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História da África: Questões Gerais Introdutórias Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura Revisão Textual: Profa. Ms. Rosemary Toffoli A Luta pela Soberania Política 5 • A luta pela soberania política • A luta pela soberania política na África • Colônias francesas, belgas, portuguesas e inglesas · Entender como os povos africanos lutaram pela sua independência, quem foram os dirigentes dessas lutas, as ideologias e estratégias utilizadas. Leia atentamente o conteúdo desta Unidade, que lhe possibilitará conhecer as dimensões econômica, social e cultural do processo de independência nas nações do Continente Africano. Você também encontrará nesta Unidade uma atividade composta por questões de múltipla escolha, relacionada ao conteúdo estudado. Além disso, terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater questões no fórum de discussão. É extremante importante que você consulte os materiais complementares, pois são ricos em informações, possibilitando-lhe o aprofundamento de seus estudos sobre este assunto. Bom estudo a todos! A Luta pela Soberania Política 6 Unidade: A luta pela soberania política Contextualização Para iniciar, com base na ilustração abaixo, reflita sobre a partilha da África entre as nações europeias. Trata-se de uma representação dos interesses da Europa em relação à África, grande fornecedora de mão de obra escrava, usada especialmente na exploração do Novo Mundo, na América, entre os séculos XVI e XIX. A figura mostra a partilha da África pela Europa. África ocidental francesa Argélia Líbia Egíto Nigéria Libéria Camarões Angola Madagascar Sudão anglo-egípcio Etiópia Quênia Uganda Marrocos Países independentes França Inglaterra Bélgica Portugal Espanha Itálica Saara espanhol Guiné espanhola Oceano Atlântico Oceano Índico União Sul-africana Sudoeste africano Rodésia do norte Somália italiana Tanganica Congo belga Somália britânica Rodésia do sulBechuana lândia Áf ric a e qu ato ria l fr an ce sa Alemanha Fonte: Adaptado de washingtoncandido.wordpress.com Oriente sua reflexão pelas seguintes questões: De qual contexto histórico esta ilustração trata? Quais protagonistas históricos a ilustração representa? Qual mensagem a ilustração pretende transmitir? Bom trabalho! 7 A Luta pela Soberania Política “Tu não és um país, África, Tu és uma ideia. Conformada em nossos espíritos, cada qual com o seu. Para esconder nossos medos, cada qual com os seus. Para alimentar nossos sonhos, cada qual com os seus”. (Davidson Abioseh Nicol, poeta e diplomata de Serra Leoa) Os anos decorridos desde 1935 constituem, em particular, um período da história durante o qual o mundo ocidental relembrou aos africanos, involuntariamente, a sua identidade pan-africana. Sabe-se que a identidade nigeriana, queniana ou marfinense não teria existido sem o colonialismo europeu. A Europa é, por conseguinte, a mãe ilegítima da consciência nacional dos nigerianos, quenianos e marfinenses; mas poderíamos igualmente dizer que o imperialismo ocidental é o pai ilegítimo da consciência pan-africana? (MAZRUI, 2010, p. 8) Se, na África, a consciência de classe resulta, parcialmente, da intensificação do capitalismo, a intensificação do imperialismo já suscitou em parte, nesse continente, uma consciência de raça. Da mesma forma que a exploração capitalista ajuda os trabalhadores a melhor tomarem coletivamente consciência de si mesmos enquanto trabalhadores, igualmente, o imperialismo europeu contribuiu, com o passar do tempo, a tornar os africanos colonizados coletivamente mais conscientes de si mesmos, enquanto povo colonizado. Nesse sentido, que o imperialismo europeu contribuiu, por exemplo, para que o país Kikuyu reconhecesse nos yoruba como seus “irmãos africanos” e contribuiu para que o povo da Argélia reconhecesse os zulu como compatriotas, em escala continental. (MAZRUI, 2010, p. 8). O renascimento do nacionalismo A luta pela soberania politica na África colonial pode ser contada em quatro etapas: a) Antes da Segunda Guerra Mundial, produziu-se uma fase de agitação das elites em favor de uma maior autonomia; b) seguiu-se um período de participação das massas na luta contra o nazismo e o fascismo; c) em seguida, após a Segunda Guerra Mundial, adveio a luta não violenta das massas por uma total independência; d) finalmente, sobreveio o combate armado na esfera política: a guerrilha contra os governos de minoria branca, sobretudo, a partir dos anos 1960 (MAZRUI, 2010b, p. 126). Já no período denominado entreguerras surgiram, em algumas colônias, vários tipos de associações, fundamentadas na etnia ou no parentesco, nascidas ou da solidariedade existente no seio da mão de obra migrante urbanizada; ou, ainda, sob o efeito do ressentimento dos africanos ao sistema de exploração colonial. 8 Unidade: A luta pela soberania política As organizações que surgiram formavam um leque abrangendo desde a Associação Central dos Kikuyu, na África Oriental, até a Convenção pelo Renascimento Urhobo, na África Ocidental. Na África muçulmana, as organizações culturais estavam, por vezes, muito mais, ligadas à religião que à etnia. Dessa forma, em 1935, o sheik Abdal HamidBadis criou, na Argélia, a Associação dos “ulama” especialmente dedicada à defesa do islã em uma situação colonial (MAZRUI, 2010b, p. 126). A agitação também tomou outras formas durante os anos do entreguerras. Em maio de 1935, por exemplo, greves e motins de mineiros africanos eclodiram na Copper Belt, da Rodésia do Norte. Na Nigéria, diversos grupos de interesse começaram a se organizar. Na cidade de Lagos, essa febre de organização levou a criação das seguintes associações: Sindicato dos Leiloeiros de Lagos, em 1932; Associação dos Pescadores de Lagos, em 1937; Associação dos Motoristas de Táxi, em 1938; Sindicato dos Abatedores de Lagos, em 1938; Sindicato dos Jangadeiros de Lagos, em 1939; Sindicato das Mercadoras de Farinhas, em 1940; Associação dos Mercadores de Vinho de Palma, em 1942; Sindicato dos Fosseiros de Lagos, em 1942 (MAZRUI, 2010b, p. 127). Muitos desses movimentos do entreguerras eram formados por elites e alguns grupos de interesse possuíam um caráter urbano, mas já se percebia a entrada das massas na vida política desses Estados africanos que buscavam suas independências políticas. Os métodos empregados contra o imperialismo durante esta fase tinham essencialmente um caráter não violento e fundavam-se na agitação; houve, entretanto, exceções, como a luta dos etíopes contra a ocupação italiana (1936-1941). Durante a Segunda Guerra Mundial, o conjunto da África precisou escolher entre o imperialismo liberal e um imperialismo surgido do nazismo e do fascismo. O dilema foi particularmente forte nas colônias francesas, uma vez que a própria França estava submetida à ocupação e dividida em duas. Todo o continente africano participou amplamente da Segunda Guerra Mundial. Tal Guerra desempenhou um papel ao enfraquecer as potências imperiais. A França foi humilhada pelos alemães e a sua derrota contribuiu para a destruição do mito da sua invencibilidade imperial. A Grã-Bretanha saiu empobrecida e esgotada da guerra durante a qual perdeu a vontade de conservar o domínio sobre um império muito grande. Cerca de pouco mais de dois anos após o fim do conflito mundial, a monarquia encabeçada pela rainha Elizabeth II (1926) foi obrigada a separar da “joia da Coroa britânica”, o império das Índias (MAZRUI, 2010b, p. 133). Ainda sobre a Segunda Guerra, pode-se afirmar que ela contribuiu para reforçar o papel mundial dos Estados Unidos e da União Soviética. Cada qual a sua maneira, as novas superpotências iniciaram uma pressão aoseuropeus, com o objetivo de fazê-los desmantelar os seus impérios, pois as superpotências possuíam seus próprios objetivos imperialistas para o pós-guerra. O nascimento da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, também contribuiu para o processo de descolonização no mundo todo. À medida que a ONU se tornava mais representativa, o colonialismo perdia pouco a pouco a sua legitimidade. Praticamente cada um dos Estados que se tornaram membros das Nações Unidas protestavam contra os velhos sistemas imperiais (MAZRUI, 2010b, p. 133). 9 Entretanto, a mais potente força de oposição ao colonialismo na África era formada pelos próprios africanos que começavam a se organizar melhor, a formular mais claramente suas exigências e a se armar melhor para a luta. No transcorrer desse período, a resistência africana obedece a muitas tradições: a tradição guerreira, a tradição da jihad, a tradição da revolta cristã, a tradição da mobilização não violenta e a tradição da guerrilha (MAZRUI, 2010b, p. 134). A luta pela soberania política na África Até a primeira metade do século XX, a África vivia sob o domínio colonial de diversos países europeus, especialmente Inglaterra e França. Cenário que passou a se modificar após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando os países africanos foram conquistando suas independências, sendo a maioria no período entre 1956 e 1966. Além de casos tardios como os de Moçambique, Cabo Verde, Ilhas Comores, São Tomé e Príncipe e Angola, todos em 1975 e até então sob domínio de Portugal. E Djibuti (1977) e Zimbábue (1980), respectivamente subjugados por França e Inglaterra. Essa luta pela soberania política na África se desencadeou com a luta dos movimentos emancipacionistas locais, que buscavam a independência de seus países. Outro fator que pesou nessa busca foi a delicada situação econômica das tradicionais potências europeias no pós-guerra, o que dificultava a manutenção do domínio colonial por meio de forças militares. (COTRIM, 2009, p.507) Ressalta-se que, ao mesmo tempo, a opinião pública da Europa desenvolveu uma consciência anticolonialista: acreditava ser uma contradição os governos inimigos da opressão nazi-facista manter oprimidos os povos colonizados. Depois da Segunda Guerra, essa situação tornou- se constrangedora. A descolonização também foi bandeira das duas grandes potências do pós-guerra: Estados Unidos e a então União Soviética. Outro aliado para se conseguir essa soberania política e territorial foi a ONU (Organização das Nações Unidas), fórum internacional contra o colonialismo, e fundamentada na autodeterminação dos povos. Mas essa ruptura com os laços coloniais, os processos de independência na África, desdobraram-se em lutas internas, que envolveram movimentos políticos e/ou grupos étnicos rivais, que passaram a disputar o controle do governo nas diferentes regiões do continente. É possível citar pelo menos dois tipos de descolonização: • Ruptura Pacífica: mediante acordos firmados com a metrópole, que apesar de reconhecer formalmente a emancipação política das colônias, procurava preservar as relações de dominação. • Ruptura violenta: alcançada através de conflitos, com metrópole e as tropas de libertação das colônias medindo forças. 10 Unidade: A luta pela soberania política Desdobramentos pós-coloniais na África Com o fim da Segunda Guerra Mundial, os países africanos foram conquistando sua independência, a maioria no período entre 1956 e 1966. No ano de 1955, a Indonésia (na Ásia), sediou a Conferência Afro-Asiática de Bandung, importante marco na organização política dos países do Terceiro Mundo (países subdesenvolvidos). Nessa conferência, os integrantes dos 29 países participantes rejeitaram a divisão mundial nos blocos socialistas (pró-União Soviética) e capitalistas (pró-Estados Unidos). E defenderam uma política de não- realinhamento automático com as superpotências (COTRIM, 2009, p.513). Esses países também condenaram o racismo, a corrida armamentista e proclamaram o Direito de Autodeterminação Política, reprovando o colonialismo (dominação direta da metrópole sobre a colônia) e o neocolonialismo (dominação mascarada, realizada por meio de práticas econômicas imperialistas). Afirmaram, ainda, que a submissão imposta aos povos afro-asiáticos era uma negação dos direitos fundamentais do homem e estava em contradição com a Carta das Nações Unidas, sendo um obstáculo à paz e à cooperação mundial (COTRIM, 2009, p.513). Após a Conferência de Bandung, 18 países africanos conquistaram sua independência já em 1960. E entre 1961 a 1980, outros 22 países também alcançaram sua emancipação política. Por outro lado, a casa imperial da Etiópia foi relativamente lenta em reconhecer seu país como país africano. Por muito tempo, os soberanos etíopes preferiram se considerar integrantes do Oriente Médio e não da África. No entanto, em 1935, aconteceu a humilhante ocupação da Etiópia pela Itália. O restante da África e todo o mundo negro sofreram com os acontecimentos. Contudo, a partir de então, a Etiópia descobriu-se participante da condição africana. O triste episódio tornou-se um estímulo suplementar para a consolidação de uma identidade pan-africana. Em outro front, o imperador Haile Selassie mergulhou em uma experiência similar àquela que havia sido imposta a outros soberanos africanos, trinta ou cinquenta anos antes, a ocupação direta de seu território e a submissão de seu povo pelos europeus. Assim, nasceu uma nova consciência da casa real da Etiópia, sob o efeito do choque produzido pela descoberta de si mesma, enquanto dinastia africana reinando sobre um povo africano. Nesse sentido, Haile Selassie se tornaria um dos pais fundadores do pan-africanismo pós-colonial e, sob muitos aspectos, seu mais eminente representante. Assim, uma vez mais, os excessos da Europa imperial prepararam o caminho a algo diferentemente positivo, o esplendor de uma nova identidade pan-africana cresceu sobre a sórdida miséria do racismo europeu (MAZRUI, 2010, p. 10). O imperador Haile Selassie eleva-se contra a agressão da Etiópia pela Itália. Fonte: Museu do Palácio das Nações, Genebra. Foto: L. Bianco 11 Colônias francesas, belgas, portuguesas e inglesas O domínio da França na Argélia O governo francês procurou negociar maneiras pacíficas para fazer a ruptura com suas diversas colônias, como foram os casos de Camarões, Senegal, Madagascar, Costa do Marfim e Mauritânia. Tanto que, em 1960, quase todo o império colonial francês na África havia sido desfeito. Ressalte-se que a invasão da França na Argélia se deu em 1830, tendo como intenção dominar o litoral daquele país. A dominação definitiva e total aconteceu, porém, só em 1857, ano em que os franceses fincaram raízes no território argelino. Assim como em outros países africanos colonizados por europeus, a luta pela independência na Argélia se intensificou após a Segunda Guerra Mundial, com um levante em 1945, violentamente reprimido pelos franceses. Os 10% da população de origem francesa que morava na Argélia e que controlava a vida política e econômica do país não queriam a separação da França. Por isso, resistiu à FLN (Frente de Libertação Nacional), organizada em 1954, dando início à luta armada contra a dominação francesa. Em 1961, o presidente francês Charles de Gualle, obteve, por meio de um referendo popular, “carta branca” para negociar a paz na Argélia com a FLN. Apesar da resistência interna de grupos sociais conservadores, De Gaulle assinou, em 1962, o Acordo de Evian, que reconheceu a independência da Argélia (COTRIM, 2009, p.514). O saldo desse conflito foi a morte de aproximadamente 25 mil soldados franceses e de 1 milhão de pessoas da Frente de Libertação Nacional. Sem contar que perto de 1 milhão de franceses deixaram a Argélia, retornando à França. Naquelemesmo ano de 1962, a Argélia passou a ser governada por Ahmed Bem Bella, representante da FLN, até então, único partido do país. O multipartidarismo na Argélia só passou a ser adotado e aceito em 1989, e a primeira eleição presidencial se deu em 1991. A violência belga no Congo No Congo, região sob dominação belga, o movimento de independência também foi marcado pela violência, em função de conflitos entre os grupos políticos locais, que se chocavam com os interesses internacionais por causa da disputa pelas riquezas da região (COTRIM, 2009, p. 514). Em 1960, o líder do Movimento Nacional Congolês, Patrice Lumumba, proclamou a independência do país. Fato que deu início a movimentos separatistas em outras províncias do Congo, dentre elas Catanga, liderada por MoiseTshombe, apoiado por belgas interessados nas riquezas minerais do Congo. O Congo é um dos principais exploradores de uma específica mistura mineral chamada columbita-tantalita, ou apenas “coltan”, essencial para as indústrias de eletrônicos. Resiste ao calor e é capaz de armazenar energia, quando refinada em pó. Há poucos anos, o coltan, junto do tungstênio, estanho e ouro, foram classificados como “mineral de conflito”. (Vinícius Gomes, Revista Fórum Semanal, edição 6 de junho de 2014) 12 Unidade: A luta pela soberania política Para manter a unidade do país, Lumumba solicitou ajuda às forças internacionais da ONU. Como não conseguiu o apoio, recorreu à antiga União Soviética, provocando reação dos grupos ligados ao bloco capitalista (liderado pelos Estados Unidos). O então chefe do exército do Congo, coronel Mobutu, assumiu o comando do país, prendeu Lumumba, levando-o para Catanga, sendo assassinado em fevereiro de 1961. Quatro anos mais tarde, Mobutu se impôs como ditador e, em 1965, o Congo passou a ser chamado oficialmente de República do Zaire, governando o país até 1997. Nesse ano, uma rebelião liderada por Laurent Kabila derrubou Mobutu. Com sua deposição, Kabila passa a governar e retoma o antigo nome do país: República Democrática do Congo. Fato que não impediu que as disputas étnicas e políticas continuassem e provocassem outros conflitos violentos no país. A Revolução dos Cravos e as colônias portuguesas Na África, uma das últimas regiões a conquistar sua independência política foi a que estava diretamente ligada à dominação do governo de Portugal. Um fator que contribuiu para esse cenário foi a administração do ditador António de Oliveira Salazar, que governou Portugal de 1932 a 1968. Apesar da morte de Salazar, o Salazarismo foi prorrogado por seu sucessor, Marcelo Caetano, até 1974, quando em abril daquele ano, Portugal viveu o que ficou conhecido por Revolução dos Cravos. O levante popular pregava o retorno da democracia em Portugal e o fim do colonialismo. Abrindo-se, assim, a independência das colônias portugueses de Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola. O levante popular recebeu o nome de Revolução dos Cravos porque a população saiu às ruas para comemorar o fim da ditadura de 48 anos, com a distribuição em forma de agradecimento de cravos, a flor nacional, aos soldados rebeldes. (COTRIM, 2009, P.514). África do Sul e o Apartheid Desde o século XIX, a minoria branca de origem europeia (19% da população) dominou a África do Sul e promoveu a independência política do país. No entanto, esse governo de minoria rompeu com a dominação colonial inglesa e impôs à maioria da população negra o regime segregacionista racial denominado apartheid. Esse regime racista da África do Sul foi oficializado desde 1948 (também no período pós Segunda Guerra Mundial) evidentemente provocou a indignação de grande parcela da opinião pública internacional e gerou inúmeras revoltas dos grupos negros. Muitas dessas revoltas e manifestações foram lideradas por Nelson Mandela (que ficou preso durante 27 anos e faleceu logo após a Copa do Mundo da África do Sul, em 2010). Apenas em junho de 1991, o governo da África do Sul cedeu às pressões antirracistas e revogou o apartheid. As mudanças foram decididas no governo do presidente Frederik de Klerk (de origem branca), que implementou reformas democráticas. E, em 22 de dezembro de 1993, o Parlamento (até então dominado por brancos) aprovou o projeto de Constituição, que estabelecia a democracia plena na África do Sul e o fim do apartheid (COTRIM, 2009, p.515). Em 25 de maio de 1994, após a primeira eleição com votação multirraciais, o ex-preso e ativista político Nelson Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul. Encerrando o então secular domínio político dos brancos. 13 Um continente, diversas nações Pode-se afirmar que a África é, ao mesmo tempo, mais que um país e menos que um país. Mais de cinquenta entidades territoriais, com fronteiras artificialmente criadas pela Europa passaram a levar o nome de “nação”. Todas, salvo a República Sul Africana e a Namíbia, tinham nos anos 1980 aderido a uma organização internacional denominada Organização pela Unidade Africana (OUA). Sim, a África é uma ideia, fecundada pelos sonhos de milhões de seres humanos (MAZRUI, 2010, p. 10) Ressalte-se, ainda, que o maior serviço que a Europa prestou aos povos da África não foi trazer-lhes a civilização ocidental, atualmente encurralada; nem mesmo o Cristianismo, atualmente na defensiva. A contribuição suprema feita pela Europa diz respeito à identidade africana, dom concedido sem amenidades nem intenção, o que não a torna menos real. E isso é particularmente verdadeiro já no século XX. (MAZRUI, 2010, p. 11). Mas como, então, a Europa pan-africanizou a África? De que modo pode-se dizer que o sentimento de identidade africana, experimentado pelos africanos de hoje, nasceu da interação produzida na história entre eles e os europeus? De fato, certo número de processos, ligados uns aos outros, operaram-se simultaneamente. Primeiramente e antes de tudo, há o triunfo da cartografia europeia na história científica e intelectual mundial. Foram os europeus que deram nome à maioria dos continentes e oceanos, a muitos grandes rios e lagos, bem como à maioria dos países. A Europa fixou a posição do mundo de tal maneira que chega-se a pensar o continente europeu como situado acima da África. Foi a Europa a determinadora da fixação do tempo no mundo: a hora universal se determina a partir do meridiano de Greenwich. A denominação dos trópicos de Câncer e Capricórnio também foram nomes vindos da Europa. (MAZRUI, 2010, p.11) Também, de maneira geral, foram os europeus os responsáveis por decidirem um continente do planeta e onde tinha início outro. Em relação à África, decidiram que o continente acabava no mar Vermelho e não no Golfo Pérsico. Os europeus talvez não tenham inventado a palavra “África”, mas desempenharam um papel decisivo na aplicação desse termo à massa terrestre continental por hoje reconhecida sob essa denominação. (MAZRUI, 2010, p.11) O segundo processo através do qual a Europa contribuiu para a africanização da África é aquele relativo ao racismo. O racismo manifestou-se de modo particularmente marcante na maneira pela qual as populações negras do continente foram tratadas. A humilhação e o rebaixamento de que os africanos negros foram vítimas, por razões raciais, no curso dos séculos, contribuíram a levá-los a se reconhecerem mutuamente como “irmãos africanos”. (MAZRUI, 2010, p.12) O racismo estava ligado ao imperialismo e à colonização. Foram eles os responsáveis pelo surgimento de uma identidade africana comum e forte para organizarem-se durante esse período de luta e busca pela soberania política, do movimento conhecido como pan- africanismo. Trata-se do que expressava o Tanzaniano JuliusK. Nyerere quando declarava: “Sobre todo o continente, sem que uma palavra sequer tenha sido trocada de indivíduo a outro ou de país a outro, osafricanos olhavam a Europa, observavam-se uns aos outros e sabiam que, face ao europeu, eles eram apenas um” (MAZRUI, 2010, p. 10). 14 Unidade: A luta pela soberania política A consciência negra, ao sul do Saara, constitui um aspecto da identidade africana – mas essa mesma consciência negra surgiu como uma reação à arrogância racial dos europeus. Ela atingiu a dimensão continental após a invasão da Etiópia, conforme já dissemos, em 1935. A negritude, movimento intelectual e literário, nasceu da arrogância cultural específica do imperialismo francês. Eis o pano de fundo do processo pelo qual a Europa “pan-africanizou” a África. (MAZRUI, 2010, p. 12). Cronologia da Independência da África 1846 Independência da Libéria 1957 Gana é o primeiro país da África Negra a tornar-se independente 1958 Independência da Guiné 1960 Independência do Congo Independência da Costa do Marfim Independência do Gabão Independência do Mali Independência do Niger Independência da Nigéria Independência do Senegal Independência da Somália Independência do Zaire 1961 Independência de Serra Leoa Independência de Serra Leoa 1962 Independência da Argélia Independência de Burundi 1963 Independência do Quênia 1973 Independência da Guiné-Bissau 1975 Independência de Angola Independência do Benin Independência de Cabo Verde Independência da Etiópia Independência de Moçambique Independência de São Tomé e Príncipe 1980 Independência do Zimbábue 1990 Independência da Namíbia Fonte: MAZRUI, 2010, p.128-131 15 Glossário Apartheid: termo empregado para designar a separação racial imposta aos negros pela maioria branca na África do Sul. Conferência Afro-Asiática de Bandung: o nome com o qual ficou conhecido encontro ocorrido nessa cidade da Indonésia, entre 18 e 24 de abril de 1955 e que reuniu os líderes de 29 estados asiáticos e africanos, responsáveis pelos destinos de 1,3 bilhão de pessoas. O objetivo era promover cooperação econômica e cultural de perfil afro-asiático, buscando fazer frente ao que na época se percebia como atitude neocolonialista das duas grandes potências, Estados Unidos e a então União Soviética, bem como de outras nações influentes que também exerciam o que consideravam imperialismo, ou seja, promoção indiscriminada de seus próprios valores em detrimento dos valores cultivados pelos povos em desenvolvimento. Direito de Autodeterminação Política: Direito que possui um povo/nação para se auto-organizar, estabelecendo suas normas de convivência e organização política, social, econômica e cultural de modo autônomo sem a interferência de qualquer outro ente de poder. Pode se comparar à soberania. Jihad: termo de origem árabe que significa “luta”, “esforço” ou empenho. Pan-Africanismo: é um movimento de caráter social, filosófico e político, que busca defender os direitos do povo africano através da construção de um único Estado soberano. Referendo Popular: uma forma de consulta popular sobre um assunto de grande relevância, na qual o povo manifesta-se sobre uma lei após esta estar constituída. Dessa forma, o cidadão apenas ratifica ou rejeita o que lhe é submetido em votação. Salazarismo: regime ditatorial comandando por Antonio de Oliveira Salazar, que em 1932 impôs uma nova carta constitucional com traços explicitamente inspirados nos ditames do fascismo italiano. O novo documento estabeleceu a censura dos meios de comunicação, a proibição dos movimentos grevistas e a criação de um sistema político unipartidário. 16 Unidade: A luta pela soberania política Material Complementar Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia as seguintes obras: Livros: A África na sala de aula: https://books.google.com.br/books?id=8bwx1_foaVwC&printsec=frontcover&hl=pt-br&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=true História Geral da África, VIII: África desde 1935: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000015111.pdf Ambos enriquecerão sua compreensão sobre os aspectos da descolonização e os processos de independência da África. Boa leitura! 17 Referências COTRIM, Gilberto. História global: Brasil e geral. Volume único. 9ªedição. São Paulo: Editora Ática, 2009. GOMES, Vinícius. Os minerais de “conflito” do Congo. Revista Fórum Semanal, 165ª edição de 6 de junho de 2014. HERNANDES, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à História Contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. MAZRUI, Ali A. Introdução. In: MAZRUI, Ali A.; WONDI, Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: Unesco, 2010. MAZRUI, Ali A. “Procurai primeiramente o reino político...”. In: MAZRUI, Ali A.; WONDI, Christophe. História geral da África, VIII: África desde 1935. Brasília: Unesco, 2010b. 18 Unidade: A luta pela soberania política Anotações
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