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Ayrton Mugnaini Cazuza

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Airton Página 1 28/4/2004 
Cazuza 
Ayrton Mugnaini Jr 
 
(Obra inédita para a Editora Online – BMGV Music Software Net Editora Ltda. – Rua João Moura 861 – 
São Paulo . Capital – cep: 05412-022 – (55-11) 883.6055) 
 
** Cazuza ** 
"Um Pierrô meio bossa-nova e rock and roll" 
 
Índice 
 
Prefácio 
Introdução 
"Mentiras sinceras me interessam" 
Estudo Crítico 
"Pra mim é tudo ou nunca mais" 
Cronologia 
"Eu não tenho data pra comemorar" 
As Mortes do Poeta 
"Eu vi a cara da morte e ela estava viva" 
Discografia 
"Meu canto é o que me mantém vivo" 
Composições 
"Meu fantasma guardando lugar pra amanhã" 
Regravações e Originais 
"Segredos de liquidificador" 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 1 
Airton Página 2 28/4/2004 
Músicos 
"Agora eu ando muito bem acompanhado" 
Filmografia 
"Pode seguir o teu brinquedo de star" 
Opiniões 
"Mesmo meus amigos mais canalhas me dão razão" 
Sobre o autor 
"Não há perdão para o chato" 
 
Introdução 
 
Como é bom, e como é difícil, viver sem preconceitos. A MPB e o rock 
brasileiro passaram por uma boa reformulação nos anos 80, e eu, na qualidade 
(ou defeito) de compositor do grupo Língua de Trapo, posso dizer que fiz 
parte dela. Mas, como bom (ou mau) paulistano, tive no início uma pequena 
torção nasal com relação ao contingente carioca desta nova geração de artistas. 
É certo que entre meus heróis de então e sempre estavam Noel Rosa, Mário 
Reis, Pixinguinha e muitos outros nascidos do lado "errado" da Via Dutra, 
mas no início dos anos 80 a música do Rio feita desde os anos 60 não me 
atraía tanto. A malandragem do samba dera lugar aos barquinhos e peixinhos 
da bossa-nova, e meu lado roqueiro preferia o Ira!, o Ultraje, coisas mais 
"urbanas"; mesmo a sátira da Blitz, Léo Jaime, Asdrúbal e outros me parecia 
muito "engraçadinha", não muito profunda, mais para alienada; Eduardo 
Dusek era tão bom que "nem parecia carioca", e os Titãs, ainda presos a seus 
radinhos e sorvetes, me pareciam "acariocados". 
Enfim, o tempo e a idade me ajudaram a me livrar de tais noções 
preconcebidas; hoje sei que, no fundo, não existe música carioca ou paulista, 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 2 
Airton Página 3 28/4/2004 
branca ou negra, nova ou antiga; o que existe é música bem feita ou mal feita, 
e humoristicamente correta ou incorreta. E nem precisei de muito tempo ou de 
tanta idade assim; em 1985 eu já estava colaborando no Pasquim do Rio como 
correspondente paulistano, devorando o Planeta Diário e a Casseta Popular 
(incluindo suas colaborações para a paulistaníssima Folha de São Paulo) e 
tendo a honra de composições minhas no repertório d'O Espírito da Coisa. E 
uma ou outra gravação do rock carioca me despertava o interesse, alguma 
coisa do Kid Abelha, muitas faixas (mais tarde LPs inteiros ou quase) de Lulu 
Santos. Mas o Barão me parecia um caso à parte, com seu estilo mais próximo 
do que me agradava, rock direto, simples e forte, comparável aos melhores 
grupos paulistanos, e letras que fugiam do lugar comum. Especialmente 
interessante me parecia o cantor, com nome de romance de literatura infantil 
(embora, anos depois, eu viesse a saber que era coincidência) e dicção que, 
além de fugir dos "ss" e "xx" tão típicos de sua cidade, incluía uma peculiar 
prisão de língua que, aliás, não era privilégio dele: como portador de um 
defeito similar, acabei tendo um ataque de se-ele-pode-fazer-sucesso-eu-
também-posso e me promovi de compositor para "cantautore". 
E desde 1986 assumi uma terceira faceta, a de músico da noite paulistana, 
"operário da alegria", usando contrabaixo, violão e guitarra como ferramentas. 
A primeira cantora que acompanhei ficou horrorizada com a sugestão de uma 
amiga, de que ela cantasse "Só As Mães São Felizes"; já a segunda arrasava ao 
cantar "Maior Abandonado". Em 1992, com o samba retornando de seu exílio 
das rádios, acompanhei um cantor paulista de MPB que empolgava com "Faz 
Parte Do Meu Show", "Codinome Beija-Flor" e, de quebra, "O Poeta Está 
Vivo". Paralelamente a isso, toquei num grupo de rock cujo repertório incluía 
"Bete Balanço". E meu primeiro LP acabou incluindo uma 
paródia/homenagem, "Imunologia". 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 3 
Airton Página 4 28/4/2004 
Pois bem, a oportunidade de escrever um livro sobre Cazuza foi uma boa 
diversão, tanto pelo assunto em si, como por ser mais um desafio para 
pesquisador. Afinal, quando iniciei este livro, em 1994, o Brasil ainda era o 
país onde menos se ouvia música brasileira, e continua não tendo muita 
paciência de preservar sua própria memória. O que acaba sendo mais uma 
prova de que Cazuza veio para ficar, já que ele continua sendo cantado, 
regravado e reeditado - uma espécie de versão carioca e moderna de Raul 
Seixas, compositor e intérprete que uniu a boa literatura ao em princípio 
"iletrado" rock and roll e à música popular de sua terra e sua época (para Raul 
o baião, para Cazuza a bossa-nova), dois grande compositores e intérpretes 
populares que sobrelevaram o brega e descomplicaram o chique, e que 
também se tornaram grandes personagens, pessoa e artista independentes um 
do outro (e, proporcionalmente ao tempo de carreira, Cazuza igualou-se a 
Raul em importância e repercussão). 
Mas, como eu ia dizendo, o Brasil tem dificuldades em preservar sua 
memória. Mesmo uma biografia curta e recente como a de Cazuza torna-se um 
desafio, com muitos dados errôneos ou incompletos e muitos erros e lapsos 
aceitos sem discussão. Por exemplo, o Jornal da Tarde transformou a 
"agranulocitose" (falta de grânulos que conduzem os glóbulos no sangue) que 
levou Cazuza numa "granulofitose" exclusiva (o oposto, excesso de grânulos). 
Enfim, aqui está meu livro sobre Cazuza, obviamente sem pretensões de 
esgotar o assunto, mas sim de mostrar porque sua obra permanece. Meu ponto 
de partida só poderia ter sido o livro Cazuza, do jornalista e dramaturgo 
Eduardo Duó; consultei também as entrevistas de Cazuza para as revistas 
Bizz, Veja e Manchete, além de livreto da exposição O Tempo Não Pára e de 
jornais como Folha de S. Paulo, Folha da Tarde, Jornal da Tarde. Também me 
ajudaram muito a Enciclopédia da Música Brasileira Erudita, Folclórica e 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 4 
Airton Página 5 28/4/2004 
Popular da Art Editora (Brasil, 1977), The Penguin Encyclopedia Of Popular 
Music (Inglaterra, 1990), e The Rolling Stone Illustrated History Of Rock And 
Roll (EUA, 1980), não esquecendo o livro Chega De Saudade de Ruy Castro 
(Brasil, 1991), Pequena História Da Música Popular - Da Modinha à Lambada 
de José Ramos Tinhorão (Brasil, 1991), The Brazilian Sound de Chris 
McGowan e Ricardo Pessanha (EUA, 1991), Cartola - Os Tempos Idos de 
Marilia T. Barboza da Silva e Arthur L. de Oliveira Filho (Brasil, 1993). 
Afinal, como se sabe, nenhuma cultura é compartimento estanque, e Cazuza 
nunca escondeu suas influências estrangeiras, inevitavelmente mais fortes em 
sua geração, embora ele acabasse por sobrelevá-las, justamente por ter tido tão 
raro quanto benfazejo (há quanto tempo não ouvias esta palavra?) acesso à 
MPB com MPB maiúsculos de Cartola, Nelson Cavaquinho, Maysa e Dolores 
Duran, que se tornaram parte integrante de seu estilo e ajudaram a mostrar a 
todo o Brasil que música carioca não era só cantinho, violão e Corcovado ou 
chope, batata frita e jeito de virada. 
E tive sorte de contar com pessoas que colaboraram com este livro 
diretamente, indiretamente ou mesmo sem perceber (fãs de Cazuza ou não). A 
lista tem que começar por João e Lucinha Araújo, literalmente os pais da 
criança, e pelo Spacca, grande cartunista e imitador e cazuzófilo sem o qualeste livro é melhor nem pensar, além, é claro, de Ruth Cavalcanti, fã de 
primeira hora e batalhadora de sempre; os quatro me deram a honra de 
verificar o manuscrito do livro e fazer inúmeras sugestões e corrigendas. E 
todo amor que houver nessa vida também para Sylvio Passos, Benê Alves, 
Wagner Amorosino, Cristina Azuma, Cal Moreira, Neder Abdalla, Luiz 
Tonus, Paulo Cavalcanti, Assis Ângelo, Tom Gomes, René Ferri, Albert 
Pavão, José Ramos Tinhorão, Kid Vinil, Língua de Trapo, Espaço Persona, 
Mauricio Ruella e Ovelha Negra, Fabian Chacur, Dr. Durval Fernando Tricta, 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 5 
Airton Página 6 28/4/2004 
Barão Vermelho, João Gordo, Leila Pinheiro, Dilza Mugnaini, Cynthia & Luc 
Quoniam, Fernanda Couto, Kiko Vianello, Kie Matsumoto, Adelina Bracco, 
Juliana Resende, A.S., Bogô; gravadoras Eldorado, PolyGram e Warner (nos 
bons tempos da Cássia Afonso); Márcio e Celso da Rádio Gazeta, 97 FM, 
Brasil 2000 FM; lojas Ventania, Faunus, Baratos Afins, Júpiter, Nuvem Nove, 
Sweet Jane (watashiwa nani o shimashita ka? Moitido!), Cláudio, Zé Ferreira 
e todo mundo da Feira do Bexiga, e pode haver outros nomes, que protejo por 
amor, mas não lembro por falha momentânea mesmo. 
A.M.J. 
abril de 1997 
 
 
Estudo Crítico 
 
Já faz sete anos que o cidadão Agenor tomou seu trem para as estrelas, após 
uma passagem breve porém rica em folclore e peripécias, mas o poeta Cazuza 
continua vivo, e o melhor de sua obra ainda faz parte do show de muita gente 
boa. Nada mau para um artista popular num país de pouca memória e muitos 
rótulos. Além de ser honrosa exceção entre cantores, cuja fama, segundo a 
ilustre frase de Tinhorão, "acaba um dia após a morte", Cazuza, embora 
surgido como um dos tantos roqueiros dos anos 80, conseguiu transcender o 
rótulo de "roqueiro". Nada contra alguém ser roqueiro, claro, mas Cazuza 
também era fã de MPB, da qual se tornou ídolo. 
Para mim, Cazuza já haveria de ficar na história só por um de seus hits, 
"Faz Parte Do Meu Show", uma bossa-nova sem disfarces, embora com sabor 
moderno, que se destacou entre os roquinhos e baladonas de 1988 como a 
proverbial flor que surge das fendas do asfalto. Façanha esta que considero 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 6 
Airton Página 7 28/4/2004 
impossível de se exagerar, porque ela mesma já foi um exagero, e até 
mereceria um livro para si. Afinal, talvez os anos 80 tenham sido o pior (ou 
menos ótimo) período por que passou a MPB, o que valoriza ainda mais esta 
poreza (uma entre outras, conforme veremos mais tarde) de Cazuza. Senão, 
ouçamos. 
Por MPB, entenda-se não somente "Música Popular Brasileira", mas 
principalmente - e em princípio - toda a música popular feita no Brasil que não 
seja rock. Ou seja, por exemplo, Roberto Carlos, apesar de figura central do 
ié-ié-ié, pode ser considerado, em retrospecto, como MPB, por temperar seus 
rocks e baladas com sambas, toadas, bossa-novas e até fox-trotes à brasileira 
("Amélia" de Ataulfo/Mário Lago; "Ternura Antiga" de Dolores Duran; "Meu 
Pequeno Cachoeiro" do conterrâneo Raul Sampaio; suas próprias "João E 
Maria" e "Vista A Roupa, Meu Bem"); até "Quero que Vá Tudo Pro Inferno", 
com todos seus órgãos elétricos, guitarras idem e rebeldia "infernal", era 
sustentada por uma batida de bossa-nova. (Raízes do verdadeiro rock 
brasileiro, em oposição ao rock simplesmente feito no Brasil, mesmo que com 
qualidade, a partir de modelos estrangeiros.) Mas quando surgiu, no semestre 
de 1965, o rótulo MPB designava a fusão de bossa-nova, jazz e velha guarda 
(ou seja, o samba tradicional) praticada por artistas como Elis Regina, Edu 
Lobo, Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Jorge Ben (antes do Jor), o Zimbo 
Trio, Nara Leão, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria 
Bethania... enfim, todos os que não fossem bossanovistas ou jazzistas 
ortodoxos e que não fossem exatamente fãs de ié-ié-ié, que, apesar do nome 
abrasileirado, tinha bem nítidas suas origens no "yeah,yeah,yeah" dos Beatles 
e, portanto, não combinava com os ideais nacionalistas da MPB. A qual 
chegava a promover passeatas contra a guitarra elétrica e a promover festivais 
de samba com frases como "Queremos ver os Beatles pelas costas". 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 7 
Airton Página 8 28/4/2004 
Realmente, nada de muito "politicamente correto", como se diria hoje; para 
usar um adjetivo também pouco PC, muitos MPBzeiros mais radicais 
aparentavam ser verdadeiros xiitas. 
Mas só aparentavam. Uma das comparações mais felizes que já vi na vida é 
a de Ruy Castro, que em seu livro Chega De Saudade define a MPB como 
"uma espécie de irmã menor do MDB" e que, "não muito por acasso, começou 
na mesma época". O MDB, Movimento Democrático Brasileiro, foi criado 
pelos militares como uma "Arena do B", para contentar políticos que não 
quisessem (ou para os quais não fosse muito conveniente) se filiar ao partido 
do governo, a Aliança Renovadora Nacional. Quem votou no período de 1965 
a 1982 costumava saber (mas não dizer em voz alta) que escolher entre 
candidatos da Arena do MDB era como decidir entre mandioca ou aipim. Se a 
Arena era temida como o partido dos milicos, o MDB era um excelente abrigo 
para o proverbial cidadão liberal que prega a democracia e o sacrifício mas 
cujo maior alívio é não ter que desistir de seus dois carros. Você sabe, aquele 
cidadão que diz ser necessário mudar tudo sem mexer em nada, o pequeno 
burguês que gosta de tudo diluído, com muitos sonhos e pílulas douradas, que 
se considera avô do socialismo só porque seus filhos foram "carapintadas" em 
1991, e que pode até achar este livro muito bonito, mas experimente perguntar 
a ele sobre este parágrafo e ouvirá as frases imortais, "Deus me ajudou" ou 
"Vamos mudar de assunto". (Não é a toa que a maior mudança por que passou 
o MDB foi a sigla, para PMDB.) 
É claro que, como já dizia o Pasquim, MPB é sempre melhor que MDB. 
Radicalismos e estrangeirismos à parte, a primeira fase da MPB, até mais ou 
menos 1970, teve muitos ótimos artistas e momentos. Por exemplo, Wilson 
Simonal, ao contrário do que aparenta aos olhos de hoje, não foi apenas o 
protótipo de garoto-propaganda da Brahma, usando o dedo para reger platéias 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 8 
Airton Página 9 28/4/2004 
que com ele cantavam "Meu Limão, Meu Limoeiro" num arranjo sacundim-
brega ou para, ao que consta, apontar determinados súditos rebeldes durante a 
dinastia dos Médici; melhor é lembrarmos dele por suas interpretações cheias 
de balanço e improvisos, embora um tanto "americanizadas" demais, em 
gravações como "Garota Moderna" (Evaldo Gouveia/Jair Amorim) ou "Nanã" 
(Moacir Santos/Mário Telles). Enfim, escolher os melhores da MPB é questão 
de gosto pessoal, e opções não faltam. 
Mas, como diz o poeta, há sempre um "mas". A índole pacífica e 
versatilidade do brasileiro acabaram, como sói acontecer (gostaram?), caindo 
no exagero, e as influências estrangeiras passaram a ser influentes demais. O 
rock and roll, surgido nos EUA em 1954 como uma fusão branca de country, 
jazz e rhythm & blues, foi bem divulgado - e quase sempre bem aceito - em 
todo o mundo. No início, era apenas um ritmo a mais, ao lado do baião, da 
polca, do bolero e tantos outros. No Brasil, como em outros países, o rock 
pegou pelas mãos e vozes de artistas não-roqueiros: Nora Ney lançou o 
primeiro disco, "Rock Around The Clock", em 1955, e o primeiro rock de 
compositor brasileiro a chegar ao disco foi "Rock And Roll Em Copacabana", 
de Miguel Gustavo (famoso por sambas irônicos como "E Daí? (Proibição 
Inútil e Ilegal)", hit com Isaurinha Garcia, marchinhas como "Fanzoca De 
Rádio" e "Brigite Bardot" e patriotices como"Pra Frente Brasil"), rock este 
lançado por Cauby Peixoto, ele mesmo, professor, em maio de 1957. Apesar 
de Juca Chaves cantar já em 1960 que "o rock and roll nesta terra é uma 
doença", é bom lembrar que não faltavam antídotos. O hit-parade brasílico, 
como o norte-americano, ainda era território livre e democrático, e assim 
permaneceu por algum tempo, até daqui a algumas linhas. 
Pelas ruas brasileiras de 1964/65 os rádios gemiam, as lojas de discos 
bradavam e os passantes assobiavam compactos tão diversos quanto "Garota 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 9 
Airton Página 10 28/4/2004 
De Ipanema" de Tom/Vinícius, com Pery Ribeiro, "Dominique" da freira 
belga Soeur Sourire, "Pau-De-Arara" de Lyra/Vinicius com Ary Toledo, 
"Help!" dos Beatles, "La Bamba" com Trini Lopez, "Ti Guarderò Nel Cuore" 
com Riz Ortolani (compare esta com "Kid" dos anglo-americanos Pretenders, 
de 1980, para ter uma idéia do seu sucesso), "A Taste Of Honey" com Herb 
Alpert, "Zorba, O Grego" com Mikis Theodorakis, o folk-rock de protesto 
"Eve Of Destruction" com Barry McGuire, "La Mamma" de e com Charles 
Aznavour, além de variações européias do twist como "Letkiss" e La Yenka" e 
das novidades da Jovem Guarda e da MPB com Elis, Roberto e suas turmas. 
Havia discriminações e "igrejinhas", mas era possível escolher de um cardápio 
até que bem variado, com o bônus extra de às vezes pular do rádio um Zimbo 
Trio ou um Yardbirds. E as tribos rivais da MPB e da Jovem Guarda tentavam 
ocasionais aproximações, como quando Silvinha Telles gravava "Não Quero 
Ver Você Triste" ou Gil e Caetano perderam o medo das guitarras elétricas e 
do rock o suficiente para inaugurar o Tropicalismo. 
O engraçado é que, com o tempo, a MPB e o governo sempre trafegaram a 
estrada daa democracia em sentidos inversos. O aperto do AI-5 não impediu 
que muitos dos melhores astros da MPB, como Chico ou Caetano, 
continuassem produzindo com qualidade, ainda que exilados e/ou censurados. 
Mas esta mesma censura acabou por atrapalhar e intimidar a fluência de MPB 
de qualidade em grande escala, além dos já proverbiais desvios de verbas 
(afinal, o Brasil sempre foi um país politicamente corrupto) incluírem uma 
descoberta "fenomenal" das gravadoras: para quê gastar dinheiro com 
estúdios, fitas ou promoção de artistas brazucas, se era bem mais prático e 
econômico recéber uma matriz estrangeira prontinha para lançar? Com tudo 
isso, a balança começou a se desequilibrar em favor da música estrangeira - ou 
melhor, a pior música estrangeira, de consumo imediato e prazo de validade 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 10 
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não muito amplo - , e o brasileiro acabava ou caindo fora do Brasil ou 
aderindo aos modismos, até gravando em inglês. (Para os adolescentes, a 
tragédia era ainda maior, segundo resumiu Cazuza: "A minha geração não 
podia falar, então a única maneira que a gente de ir contra aquilo era se 
drogando.") 
Por volta de 1979/80 a MPB já havia cooptado o rock (ou vice-versa), mas 
a "fusion" rock-MPB que as rádios mais tocavam não era a fusão espontânea 
ou bem-pensada de um Raul Seixas ou um Tom Zé, mas sim rocks de astros 
da MPB ("Eclipse Oculto" de Caetano, "Realce" de Gil), com o rock e a MPB 
usando os efeitos de apelo mais fácil um do outro. Do Nordeste, o Sul mal 
ouvia Marinês ou Jackson do Pandeiro, preferido diluições sem muita proteína 
de Beatles ou Dylan, com muitas guitarras elétricas e uma pitada de sotaque 
nordestino, ou seja, rock e MPB feitos para quem não gostava de rock e MPB. 
Eram os Ramalhos preparando o terreno para os Maltas. Enquanto isso, 
universitários mais radicais faziam o que podiam para se "purgarem" de tanta 
imposição cultural ianque - ou melhor, de tanto mau uso e pouco 
discernimento de influências estrangeiras. O fim dos anos 70 trouxe o que se 
convencionou chamar de "abertura democrática", mas não faltava quem 
condenasse os Beatles como "americanos" e achasse Zé Ramalho o máximo - 
resquícios do bem-intencionado porém paternalista CPC, Centro Popular de 
Cultura, movimento surgido em 1964 por onde Carlos Lyra, Billy Blanco e 
outros procuravam conscientizar o povo, reprovando estrangeirismos como 
gilete e coca-cola e criticando a "alienaçon", mas não esquecendo os acordes 
"estrangeiros" da bossa-nova ou mesmo a balada-rock-doo-wop. Para mim, o 
CPC só faltava elogiar o vegetarianismo comendo um big-mac. 
Um dos conselhos mais sábios e menos seguidos é "nunca tome o caminho 
mais fácil". Cazuza, como já dissemos, pode ter surgido como roqueiro, mas 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 11 
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foi um dos poucos que tinham plena consciência de que nem tudo era só rock - 
nem mesmo o próprio rock, o gênero musical mais aberto a influências 
externas, o que ajuda a explicar ter sido ele o genêro mais influente em todo o 
mundo. O rock, também como já dissemos, começou sua dominação mundial 
em 1955 - mais precisamente em 9 de julho, quando "Rock Around The 
Clock", gravada por Bill Haley um ano antes, emplacou o primeiro lugar no 
hit-parade norte-americano. Nosso amigo Agenor, portanto, já bebia rock and 
roll na mamadeira, não sendo "culpado" por "escolher" o rock anos mais tarde. 
E veja só: "Rock Around The Clock" foi gravada em 12 de abril de 1954, 
quase exatamente quatro anos antes da chegada de Agenor. Realmente, 
Cazuza estava predestinado a ser roqueiro. Só que justamente no mês e ano de 
seu nascimento, abril de 1958, foi lançado nada menos que o LP que hoje é 
reconhecido como nada menos que o primeiro disco de bossa-nova: Canção 
Do Amor Demais, de Elizeth Cardoso, com músicas de Tom e Vinicius e o 
violão ainda anônimo porém já característico de João Gilberto; uma das 
faixas, "Chega De Saudade", foi também o primeiro hit de João, alguns meses 
mais tarde. (Curioso é que João regravou Lobão mas não Cazuza, embora este 
tenha composto em parceria com sua filha, Bebel Gilberto.) 
Não é à toa que Cazuza se definiu como "meio bossa-nova, meio rock and 
roll". E quando "Faz Parte Do Meu Show" foi lançada, em 1988, estava 
completado o ciclo que mencionamos parágrafos atrás, sobre o governo e a 
MPB andarem em sentidos opostos: jornais, televisão e discos estavam uma 
permissividade só, mas todo e qualquer artista brasileiro (inclusive os grupos 
heavy mais radicais que gravavam em inglês) era chamado de MPB. 
Pois é, falamos em permissividade, que muita gente confunde com 
liberdade; fazer o que se quer não é fazer o que dá na telha. O primeiro Rock 
In Rio, em 1985, misturando Kid Abelha, Ivan Lins e Elba Ramalho a alguns 
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roqueiros, realizado em janeiro (visando competir frontalmente com o 
carnaval, como bem repara Tinhorão), foi o que faltava para que o rock - ou 
melhor, algumas de suas características mais óbvias e estereotipáveis - 
tomasse conta do Brasil de uma vez. E no ano seguinte veio outro golpe, 
vindo, embora indiretamente, de quem menos muita gente esperava: Tom 
Jobim, que autorizou um arranjo pop-rock dos menos imaginativos para 
"Águas De Março" (cabe aqui outro parêntese de Tinhorão: "Águas De 
Março" tem mais que uma ligeira semelhança com a toada folclórica "Águas 
Do Céu", portanto "Jobim vendeu o folclore".) Enfim, a década de 80 expirou 
com a MPB e o rock tão distintos entre si quanto Coca e Pepsi. 
A todo-poderosa Rede Globo de Televisão também não ajudou muito. Foi 
ela quem promoveu o último festival de música televisionando de grande 
repercussão (malgrado a tentativa da Record em 1992), o "Festival dos 
Festivais" em 1985. Apesar de algum ecletismo nas concorrentes, a maioria 
era pop-rock, e a emissora, emboranão proibisse os sambas, chorinhos e 
bossas-novas incluídas entre as concorrentes, cometeu um ato falho ao montar 
o palco "como um show de rock", como já admitiam os press-releases do 
evento. Pelo menos o "Festival dos Festivais" teve o mérito de revelar 
nacionalmente grandes nomes dos anos 80, embora nem todos defendessem 
músicas tão boas quanto mereceriam (será que "Escrito Nas Estrelas" ou "Os 
Metaleiros Também Amam" motivaram alguém a ouvir outras gravações de 
Tetê Espíndola ou do Língua de Trapo?) Uma das poucas boas canções desse 
festival foi também, pelo que posso me lembrar, o único sucesso realmente de 
MPB e de qualidade desse período, além de "Faz Parte Do Meu Show": 
"Verde", do Eduardo Gudin/J.C.Costa Netto, que revelou Leila Pinheiro. E, no 
mesmo LP em que incluiu "Verde", Leila também gravou Cazuza, "Todo 
Amor Que Houver Nessa Vida". 
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Leila é realmente uma cantora sem preconceitos, e os compositores que 
gravou são dos mais diversos: Guinga, o francês Erik Satie (1866/1925), 
Walter Franco, Bôscoli/Menescal, Chico Buarque. Dos "roqueiros", Leila 
favoreceu Cazuza e Renato Russo; como explicou a este que vos escreve, "o 
forte em Cazuza e Renato é a poética". Por sinal, Cazuza adorou quando 
Renato e o Legião surgiram para o grande público em 1984/5: "Pô, o Renato é 
melhor que, eu ele faz a mesma coisa que eu quero fazer... Comecei a sair da 
dor-de-cotovelo e resolvi falar do Brasil também." 
Mas é impossível falar de Cazuza sem esse seu lado "dor-de-cotovelo", 
desbragadamente romântico, a um passo do se-cantar-o-amor-é-ser-brega-
então-eu-sou-brega. A obra de Cazuza mostra um romântico nos dois sentidos 
do termo, tanto o amor como temática predominante ("Eu queria fazer uma 
música sem o menor espírito crítico, tipo Roberto Carlos, assim, sabe: 
'Acorda, meu amor, eu te amo.'") quanto a escola estética do século XIX 
caracterizada pelo lirismo e pelo individualismo; o que importa é a visão 
pessoal do mundo e das coisas. Até que Cazuza chega perto de Raul Seixas 
como um dos compositores que mais falaram na primeira pessoa; "Eu vi a cara 
da morte/ e ela estava viva" ("Boas Novas"), "Eu mereço um lugar ao 
sol/ganhar pra ser/carente profisional" ("Carente Profissional"), "Meu canto 
redime meu lado mau" ("Quando Eu Estiver Cantando"), "Todo mundo tem 
um ponto fraco/ Você é o meu, por que não?" ("Ponto Fraco"), "Não me 
convidaram pra essa festa pobre/que os homens armaram pra me convencer" 
("Brasil"), "Me ame como a um irmão/Mentiras sinceras me interessam" 
("Maior Abandonado"), "Pobre de mim que vim do seio da burguesia" 
("Burguesia"), "Jogado a seus pés/Eu sou mesmo exagerado" ("Exagerado"), 
"Descerebrem-se, celebrem/eu tô aqui pra animar" ("Rock Da 
Descerebração"), "Tudo em nome do amor/ Essa é a vida que eu quis" ("Pro 
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Dia Nascer Feliz"), "Tomei champagne e cicuta/ com ccomentários 
inteligentes/ mais tristes que os de uma puta" ("Só As Mães São Felizes"), 
"Gosta de ouvir Lulu Santos/ e acha o Cazuza um anjo" ("A Garota De 
Bauru")... 
Cazuza deu sua contribuição para tentar limpar não só a MPB, mas também 
o rock brasileiro, dos maniqueísmos, cacoetes, primarismos e fórmulas gastas, 
tanto na forma quanto na temática. Antes dele. o músico popular só podia 
cantar o amor, o protesto (político ou social, velado ou explícito) ou, 
raramente, jogos de palavras que no fundo eram apenas suporte para a 
melodia, seguindo a estética música-pela-música. Cazuza fugiu da banalidade 
chopp-batata-frita e ao mesmo tempo tirou dos roqueiros a vergonha de cantar 
eu-te-amo. Os bossanovistas tinham como missão na vida abolir o samba-
canção dos anos 50; Cazuza o recuperou, mas purificado dos exagerados 
melodramáticos e "bregas": "Eles, sim, eram exagerados, eu não", afirmou, 
"minhas músicas todas têm uma coisa criticando isso." 
O samba-canção é uma das maiores influências de Cazuza desde a infância, 
quando ele visitava a coleção de discos dos pais, e as regravações de clássicos 
do genêro feitas nos anos 70 por Caetano, Bethania e outros ajudaram muito. 
Na verdade, o rótulo "samba-canção" já era usado desde os anos 20, para 
designar o samba onde o mais importante era a melodia, um samba mais para 
ser cantado do que dançado; um dos exemplos mais ilustres (e talvez o mais 
antigo) é "Linda Flor (Ai Ioiô)", de Henrique Vogeler/Luiz Peixoto. Foi nos 
anos 50 que o samba passou a ser cantado com andamento cada vez mais 
lento, dando-lhe semelhança com o bolero, ritmo ideal para expressar fossa, 
grande paixão, dor-de-cotovelo. Os grandes mestres deste novo samba-canção 
são Lupicínio Rodrigues (1914/1974), Dolores Duran (1930/1959) e Antonio 
Maria (1921/1964). Lupicínio deixou "Felicidade ("Felicidade foi-se embora/e 
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essa saudade no meu peito ainda mora"), "Ela Disse-Me Assim" ("E o remorso 
está me torturando/por ter feito a loucura que fiz") e "Nervos De Aço" ("Você 
sabe o que é ter um amor, meu senhor/ter loucura por uma mulher/e depois 
encontrar esse amor, meu senhor/nos braços de um outro qualquer"). São de 
Dolores "Castigo" ("a gente briga/diz tanta coisa que não quer dizer/briga 
pensando que não vai sofrer"), "Fim De Caso" ("Eu desconfio que o nosso 
caso/está na hora de acabar/há um adeus em cada gesto/em cada olhar") e 
"Ternura Antiga", regravada como dissemos, por Robertão ("vivo só porque te 
espero/ai, esta amargura, esta agonia"). Agora, Antonio Maria deve ter sido o 
campeão da autopiedade; peça ao garçom um gim com arsênico para ouvir 
"Ninguém Me Ama" ("Ninguém me ama, ninguém em quer/ninguém me 
chama de meu amor"). "Canção Da Volta" ("Nunca mais vou fazer/o que meu 
coração pedir... o coração fala muito e não sabe ajudar") e "Se Eu Morresse 
Amanhã" ("não faria falta a ninguém"). Esta escola blues dark de MPB 
motivou, além de Cazuza, grandes precursores da bossa-nova como Maysa, 
Tito Madi, Jamelão e Agostinho dos Santos; e, com tanto baixo astral, às 
vezes é fácil de esquecer que Lupiscínio, Dolores e Antonio Maria também 
tiveram momentos leves e alegres como, respectivamente, "Se Acaso Você 
Chegasse", "A Noite Do Meu Bem" e "Manhã De Carnaval". 
A bossa-nova, música de jovens vivendo todo o otimismo do pós-guerra 
nos anos 50, foi totalmente avessa a tais exageros derrotistas, mas seu 
otimismo a fez cometer seus próprios exageros, aquela saraivada de 
diminutivos e a inflexão vocal apelidada por um crítico de "afônica". Estes são 
outros riscos que Cazuza conseguiu evitar. E, por sinal, seu estilo como cantor 
no início nada tinha de afônico, pelo contrário, ele gritava ("era para me 
defender"). Alguns críticos não gostaram, nem ele próprio, até que por volta 
do LP Ideologia resolveu tomar aulas de canto e empostação vocal; "Já que 
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estou num palco e as pessoas pagam pra me ver, então eu tenho obrigação de 
melhorar". Virou folclore sua autocrítica, quando chegava a impedir que 
ouvissem seus discos em sua presença e, se não conseguisse impedir, ficava se 
criticando o tempo todo, "errei, desafinei, podia ter feito melhor..." Tanta 
autocrítica era contrabalançada quando Cazuza encontrava algum de seus 
ídolos cantores, como Ângela Maria ou Elza Soares - consta que, sempre que 
encontrava Elza, fosse onde fosse, inclusive na rua, Cazuza não hesitava em se 
ajoelhar e lhe beijar os pés. Sim, ele era mesmo exagerado. 
E é pena que Cazuza, pelo menos ao que me consta, não tenha conhecido 
pessoalmente outro de seus ídolos e seu grande xará, Agenor(nascido 
Angenor) de Oliveira, ele mesmo, o Cartola (1908/1980), talvez o melhor 
compositor dos morros cariocas, cujas letras emocionadas e melodias quase 
sempre avessas a clichês surpreendem até hoje. Tal como Cazuza, Cartola foi 
dono de uma inspiração que nem a doença fatal conseguiu abater ou impedir 
que ele gravasse quase até o fim da vida (no caso de Cartola, foi um câncer 
que ele simplesmente não se preocupou em operar; é pena, quem sabe ele 
chegasse a nossos dias, mas enfim...). Após os remorsos e amarguras do 
samba-canção e os barquinhos e peixinhos da bossa-nova, experimente os 
versos de Cartola, em amostras de 1993 a 1979: "Para ter uma companheira/ 
até promessas fiz/consegui um grande amor/mas eu não fui feliz/E com raiva 
para os céus/os braços levantei/blasfemei" ("Sim"); "A sorrir eu pretendo levar 
a vida/Pois chorando/eu vi a mocidade perdida/Finda a tempestade/o sol 
nascerá/finda esta saudade/hei de ter outro alguém para amar" ("O Sol 
Nascerá"); "Você também me lembra a alvorada/quando chega 
iluminando/meu caminho tão sem vida" ("Alvorada"); "Tive, sim/outro grande 
amor antes do teu (...) mas comparar com teu amor seria o fim/eu vou 
calar/pois não pretendo, amor, te magoar" ("Tive, Sim"); "Vem/tudo é belo 
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por onde eu passei/será onde eu passar/Vem/ao meu lado eu sei/vais sorrir, 
vais cantar/Não me convence essa tua tristeza/Vem/há um Deus/há uma 
natureza" ("Vem"). Não esquecendo, claro, "O Mundo É Um Moinho", 
regravada por Cazuza; e podemos lembrar ainda "Ensaboa", lançada em 1975 
por Clementina de Jesus e que mereceu um interessante arranjo reggae no 
segundo LP de Marisa Monte. É esta, para mim, a distinção entre as letras de 
Cartola e as do samba-canção: Cartola blasfema, queixa-se às rosas, reage 
contra o sofrimento, em vez de se conformar com ele. 
Como todo bom brasileiro, Cazuza não escapou de influências estrangeiras, 
mas soube filtrá-las, preferendo a literatura beat dos anos 50 de autores como 
Jack Kerouac (de quem Cazuza tomou emprestados os versos "Minha vida que 
não me ama, minha amada que não vai me amar: seduzo as duas" na 
contracapa do LP Só Se For A Dois e o verso "Só as mães são felizes" para 
sua famosa ccomposição deste título, onde Cazuza inclusive cita outro ilustre 
poeta beat norte-americano, Allen Ginsberg), a fossa jazzística da cantora 
Billie Holiday (1915/1959), a pioneira do blues Bessie Smith (1894?/1937) e o 
rock and roll que conheceu melhor ao visitar Londres aos 17 anos, sendo seus 
preferidos Janis Joplin (1943/1970, que ele até citou em "A Garota De 
Bauru"), os Rolling Stones e o Led Zeppelin. Não é à toa que Cazuza compôs 
blues ("Blues Da Piedade") e se notabilizou num grupo de rock, o Barão 
Vermelho, opção melhor que as drogas para se enfrentar a repressão brasileira 
dos anos 70, como ele mesmo admitiu: "Eu fui salvo pelo rock." 
Por falar em rock, Cazuza foi muito comparado a Lou Reed, grande 
retratista do submundo, e penso que ele merece outra comparação bem 
interessante. Ele é o equivalente brasileiro de outro ilustre letrista e cantor do 
rock, Jim Morrison (1943/1971), o famoso vocalista dos norte-americanosThe 
Doors. Digo mais: acho que Cazuza superou Morrison em muitos aspectos. 
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Antes que você, caro(a) fã dos Doors, exerça sua liberdade de expressão e 
escreva para a editora me vilipendiando, vejamos: 
1) Ambos eram filhos únicos bem-nascidos. Cazuza, como se sabe, é filho 
de João Araújo, diretor artístico de gravadoras, trabalhando em várias desde 
1953 ("passei por todas as funções de uma gravadora", diz) até fundar a Som 
Livre em 1969, tendo ajudado a revelar Gil, Caetano, Tom Zé, Carlos Lyra, 
Ronnie Von e mil outros, e de Lucinha Araújo, cantora bissexta ("minha 
carreira é restrita, tipo de dona-de-casa que não tem o que fazer", brinca), com 
três LPs gravados (incluindo um tema da novela Sol De Verão, "Tal Qual Eu 
Sou", de Vital Lima/Herminio Bello de Carvalho, e que, lançado também em 
compacto, inclui no lado-B um belo dueto com Cauby Peixoto em "Falando 
De Amor" de Tom Jobim). Jim Morrison, também como se sabe, é filho do 
contra-almirante George Steve Morrison. A diferença entre Cazuza e Morrison 
é que o mundo demorou para saber do pedigri deste último; o primeiro press-
release dos Doors dá os pais de Jim como "mortos". De fato, não era 
conveniente para a imagem de um cantor tão rebelde ter pais tão ilustres. Só 
que a atitude de Jim, de fingir ser órfão, está aberta a opiniões diferentes; para 
uns é rebeldia, e para outros, nada mais que uma fuga cômoda do problema 
que era um roqueiro rebelde ter pais respeitáveis - lembra-se do que falamos 
sobre "seguir o caminho mais fácil"? Ao passo que Cazuza não só assumiu 
publicamente os pais - afinal, ser bem-nascido não foi culpa dele - como ainda 
fez a famosa transição: no começo ele era filho de João e Lucinha Araújo; no 
fim, eles passaram a ser pais de Cazuza. Isto é mais do que pode ser dito de 
Julian Lennon, Dweezil Zappa, Ataulfo Alves Jr. ou Neusinha Brizola. 
2) Ambos soltaram o Édipo, pelo menos em discos. Jim Morrison, você 
sabe, fê-lo em "The End": "Papai, sim, filho?, quero matá-lo, mamãe, eu 
quero... aaahhhh!!" Cazuza, você também sabe, atacou em "Só as Mães São 
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Felizes": "Você (...) nem quis comer a tua mãe". (Ah, sim, ambas também 
falam de amigos traídos: "This is the end, my only friend..."; "Você nunca 
traiu o teu melhor amigo...") Mas enquanto fica no ar a dúvida sobre as 
intenções de Morrison, se ele estava falando ou não a sério (como disse o 
crítico Lester Bangs nos anos 70, "a última vez que ouvi "The End", soou 
engraçada. (...) a visão de "Rei Lagarto" costumava ser mórbida da maneira 
mais óbvia possível, e, portanto, barata."), Cazuza também dá margem a 
dúvidas, mas de forma bem mais (intencionalmente) divertida, como chegou a 
declarar numa entrevista, ao ser perguntado justamente sobre "Só as Mães São 
Felizes" e sua porção edipiana. Além de dizer que faria sexo não só com sua 
mãe mas também com seu pai, Cazuza ainda brincou: "Apesar de meu pai e 
minha mãe ainda serem bem desejáveis, eles não correm o menor risco 
comigo. Eu gosto de broto, pra mim 25 anos já é velho." 
3) Ambos trouxeram para o rock letras de estilos até então inéditos no rock: 
Cazuza e sua temática de samba-canção, e Jim com suas influências do poeta 
francês simbolista, decadente e porra louca Arthur Rimbaud (1854/1891) e do 
grande escritor e poeta visionário inglês William Blake (1757/1827). Aliás, o 
modo de vida anárquico de malucos como estes pode ser definido como puro 
rock and roll "avant la lettre". 
4) Ambos se notabilizaram em grupos de rock com muita influência de 
rhythm & blues de segunda mão e rock inglês. O Barão Vermelho, não é 
segredo algum, sempre adorou os Stones, e os Kinks eram o grupo inglês 
preferido de Jim Morrison. E tanto Cazuza quanto Morrison deixaram seus 
grupos, mas ambos os brasileiros saíram ganhando, ao passo que Morrison 
não teve tempo para uma carreira-solo e os Doors não deram muito certo sem 
ele. 
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5) Ambos foram eméritos porraloucas, experimentando de tudo em matéria 
de sexo, drogas e rock'n'roll. Só que hoje em dia é difícil saber ao certo se a 
arrogância de Morrison era ou não a sério ("Eu sou o Rei Lagarto/eu posso 
fazer qualquer coisa/posso fazer a terra parar"), ao passo que Cazuza consegue 
ser positivo em sua loucura ("eu não posso causar mal nenhum/a não ser a 
mim mesmo"). Eambos, infelizmente morreram cedo, Morrison aos 27, 
Cazuza aos 32. 
A impetuosidade de ambos no amor traduziu-se em música. Morrison 
cantou "Alô, eu te amo/você não vai me dizer teu nome?" em "Hello, I Love 
You", e Cazuza pediu "Quero alguém pra ter do meu lado... quero alguém/não 
sou exigente" em "Eu Quero Alguém". (Curiosamente, já que Cazuza era fã de 
velha guarda - e os Doors gostavam de nossa bossa-nova a ponto de usarem 
sua batida em "Break On Through", "Light My Fire" e outras -, vale lembrar 
que Ismael Silva, por exemplo, já havia usado o mesmo tema em sua "Me 
Diga Teu Nome", de 1932: "Tens um olhar que me consome/Por caridade, 
meu bem, me diga teu nome".) 
6) E nenhum dos dois poderia deixar de fazer alguns escandalozinhos em 
pleno palco. Só que os do pobre Morrison foram bem mais descontrolados e 
patéticos, como quando ele contou à platéia que ele e uma garota haviam sido 
intimidados pela polícia no camarim (tudo bem ser contra a repressão, mas 
tem jeito e hora pra tudo, né?), ou melhor ainda, quando ele, caindo de 
bêbado, perguntou à casa cheia "You wanna see my cock?" e mostrou seu 
pingolim por alguns segundos. Cazuza, além de ocasionalmente mostrar o 
traseiro (o que já era quase "de rigueur" em shows de rock nos anos 80), foi 
muito mais emocionante ao cuspir na bandeira nacional que lhe atiraram no 
palco ao cantar "Brasil". "Fiz de propósito, o cara que me jogou a bandeira era 
um ufanista." 
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Se o Rei Lagarto podia "fazer tudo", Cazuza também: "É tudo permitido no 
palco, depende de seu público gostar, porque se ele não gostar ele te 
apedreja... Eu só faço loucuras no palco quando o público está nas minhas 
mãos, quando eu sei que posso fazer qualquer coisa que eles vão adorar, como 
adoraram eu ter cuspido na bandeira. Foi o meu show mais aplaudido no 
Canecão." 
Interessante é que, ao contrário do que pareceu para muita gente (inclusive 
este que vos escreve), a impunidade de Cazuza por ter cuspido na bandeira 
ocorreu pela liberação dos costumes e não em função da doença, que ele já 
contraíra, mas só assumiria publicamente quatro meses depois do episódio. 
Cazuza teve mais sorte e mais compostura que a maioria dos roqueiros; 
embora mais da metade das notícias publicadas a seu respeito fale diretamente 
de sua enfermidade, note que esta porcentagem é bem favorável à sua obra - 
quase a metade -, ao passo que astros como Madonna, Michael Jackson e Elba 
Ramalho, para citarmos apenas três exemplos, têm sido bem mais lembrados 
por travessuras extramusicais. 
Já se passaram mais de dez anos da divulgação dos primeiros casos da 
síndrome de imuno-deficiência (Aids), uma doença realmente zen, que não é 
uma doença em si, mas que leva a todas as outras. Cazuza foi uma dentre 
outras poucas vítimas do mundo do rock que pipocavam no noticiário 
internacional, como o alemão Klaus Nomi e o português António Variações, 
até Freddie Mercury (1946/1991), vocalista do grupo inglês Queen, tornar-se o 
primeiro superstar do rock a sucumbir à dita. Tanto Freddie quanto Cazuza 
sabiam do preconceito que rotulava a Aids como exclusiva de homossexuais 
(ambos eram "bi" assumidos) e demoraram para assumir publicamente que 
haviam sido vitimados (Freddie, aliás, esperou praticamente até as vésperas de 
sua morte, porém ainda o suficiente para mostrar dignidade em lutar contra a 
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doença até o fim). Mas, olhando as coisas em perspectiva, a morte de Cazuza, 
embora triste, prematura e lamentável, foi natural. Afinal, Cazuza foi um 
exemplo de artista que seguiu à risca o existencialismo, viveu-como-quis-e-
morreu-como-quis. Sua Aids foi seu equivalente da tuberculose que levou 
Noel Rosa (1910/1937), ou as complicações hepato-pancreáticas que 
vitimaram Raul Seixas (1945/1989), ou a infinidade de complicações 
digestivas e circulatórias em que culminaram os excessos alimentares e 
farmacêuticos de Elvis Presley (1935/1977), sem falar no já citado Jim 
Morrison. E para falarmos somente de Brasil, a coragem de Cazuza em 
admitir sua Aids era quase inédita, num país em que a culpa pelo que há de 
errado é sempre dos outros. Pode reparar: aqui no Brasil, Cazuza é "o único 
roqueiro com Aids", do mesmo jeito que, até bem recentemente (quando o 
grupo Planet Hemp e outros iniciaram campanha pela liberação da maconha), 
Lobão foi "o único drogado", todos os outros ou já experimentaram ou nem 
sabem o que é isso. Essa história de "sempre seguir o caminho mais fácil" 
implica também em construir desvios e atalhos e promover farta distribuição 
de panos quentes ao invés de procurar resolver diretamente os problemas. 
O ser humano é reconhecido como o único animal que sabe que um dia vai 
morrer, e tem sempre andado às voltas com angústia por seu tempo ser tão 
curto, preocupações metafísicas e maneiras de se perpetuar de uma forma ou 
de outra. Cazuza, além de ter sido um pouco do "Tutankamon" que disseram 
por aí, teve em comum com o roqueiro vanguardista e irreverente norte-
americano Frank Zappa (1940/1993) a consciência de sua já curta vida ser 
mais curta ainda e consequente necessidade de deixar mais e mais provas de 
sua passagem por este vale de lágrimas (há quanto tempo você não ouvia esta 
expressão?); em função dessa mesma urgência, os últimos trabalhos de Zappa 
(desde 1983) e Cazuza (Burguesia e Por Aí...), estão, para alguns críticos, 
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ligeiramente aquém da excelência que ambos sempre mantiveram. Hoje, 
ouvindo-se objetivamente estes dois últimos discos de Cazuza, nota-se bons 
momentos comparáveis ao melhor de sua obra ("Quando Eu Estiver 
Cantando", "Andróide Sem Par", "Perto Do Fogo") ao lado de músicas até 
hoje polêmicas ("Eu Agradeço" assemelha-se um pouco demais a "Blind" dos 
Talking Heads, e eu, pelo menos, ainda não consegui entender porque Cazuza 
precisou esculhambar a indefesa Janis Joplin em "A Garota De Bauru"). 
Já bastante debilitado mas ainda com a cabeça a dez mil e com a mesma 
fome de bola de sempre, incapaz de simplesmente se entregar à doença, 
continuando a gravar e fazer shows até onde fosse possível, chegando a gravar 
algumas faixas deitado, Cazuza conseguiu ir tão longe quanto Jimmie Rodgers 
(1897/1933), o chamado "Father of Country Music" e primeiro superstar do 
gênero, vítima de tuberculose, a qual, contudo, não o impediu de gravar até a 
antevéspera de sua morte; a gravadora teve que providenciar uma maca 
especial no estúdio para Rodgers repousar entre as tomadas. 
Enfim, Cazuza, como todo ser humano, teve suas virtudes e defeitos, mas, 
como nem todo ser humano, conseguiu fazer com que as primeiras se 
destacassem mais que os segundos. Ele deveria ter gostado das melhores 
brincadeiras feitas com ele (como as paródias do cearense Falcão, "eu sei que 
a burguesia fede/mas tem dinheiro pra comprar perfume", ou deste que vos 
escreve, "imunologia, eu preciso de uma pra viver", sem falar nas grandes 
imitações de seu tiete e não menos grande cartunista e imitador Spacca). 
Apesar de admitir que era, antes de tudo, um letrista, Cazuza conseguiu 
triunfar também como ocasional melodista (tocava um pouco de violão, mas 
dizia que preferia compor em parceria, "um disco com material só meu seria 
um bode") e intérprete de estilo todo pessoal, mais recitando do que 
propriamente cantando, inclusive composições alheias (reparaste como os fãs 
CAZUZA 1ª prova - 19.04.94 - pág. 24 
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que compareceram a seu enterro cantaram "Vida Louca Vida", hit de Cazuza e 
Lobão, composta por este e Bernardo Vilhena?).Ao lado do Barão, Lobão e outros, Cazuza trouxe maturidade para o rock 
carioca, até então lotado de garotinhos e garotinhas perdidos na selva com 
chopp e batata frita, sem, contudo, desperdiçar munição histericamente em 
cima de presidentes mauricinhos. Ele passou por cima de rótulos e polêmicas 
como rock X MPB, elite X povão, refinamento X breguice, engajamento X 
alienação, loucura X caretice, vaidade X desleixo, paulistas X cariocas X 
baianos (Cazuza foi amigo e/ou parceiro de todos). 
Não uma pessoa acima de contrastes, Cazuza se divertia ao contar seus 
pequenos desajustamentos com o mundo real. "Não sei cuidar das coisas, 
imposto de renda me dá tique nervoso. Tenho que chamar um amigo pra 
resolver pra mim, este ano [1985] perdi até o lance da restituição, por não ter 
guardado nenhum comprovante. Sou meio dessituado, meio perdido. O carro 
morre no meio da rua porque esqueci de pôr gasolina." Lucinha Araújo lembra 
outra do filhote, em 1989: "Na realidade, sou eu quem toma conta do dinheiro 
dele. Quando ele começou a ganhar dinheiro, em 82, no tempo de Bete 
Balanço, chegou um dia me trazendo um cheque todo amassado de Cr$ 
200,00, para que eu pagasse suas contas de luz e telefone, que não chegavam a 
Cr$ 10,00. Fiquei apavorada: vi que ele não tinha a menor noção do valor do 
dinheiro. Perguntei-lhe então o que devia fazer com o troco: 'Fica de presente 
pra você!' Então me horrorizei: 'Como é que você pode me dar 95% do que 
ganha como presente?', perguntei. Em seguida, sugeri que me desse uma 
procuração para que eu pudesse cuidar dos seus interesses financeiros. Ele 
concordou e parece que valeu." E Pelé iria se deliciar com outra confissão de 
Cazuza: "Quando fui votar, não sabia direito como fazer." 
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Mas até que Cazuza não se saiu tão mal para um garoto brasileiro típico da 
"geração Nova República", espremido entre o milagre econômico dos anos 50 
e a repressão das duas décadas seguintes, "uma moçada que cresceu vendo 
TV, dividida entre o medo e a ignorância", como admitiu o próprio Cazuza. O 
qual, contudo, nasceu com tutano suficiente para não se deixar cooptar por 
candidatos à presidência da República ou gravadoras que desejavam lançá-lo 
como "ídolo gay" logo que saiu do Barão. Pois é, na ânsia de vender, as 
gravadoras costumam se esquecer do que vende. 
Filho de artistas, ídolo de muita gente, incluindo outros artistas, Cazuza foi 
ele mesmo um artista certo na hora certa. Quatorze anos após seu primeiro 
disco, o tempo não pára de mostrar que o melhor de sua obra realmente ficou, 
não só para alimentar o eterno debate letra-de-música-é-ou-não-é-poesia, mas 
também como uma bela e eficiente crônica do Brasil neste fim-de-século, 
sempre com sob uma visão toda pessoal e, melhor ainda, com um senso de 
herança e traição bem aplicada ao presente, embora de interesse restrito (ao 
menos por enquanto) ao Brasil. E Cazuza aproveitou bem seu pouco tempo 
neste planeta, dentro da tradição de um Noel Rosa ou Aluísio de Azevedo. 
"Meu canto é o que me mantém vivo"; de fato, enquanto a troposfera 
continuar propícia à propagação dos sons ou a poluição não impedir a leitura 
dos encartes dos discos com as letras, o poeta Cazuza continuará vivo. É! 
 
 
Cronologia 
 
1958 
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4 de abril - Nasce Agenor de Miranda Araújo Neto, filho único de João 
Araújo (nasc. 1935) e de Maria Lúcia Araújo (nasc.1936), no bairro da zona 
Sul carioca do Botafogo, na Casa de Saúde São José. 
O nome Agenor é homenagem ao avô paterno. "Meu avô morreu dois anos 
antes de eu nascer, mas para mim é muito importante, uma figura presente." O 
pernanbucano Agenor de Miranda Araújo foi vítima de sífilis aos 28 anos, 
vindo a contrair arteriosclerose precoce dez anos depois e vivendo mais vinte 
como, segundo a família, um doido alegre. Cazuza ainda há de compor 
"Nabucodonosor" em homenagem ao avô ("Nabuco me ensinou/ a ser louco 
como eu sou"). 
O apelido "Cazuza" também é herança nordestina, sendo expressão 
pernambucana para "molequinho"; nada a ver, ao contrário das aparências, 
com Cazuza, clássico da literatura infanto-juvenil lançado por Viriato Corrêa 
em 1937 (e escrito, segundo o próprio Viriato, a partir de histórias de infância 
contadas por um senhor de quem ele só conseguiu apurar que atendia pelo 
apelido de Cazuza e faleceu, veja só, em Pernanbuco). 
 
1961 
Cazuza ganha uma bola de futebol do pai e, para surpresa geral, nem pensa 
em sair chutando, driblando e goleando: pega a bola no colo e a nina como se 
fosse uma boneca. "Foi a primeira decepção que meu pai teve comigo." 
 
1963 
Primeiros "shows" do futuro cantor: Cazuza transforma a mesa de centro da 
sala de visitas num palco, faz de uma vassoura seu microfone, dubla discos na 
vitrola e faz vibrar a platéia seleta, composta de seus pais. 
 
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1964 
Entra para a escola Chapeuzinho Vermelho, e é aí que tem sua primeira 
grande decepção ao descobrir que seu nome é Agenor e não Cazuza. E só vai 
se conformar ao descobrir que o cantor/compositor Cartola, um de seus ídolos, 
também se chama Agenor. 
Sempre mimadão, Cazuza tem vergonha (embora mais tarde venha a se 
orgulhar) de contar aos amigos que sua mãe é costureira (a transição da classe 
média para alta virá com o tempo). 
 
1965 
Após a breve primeira fase do "showman", nascem o geógrafo e o escritor. 
Cazuza passa horas esquecidas em seu quarto devorando a Enciclopédia Barsa 
e estudando mapas-mundi, a ponto de virar consultor geográfico dos colegas 
de escola. E descobre o prazer de escrever, redigindo seus primeiros textos. 
 
1966 
Após viajar pelo mundo, Cazuza torna-se urbanista, estudando tudo sobre 
cidades, planejamento urbano e construção civil, fazendo maquetes e 
construindo uma cidade atrás da outra. 
Mas, entre a investigação de um mapa ou a construção de uma metrópole, 
Cazuza sempre arruma tempo para escrever. Seus pais sempre hão de se 
lembrar da máquina de escrever batucando noite adentro. "Eu não poderia 
imaginar que eram letras de música e poesias o que ele escrevia", conta João 
Araújo. 
 
1967 
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A esta altura diretor artístico da gravadora Philips, João Araújo sempre 
recebe em casa visitas de grandes nomes da MPB, como Caetano Veloso, Elis 
Regina, Jair Rodrigues e Gilberto Gil. Dá para imaginar a emoção de Cazuza 
no meio de tanta gente boa; ele jura que ainda vai ser igual a eles. 
 
1968 
Cazuza entra para o Santo Inácio, um colégio de padres. Mas a esta hora 
sua grande religião é mesmo a música, e seus santos graais são os discos do 
pai, especialmente Cartola, Maysa, Lupicínio, Dolores Duran e Nelson 
Gonçalves. 
Dezembro - O governo militar mostra sua cara com o Ato Institucional (ou 
melhor, inconstitucional) nº 5, e a casa de João Araújo acaba se tornando um 
grande quartel-general da MPB. 
 
1970 
Hei, rei! João Araújo leva Cazuza para visitar Roberto Carlos, gravando no 
recém-criado estúdio da Som Livre. "Ele me convidou para ir tomar um 
refrigerante com ele numa padaria ali perto", recordará Cazuza, "e eu queria 
andar devagarinho para que as pessoas vissem que estava ali, uma criança 
orgulhosa por estar do lado dele." Cazuza só reencontrará Roberto 
pessoalmente bem mais tarde, já fora do Barão. "Ele precisava do estúdio 
onde eu estava gravando, me ligou e disse: 'Ô, meu Barão...' Eu respondi que 
não era mais o Barão, mas ele disse que eu vou ser sempre. E ele está certo, eu 
vou sersempre um Barão Vermelho. Ele é o Rei e me elegeu seu Barão." 
E o "bunker" dos Araújo recebe novos hóspedes ocasionais: os Novos 
Baianos, que transformam o apartamento em, o que mais poderia ser, uma 
comunidade hippie. Cazuza se encanta com o espelho retrovisor que Baby 
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Consuelo usa na cabeça: "O que eu mais queria na época era um espelho 
igualzinho pra mim." 
Além de se declarar "comunista convicto", só de pirraça contra Médici, 
Cazuza inicia sua vida de bôemio e trava seu primeiro contato com a 
maconha. "Fumei meu primeiro baseado, olhei para as estrelas e pensei que a 
maconha era o máximo." 
Mais divertida é sua expulsão do Colégio Santo Inácio, por ultrapassar o 
limite de recuperações e da paciência dos padres, com sua rebeldia (incluindo 
uso de maconha nos corredores). Lucinha Araújo resolve levar Cazuza para 
uma escola mais liberal, o Anglo-Americano. Bota liberal nisso: "Lá encontrei 
a minha verdadeira turma", dirá Cazuza. "Quase todo mundo da minha classe 
fumava e cheirava. Era o paraíso." 
A paixão de Cazuza pelas drogas - "única maneira de ir contra aquilo tudo", 
já que era ditadura e "a gente não podia falar, não podia fazer nada" - o leva a 
ser detido várias vezes por posse de maconha. "Geralmente eu ia para a 14ª 
Delegacia, em Copacabana, e meu pai ia lá me soltar." 
 
1973 
As detenções de Cazuza por porte de drogas já chegam a oito, e o filho 
pródigo vive às turras com seus pais. "Eu chegava e, como bom ariano, ao 
invés de abrir a porta eu derrubava na porrada. A minha adolescência foi 
muito sofrida, tive muitos problemas, mas hoje em dia meus pais são meus 
melhores amigos." 
Por esta época, Cazuza tem sua iniciação sexual, numa festa de amigos em 
Petrópolis. "Foi na minha fase meio pirada. Eu estava 'alto' e a menina me 
pegou meio à força. Ela era sapatão... Fui currado", contará Cazuza doze anos 
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mais tarde, às gargalhadas. "Depois a gente se namorou, mas aquilo não era o 
que ela queria." 
 
1974/75 
Até agora, Cazuza não é muito amigo de rock and roll. "O máximo que eu 
curtia eram coisas do tipo 'Alone Again (Naturally)' [megahit pop do inglês 
Gilbert O'Sullivan], água com açúcar." A coisa muda quando Cazuza vai 
passar umas férias em Londres, com um primo ("mais ajuizado"). E Cazuza 
volta sem falar inglês, mas com muito rock na cabeça, especialmente os 
Stones, Led Zeppelin e Janis Joplin. "Aos 17 anos fui salvo pelo rock." 
 
1976 
Como todo garoto vindo de classe média, Cazuza tem que trabalhar ou 
estudar bonitinho. E João Araújo o aperta para prestar vestibular, oferecendo 
motivação não muito acadêmica: se passar, Cazuza ganha um TL usado (não 
um Fusca zero quilômetro, como dirão alguns). Cazuza é aprovado em 
Comunicação e ganha o carro. 
 
1977 
Após três semanas de aulas na Hélio Alonso, Cazuza abandona a faculdade 
- afinal, ele só prometera entrar na faculdade, não fazer o curso todo, e trato é 
trato, não é? Muito bem: sempre compreensivo, João Araújo lhe arruma então 
um emprego em sua gravadora, a Som Livre, onde Cazuza acaba fazendo um 
pouco de tudo: redação de press-releases, assessoria de imprensa, até seleção 
de fitas-demo a serem submetidas posteriormente ao diretor artístico. 
 
 
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1979 
Cazuza recebe proposta de promoção na Som Livre, mas acaba recusando 
por um motivo muito simples e decisivo: um artigo de jornal dizendo que 
somente 20% da humanidade faz o que gosta. 
Deixando a Som Livre, escrevendo ainda amadoristicamente, sem 
perspectiva alguma, Cazuza resolve sair um pouco do Brasil. E vai para San 
Francisco, na Califórnia, onde divide um apartamento com um chinês e estuda 
pintura e fotografia. E faz contato com uma de suas grandes influências: a 
literatura da "beat generation" os anos 50, pais dos hippies, cujos grandes 
nomes são Jack Kerouac e Allen Ginsberg. 
Cazuza só fica oito meses nos EUA. "Eu sempre fui patriota, de gostar de 
ser brasileiro, tanto que eu voltei correndo", comentará anos depois. "Sou 
daquelas pessoas que têm amor à terra, mesmo na época da ditadura, com 
aquele clima tenso, militarismo..." 
 
1980 
Sai Do Mesmo Verão, LP de Lucinha Araújo, pela RCA. 
Cazuza se enturma com o pessoal do grupo performático Asdrubal Trouxe 
O Trombone, que, junto com um agitador cultural chamado Perfeito Fortuna, 
pensa em erigir um circo na Praia do Arpoador - o qual acaba realmente sendo 
erigido: o Circo Voador. 
Cazuza participa da peça Pára-Quedas Do Coração, fazendo uma imitação 
humorística do musical A Noviça Rebelde (de Richard Rodgers/Oscar 
Hammerstein II), do qual canta hits como a valsa "Edelweiss"; "Canta muito, e 
muito bem, foi muito bonito", lembrará Lucinha. 
 
1981 
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Sua próxima peça é infantil, e seu papel é sob medida, o de filho mimado; o 
elenco inclui Carla Camurati, Bebel Gilberto e Rosane Goffman. 
Outubro - O desempenho de Cazuza chama a atenção de Léo Jaime, ele 
mesmo cantor de rock and roll. Léo sugere que Cazuza visite os ensaios de um 
grupo de amigos seus que procura um vocalista - o Barão Vermelho. E lá vai 
Cazuza ver o bairro do Rio Comprido tremer ao som desses garotos que tocam 
uma mistura de Stones e Zeppelin no último volume. Cazuza e o Barão se dão 
muito bem; inclusive Cazuza mostra suas poesias a alguém pela primeira vez, 
compondo cinco músicas com o guitarrista Roberto Frejat (nasc. 1962) logo 
na primeira semana., o Barão acaba por chamar a atenção do produtor, 
jornalista e agitador Ezequiel Neves (nasc. 1936), que já dera muita força para 
grupos como Made In Brazil e resolve fazer o mesmo com o Barão após ouvir 
uma fita demo (aliás, antes de Ezequiel, esta fita esteve com Nelson Motta, 
que também adorou). E tudo isso sem o conhecimento de João Araújo - 
imaginem sua cara: "Um dia, depois que voltei de uma viagem, a Lucinha me 
disse 'seu filho vai estrear hoje à noite, num bar chamado Calipso, com um 
conjunto chamado Barão Vermelho'. Foi um susto vê-lo naquele show meio 
mambembe..." 
O trabalho que Ezequiel Neves e Guto Graça Mello (maestro e produtor da 
Som Livre) tiveram para convencer João Araújo a aceitar seu filho no Barão 
Vermelho e, ainda por cima gravar o grupo na Som Livre foi muito bem 
definido pelo próprio João como uma "catequese". "O Ezequiel Neves e o 
Guto Graça Mello é que me fizeram ouvir com atenção as músicas do meu 
filho. Mas confesso que não foi no primeiro dia que eles conseguiram isso. Foi 
só lá pelo terceiro, quarto dia, depois de muita catequese, que decidi ouvir as 
fitas que me levavam." E João custou, mas acabou gostando: "Achava um som 
meio sujo. Só descobri o talento do Cazuza depois de Exagerado, seu primeiro 
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LP solo." Convencer João Araújo a gravar o Barão na sua própria gravadora 
também não foi muito fácil: "Como fui filho de dona de ginásio, sei o quanto é 
duro ser filho do dono." 
 
1982 
E lá está o Barão Vermelho gravando no estúdio da Rua Assunção. 
Julho - Chega às rádios "Down Em Mim", composição somente de Cazuza, 
única faixa do primeiro compacto do Barão, visando promover o primeiro LP 
do grupo. 
Agosto - Sai o primeiro LP, Barão Vermelho. Apesar da promoção, dos 
elogios da imprensa (na maioria espontâneos, bem entendido) e da presença de 
futuros clássicos como "Ponto Fraco" e "Todo Amor Que Houver Nessa 
Vida", o disco não vende lá essas coisas. "Foi muito mal gravado", comentarámais tarde o contrabaixista Dé, "mas tinha as letras do Cazuza, que eram 
fortes." 
Para muitos, a única distinção imediata do Barão é ter um vocalista filho do 
dono da gravadora, que canta berrando e, ainda por cima, tem a língua presa. 
Mas o LP já abre com Cazuza berrando "pouco importa que essa gente vai 
falar, podem falar mal, eu já tô rouco, louco..." 
 
1983 
Mas quem fala muito bem do Barão é Caetano Veloso, de quem chegou a 
vez de tietar aquele garotinho cujo pai ele visitava nos longínquos anos 60. 
Tendo-lhe chegado aos ouvidos o LP do grupo, Caetano se encanta com 
"Todo Amor Que Houver Nessa Vida" e a inclui no show de lançamento de 
seu novo LP, Uns. Em troca, o Barão passa a cantar uma música deste LP, 
"Eclipse Oculto". 
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Janeiro - A RCA lança o LP Tal Qual Eu Sou de Lucinha Araújo. 
Agosto - Sai o segundo LP do grupo, cujo título segue o exemplo de seus 
grandes ídolos, Stones e Zeppelin: Barão Vermelho 2. A qualidade sonora é 
bem melhor que a do primeiro LP, mas as vendagens nem tanto. 
Ainda este ano, é a vez de outro grande medalhão da MPB pescar uma 
música do Barão: Ney Matogrosso, com "Pro Dia Nascer Feliz". Ney telefona 
para Cazuza a fim de lhe pedir permissão para cantar a música: "Aqui é Ney 
Matogrosso!" Cazuza, que estava dormindo, responde "E aqui é a Gal Costa!" 
e bate o telefone. Naturalmente, tudo acaba se esclarecendo e "Pro Dia Nascer 
Feliz" torna-se um dos grandes hits de Ney. "Ele foi nossa fada-madrinha", 
resumirá Cazuza mais tarde. 
E estréia o filme Bete Balanço, cuja música-tema, composta e interpretada 
pelo Barão Vermelho, coloca o grupo de vez na berlinda (gostaram?). De 
quebra, o Barão participa do filme. 
 
1984 
Agosto - O Barão Vermelho já conhece a consagração, que veio com uma 
boa ajuda de shows por todo o Brasil. E nesta data lança seu terceiro LP, 
Maior Abandonado, puxado por hits como a faixa-título, "Bete Balanço", "Por 
Que A Gente É Assim?" e, de quebra, "Baby Suporte" entra na trilha da 
novela Corpo A Corpo. 
17 de outubro - O Barão vem a São Paulo estrear seu show Maior 
Abandonado, no Radar Tantã, e se hospeda no hotel Brasilton. Após o show, o 
grupo dá uma festa no próprio local. 
18 de outubro - A cozinha do Barão (Dé e Guto) fica num quarto. Logo de 
manhã, batem à porta. Dé acorda, vai atender e... "quando abri estava lá o 
próprio delegado [Paulo] Fleury, com uma arma na minha cara e eu nu." E lá 
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vai o Barão (exceto Cazuza, que divide um quarto do hotel com Ezequiel 
Neves) para a delegacia, onde ficam até as 20h; Cazuza fica indignado por ter 
saído "limpo" e exige ser preso também.. "A gente tinha dois shows naquela 
noite", continua Dé, "pagamos a fiança e fomos direto para o Juventus lotado". 
Isto é, direto mas nem tanto: saem da delegacia distribuindo autógrafos para 
uma multidão de fãs. E os shows são um grande sucesso. 
19 de outubro - De volta ao Rio, o Barão vê as manchetes: "Barão 
Vermelho preso por droga". Frejat: "A polícia achou que ia encontrar de tudo. 
E, nada, plantaram lá um pouco de fumo." Consta que o próprio Fleury, ao ver 
a repercussão do fato na mídia, disse a Cazuza: "Agora sim, vocês são uma 
banda de rock porque vocês dançaram. A Rita Lee passou a vender 400 mil 
cópias depois que foi presa." Para Ezequiel Neves, não só o Barão se 
beneficiou da promoção: "Era uma armação do Fleury para se promover. 
Antes de entrar no hotel ele já estava dando entrevista para as televisões. Eles 
tentaram de tudo para pegar o Cazuza, que era o mais escandaloso, a vitrine do 
grupo." A bola sete fica para Frejat: "O único que não dançou foi o Cazuza. 
Ele ficou puto da vida por não ter dançado." 
 
1985 
20 de janeiro - Já que é para o rock tomar conta do Brasil, que seja do 
melhor: o Barão abre a última noite do Rock In Rio. Cazuza canta abraçado à 
bandeira brasileira - e ela não fará parte de seu show pela última vez. 
Maio - "Eu Queria Ter Uma Bomba" sai em compacto e está na trilha da 
novela A Gata Comeu. 
A esta altura, o Barão Vermelho já é artista do primeiro time, além de se 
notabilizar como o primeiro grupo de rock a se apresentar ao vivo em todos os 
principais centros urbanos do Brasil. "Foi uma oportunidade de conhecermos 
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o Brasil", recorda Frejat, que aproveita para interpretar: "talvez por toda essa 
absorção de informações distintas, e por uma interpretação diferenciada, 
houve um abismo tão grande entre o que a banda queria fazer e o que o 
Cazuza estava pretendendo." 
De fato, o Barão quer continuar fazendo rock and roll, ao passo que Cazuza 
quer mesclar ao grupo suas influências de samba-canção. "Havia duas forças 
de direcionamento artístico", diz Frejat. "Durante um tempo essa fricção fez 
coisas produtivas, depois elas tenderam a virar inimigas." 
Esta "inimizade" chega a transparecer em entrevistas à imprensa, como ao 
Jornal do Brasil, quando Cazuza diz que "todo mundo virou roqueiro, não tem 
mais ninguém fazendo samba-canção. Precisamos redimir a música 
brasileira". Frejat interrompe o discurso de Cazuza, dizendo que é "papo de 
velho dos anos 60", além de desligar o gravador do repórter dizendo "isso não 
faz parte da entrevista do Barão Vermelho". 
Mais um show no Radar Tantã traz mais emoções, desta vez antes do grupo 
subir ao palco. "Eu brigava muito com eles", lembrará Cazuza, "porque o 
Frejat é todo certinho, supercareta, e eu , louco do jeito que era, às vezes não 
combinava muito, na estréia desse show, tocou a campainha para a entrada e o 
Frejat veio me chamar. Eu estava cheirando uma e disse 'Já vou'. Ele ficou 
puto, saiu batendo a porta. Eu fui atrás dele e, quando ele saiu, deu um chute 
de retro na porta e ela bateu na minha cara, fiquei todo sangrando. Xinguei ele 
à beça. Frejat, todo preocupado, me pedia desculpas... Fui para hospital, me 
costuraram e o médico disse 'você só não pode abrir a boca'. 'Mas como?! Eu 
vou subir ao palco agora!' E o show acabou sendo o máximo!" 
As brigas entre Cazuza e o Barão também são o máximo. "O final da época 
com o Cazuza foi uma das coisas mais horríveis", recorda Guto. "No ônibus, 
de manhã, nas turnês, já estavam todos de mau humor, era uma neurose pura." 
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Dé: "Muitas coisas influíram na saída dele. O Frejat queria cantar uma música 
e o Cazuza morria de ciúmes." (Aliás, todos no Barão estavam querendo 
cantar.) A imprensa não ajuda muito, promovendo o grupo como "Cazuza e o 
Barão Vermelho". Nem os vários "amigos", que desde o primeiro disco já 
vinham dizendo a Cazuza que só ele prestava no grupo. Cazuza chega a pensar 
em sair do Barão e fazer dupla com Frejat; Ezequiel Neves, eterno produtor e 
"madrasta" do grupo, é a princípio contra a saída de Cazuza, mas acaba 
concordando. 
Uma semana antes do início das gravações do quarto LP, Cazuza tem uma 
conversa com Ezequiel. Cazuza se sente culpado pela situação e reluta em 
deixar o grupo: "Eles casaram, estão comprando casas, têm filhos, como é que 
vou deixá-los na miséria?" Ezequiel: "Eles têm força, e você vai cair fora 
agora." De modo que, no momento de assinar o contrato para o novo LP, 
Ezequiel e Cazuza comparecem para anunciar que Cazuza está fora. Para 
Ezequiel, não importa que o Barão esteja no topo do sucesso, com muita grana 
entrando: "Não tem mentira no rock and roll." 
Agosto - De modo que Cazuza anuncia oficialmente sua saída do Barão 
Vermelho, um dia após Maior Abandonado ser agraciado com o Disco de 
Ouro. 
Por estaépoca, Cazuza começa a se queixar de ter febre todo fim de tarde. 
"Naquela época eu não estava nem aí, nem poderia imaginar que pudesse estar 
com Aids, tomava duas aspirinas e caía na noite." Este "não estar nem aí" será 
motivo para um de seus raros arrependimentos: "Se nesse começo eu tivesse 
ido logo a um médico, hoje estaria muito melhor." Aliás, Cazuza adoece após 
voltar de um show no Nordeste e o médico diagnostica uma infecção 
bacteriana. "Estava com o organismo fraco, muita noitada", admite Cazuza. 
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Novembro - Sai Cazuza, seu primeiro LP-solo, que, apesar de não ter título, 
acaba conhecido pela faixa de maior sucesso, "Exagerado". E neste disco não 
faltam hits: "Codinome Beija-Flor", "Mal Nenhum" e uma das últimas faixas 
vetadas para execução pública pela censura federal, "Só As Mães São 
Felizes". Os parceiros nas composições, além do sempre amigo Frejat (único 
membro do Barão sinceramente amigo de Cazuza, segundo Lucinha Araújo) - 
"Foi só a gente se cruzar no primeiro Chacrinha que tudo voltou como antes" - 
incluem Lobão, Leoni (ex-Kid Abelha) e Zé Luiz (saxofonista da banda de 
Caetano Veloso). 
Ainda em novembro, Cazuza, ao lado de Erasmo Carlos, Lobão, Renato 
Russo, Paula "Kid Abelha" Toller, vários Titãs e muitos outros, participa de 
"Uma Só Voz", compacto distribuído aos ouvintes da Rádio Cidade FM de 
São Paulo. 
E ainda em 1985 participa de uma faixa de Fagner, LP sem título do 
próprio. 
1986 
Janeiro - Primeiro show-solo, em Vitória, Espírito Santo. 
Ainda este ano, não é por ser filho do dono que Cazuza escapa de 
desligamento da Som Livre, que decide parar de trabalhar com um elenco e se 
dedicar exclusivamente a trilhas de novelas e seriados. E Cazuza passa o ano 
procurando gravadora nova, ou melhor, sendo procurado por elas (uma oferta 
que recusa é da Warner, que pretendia lançá-lo como ídolo gay) e 
desmentindo os já insistentes boatos de que estaria com Aids. "Ora, hoje em 
dia é só alguém ter febre e todo mundo já acha que ele está com Aids. Eu não 
vou ter Aids." 
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E a SOCINPRO (Sociedade Brasileira de Intérpretes e Produtores 
Fonográficos) premia o Barão (ainda com Cazuza) como melhor conjunto de 
1985. 
Abril - Sai novo LP do guitarrista Celso Blues Boy, com participação de 
Cazuza numa faixa. 
Maio - Numa entrevista para a Bizz, Ezequiel Neves diz: "Tenho cinqüenta 
anos e quero viver quinhentos para ver tudo." Cazuza: "Não quero viver nem 
oitenta, se disso depender abdicar de todas as minhas loucuras." 
 
1987 
Início - Cazuza volta ao Brasil e consegue abandonar as drogas, a boemia, a 
bebida e o cigarro. Além de fazer análise, preocupar-se mais com seu lado 
religioso e entrar na alimentação natural. Nada mais de ir dormir quase de 
manhã e acordar no meio da tarde. 
Março - Sai o segundo LP solo, Só Se For A Dois, pela PolyGram, onde se 
destaca "O Nosso Amor A Gente Inventa". 
Abril - Continuam as sensações estranhas, desta vez com mais força e 
insistência; então Cazuza resolve tirar a cisma e fazer o teste anti-Aids. 
Infelizmente, dá positivo. Após ver o resultado no consultório médico, Cazuza 
vai a uma praia próxima. "Sentei num banco diante do mar e fiquei apavorado, 
pensando" eu vou morrer, eu vou morrer." Chegando em casa, Cazuza tem a 
primeira de várias depressões (chegando, em duas destas crises, a jogar vasos, 
cristaleiras e garrafas pelo ar), mas os pais lhe dão todo o apoio, internando-o 
em clínicas no Rio e depois em Boston. "Eles não saíram do meu lado um 
minuto. Minha mãe foi uma leoa, ficava ao lado da minha cama e nem deixava 
que as enfermeiras me tocassem. Eu queria sair do hospital, queria acabar logo 
com tudo aquilo, mas ela me mandava ficar quieto, e eu ficava." Cazuza só 
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não fica quieto o suficiente para compor músicas que entrarão em seu próximo 
LP: "Blues da Piedade", "Boas Novas", "Orelha De Eurídice". 
Agosto - A ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos) divide 
entre Cazuza e Chico Buarque o prêmio de melhor letrista de MPB de 1986. 
Outubro/novembro - Cazuza interna-se numa clínica em Boston, nos EUA. 
Dezembro - Até agora, só os pais de Cazuza e os amigos mais íntimos, 
como Ezequiel e Frejat, sabem de sua doença. Ao voltar da internação, Cazuza 
reúne em casa todos os amigos para lhes dar a notícia. "Disse a eles que era 
Aids mesmo, que a gente tinha de curtir porque eu não sabia quanto tempo 
mais iríamos ficar juntos. Depois dessa reunião me senti melhor." Só que o 
grande público e a imprensa ainda não tiveram a confirmação, embora 
desconfiem. 
Ainda em 1987, Cazuza compõe dois temas de filmes: "Um Trem Para As 
Estrelas", em parceria com Gilberto Gil, para o filme homônimo de Cacá 
Diegues, e "Brasil", para Rádio Pirata de Lael Rodrigues."Um Trem" acaba 
não entrando no filme, mas o próprio Cazuza sim. 
1988 
Abril - Sai o novo LP-solo, Ideologia. 
Junho - Cazuza tem uma conversa com a mãe: "Se algum dia eu morrer, 
vocêvai ser uma daquelas mães chatas, vestidas de preto, sempre chorando, ou 
vai ser como a Regina Gordilho [vereadora do PDT do Rio, cujo filho foi 
morto por PMs]? Lucinha: "Você quer que eu seja como?" Cazuza: "Eu quero 
que você tenha a força da Regina Gordilho." 
Agosto - Cazuza participa de Cartola - Bate Outra Vez, disco que 
homenageia o 80º aniversário de nascimento de um de seus ídolos, o 
compositor Cartola. 
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17 de agosto - Estréia em São Paulo, no Aeroanta, o show Ideologia. O 
diretor é nada menos que sua "fada-madrinha", Ney Matogrosso. "O Ney me 
ensinou coisas em Ideologia que eu vou levar por resto da vida. Agora eu fico 
com os braços mais quietos, não mexo tanto com as mãos e, se mexo, mexo 
com as duas mãos iguais." E todas as mãos da crítica também se mexem 
iguais, para aplaudir: Ideologia é considerado o melhor show de 1988. 
16 de outubro - Ao terminar a temporada do show Ideologia no Canecão, 
durante a música "Brasil", alguém lhe joga uma bandeira e Cazuza não 
titubeia em cuspir nela. "Fiz de propósito, o cara era um ufanista." 
18 de outubro - Cazuza escreve uma carta sobre o episódio da cusparada na 
bandeira, que só será publicada após sua morte, no Jornal O Globo. 
Uma semana depois, Ideologia vem a São Paulo, no Palace, e Cazuza 
apronta mais uma. "Eu cheguei lá e aquele lugar, você sabe... tinha uma 
passando batom, outro bebendo e conversando e a galera de trás, onde o 
ingresso é mais barato, estava vibrando. Eu pensei: "Ah, não, esse povo vai 
me botar para baixo, não. Eu, sim, vou por eles baixo, e assim eu fico para 
cima." Disse para a galera de trás vir para a frente, disse para a burguesia que 
jogasse os diamantes verdadeiros ao palco e enfiasse os falsos no c(...)." 
Ainda em outubro, Cazuza cai em mais uma depressão ("Nunca entendi o 
suicídio, achava uma covardia, ai eu entendi "), e, para levantar-lhe o moral, 
Ney Matogrosso resolve lhe apresentar a seita Santo Daime, no Rio. 
Experimentando o chá alucinógeno de "ayahuasca", Cazuza faz duas 
"viagens" e diz ter encontrado Deus, além de perdoar o pai, "trinta anos 
depois, por ter me colocado no mundo". Cazuza gosta muito da experiência, 
mas resolve não se converter ao Santo Daime, "nunca suportei essa coisa de 
clube que tem nas religiões" - embora leve para casa uma lembrancinha do 
Santo Daime: "um litrinho" de chá de "ayahuasca". 
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Enquanto isso, "Brasil", na interpretação de

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