com bastante freqüência entre os neo-escolásticos, que, embora adotem muitos elementos da doutrina tomista, separam-se nisso da doutrina clássica e, portando, do Aquinate. Entendendo esse autores – como se viu – que o direito natural não é um aspecto – o aspecto jurídico – da lei natural, mas a própria lei natural, e sendo a lei natural um sistema de normas morais e éticas, o direito natural constitui para eles um sistema ou ordem de condutas pessoais e sociais, diferente do direito positivo: a ética social no que concerne a sociedade. Mesmo nos neo-escolásticos que não confundem o direito natural com a moral e o entendem como verdadeiro direito, é habitual continuar encontrando a idéia dos dois sistemas jurídicos.”
1.7) Imanentismo contemporâneo
Javier Hervada[18]:
“Com o século XIX, foi produzida rápida expansão do imanentismo de fundo, que invadiu a filosofia moderna e um bom numero de ideologias. Tudo isso influiu na concepção imanentista do direito, em geral por meio de varias formas de positivismo jurídico. O imanestismo de direito foi um fenômeno tão generalizado na cultura ocidental que se chegou a falar de “a morte de Deus”. Por isso, é improcedente aqui deter-se em uns ou outros autores, e é suficiente fazer constar o fenômeno geral, que abrange a maioria das correntes filosóficas e das ideologias políticas e sociais (liberalismo, socialismo, capitalismo, etc). Por outro lado, é muito comum entre os autores nem sequer propor o tema de Deus, mas omiti-lo.”
A origem do positivismo deve ser encontrada no abandono da metafísica. O repudio de qualquer concepção transcendente do homem, da sociedade e do direito é conseqüência da rejeição da metafísica[19].
Rejeitada pelo direito a idéia de direito natural, o fundamento do direito foi situado no poder imanente ao homem, ao Estado, sem nenhuma vinculação transcendente. Principio fundamental do positivismo jurídico é que o direito positivo é valido enquanto são cumpridos os requisitos formais para a elaboração e a promulgação da norma, seja qual for seu conteúdo[20].
Sobre a visão imanestista dos direitos humanos comenta Javier Hervada:
“Ponto de interesse especial, por seus efeitos tanto teóricos quanto práticos, é o constituído pela concepção imanentista dos direitos humanos. Entendido o direito como produto cultural, os direitos humanos são concebidos também como produtos culturais e, portando, como variáveis e alterantes. Com isso, ficam fundamentados nas estimativas subjetivas e relativas da sociedade e no consenso comum, privado de toda base objetiva e submetidos às mudanças de opinião. Perdem, por conseqüência, seu genuíno sentido de base objetiva vinculativa da configuração da sociedade e de limites à prepotência, defesa e garantia do respeito à dignidade da pessoa humana.”
2) Michel Foucault
Michel Foucault[21], em curso ministrado no Collège de France de janeiro a abril de 1979, nascimento da biopolítica, comenta sobre o direito natural: “Temos [...] a teoria do direito natural e direitos naturais que fazem valer como direitos imprescritíveis, que nenhum soberano, como quer que seja, pode transgredir”.
Ao comentar sobre a economia política, Michel Foucault[22] trata sobre o assunto da naturalidade por excelência:
“Se há uma natureza que é própria da governamentabilidade, dos seus objetos e das suas operações, a conseqüência disso é que a pratica governamental não poderá fazer o que tem de fazer a não ser respeitando essa natureza. Se ela atropelar essa natureza, se não a levar em conta ou se for de encontro às leis estabelecidas por essa naturalidade própria dos objetos que ela manipula, vai haver consequências negativas para ela mesma [...].”
Michel Foucault trata do assunto sob a visão da economia política, mas isso demonstra sua posição acerca da existência de uma naturalidade própria das coisas e que deve ser respeitada sempre.
3) Javier Hervada
Sobre a concepção de Javier Hervada sobre o direito natural, importante transcrever alguns trechos de sua obra[23]:
“A primeira idéia que, em nossa opinião, requer uma correta compreensão do direito natural é que esse não é um sistema jurídico, ordem ou ordenação jurídica que subsista separado e paralelamente ao direito positivo, que seria outro sistema jurídico: o direito natural não é um sistema jurídico, mas um núcleo básico, primário e fundamental de cada sistema de direito ou ordenação jurídica. Nesse sentido, em relação a cada contexto social não existem dois sistemas de direito, a ordenação jurídica natural e a ordenação jurídica positiva, sendo o sistema jurídico único, um sistema jurídico unitário constituído pelo direito natural e pelo direito positivo, ou, em termos mais exatos, formado por fatores jurídicos naturais e fatores jurídicos positivos.”
Para Hervada, a tese dos dois sistemas jurídicos não é correta. Nem o direito natural nem o direito positivo são sistemas completos por si só. Cada contexto social é dotado de um sistema jurídico, em parte natural e em parte positivo.
Javier Hervada[24]:
“O direito natural é o núcleo de juridicidade natural, que está na base e no fundamento de todo sistema jurídico: a parte natural do sistema jurídico. Já dissemos que o direito é em sua maior parte uma construção cultural do homem em sociedade, e chamamos essa dimensão cultural de direito positivo. Porém, dissemos também que nenhum fato cultural é possível sem um dado natural. O fato cultural do direito é impossível sem o núcleo jurídico natural. Esse núcleo jurídico natural é o direito natural. Portanto, na base e no fundamento de todo sistema jurídico há um núcleo jurídico que não procede da invenção, do poder ou da decisão humanas, sendo sim inerente ao homem. E isso, e não outra coisa, é o direito natural, o qual, pelo que foi dito, é verdadeiro direito, o núcleo natural do direito vigente. Considerando o direito natural como o núcleo de juridicidade natural que possibilita a própria existência do direito positivo – o natural que torna possível o fenômeno cultura -, percebe-se imediatamente o que em outro texto chamei de aporia positivista: se não existe o direito natural, não existe o direito positivo, e, se não existe o direito positivo, necessariamente existe o direito natural. O que se deduz claramente da relação entre natureza e cultura. Sem uma base natural, é impossível o fato cultura. Portanto, sem o direito natural ou núcleo natural de juridicidade, o direito positivo não poderia existir. Mas o direito positivo existe, logo necessariamente existe o direito natural.”
O referido autor[25] exemplifica o citado acima da seguinte forma: “[...] cada língua ou idioma é uma criação cultural, mas a linguagem forma uma unidade com a capacidade anímico-corpórea de comunicação, própria da pessoa[...]”
O direito natural inere ao homem em virtude de sua condição de pessoa. Trata-se do núcleo de juridicidade próprio da pessoa humana. Existe uma ligação entre o direito natural e a dignidade da pessoa humana.
Sobre a relação entre o direito natural e a dignidade da pessoa humana comenta Hervada[26]:
“O direito natural é o núcleo de juridicidade que é próprio da dignidade da pessoa humana, isto é, o núcleo jurídico da ordem do dever-ser que é inerente ao estatuto ontológico ou dignidadedo homem. Dado, então, que o direito natural é a expressão jurídica da dignidade da pessoa humana – de seu estatuto ontológico -, pode-se dizer que a pessoa é o fundamento do direito natural, enquanto inere a ela e é expressão de sua ordem do dever-ser.”
2. DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS
2.1) Conceito e dimensões
Tanto os direitos fundamentais quanto os direitos humanos visam a proteção da dignidade da pessoa humana. Os direitos humanos são consagrados no plano internacional. Já os direitos fundamentais são consagrados no plano interno, sendo regulamentados através das constituições.
No direito brasileiro, os direitos fundamentais são divididos em: direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. 
Os direitos fundamentais apresentam dimensões que estão relacionadas ao momento histórico de cada uma delas. Tais dimensões são também conhecidas como gerações. Elas não se substituem, e sim, coexistem.
Os direitos fundamentais de primeira geração estão ligados à liberdade. Seu momento histórico foi a das chamadas revoluções liberais no final do século XVIII. Trata-se do período do absolutismo, momento em lutava-se pela liberdade. Mencionados direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, civis e políticos a traduzirem o valor de liberdade[27].
Os direitos de segunda geração estão ligados ao valor igualdade. Não se trata de uma igualdade formal, haja vista esta já haver sido consagrada durante as revoluções liberais. A idéia aqui é a de igualdade material. Pedro Lenza[28], seguindo os ensinamentos de Aristóteles e Rui Barbosa, ao comentar sobre a igualdade material, dispõe que “a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades”. Seu momento histórico foi o da revolução industrial do século XIX, período em que o proletariado lutava pelo direito de igualdade. Privilegiam os direitos sociais, culturais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade[29].
Direitos fundamentais de terceira geração estão ligados à fraternidade. Marcelo Novelino[30] sugere que a divisão existente entre os países ricos e pobres foi o fator histórico que levou ao surgimento dos chamados direitos de terceira geração. Tais direitos referem-se à idéia de solidariedade. Trata-se do direito à paz, ao desenvolvimento, ao respeito, ao meio ambiente, etc. Pedro Lenza[31] comenta que “o ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade”.
Os direitos fundamentais estão disciplinados do Título II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  A idéia de liberdade e igualdade estão presentes no caput do artigo 5. Já a idéia de fraternidade não se apresenta expressa em nenhum artigo. O artigo 225 da Constituição da República prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Mas e o direito a paz? E o direito ao respeito? A falta de regulamentação expressa impossibilita o exercício desses direitos?
Os direitos de terceira geração estão ligados à dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana não é um direito. Trata-se de um atributo que todo ser humano possui independentemente de qualquer condição especifica. Fundamento da República Federativa do Brasil vista como valor constitucional supremo informativo da interpretação constitucional.
A dignidade da pessoa humana é um núcleo em torno do qual gravitam os direitos fundamentais. A constituição promove e protege a dignidade da pessoa humana através dos direitos fundamentais. A própria liberdade e igualdade estão diretamente ligados à dignidade.
A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil em razão de estar presente na constituição da República em artigo destinado os fundamentos? Se o constituinte de 1988 não tivesse incluído o inciso III no artigo 1 da Constituição de 1988 a dignidade da pessoa humana deixaria de ser um atributo do ser humano?
As respostas a todas as perguntas formuladas neste capítulo podem ser respondidas pelo direito natural.
O direito natural, compreendido com direito vigente, juntamente com o direito positivo, são o verdadeiro direito. O direito positivo cria normas culturalmente solicitadas, variando de gerações para gerações. O direito natural já está criado e é visto como limite ao direito positivo.
Críticos em relação ao limite criado pelo direito natural ao direito positivo fundamentam seu entendimento na segurança jurídica. Já os defensores do direito natural, fundamentam a segurança jurídica exatamente no próprio direito natural.
Independente de previsão constitucional, a dignidade da pessoa humana é atributo de todo ser humano. Está presente na natureza humana e existe, por si só. Toda tentativa de regulamentação de uma sociedade apresenta como fundamento ultimo a dignidade da pessoa humana. Logo, não há que se falar em positivação de tal atributo, haja vista que este é o próprio fundamento do direito positivo.
A dignidade da pessoa humana também é vista como um princípio. Princípios apontam fins a serem alcançados, traçando uma diretriz de atuação do Estado. Logo, apontam as diretrizes aos três poderes, sendo determinantes ao direito positivo.
Independente de estarem positivados ou não, os atributos referentes à natureza humana devem sempre ser respeitados. A dignidade da pessoas humana, assim como suas vertentes, imperam em todas as sociedades e em todos os tempos.
A liberdade, a igualdade, a paz, o respeito, a fraternidade, a solidariedade, ou seja, os direitos fundamentais em geral devem ser respeitados em função da juridicidade inerente à pessoa.
O direito natural e o positivo, analisados como um sistema único, leva-nos a concluir que ambos os direitos são um fundamento do outro, indefinidamente.  
O direito natural apresenta as coisas verdadeiras atribuídas ao homem e a ele devidas em razão da própria natureza. Não é o resultado de estimativas subjetivas ou do consenso social[32], mas verdadeiro núcleo básico, primário e fundamental de cada sistema[33].
Os direitos naturais são muitas vezes positivados a fim de reforçar sua juridicidade, mas isso não significa que ele ingressa no mundo jurídico neste momento. Tais direitos existem independentemente de regulamentação.
2.2) Eficácia horizontal dos direitos fundamentais
Originalmente, os direitos fundamentais foram positivados com o objetivo de proteger as pessoas nas relações com o próprio Estado. Trata-se da eficácia vertical dos direitos fundamentais.
Neste sentido, Pedro Lenza[34]: “a aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre o particular e o poder público não se discute. Por exemplo, certamente, em um concurso público deverá ser obedecido o principio da isonomia”.
Não se discute, também, a eficácia irradiante dos direitos fundamentais. Em razão desta eficácia, os direitos fundamentais devem ser respeitados pelo três “poderes” do Estado: seja o legislativo no momento de elaboração das leis, seja o executivo no ato de “governar”, seja o judiciário ao resolver eventuais conflitos[35].
A possibilidade eficácia dos direitos fundamentais nas relações privados, também conhecida como “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”, surgiu juntamente com a idéia dos direitos fundamentais de terceira geração.
Uma vez existentes os direito de solidariedade e fraternidade, consequentemente, os direitos fundamentais devem ser respeitados por todos, independentemente das partes integrantes das relações.
O Supremo Tribunal Federal apresenta-se como defensor desta eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Neste sentido foi a decisão proferida por este Colendo Tribunal no julgamento do RE 201.819, ao considerar violado o devido processo legal, contraditório e a ampla defesa na exclusão de membro de sociedade sem a sua possibilidade de defesa.
Importante ressaltar que, à vista do direito natural esta eficácia sempre existiu, sendo apenas reconhecida pelos Tribunais.
2.3) Direito à vida
O direito à vida tem dupla acepção. Primeiramente é o direito de permanecervivo. A segunda acepção é o direito a uma vida digna.
O direito a permanecer vivo esta previsto na Constituição Federal em seu artigo 5, já o direito à vida digna, em seu artigo 170[36].
Pedro Lenza[37] traduz o direito à vida como sendo “o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna”.
Sobre o assunto esse mesmo autor[38] comenta:
“Em decorrência do seu primeiro desdobramento (direito de não se ver privado da vida de modo artificial), encontramos a proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX. Assim, mesmo por emenda constitucional é vedada a instituição da pena de morte no Brasil, sob pena de se ferir a clausula pétrea do art. 60, & 4, IV. Por fim, o segundo desdobramento, ou seja, o direito a uma vida digna, garantindo-se as necessidades vitais básicas do ser humano e proibindo qualquer tratamento indigno, como a tortura, penas de caráter perpetuo, trabalhos forçados, cruéis, etc.”
Existe o direito à vida, pois ele está previsto na Constituição ou ele está previsto na Constituição em razão de sua existência?
Mais uma vez a resposta pode ser dada à luz do direito natural. O direito à vida independe de regulamentação, existindo em razão da própria existência do ser humano. O direito positivo ao regulamentar a material não vida criar o direito a vida, mas sim, disciplinar os efeitos de sua inobservância.
2.4) Princípio da vedação do retrocesso
As comunidades internacionais comentam sobre o principio da vedação do retrocesso. As sociedades vão se aperfeiçoando com o passar do tempo e criando legislações cada vez mais protetivas dos direitos fundamentais. Uma vez positivado um direito fundamental, este não pode ser suprimido. Essa vedação não se dá em função de clausulas pétreas, e sim, em função do próprio principio da vedação do retrocesso.
Mesmo com a criação de um novo poder constituinte e de uma nova constituição, esta não pode suprimir direitos um dia conquistados. Trata-se de algo superior à constituição, que deve ser respeitado por se tratar de um direito natural.
Com base nesse principio da vedação do retrocesso, entende-se, por exemplo, que países em que a pena é morte é proibida, esta será proibida sempre. Mesmo se o ordenamento jurídico for completamente alterado, instituindo-se uma nova constituição, esta não pode prever a possibilidade de pena de morte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história da humanidade a referência ao direito natural sempre esteve presente. Em algumas épocas, tal direito era visto como o verdadeiro direito, juntamente com o direito positivo, formando um só sistema. Em outros momentos falou-se da divisão do direito em direito natural e positivo como sendo dois sistemas independentes.
Malgrado as diferentes interpretações dadas ao direito natural ao longo dos tempos, o respeito a tal direito sempre esteve inserido nas sociedades, diferenciando-se apenas pela intensidade. 
O fato é que a natureza humana deve sempre ser respeitada, independente do nome dado a esta imposição de respeito.
Os direitos fundamentais, positivados ou não, existem por excelência e devem ser observados em todas as sociedades. O positivismo jurídico vem como um garantidor desses direitos devidos em razão da natureza humana.
O consenso entre as comunidades internacionais vem impondo uma regulamentação no sentido de tentar buscar a máxima efetividade dos direitos fundamentais.
Tanto o atributo da dignidade da pessoa humana, quanto o direito à vida ou o simples direito de ser respeitado existem simplesmente em razão da existência do ser humano. São devidos em função da natureza humana e sua positivação vem sempre de modo a garanti-los, e nunca para subtraí-los.
 
Referências:
Foucault, Michel. Nascimento da biopolitica: curso dado no Collège de France (1978-1979. Edição estabelecida por Michel Senellart; sob direção de François Ewald e Alessandro Fontana; tradução Eduardo Brandão; revisão de tradução Claudia Berliner. São Paulo. Martins Fontes. 2008.
Hervada, Javier. Lições propedêuticas de filosofia do direito. Tradução Elza Maria Gasparotto. Revisão técnica Gilberto Callado de Oliveira. São Paulo. WMF Martins Fontes. 2008.
Lenza, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo. Editora Método. 11 ed. 2007.

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