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CANAIS / CONDUTOS LIVRES Prof. Fernanda Cavalcante Gomes Obras Hidráulicas e Portos I RIO PARANÁ – Foz do Iguaçu (PR) Fonte: Fernanda Cavalcante Gomes (2014) Introdução Chama-se escoamento em conduto livre quando o escoamento está sujeito à pressão atmosférica, pelo menos em um ponto da sua seção. Os condutos livres são também denominados canais e, normalmente, apresentam uma superfície livre de água em contato com a atmosfera. Exemplo: curso d’água natural, coletor de esgotos, galeria de águas pluviais. Na Figura 01 são mostrados dois casos típicos de condutos livres (a e b); em (c) está indicado o caso limite de um conduto livre: embora o conduto funcione completamente cheio, na sua geratriz interna superior atua uma pressão igual à atmosférica. Em (d) está representado um conduto no qual existe uma pressão maior do que a da atmosférica (conduto forçado). Figura 01 – Representação conduto livre e forçado. Fonte: AZEVEDO NETTO (1998) A representação da energia do escoamento em conduto livre e em conduto forçado está ilustrada na Figura 02. Figura 02 – Escoamento em conduto forçado e conduto livre Fonte: VEN TE CHOW (1959) Onde: Hydraulic grade line: linha piezométrica Datum line: plano horizontal de referência Pipe flow: conduto forçado Open-channel flow: conduto livre O canal é um conduto alongado no qual a água escoa com uma superfície em contato com a atmosfera. Um canal pode ser: - Aberto ou descoberto: quando suas paredes não se juntam acima da superfície livre. Ex.: curso d’água natural. - Fechado ou coberto: as paredes se juntam acima da superfície livre. Ex.: rede de esgotos, galerias de águas pluviais. Os canais podem ser classificados em canais uniformes e não uniformes: - Canal uniforme: é aquele que tem leito prismático e características geométricas constantes. Portanto, é retilíneo e possui seção transversal, rugosidade das paredes e declividade constantes. - Canal não uniforme: é aquele em que ocorre a variação de um dos parâmetros mencionados acima. Os canais naturais são não uniformes. Os canais artificiais são uniformes ou podem ser decompostos em trechos de canais uniformes. Os elementos geométricos de uma seção de um canal estão indicados na Figura 03: 𝐴 − área da seção molhada: área da seção reta do escoamento, normal à direção do fluxo; 𝑦 − profundidade: é a distância vertical do ponto mais baixo da seção do canal até a superfície livre; 𝑃 − Perímetro molhado: é o comprimento da linha de contato entre a seção molhada e a seção transversal, sendo que a superfície livre não faz parte do perímetro molhado; Parâmetros geométricos Figura 03 – Elementos geométricos de uma seção B – largura do canal 𝑅𝐻 − raio hidráulico: é a relação entre a área molhada e o perímetro molhado 𝑅𝐻 = 𝐴 𝑃 𝐷𝐻 − diâmetro hidráulico : 𝐷𝐻 = 4. 𝑅𝐻 𝑖 − declividade longitudinal do canal: é a tangente do ângulo que o fundo do canal forma com a horizontal: 𝑖 = tan 𝜃 𝑗 − declividade da linha d’água: é a tangente do ângulo que a linha d’água forma com a horizontal: 𝑗 = tan 𝜃 ′ Variação da velocidade As velocidades médias não são uniformemente distribuídas nos diversos pontos da seção transversal. A distribuição da velocidade depende de várias condições como, por exemplo, a forma da seção transversal, rugosidade do canal, curvatura do curso d’água. As velocidades aumentam das margens para o centro e do fundo para a superfície. Em geral, a velocidade máxima ocorre na vertical de maior profundidade (𝑦𝑚á𝑥) logo abaixo da superfície, entre 5 e 25% da profundidade. Nos cálculos de dimensionamento de canais, sempre é utilizada a velocidade média da seção. Figura 05 – Distribuição da velocidade em diferentes seções de canais Fonte: VEN TE CHOW (1959) Figura 04 – Perfil de velocidade em um canal Fonte: PIMENTA (1981) Regimes de escoamento O escoamento em condutos livres pode se realizar de várias maneiras: a) Variabilidade do movimento no tempo Um critério de classificação dos movimentos dos fluídos diz respeito à variabilidade dos parâmetros no tempo: - Permanente – a velocidade (ou vazão) num ponto é invariável com o tempo. Portanto, os parâmetros de uma seção molhada são constantes (𝑆, 𝑦, 𝑄). - Não permanente – a velocidade local num ponto é função do tempo. Existe variação numa seção, de (𝑆, 𝑦, 𝑄) com o tempo. Ex.: ondas de uma cheia num curso d’água. b) Variabilidade no espaço - Uniforme – As velocidades locais são paralelas entre si e conservam o valor constante ao longo da trajetória. As trajetórias das diversas partículas são retas e paralelas entre si. Só se estabelece o regime uniforme em canais muito longos e em trechos distantes de suas extremidades. São condições especiais, difícil de se obter na prática. -Variado – As velocidades locais não são paralelas entre si; as trajetórias são curvas e a declividade da superfície é variável ao longo do canal. O regime variado ocorre necessariamente em canais naturais e é muito freqüente em canais artificiais. -Gradualmente variado – raios de curvatura das partículas muito grandes em relação às dimensões do canal; os diversos parâmetros variam lentamente de uma seção para outra. As linhas de fluxo são consideradas praticamente paralelas. Deste modo, as fórmulas estabelecidas para o movimento uniforme aplicam-se a este tipo de escoamento com aproximação satisfatória. - Bruscamente variado (MPBV) – O escoamento é classificado como bruscamente variado se a profundidade muda abruptamente em uma curta distância. As partículas líquidas descrevem trajetória com curvatura acentuada e os parâmetros variam rapidamente de uma seção para outra. Exemplo: escoamento em vertedor e ressalto hidráulico. Aos escoamentos bruscamente variados não se aplicam as equações estabelecidas para o movimento uniforme. Figura 06 – Variação do escoamento no espaço Regime uniforme A característica básica do escoamento permanente uniforme nos condutos livres é o fato de que todos os parâmetros de uma seção molhada (S, y, Q, etc.) são constantes ao longo do conduto. Para a ocorrência do regime uniforme, o canal deve ser suficientemente longo para que se estabeleça o equilíbrio de forças. A profundidade associada ao escoamento uniforme, constantes em todas as seções, é denominada profundidade normal, sendo representada por yn ou y0 . Embora o escoamento permanente uniforme seja uma situação particular, raramente observada na natureza, admite-se, com frequência, este tipo de escoamento nos cálculos práticos de dimensionamento de canais, tendo em vista a simplicidade do tratamento matemático. Equação do Regime Uniforme Para escoamento em regime permanente uniforme, a Equação de Chézy e a Fórmula de Manning são largamente utilizadas. Abaixo tem- se a equação de Chézy: 𝑸 = 𝑪. 𝑨. 𝑹𝑯 × 𝒊 Equação de Chézy Onde, 𝑄 − vazão (m³/s) 𝐶 − coeficiente de Chézy 𝐴 − área (m²) 𝑅𝐻 − raio hidráulico (m) 𝑖 − declividade do álveo (m/m) O coeficiente de Chézy pode ser substituído pela seguinte equação: 𝑪 = 𝟏 𝒏 .𝑹𝑯 𝟏 𝟔 Onde, 𝑛 − coeficiente rugosidade de Manning (rugosidade do curso d'água) o que irá originar a equação de Manning: 𝑸 = 𝟏 𝒏 × 𝑹𝑯 𝟐 𝟑 × 𝑨 × 𝒊𝟏/𝟐 As Tabelas 01 e 02 mostram alguns valores do coeficiente de rugosidade “n”. Existem outras equações para determinação do coeficiente de Chézy, tais como, Fórmula de Bazin e Fórmula Universal. Fórmula de Bazin: Fórmula Universal: 𝐶 = 87 1 + 𝛾 𝑅𝐻 g – coeficiente de rugosidade de Bazin (valor tabelado) 𝐶 = 17,7 ∙log 4𝑅𝐻 𝜀 + 10,09 e – rugosidade equivalente do leito(valor tabelado) Fonte: José Almir Cirilo (2001) apud apostila Fesp (2004). Problemas sobre o movimento uniforme Na prática, duas formas geométricas são mais utilizadas para o canal: trapezoidal e retangular, sendo esta última caso particular da primeira. A Figura 07 apresenta uma seção trapezoidal típica e os elementos geométricos necessários para o cálculo de canais em regime uniforme. Figura 07 – Elementos geométricos da seção trapezoidal Onde: b – largura do canal y - profundidade do escoamento – inclinação do talude Z – indicador horizontal do talude Basicamente, são dois os tipos de problemas relativos ao escoamento em regime uniforme: a) Problema em que a seção transversal do canal é conhecida Neste caso podem ocorrer duas situações: 1. Dados profundidade (y), largura (b) e rugosidade (n), pede-se a vazão máxima que pode ser transportada pelo canal; 2. Dados profundidade (y), largura (b) e vazão, pede-se a declividade a ser dada ao canal. Em ambas situações, o problema pode ser resolvido com meras aplicações da fórmula de Manning. b) Problema em que se procura determinar a seção transversal do canal É o problema do dimensionamento geométrico do canal, no qual conhecem-se a vazão (Q), a rugosidade (n), e a declividade, pede-se a largura (b) e a profundidade (y). Este problema pode ser resolvido de duas formas: 1. Impor a condição de mínimo custo; 2. Fixar a largura do canal e determinar a sua profundidade. É a solução mais comum em casos práticos. Neste caso mesmo fixando a largura, é muito difícil determinar diretamente o valor de y a partir da equação de Manning. Sendo assim, resolve-se o problema por processo iterativo conforme segue: - Reescreve-se a equação de Manning da seguinte forma: 𝑸 ∙ 𝒏 𝒊 = 𝑨 ∙ 𝑹𝑯 𝟐 𝟑 O termo ( 𝑸∙𝒏 𝒊 ) é conhecido já que Q, n e i são dados. Para determinar o termo (𝑨 ∙ 𝑹𝑯 𝟐 𝟑 ), organiza-se uma tabela como a do tipo mostrado a seguir, onde P e A (S) são funções geométricas de y. Representa-se graficamente os pares de pontos 𝒚 ; 𝑨 ∙ 𝑹𝑯 𝟐 𝟑 , entra-se com o valor de ( 𝑸∙𝒏 𝒊 ) em ordenada e tira-se o valor de y* procurado em abscissa (Figura 08). Figura 08 – Gráfico para determinação da profundidade y Canal de grande largura Um canal é considerado de grande largura quando esta é muito maior em relação à sua profundidade. Dado um canal de grande largura conforme a Figura 09: 𝐴 = 𝐵 ∙ 𝑦 𝑃 = 𝐵 + 2 ∙ 𝑦 𝑅𝐻 = 𝐴 𝑃 = 𝐵 ∙ 𝑦 𝐵 + 2 ∙ 𝑦 Como 𝐵 ≫ 𝑦, 𝑜 𝑅𝐻 pode ser reduzido a: ⟹ 𝑅𝐻 = 𝐵∙𝑦 𝐵 ⟹ 𝑅𝐻 = 𝑦 𝐵 ≫ 𝑦 Figura 09 Seja “q” igual à vazão específica ou vazão por unidade de largura do canal dada por: Substituindo na fórmula de Manning: 𝑞 = 𝑄 𝐵 𝑄 = 𝑖 𝑛 ∙ 𝐴 ∙ 𝑅𝐻 2 3 𝑞 ∙ 𝐵 = 𝑖 𝑛 ∙ 𝐵 ∙ 𝑦 ∙ 𝑅𝐻 2 3 ⟹ 𝑞 = 𝑖 𝑛 ∙ 𝑦 ∙ 𝑦2 3 𝑞 ∙ 𝑛 𝑖 = 𝑦5 3 ⟹ 𝑦 = 𝑞 ∙ 𝑛 𝑖 3 5 Seção de mínimo custo (ou máxima eficiência hidráulica) Num projeto de canal artificial, um dos problemas é determinar a seção transversal, conhecida a vazão de escoamento, a declividade e a rugosidade. Existem, a rigor, infinitas soluções que satisfazem quanto a forma e as dimensões das seções. Trata-se, portanto, de problemas hidraulicamente indeterminados. Embora nem sempre seja adotada, uma das soluções é a seção de mínimo custo ou de máxima eficiência hidráulica. A seção de mínimo custo é a seção que escoa a máxima vazão, dada a declividade (i) e a rugosidade (n), admitindo uma área de seção “A” constante. Figura 10 – Seções possíveis para canais Da equação de Chézy 𝑄 = 𝐶. 𝐴. 𝑅𝐻 × 𝑖 ; 𝑄 = 𝑄𝑚𝑎𝑥 quando RH é máximo. Sabe-se que 𝑅𝐻 = 𝐴 𝑃 ; RH é máximo quando o perímetro molhado é mínimo (P = Pmin). Procedimento para determinação da seção de mínimo custo: 1° Escolher a forma da seção; 2° Determinar as dimensões da seção transversal de mínimo custo. a) Seção semi-circular: a superfície livre deve coincidir com o diâmetro do círculo. 𝑦 = 𝐷 2 𝑅𝐻 = 𝑦 2 b) Seção trapezoidal. 𝑅𝐻 = 𝑦 2 para qualquer Figura 11 Figura 12 c) Forma retangular ( caso trapezoidal com =90°) 𝐴 = 2 ∙ 𝑦2 𝑃 = 4 ∙ 𝑦 𝑅𝐻 = 𝑦 2 Figura 13 Seção de rugosidade variável Na prática, encontra-se com frequência seções que apresentam rugosidades diferentes ao longo do perímetro molhado. Mesmo com as rugosidades variáveis, a velocidade ainda pode ser calculada considerando a seção como um todo, sem efetuar a sua subdivisão. Neste caso, deve-se utilizar, na fórmula de Manning, um único valor da rugosidade, denominado rugosidade equivalente da seção, dada pela seguinte equação: 𝑛𝑒 = 𝑃1 ∙ 𝑛1 2 + 𝑃2 ∙ 𝑛2 2 𝑃1 + 𝑃2 Figura 14 Seções composta ou leito múltiplos No caso de canal de seção composta, como o mostrado na Figura 15, a seção deve ser subdividida por uma linha imaginária em leitos principal e secundário. Se apresentarem rugosidades diferentes, a rugosidade equivalente deve ser calculada separadamente para os dois leitos: 𝑛𝑝 = 𝑃1 ∙ 𝑛1 2 + 𝑃2 ∙ 𝑛2 2 𝑃1 + 𝑃2 𝑛𝑠 = 𝑃3 ∙ 𝑛3 2 + 𝑃1 ∙ 𝑛1 2 𝑃3 + 𝑃1 e Figura 15 Referências Bibliográficas AZEVEDO NETTO, J. M et al. Manual de hidráulica. 8ª edição. São Paulo Blucher, 1998. FESP. Apostila de Hidráulica. 2004 LENCASTRE, A. Manual de hidráulica geral. 2ª edição. Técnica A.E.I.S.T.. Lisboa. 1969. NEVES, E. T. Curso de hidráulica. 5ª edição. Porto Alegre. Editora Globo. 1977 PIMENTA, C. F. Curso de hidráulica geral. Volume 01. 4ª edição. Rio de Janeiro. Editora Guanabara Dois. 1981 VEN TE CHOW. Open-channel hydraulics. McGraw Hill Book Company. 1959.
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