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1 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos Metodologias para a Educação de Surdos Pressupostos Básicos Desde o início do ensino formal, os profissionais envolvidos com as pessoas surdas têm centrado seus esforços no estudo e debate sobre procedimentos que privilegiem ou não a linguagem gestual. Essa preocupação se relaciona com a consideração que a grande parte dos professores de surdos são ouvintes e que o meio social e cultural onde os surdos estão inseridos é, também, de ouvintes. Há diferentes opiniões sobre as metodologias específicas ao ensino de surdos que se baseiam em três correntes sobre a comunicação com os surdos: Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo. Oralismo Esta metodologia de ensino visa a integração do surdo na comunidade de ouvintes, dando-lhe condições de desenvolver a língua oral. Nesta abordagem a aprendizagem da fala é ponto central e, para desenvolvê-la, são utilizadas algumas técnicas específicas como, por exemplo: • treinamento auditivo: estimulação auditiva para reconhecimento e discriminação de ruídos, sons ambientais e sons da fala; • desenvolvimento da fala: exercícios para a mobilidade e tonicidade dos órgãos envolvidos na fonação (lábios, mandíbula, língua etc) e exercícios de respiração e relaxamento (chamado também de mecânica de fala); • leitura labial: treino para a identificação da palavra falada por meio da decodificação dos movimentos orais do emissor. Basicamente, a proposta oralista fundamenta-se na “recuperação” da pessoa surda, chamada de “deficiente auditivo”. 2 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos O oralismo enfatiza a língua oral em termos terapêuticos. Todavia, levanta-se a seguinte questão: É possível o surdo adquirir de forma natural a língua falada, como acontece com a criança ouvinte? Os profissionais que trabalham com os surdos acreditam que o processo de aquisição da língua falada pelo surdo não ocorre da mesma forma que uma criança que ouve, pois esse processo exige um trabalho sistemático e formal. O próprio Chomsky, um linguista que supõe o inatismo, menciona as línguas de sinais como possível expressão da capacidade natural para a linguagem. O oralismo é uma proposta educacional que não permite que a língua de sinais seja usada nem na sala de aula nem no ambiente familiar, mesmo que formado por pessoas surdas usuárias da língua de sinais. No Brasil não há um levantamento exaustivo sobre o desempenho escolar de pessoas surdas brasileiras, mas os profissionais e a sociedade surda reconhecem as defasagens escolares que impedem ao adulto surdo competir no mercado de trabalho. Nas escolas brasileiras há surdos com muitos anos de vida escolar nas séries iniciais sem uma produção escrita compatível com a série. Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos constataram que, apesar do investimento de anos da vida para que uma criança surda desenvolva a oralização, ela somente é capaz de captar, por leitura labial, cerca de 20% da mensagem. Além disso, a expressão oral de uma criança surda é compreendida apenas pelas pessoas que convivem com ela, que estão habituadas a ouvi-la. Para se obter o máximo do aproveitamento auditivo, o Oralismo tem como princípio a indicação de prótese individual, que amplifica os sons, admitindo a existência de resíduo auditivo em qualquer tipo de surdez, mesmo na profunda. Este método procura assim, reeducar auditivamente a criança surda, por meio da amplificação dos sons associada a técnicas específicas de oralidade. A educação oral começa no lar e, portanto, necessita da participação efetiva da família. 3 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos Os críticos do Oralismo argumentam que esta experiência apresenta resultados limitados para o desenvolvimento da linguagem e da comunidade dos surdos.Esta metodologia que contempla as experiências pedagógicas e sociais da criança surda voltada a competência oral, produz mais fracassos do que sucessos. O surdo não é respeitado nas suas possibilidades e nas suas diferenças, mas o foco está na falta, no que deve ser corrigido para que ele possa integrar-se e ser "normal". Português Sinalizado e Com unicação Total (Bimodalismo) O bimodalismo usa simultaneamente sinais e fala. O bimodalismo permite o uso da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na criança surda. Mas a língua de sinais é usada como um recurso para o ensino da língua oral. Os sinais são usados pelos profissionais em contato com o surdo dentro da estrutura da língua portuguesa. Este sistema artificial passa a ser chamado de português sinalizado. O bimodalismo é também chamado de Comunicação Total que é uma proposta educacional flexível com o uso de meios de comunicação auditivos, orais e gestuais. Esta metodologia, além de preocupar-se com a aprendizagem da língua oral pelo surdo, acredita que os aspectos cognitivos, emocionais e sociais não devem ser deixados de lado em prol do aprendizado exclusivo da linguagem oral. A Comunicação Total caracteriza-se, basicamente, pela aceitação de vários recursos comunicativos, tendo como linha mestra o uso de sinais colocados na estrutura da língua materna (Português Sinalizado, no caso do Brasil), com a finalidade de ensinar a língua oral do país e promover a comunicação, evitando ou minimizando os problemas comunicativos gerados pela surdez. Assim, a Comunicação Total não está em oposição à utilização da língua oral, mas apresenta- se como um sistema de comunicação complementar. 4 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos Os adeptos da Comunicação Total consideram a língua oral como um meio imprescindível para que o surdo possa se incorporar à vida social e cultural, receber informações, intensificar relações e ampliar o conhecimento geral de mundo, mesmo admitindo as dificuldades de aquisição, pelos surdos, dessa língua. Como há lentidão e limitações para que as crianças surdas aprendam a língua oral quando utilizam o oralismo puro, é introduzido ao mesmo tempo um código linguístico estruturado e gestual que contribui para a aquisição das funções da língua oral facilitando a comunicação entre as pessoas e a elaboração de processos cognitivos mais refinados. A Comunicação Total contempla a criação de diferentes métodos e sistemas de comunicação para favorecer a aprendizagem da língua do país em que se destaca: • língua falada de sinais (codificada em sinais); • língua falada sinalizada (língua artificial que utiliza o léxico da língua de sinais como a estrutura sintática do português e alguns sinais inventados, para representar estruturas gramaticais do português que não existem na língua de sinais); • “cued-speech”, associação de códigos manuais para auxiliar na discriminação e articulação de sons (configuração de mão perto do rosto, dando apoio à emissão de cada fonema); • “pidgin” (simplificação da gramática de duas línguas em contato, por exemplo, português e língua de sinais no Brasil); e • combinação diversa de sinais, fala, datilologia, gesto, pantomina etc. Todavia, estes sistemas de sinais artificiais, como tentativas de ajustamento da língua oral-auditiva em uma modalidade espaço- visual, são muitas vezes usados para negar à criança surda a oportunidade de criar e experimentar uma língua natural. Desta forma, tira-se a oportunidade da criança desenvolver sua capacidade natural para a linguagem. Além disso, o sistema artificial não é adequado para o ensino da língua oral, pois não representa um sistemacompleto de linguagem. 5 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos Vários autores, como Duffy, por exemplo, salientam que as pesquisas indicam que somente 10% das expressões em sinais são exatamente iguais às que foram faladas quando do uso do português sinalizado. Alguns educadores defendem que é preferível comunicar 10% do que nada. Contudo, observando que o nível de alfabetização das crianças surdas brasileiras não tem melhorado significativamente nas últimas décadas não seria mais razoável considerar outras abordagens de ensino? A autora Ferreira Brito (1993) critica o uso do português sinalizado observando a impossibilidade de preservar as estruturas das duas línguas ao mesmo tempo. A autora salienta que expressões faciais e movimentos com a boca em LIBRAS são impossíveis de serem usados concomitantemente com a fala. LIBRAS e o Português possuem parâmetros diferentes, pois se eles fossem iguais as línguas também seriam. Então, como é possível duas línguas com parâmetros diferentes serem acionadas ao mesmo tempo? As comunidades surdas estão despertando e percebendo que foram muito prejudicadas com as propostas de ensino desenvolvidas até então e atribuem cada vez mais importância e valor da sua língua, LIBRAS. Os profissionais da área da surdez têm, hoje,acesso a resultados de pesquisas e estudos sobre as línguas de sinais o que possibilita retomar os conceitos de surdez e da língua de sinais. A educação de surdos no Brasil está num período de transição para uma terceira fase. Os estudos estão apontando na direção de uma proposta educacional bilíngue. Como os estudiosos avaliam esta situação? O oralismo é considerado pelos estudiosos como uma imposição social. Há uma maioria linguística (os falantes das línguas orais) em relação a uma minoria linguística sem expressão diante da comunidade ouvinte (os surdos). Este é mais que um problema educacional, ele caracteriza-se por um problema social. 6 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos É a mesma situação que gerou os problemas sociais enfrentados pelas comunidades indígenas e de imigrantes no Brasil. Os índios e os imigrantes em um determinado período da história brasileira não podiam expressar-se em sua língua nativa e eram obrigados a se comunicarem em português. O bimodalismo é um sistema artificial considerado inadequado pois desconsidera a língua de sinais e sua riqueza estrutural e acaba por desestruturar também o português. Este sistema não é eficiente para o ensino da língua portuguesa, pois as crianças surdas continuam com defasagem na leitura, na escrita, e consequentemente nos conteúdos escolares. Uma medida paliativa adotada nas escolas especiais é a permanência dos surdos dois anos numa mesma série. Este mecanismo tem como justificativa as limitações do próprio surdo em ter acesso ás informações. O oralismo e o bimodalismo despertam as seguintes questões: Por que há escolas especiais se as crianças continuam tendo difícil acesso às informações? O problema não está na proposta educacional? Qual o papel da escola para o aluno surdo? O bilinguismo traz nova proposta educacional e um repensar na educação dos surdos. Bilinguismo Esta abordagem educacional tem como pressuposto o bilinguismo do surdo, ou seja, a primeira língua é a de sinais, considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país. No bilinguismo, o ensino do português deve ser ministrado para os surdos da mesma forma como são tratadas as línguas estrangeiras, ou seja, em primeiro lugar devem ser proporcionadas todas as experiências linguísticas na primeira língua dos surdos (língua de sinais) e depois de sedimentada a linguagem nas crianças, ensina-se a língua majoritária, (a Língua Portuguesa) como segunda língua. A língua de sinais torna-se, então, o objetivo educacional e o instrumento facilitador da aprendizagem, em geral. 7 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos Há, hoje, uma preocupação em respeitar a autonomia da língua de sinais e estruturar um plano educacional que não afete a experiência psicossocial e linguística da criança surda. Como a língua dos sinais é uma língua natural para as pessoas surdas, adquirida espontaneamente no contato com pessoas que usam esta língua, enquanto que a língua oral é adquirida de uma forma sistematizada, deve ser garantido o direito às pessoas surdas de serem ensinadas na língua de sinais. A proposta bilíngue busca captar esse direito. O conceito essencial dessa metodologia é o de que os surdos formam uma comunidade, com cultura e língua próprias. O bilinguismo rejeita a concepção de que o surdo deve aprender a modalidade oral da língua para poder se aproximar ao máximo do padrão de normalidade. No bilinguismo, a aprendizagem da língua oral, embora desejada, não é encarada como o único objetivo educacional do surdo, ou como uma possibilidade de reduzir as diferenças causadas pela surdez. A proposta do bilinguismo é educacional, social e cultural, independente do modo como se concebe a segunda língua a ser adquirida pelo surdo. Há duas formas de bilinguismo para a educação de surdos, uma é o ensino da segunda língua concomitante a primeira e na outra o início do ensino da segunda língua é somente após o domínio da primeira. Vamos imaginar uma criança surda, filha de pais ouvintes. Em geral, eles não aprenderam língua de sinais, não conhecem pessoas surdas e não sabem, o que fazer para comunicar-se com seu filho. Como é possível esta criança adquirir sua primeira língua? O grande obstáculo para o desenvolvimento psicossocial da criança surda e para o ensino eficiente da língua portuguesa é que ela não nasce em um ambiente favorável para o desenvolvimento de sua primeira língua, a LIBRAS. O problema não é a criança ser surda, é social, pois é necessário garantir a qualquer criança o direito de adquirir o domínio de uma língua de forma natural. Para a criança surda este direito somente é garantido na convivência com pessoas que dominem LIBRAS. 8 Uni dade 1 – Metodologias para a educação de surdos Os conteúdos escolares devem ser desenvolvidos na língua nativa da criança, ou seja, em LIBRAS. O ensino da língua portuguesa deve ocorrer em momentos específicos das aulas e os alunos devem ser informados que o objetivo é a aquisição uma segunda língua. Considerações Há inúmeros argumentos que são favoráveis à aprendizagem da língua de sinais como primeira língua para os surdos. Mas, é bom ressaltar que há também obstáculos para sua concretização que vão além da habilidade manual. Identificar a situação de cada surdo, as relações com seus familiares, quando foi realizada a identificação de sua deficiência, como é a sua relação com a comunidade e com outros surdos é muito importante. A competência para uma educação inclusiva de surdos vai além do domínio da língua de sinais, envolve o conhecimento sobre a organização da comunidade de surdos e isso só é possível com o convívio com esta comunidade para a compreensão mais efetiva de sua cultura, valores, dificuldades. Para maiores informações sobre as metodologias para a Educação de Surdos, leia os textos disponíveis em Informações Complementares. Um livro que também explora as diversas metodologias é “Educação de Surdos – A Aquisição da Linguagem”, de Ronice Muller de Quadros.