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Departamento de Genética Médica - UNICAMP Genética Médica - MD 636 Roteiro de estudo e orientação sobre AGENTES TERATOGÊNICOS Denise Pontes Cavalcanti 1.) Introdução e definições: Cerca de 3% de todos os recém-nascidos apresentam defeitos congênitos clinicamente importantes. Desses, 13% estão associados a mutações gênicas ou cromossômicas, 20% são de etiologia multifatorial e 60% são de causa desconhecida. Os 7% restantes são causados por exposição intra-uterina a agentes teratogênicos. Um agente teratogênico pode ser definido como qualquer fator que, agindo no embrião ou feto em desenvolvimento, é capaz de causar defeitos estruturais ou incapacidades funcionais pós-natais. A teratologia, por sua vez, pode ser definida como um ramo da medicina que estuda a contribuição do ambiente na gênese das várias patologias que se determinam durante o processo de desevolvimento embrionário ou fetal. De uma maneira geral os agentes teratogênicos podem ser agrupados em quatro principais categorias: agentes químicos, agentes físicos agentes biológicos e doenças ou estado metabólico materno. Cada uma dessas categorias será detalhada mais adiante. 2.) Patogênese: Apenas um limitado número de processos patogênicos estão envolvidos no modo de ação dos teratógenos. Eles podem causar: -> morte celular -> alterar o padrão de crescimento de um dado tecido levando a hipoplasia, hiperplasia ou crescimento assincrônico -> interferir com a diferenciação celular ou outros processos morfogenéticos básicos incluindo processos mecânicos. 3) Princípios de teratologia: Os efeitos dos teratógenos são determinados por vários fatores que por sua vez correspondem aos princípios da Teratologia. São os seguintes esses fatores: a) diferenças genéticas na susceptibilidade aos teratógenos (genótipo materno- fetal) Principalmente no que diz respeito às substâncias químicas a suceptibilidade do feto a um teratógeno, real ou potencial, pode ser influenciada por vários fatores como: absorção, metabolismo e distribuição no organismo materno, transferência placentária além do próprio metabolismo fetal. Tais características são particulares para cada par materno- fetal. Do ponto de vista clínico, ressalta-se portanto que enquanto para um dado teratógeno alguns indivíduos são extremamente sensíveis, outros pdem não o ser mesmo em se tratando do mesmo teratógeno. É óbvio que o genótipo materno-fetal também é responsável pelas diferenças de susceptibilidade aos agentes físicos ou biológicos. b) estágios susceptíveis durante o desenvolvimento Dado que o organismo humano se forma durante o período embrionário (final da segunda até a oitava semana gestacional), este é exatamente o período de maior susceptibilidade do embrião aos agentes teratogênicos. No período precedente, ou fase de implantação (da fertilização até a nidação), o embrião contém ainda poucas células, porém sendo elas pluripotenciais, um insulto externo ao embrião nessa época ou é completamente reparado ou então é extenso o suficiente para levar à morte do embrião. Este, portanto, é conhecido como o período do “tudo ou nada”. A terceira fase de desenvolvimento intra-uterino corresponde ao período fetal (da nona semana até o termo), estágio caracterizado pelo crescimento celular e pela histogênese. Os agentes teratogênicos têm pouca ação nessa fase. c) relação dose-efeito Os efeitos de um dado teratógeno potencial podem variar da ausência de efeitos em baixas doses, malformações órgãos-específicas em doses moderadas à toxicidade embrio- fetal em doses altas. O fenômeno da relação dose-efeito é influenciado pelo estágio de desenvolvimento do embrião, via de administração da substância, bem como da espécie em questão. d) especificidade do agente Alguns agentes têm maior potencial teratogênico que outros e isso é, em parte, influenciado por outros fatores tais como dose, metabolismo materno e transferência placentária. e) interação entre drogas Dois teratógenos quando administrados simultaneamente podem não ter o mesmo efeito de quando usados isoladamente. Os mecanismos possíveis incluem indução ou inibição de sistemas enzimáticos e competição por sítios de ligação. 4.) Métodos de identificação dos agentes teratogênicos Com relação aos agentes químicos, estima-se que cada ser humano pode estar exposto a aproximadamente 5.000.000 de diferentes substâncias químicas, sendo que, dessas, apenas cerca de 1.500 foram testadas em animais de laboratório e em torno de apenas 30 são comprovadamente teratogênicas para o homem. Isto não significa, entretanto, que as demais drogas sejam seguras para uso durante a gestação. Ao contrário, pode refletir o fato de que a maioria das drogas ingeridas durante a gestação não foi suficientemente testada quanto ao seu potencial teratogênico. Na identificação dos agentes teratogênicos, alguns métodos de estudo são utilizados com freqüência: 1) Estudos de toxicologia Por meio destes se estuda o poder toxicológico de uma dada substância, no entanto, os estudos de toxicologia têm valor limitado para avaliar o potencial teratogênico de um fármaco, uma vez que o modo de resposta do embrião é diverso daquele do adulto. 2) Estudos em animais de laboratório Estes métodos, de uso corrente desde longa data, utilizam as mais variadas espécies animais, uma vez que não há critério nítido de escolha, nem tampouco existe um animal ideal para tais testes e, se existisse, seria esse animal o próprio homem. Quase todos os fármacos teratogênicos para o homem o são também para outras espécies animais, porém o contrário não é verdadeiro. Por exemplo: os corticosteróides, potentes agentes teratogênicos para os roedores, são aparentemente seguros em humanos; de outra parte, a talidomida, um dos mais potentes teratógenos em humanos, é segura para uma boa parte dos animais. 3) Observações clínicas esporádicas Embora essas observações sejam de grande valor em teratologia por fornecerem a sugestão inicial acerca de um suposto teratógeno, tais observações devem ser numerosas e orientadas sempre ao mesmo tipo de associação fármaco-efeito para que tenham real valor. 4) Vigilância epidemiológica Os programas de vigilância epidemiológica surgiram depois da tragédia da talidomida e, embora tais programas não tenham identificado, até o momento, nenhum teratógeno, eles são importantes para um número de estudos que podem ser feitos sobre os defeitos congênitos. Por exemplo o ácido valpróico, após a suspeita clínica de que pudesse exercer efeitos adversos em fetos humanos, foi finalmente reconhecido como um teratógeno em humanos a partir de dados de estudos epidemiológicos. Portanto, o estudo epidemiológico, seja ele caso-controle ou de coorte, parece ser o mais idôneo para estabelecer um real sentido causa-efeito, permitindo, ainda, uma estimativa de um risco de ocorrência da patologia quando associada ao agente sob exame. Embora cada um desses métodos, citados acima, tenha seu valor e, apesar da importância dos métodos epidemiológicos, até hoje a identificação dos agentes teratogênicos em humanos tem sido realizada fundamentalmente pela observação clínica de médicos atentos, a exemlpo de como o primeiro teratógeno reconhecido foi identificado, a talidomida. Os efeitos de um teratógeno podem aparecer sob diferentes formas as quais servem como indicadores do potencial de teratogenecidade. São eles: problemas de infertilidade ou abortamento de repetição de um casal; retardo de crescimento intra-uterino da criança exposta; alterações da morfogênese ou defeitos estruturais apresentados pela criança e ainda alterações da função dos órgãos do sentido bem como do sitema nervoso central. Na identificação de um dado teratógeno é importante lembrar que, do ponto de vista de morfogênese,a variabilidade do quadro clínico não é exceção mas sim a regra. Isto é duas crianças afetadas por uma dado teratógeno não apresentam exatamente o mesmo quadro clínico porque, em geral, os defeitos causados por um teratógeno são inespecíficos e tendem a ser associados e não isolados. Por outro lado, mesmo com quadros clínicos diferentes os teratógenos costumam produzir "padrões" característicos de defeitos. 5) Tipos de agentes teratogênicos - exemplos Como já referido acima os agentes teratogênicos podem ser categorizados em quatro classes: - agentes infecciosos - agentes físicos - agentes químicos - doenças ou estado metabólico materno AGENTES INFECCIOSOS Entre os agentes infecciosos chama-se principalmente a atenção aos seguintes: rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus e varicela. RUBÉOLA (virose para a qual existe vacina específica) O quadro clínico é muito variável, porém destaca-se como principais defeitos: catarata, cardiopatia congênita, surdez e alterações do sistema nervoso central incluindo microcefalia. Dentre as seqüelas mais tardias se encontra pan-encefalite subaguda e a estenose de artéria pulmonar. A susceptibilidade à rubéola é maior no 1º trimetre da gestação principalmente no 1º mês, caindo consideravelmente nos meses seguintes. TOXOPLASMOSE (parsitose causada pelo Toxoplasma gondii para a qual não existe vacina, porém existe tratamento) Os principais defeitos são: retardo de crescimento intra-uterino, icterícia, hepatoesplenomegalia, anemia com trombocitopenia, meningoencefalite, retardo mental, hidrocefalia, calcificações intra-cranianas e corioretinite. CITOMEGALOVÍRUS (virose, não há vacina) O quadro clínico no recém-nascido se caracteriza por icterícia, hepatoesplenomegalia, trombocitopenia, retardo do crescimento intra-uterino, calcificações intraventriculares, corioretinite com atrofia óptica, micorcefalia ou, mais raramente, hidrocefalia e retardo mental. Quando os recém-nascidos são assintomáticos podem aparecer seqüelas mais tardias: surdez, distúrbios da linguagem e da aprendizagem. VARICELA As seqüelas da varicela congênita são: lesões cutâneas unilaterais com hipoplasia do membro homolateral, microcefalia com atrofia cortical e defeitos oculares. AGENTES FÍSICOS Entre estes os mais importantes inclui a radiação e o calor. RADIAÇÃO Antes de mais nada é importante lembrar que a radiação pode levar a: teratogênese, mutagênese ou carcionogênese. As experiências sugerem que a radiação ionizante causa danos ao feto (retardo de crescimento intra-uterino, danos do sistema nervoso central incluindo microcefalia e retardo mental e defeitos oculares) em doses muito altas (acima de 20 rads). Só para se ter uma idéia do que significa essa dose, num Rx simples de tórax a radiação é da ordem de 2 mrad enquanto que numa urografia excretora a radiação recebida é da ordem de 500 mrad. O efeito da radiação portanto é dose dependente (sendo que os efeitos são cumulativos) e depende da época de maior sensibilidade (14º ao 50º dia). CALOR O aumento da energia térmica numa fase precoce da gestação pode produzir danos graves ao feto em desenvolvimento (os principais são o retardo mental e os defeitos do sistema nervoso central, principalmente do tipo defeito de fechamento do tubo neural). AGENTES QUÍMICOS Nesta categoria podemos dividir tais agentes como: químicos ambientais, drogas não prescritas ou sociais e drogas prescritas. 1. QUÍMICOS AMBIENTAIS Chamamos atenção apenas para a contaminação com mercúrio que teve lugar na baía de Minamata na década de 50. Os principais efeitos do mercúrio enquanto agente teratogênico são: retardo de crescimento intra-uterino, cerebropatia com microcefalia e paralisia cerebral, surdez e cegueira. 2. DROGAS SOCIAIS ÁLCOOL As características típicas da síndrome do alcoolismo fetal (Síndrome do alcoolismo fetal) inclui: retardo do crescimento pré e pós-natal, dismorfismo craniofacial e malformações cardíacas e de articulações. Algumas crianças expostas e sem quadro clínico característico podem apresentar apenas uma disfunção neurológica com dificuldade de aprendizagem. Embora a Síndrome do alcoolismo fetal apareça naquelas crianças cujas mães foram alcoólatras crônicas durante a gestação, não existe um nível seguro para o consumo de álcool durante a gstação, de sorte que o melhor é desencorajar totalmente o uso álcool pelas getantes. A cocaína tem sido observada com cautela por alguns, porém outros autores já a consideram como uma substância teratogênica. Seus principais efeitos seriam retardo de crescimento e defeitos disruptivos decorrente de acidentes vasculares. O cigarro provoca um retardo de crescimento intra-uterino com uma redução de peso do recém-nascido da ordem de 200-250g. Além do baixo peso ele também está associado a maiores taxas de abortamento esepontâneo, prematuridade e morte perinatal. 3. DROGAS PRESCRITAS TALIDOMIDA Foi a primeira droga reconhecida como um potente teratógeno. Ela causa embriopatia grave cujo padrão dismórfico é variável com o período de exposição. Abaixo mostramos uma relação entre o tipo de malformação e a época da gestação (baseada em dias após o último período menstrual-DUM) na qual ocorreu a ingesta da talidomida (tabela 1). Introduzida no mercado (europeu e australiano, os EUA não haviam-na liberado) em 1956 a talidomida foi retirada em 1961 dada a comprovação do seu poder teratogênico. Na América Latina a talidomida nunca saiu do mercado tanto assim que ainda hoje temos, com relativa freqüência, vítimas de talidomida. Apesar de ser o mais potente teratógeno conhecido até hoje, a talidomida está outra vez liberada no mercado do primeiro mundo uma vez que se descobriu que ela serve para tratar entre outras coisas algumas tipos de câncer. Tabela 1. PERÍODO SENSÍVEL À TALIDOMIDA __________________________________________________________________ Tipo de Malformação Dias (após a DUM) __________________________________________________________________ Anotia 34-38 Aplasia de polegar 38-40 Amelia de membros superiores 38-43 Luxação de quadril 38-48 Focomelia de membros superiores 38-47 Malformação de orelhas 39-43 Redução de membros superiores 39-45 Amelia de membros inferiores 41-45 Focomelia de membros inferiores 42-47 Redução de membros inferiores 45-47 Trifalangismo de polegar 46-50 __________________________________________________________________ ÁCIDO VALPRÓICO (anticonvulsivante) Essa droga, usada para tratamento de epilepsia causa especificamente espinha bifida. Além disso um padrão de dismorfismos menores pode estar associado. É importante salientar que, já o fato de ser epiléptica (sem tratamento) aumenta o risco da mulher de ter fihos com problemas, principalmente de microcefalia, retardo mental e crescimento. Mulheres epilépticas (tratadas, com outras drogas) apresentam o dobro do risco da população geral. ISOTRETINOINA (vitamina - derivado da vitamina A) Droga usada no tratamento da acne é considerada um poderoso teratógeno. Pode causar vários defeitos porém a tríade característica é: defeito do sistema nervoso central (hidrocefalia, encefalocele), microtia e cardiopatia. O etretinato, outro derivado da vitamina A, usado no tratamento da psoríase, também é considerado teratogênico. Essa droga se deposita no tecido gorduroso e permanece durante longo tempo no organismo mesmo após a interrupção do seu uso. A tretinoina, também derivado da vitamina A, é usada de modo tópico no tratamento da acne vulgaris e, dessa forma é desprovida de risco teratogênico. DOENÇAS E ESTADOS METABÓLICOS MATERNO Nesse item vamos exemplificar apenas odiabetes e a PKU materna. DIABETES MATERNO Entre as várias formas de diabetes o tipo insulino dependente está, indubitavelmente, associado não só às perdas gestacionais como também a malformações fetais. O risco é de duas a três vêzes o risco da população geral. Dentre os defeitos observados em filhos de mães diabéticas as cardiopatias sãos os mais freqüentes. Além desses a seqüência malformativa de regressão caudal também é fortemente associada ao diabetes materno. PKU MATERNO Hoje não há mais dúvida que os níveis elevados de fenilalanina no sangue de portadoras de PKU, mesmo que tenham sido tratadas adequadamente na infância, são tóxicos para o feto. O risco é muito alto. Os fetos expostos mostram retardo mental, microcefalia e cardiopatia além de retardo de crescimento e outros dismorfismos menores. A tendência hoje é preconizar o tratamento para fenilcetonúricos durante toda a vida. 6.) Riscos de alguns agentes teratogênicos Estudos epidemiológicos permitem estimar o risco dos efeitos de um dado teratógeno mediante a sua exposição durante a gestação. RAE (risco atribuível à exposição) ->indica a incidência da MF devida à exposição. -> RAE = incidência entre os expostos - incidência entre os não expostos RR (risco relativo) -> quantas vêzes a MF é mais freqüente entre os expostos em relação aos não expostos Na tabela abaixo relacionamos os riscos para alguns teratógenos conhecidos Tabela 2. ESTIMATIVA DE RISCOS PARA ALGUNS TERATÓGENOS _______________________________________________________________________________ Substância RR RAE Incidência entre os não (%) expostos (%) _______________________________________________________________________________ Talidomida defeito de membros 170 40 0,24 Ácido valpróico espinha bifida 20 1 0,05 Retinóides - 20 Álcool - 2-10 Cigarro - * Epilepsia tratada c/ anticonvulsivantes defeitos em geral 2 3 3 cardiopatia 3 1,5 0,8 Diabete insulino dependente defeitos em geral 3 6 3 cardiopatia 4 2,4 0,8 _______________________________________________________________________________ RAE: risco atribuível à exposição; RR: risco relativo 7.) Orientação sobre riscos fetais Serviços de informação sobre agentes teratogênicos (SIATs) existem nos EUA desde o início da década de 80 e hoje são disponíveis também em outros lugares (Canadá, vários países da Europa e mais recentemente entre nós. Dos serviços iniciados Porto Alegre, São Paulo, rio de Janeiro, Campinas, o de Porto Alegre continua sendo o mais atuante). Esses serviços operam através de linha telofônica com um especialista treinado para tal e visa esclarecer gestantes, médicos e outros pesquisadores sobre riscos fetais decorrentes de exposição a teratógenos reais ou potenciais. 8.) Bibliografia consultada Briggs GG Freeman RK & Yaffe JY (1994) Drugs in pregnancy and lactation. 4th ed., Williams & Wilkins, Baltimore. Dicke JM (1989) Teratology: principles and practice. Med Clin N America 73:567-582. Mastroiacovo P (1988) Difetti congeniti da agenti teratogeni. Perspet Pediat 18:143-160. Pagano M & Mastroiacovo P (1988) La prescrizione dei farmaci in gravidanza. Guida alla valutazione del rischio teratogeno. McGraw-Hill, Milano. Warkany J (1971) Congenital malformations. Year Book Medical Publishers, Inc. Chicago.
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