Unidade 1 – Texto Base 1 O mundo do silêncio “Todo dia ela faz tudo sempre igual Me sacode às seis horas da manhã Me sorri um sorriso pontual E me beija com a boca de hortelã.” (trecho da música “Cotidiano” Chico Buarque/1971) Todos os dias, as atividades que realizamos já se tornaram tão rotineiras que nem nos damos conta delas. Por exemplo, acordamos, tomamos banho, preparamos o café da manhã, saímos para trabalhar ou para ir à escola. Nestas atividades simples e corriqueiras estão presentes vários sons. Você já prestou atenção neles? • O som do despertador do relógio ou de alguém chamando nosso nome. • O som da água jorrando pela torneira, o som da escovação dos dentes, o barulho da válvula da privada ou do chuveiro funcionando. • Na cozinha, o som da chaleira apitando com a água fervendo, o barulho dos talheres à mesa e o som do abrir e fechar a geladeira, que aguça nosso apetite. E no caminho para a escola ou trabalho? Faça um exercício recordando os sons que você ouve normalmente, sem prestar atenção, mas que lhe orientam para uma série de comportamentos... Agora imagine se você não fosse mais capaz de ouvir estes sons! Unidade 1 – Texto Base 2 Pois é, há um grupo de pessoas que lida com estas situações todos os dias e muitas outras que não ouvem nenhum dos sons que estamos acostumados a ouvir. Você já se perguntou como elas conseguem realizar as atividades que realizamos sem ouvir os sons? Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, 10% da população mundial tem algum déficit auditivo. Já a chamada "surdez severa" incide em uma entre cada mil pessoas nos países desenvolvidos e em quatro entre cada mil nos países subdesenvolvidos. No Brasil, segundo dados do IBGE, o número de surdos é de 5,7 milhões (surdos profundos e deficientes auditivos). No estado de São Paulo há 480.000 e na capital o número é de 150.000. Há pessoas surdas ou com alguma deficiência auditiva em toda a parte, mas no Brasil, muitos são invisíveis à sociedade, vivendo isoladamente em praças, parques, bares, escolas, universidades etc. Em décadas passadas, as famílias costumavam esconder as pessoas surdas, por vergonha de terem gerado filhos diferentes. Essas pessoas surdas nem saiam de casa e estavam sempre acompanhadas por familiares e a comunicação entre eles era muito complicada, pois geralmente a família rejeitava a mímica, os gestos, por considerarem isso “feio”. A falta de comunicação propiciava naturalmente o isolamento dos surdos e, muitas vezes, eles se tornavam nervosos e profundamente irritados, ou mesmo deprimidos. Vivendo esta situação, os próprios surdos não compreendiam a importância da comunicação por meio da Língua de Sinais para a comunicação e para o desenvolvimento da linguagem e cognição. A sociedade, por sua vez, também ignorava as comunidades surdas e as isolava e discriminava. Nos últimos anos, o olhar da sociedade tem mudado significativamente, buscando uma política de inclusão ao cidadão que é surdo. As pessoas surdas desenvolvem mais os outros sentidos, principalmente o sentido da visão. O corpo é um canal fundamental para chegar à vibração e é sentindo as vibrações pelo corpo, que as pessoas com um determinado nível de surdez chegam mais facilmente ao que chamamos de som. Unidade 1 – Texto Base 3 Ele também facilita o processo de comunicação pelos gestos, mímicas, olhares firmes. Os surdos são muito mais visuais e perceptivos do que os ouvintes. Eles “falam com as mãos e ouvem com os olhos”. É possível por meio da língua dos sinais transcrever músicas. A “Língua de Sinais Poética” permite ao surdo cantar por meio da Língua de Sinais, usando todo um conjunto – o espaço visual, a expressão corporal e facial e os diversos parâmetros do idioma, bem como a ênfase nas mãos. Alguns sinais podem ser feitos com mais velocidade e expressividade, outros de forma mais lenta e suave. Dessa forma, a música toca profundamente o surdo. O mundo do surdo é especial e diferente. É um mundo cercado de luz, cores, movimentos, expressões de tristeza e alegria e tudo o que se pode captar com os olhos ou com a vibração do corpo. O impacto da imagem para alguém que não ouve é muito maior, por isso a relação com uma pessoa surda deve ser sempre cuidadosa e atenta. Vamos imaginar, por exemplo, que estamos tentando nos comunicar com um surdo. Se nesta tentativa de comunicação, por distração, nos viramos sem encará-lo, ele poderá interpretar como uma atitude de indiferença ou descaso. Além disso, se ele estiver tentando ler nossos lábios, para entender o que falamos, como conseguirá fazer isso se não estivermos de frente para ele? Há muitos problemas gerados a partir da falta de comunicação entre o surdo e o ouvinte. Problemas de interpretação e tradução, ou então educacionais que comprometem o desenvolvimento na comunicação. A dificuldade em entender e ser entendido provoca efeitos, muitas vezes irreversíveis, na interação do profissional (professor e/ou intérprete) com o surdo. Nas comunidades surdas pode-se observar que estes problemas prejudicam o trabalho desenvolvido por educadores e intérpretes que muitas vezes são rejeitados e mesmo excluídos. Tanto os surdos como os ouvintes precisam ser sensíveis e compreender o grau de dificuldade que envolve a tradução de uma língua numa modalidade oral-auditiva (Língua Oral) para uma língua visual-espacial (Língua de Sinais) e considerar as diferentes formas de cada uma para determinar o significado da mensagem. Os hábitos da comunidade surda são pouco divulgados ou de forma pouco eficaz. Unidade 1 – Texto Base 4 Os próprios integrantes dessa comunidade, às vezes, não têm consciência de suas especificidades, o que pode gerar problemas de comunicação. A dificuldade de comunicação, que algumas pessoas surdas vivem, pode gerar atitudes que são interpretadas como isolamento, timidez, agressividade, falta de educação, egocentrismo. É necessário levar em conta que uma pessoa que não entende o que o outro diz e que não é capaz de se fazer entender pode desenvolver atitudes que, nem sempre, são compreendidas pela comunidade em que vive e até mesmo pela própria família. Nessas circunstâncias uma pessoa surda perde o referencial familiar e social e consequentemente a noção de seu espaço e da sua função no mundo, diminui sua autoestima, sente- se inútil como um fardo a ser carregado. Há muitas crenças sem fundamento em relação às pessoas surdas. Alguns acreditam, por exemplo, que porque uma pessoa é surda, ela também é muda. As pessoas surdas possuem, no geral, condições físicas e fisiológicas para poder falar. Algumas, se não falam é porque não aprenderam ou porque acham que os gestos favorecem a agilidade na comunicação, e outras ainda por opção. Os surdos são tão capazes quanto os ouvintes para desenvolver competências. A surdez não compromete a intelectualidade do surdo. Há muitos surdos que são advogados, arquitetos, engenheiros e profissionais de diversas áreas. Tudo o que não depende da audição, o surdo pode fazer e mostrar o quanto é capaz. Outra crença comum é julgar que todas as pessoas surdas não escutam absolutamente nada, ou que somente escutam quando querem. Há graus diferentes de surdez e, dependendo do grau, há um comprometimento maior ou menor da comunicação. Por exemplo, a maioria das pessoas surdas pode ouvir sons graves e intensos, como o som de um trovão, uma batida forte de uma porta ou então o som de um alarme de incêndio, pois a maioria destes sons possui níveis altíssimos de decibéis. Mas, é importante ressaltar