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O papel do clima na evolução do relevo: a contribuição de Julius Büdel; ABREU, Adilson A. de

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Revista do Departamento de Geografia, 19 (2006) 111-118. 
 
 
 
O papel do clima na evolução do relevo: a contribuição de 
Julius Büdel1 
Adilson Avansi De Abreu² 
 
Resumo: O autor sumariza a vida e a obra de Julius Büdel (1903 – 1983) e traduz para o português o seu texto ¨Geomorfologia Climática e 
Climatomórfica ¨, publicado no Zeitschrift für Geomorphologie, Supplementband 36, 1980. 
 
Palavras-chave: Julius Büdel; Geomorfologia Climática; Zonas Climatomórficas. 
 
Introdução 
 A evolução da geomorfologia no século XX produziu uma 
progressiva valorização do papel do clima na explicação da 
gênese do relevo terrestre. Depois dos avanços notáveis que 
foram registrados a partir de W. Morris Davis e Walther Penck, um 
terceiro nome que marca a geomorfologia do Século XX é, sem 
dúvida nenhuma, o de Julius Büdel, falecido em 1983, aos 80 
anos de idade. 
 J. Büdel iniciou sua vida acadêmica dedicando-se à 
climatologia e deslocando, posteriormente, seu campo de 
interesse para entender e formular, cientificamente, o papel da 
ação do clima na gênese do relevo terrestre. Sua obra edificou a 
teoria de como os climas atuais e do passado cunharam o relevo 
e forneceram muitas chaves para interpretar as mudanças 
climáticas do passado recente. Torna-se, assim, um dos pilares 
da Geomorfologia Contemporânea. 
Além de grande formulador teórico, Büdel foi um incansável 
pesquisador de campo e um grande administrador da ciência, 
tendo, em 1974, fundado a Comissão Alemã de Geomorfologia 
(Deutscher Arbeitskreis für Geomorphologie) e sido reitor da 
Universidade de Würzburg. 
Sem dúvida nenhuma, seus estudos de campo nas regiões 
desérticas e tropicais da África e nas regiões temperadas e 
periglaciais da Europa permitiram-lhe uma visão integrada dos 
atuais sistemas morfogenéticos em operação, do Ártico ao 
Equador, bem como uma compreensão de como esses sistemas 
pulsaram nos últimos dois milhões de anos. 
A contribuição científica de Büdel permitiu que a Geomorfo- 
 
 
 
 
 
logia assumisse uma posição privilegiada no campo da 
investigação da natureza, como disciplina que procura explicar a 
diferenciação de áreas na superfície terrestre. 
Büdel ao conceituar a geomorfologia climática e a 
geomorfologia climato-genética, forneceu elementos funda-
mentais para interpretar a dinâmica têmporo-espacial dos 
processos geomorfológicos e lançar luzes sobe a relação entre 
oscilações climáticas e quadros geomorfológicos e ambientais do 
presente. 
As reflexões e conceituações interessando ao estudo do 
papel dos climas nos processos que cunham as formas de relevo, 
já haviam sido propostas também por autores de língua inglesa, 
no contexto da evolução da teoria davisiana. Muitos autores 
poderiam ser citados, mas a lembrança de pelo menos dois, C. A. 
Cotton e L. C. Peltier, já nos fornece um bom quadro de fundo 
sobre como a questão estava evoluindo na primeira metade do 
Século XX. 
Na Europa, particularmente entre os autores de língua 
alemã, a valorização dos estudos de processos e de campo tinha 
raiz já no século anterior e o trabalho de Walther Penck estimulou 
a discussão do papel dos processos e dos depósitos correlativos, 
trazendo abordagem diferenciada para o estudo da influência do 
clima no modelado presente e pretérito do relevo. 
A partir dos anos 30 do século passado, o jovem Büdel 
dedica-se, incansavelmente, ao estudo dos climas e de suas 
influências no modelado do relevo. Progressivamente vai 
consolidando sua análise em pesquisas próprias e integrando 
suas conclusões com referências extraídas de outros autores, 
 
 
 
…………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………… 
¹ Título original: “Climatic and Climatomorphic Geomorphology” 
² Tradução: Prof. Dr. Adilson Avansi de Abreu, DG, FFLCH, USP 
 
111 
Revista do Departamento de Geografia, 19 (2006) 111-118. 
 
 
 
produzindo na década de 60, um sistema classificatório mundial 
que articula no espaço e no tempo os processos decisivos para 
explicar a atual distribuição do relevo terrestre. 
Propõe, em 1963, a existência de 5 regiões ou zonas 
clímato-genéticas distribuídas, esquematicamente, de forma 
especular entre o Equador e os Pólos, a saber: Zona Glacial; 
Zona de Formação Pronunciada de Vales; Zona Extra-tropical de 
Formação de Vales; Zona Subtropical de Formação de 
Pedimentos e Vales e Zona Tropical de Formação de Superfícies 
de Aplainamento. 
Deixando de lado as controvérsias que esta proposta trouxe 
consigo é necessário chamar a atenção para o avanço que se 
alcançou com o elevado grau de abstração contido neste modelo, 
que se libertou das amarras que prendiam as outras propostas, ao 
se ajustarem à classificação climática de Köppen e incorporou à 
classificação os processos fossilizados nos depósitos e nas 
formas de relevo. Cria-se assim a interpretação morfoclimática do 
presente, associada a seus antecedentes climatogenéticos 
representados nos depósitos e nas formas herdadas do passado. 
Um momento de grande criatividade de J. Büdel foi seu 
“insight” sobre o papel da “Casca de Gelo” na evolução da rede 
de vales do sudeste do arquipélago de Spitzbergen e sua relação 
com o que havia acontecido na Europa Central durante os 
períodos glaciais e interglaciais do Quaternário. 
Integra este insigh” a compreensão do contraste do 
significado dos processos geomorfológicos em momentos de 
sistemas controlados por variáveis físico-mecânicas, com as de 
controle químico-biológico, que acabou também sendo utilizado 
por outros autores em contextos diferentes de interpretação. 
Em plena maturidade Julius Büdel sistematizou toda sua 
obra no clássico “Klima-Geomorphologie”, publicado em 1977 
pela Gebrüder Borntraeger, tendo sido traduzido para o inglês por 
Lenore Fischer e Detlef Busche em trabalho muito cuidadoso, sob 
o título de “Climatic Geomorphology”, editado pela Princeton 
University Press, em 1982, no qual um glossário, bem elaborado, 
permite boa compreensão dos significados dos termos utilizados 
por Büdel, que, a exemplo do que também aconteceu com a obra 
de Walther Penck, só pode ser melhor compreendida, fora do 
circuito de língua alemã, por meio da tradução para o inglês. 
Em 1979, no suplemento nº 36 do “Zeitschrift Für 
Geomorphologie”, dedicado ao Simpósio Germano Britânico de 
Geomorfologia, Julius Büdel abriu as contribuições com o texto 
 
 
 
“Climatic and Climatomorphic Geomorphology”, no qual traça um 
resumo conciso do conteúdo do “Klima - Geomorphologie”, 
anunciando sua tradução para o inglês e sua breve publicação. 
Abaixo é oferecida ao leitor a tradução para o português 
deste texto, na expectativa de estimular a leitura da obra 
completa, no original alemão ou na tradução inglesa. 
 
Tradução 
 
Geomorfologia Climática e Climatomórfica 
Julius Büdel³ 
Dois grupos de forças governam as formas de relevo dos 
continentes. As endogenéticas são responsáveis pela distribuição 
espacial de soerguimentos e abatimentos, assim como pelo 
comportamento morfológico dos afloramentos rochosos. A 
resistência geomorfológica das rochas, todavia, altera-se entre as 
diferentes zonas climáticas. Devido a sua complexa história no 
transcorrer de alguns bilhões de anos, o padrão das montanhas e 
dos afloramentos rochosos nos continentes é hoje muito irregular 
e a influência dessas estruturas no relevo é meramente passiva: 
elas são apenas obstáculos no caminho ativo e verdadeiro da 
formação do relevo, que é executado apenas pelos processos 
exogenéticos. É por meio de suas ações, que a verdadeira forma 
da superfície da Terra é criada. Se, por exemplo, os Alpes fossem 
apenas produto das forças endogenéticas de soerguimento, eles 
apareceriam como um domo massivo, com cerca de 10km de 
altura e com uma superfície caoticamente rugosa. Os processos 
exogenéticos destruíram mais da metade desta forma imaginária, 
desde o Terciário Inferior, mas, acima de tudo eles a remodelaram 
qualitativamente durante o soerguimento e em resposta à 
gravidade, produziram as formas intricadas que hoje percebemos. 
Os modos e mecanismos de formação do relevo, todavia, 
diferem quantitativa e qualitativamente na face da Terra. As 
diferenças não são, porém, distribuídas ao acaso. Elas são 
fortemente governadas pelo clima e, desta forma, um sistema 
natural de formação do relevo só pode ser baseado no mesmo. 
As diferenças entre os vários processos em operação e as 
diferenças resultantes, entre as próprias formas, são o objeto da 
Geomorfologia Climática. 
Até recentemente apenas três zonas de formação 
exogenética do relevo eram comumente reconhecidas: a zona 
glacial de atividade glacial predominante; a zona úmida de 
 
 
 
...................................................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................... 
³ Zeitschrift für Geomorphologie N. F. Supp – Bd. 36, 1-8 – Berlin-Stuttgart – Dezembro 1980 
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Revista do Departamento de Geografia, 19 (2006) 111-118. 
 
 
 
atividade fluvial (que, todavia, está longe de ser homogênea); e a 
zona árida, onde se supunha que o vento era o principal agente. 
Na realidade esta não era uma subdivisão do relevo exogenético, 
mas apenas um balanço da distribuição mundial da água. 
Consequentemente ela teve que ser substituída por um 
sistema verdadeiramente geomorfológico, baseado nas forças 
que modelam o relevo nas diferentes zonas climáticas. O passo 
seguinte foi, então, a identificação da porção do relevo visível que 
é realmente formada hoje, isto é, durante o Holoceno. 
Isto levou a dois insights fundamentalmente novos. Um é 
que a geomorfologia climática identifica agora no Velho Mundo 
oito zonas muito diferentes de formação do relevo (em vez das 
antigas três), entre o pólo e o equador, que chamamos de zonas 
climatomórficas. O outro insight é que o relevo atual, como 
aparece hoje, não é primariamente o produto dos processos 
erosivos atualmente dominantes. Isto acontece porque é 
necessário um tempo muito longo (pelo menos algumas dezenas 
de milhões de anos) para que os processos exogenéticos 
produzam suas marcas no modelado da superfície, totalmente de 
acordo com sua ação específica. Em um período tão longo, 
todavia, houve repetidas alterações climáticas, especialmente nas 
áreas de latitudes médias (ectropics). Assim, mais de 95% do 
relevo da Europa Central não é o resultado dos processos 
morfológicos governados pelo clima atual. Ele foi formado, em vez 
disso, por processos antigos do Cretáceo Superior, do Terciário e 
do Pleistoceno. Como hoje eles não estão mais em operações, 
não podem mais ser observados nem medidos no campo. 
Felizmente formas relictuais amplamente distribuídas e, em 
alguns lugares, solos relictuais assim como alguns depósitos 
fósseis chaves foram preservados para estudo. Destas evidências 
puderam ser identificadas um número de gerações de relevo de 
diferentes idades. Para fazer isto é necessário que se identifique 
os remanescentes de cada geração, junto com os relictos 
pedológicos e os processos de intemperismo sincrônicos, assim 
como seus depósitos correspondentes, os quais são então 
utilizados para identificar as várias gerações, separando-as umas 
das outras. Frequentemente a informação assim organizada é 
suficiente para permitir uma reconstrução experimental do clima e 
dos processos em operação durante o período respectivo. Esta é 
a tarefa da Geomorfologia Climatogenética. Seus resultados 
podem ser melhor verificados pela comparação das gerações 
relictuais do relevo com as formas vivas em uma das zonas 
climatomórficas modernas. Desta maneira a geomorfologia 
climatogenética se funde com a geomorfologia climática. Ambas 
as linhas de pensamento são descritas detalhadamente no meu 
livro sobre geomorfologia climática, que está para ser lançado em 
inglês. 
Das antigas três zonas apenas a glacial sobreviveu, com a 
restrição, todavia, que “traços da geração” de relevo pré-glacial 
também existem nela. A assim chamada “erosão glacial” foi 
importante apenas onde grandes glaciares fluíram rapidamente 
em áreas de forte declividade, mas ela foi praticamente nula onde 
camadas finas de gelo que se movimentavam com dificuldade 
repousaram sobre superfícies quase horizontais. Para a zona 
árida parece que os processos eólicos foram superestimados e 
que aqui também a ação fluvial, ainda que esporádica, é o 
processo dominante. Deixando de lado diferenças menores, a 
zona árida deve ser subdividida em duas macrozonas. Em 
primeiro lugar a zona dos desertos tropicais dos alísios, que são 
livres de geada em suas partes mais baixas. Exemplos típicos são 
o Saara e a Austrália Central. Devido à escassez de chuvas e 
vegetação o intemperismo químico é pouco importante, mas como 
ela também está livre do gelo, a forma mais importante de 
intemperismo físico também está ausente. Finalmente a ausência 
de rios permanentes leva à falta de possibilidade de remoção de 
toda a sorte de detritos. Consequentemente os desertos tropicais 
quentes são idealmente adequados para a preservação ou, mais 
que isto, para a formação tradicionalmente continuada de formas 
de relevo antigas (pois sua modificação exigiria um novo conjunto 
de processos, que não se definem significamente para afetar o 
aspecto geral do relevo – nota do tradutor). Superfícies relictuais 
de etchplanos, salpicados de inselbergs são bons exemplos. 
Os desertos continentais com invernos frios são bastante 
diferentes porque estão sujeitos anualmente à forte ação das 
geadas, as quais são muito eficazes devido à escassez de solo e 
de cobertura vegetal. O Tibete e o Irã central são bons exemplos 
deste tipo de deserto. Muitas das estepes subtropicais modernas 
foram submetidas ao mesmo regime durante os períodos mais 
frios do Pleistoceno. Essas regiões são caracterizadas por amplos 
pedimentos e superfícies de “glacis” envolvendo as montanhas. 
A antiga zona úmida ficou mais diferenciada que as outras. 
Presentemente reconhecemos cinco zonas totalmente diferentes, 
que trazem consigo cinco significados para o termo “fluvial”. Em 
duas dessas zonas os processos fluviais são muito eficazes, mas 
muito diferentes de uma para outra. Eles representaram os 
extremos da formação de relevo subaéreo. Na realidade, eles são 
os dois fundamentos mais importantes através dos quais a 
superfície da Terra é moldada. 
 
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Revista do Departamento de Geografia, 19 (2006) 111-118. 
 
 
 
 
 
Figura 1 Zonas climatomórficas atuais distinguidas segundo os processos erosionais holocênicos (excluídas as altas montanhas). 
1. Zona Glacial; 
2. Zona periglacial com formação pronunciada de vales; 
3. Latitudes médias: processos holocênicos fracos; importância maior das gerações de relevo antigas, incluindo a geração 
periglacial; 
4. Zona Etesiana: importância maior das gerações de relevo tropicais; 
5. Zona árida com invernos frios, com pedimentos e superfícies de “glacis”; 
6. Zona tropical árida com predominância de superfícies relictuais preservadas; 
7. Trópicos sazonais com pronunciada planação; 
8. Trópicos sempre úmidos com planação parcial. 
 
Vamos começar com a zona 2 da Fig. 1. É a zona 
periglacial moderna da tundra gelada subpolar e da tundra. Ela é 
denominada de zona de formação pronunciada de vales 
(exzessive Talbildung), deacordo com seu mais importante fator 
singular de formação do relevo. Esta zona, que eu estudei a SE 
de Spitzbergen, é caracterizada pela predominância absoluta do 
intemperismo mecânico. Isto significa que são produzidos 
principalmente clásticos grosseiros, os menores dos quais na 
fração silte. Em nível superficial, a camada de 30 a 80 centímetros 
de profundidade é anualmente retrabalhada pelos vários 
processos da crioturbação, resultando nos padrões de formas de 
solo bem conhecidos. Em todas as vertentes essa massa móvel é 
transportada para os rios pela ação combinada da solifluxão, 
lavagem em lençol e lavagem em sulcos. Isto provoca uma forte 
erosão lateral ao longo do amplo pavimento detrítico dos rios. 
Durante o início do verão a fusão das neves provoca enormes 
enchentes que transportam grande volume de detritos, mas 
durante todo o inverno (que dura de 8 a 9 meses) o pavimento 
detrítico permanece seco, coberto apenas por uma camada fina 
de neve e exposto a congelamento severo (o extremo chegando a 
–40ºC). Esses invernos extremos, com congelamento profundo, 
têm um efeito de grande alcance em toda a região. No outono o 
congelamento atinge não apenas a camada degelada 
sazonalmente, mas também a parte superior de 2 a 5 metros do 
permafrost basal, que em Spitzbergen atinge 400 metros de 
profundidade.
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Esta camada superior do permafrost se contrai durante o 
resfriamento até –30ºC; o vapor de água que penetra nas fraturas 
é transformado imediatamente em agulhas de gelo. O gelo 
impede que as fendas se fechem no verão seguinte, e no severo 
inverno que se segue, fendas adicionais são formadas e 
preenchidas por agulhas de gelo. Assim a camada superior do 
permafrost fica crivada de fendas preenchidas por gelo, no 
período de algumas centenas de anos. O leito rochoso é 
fragmentado em pequenos pedaços flutuantes em uma matriz de 
gelo. Nós denominamos esta parte do perfil de “casca de gelo”. 
Na medida em que os rios não fluem no inverno, seus 
pavimentos detríticos também ficam expostos ao congelamento 
profundo. Consequentemente a “casca de gelo” se expande 
abaixo dos leitos fluviais, como pode ser demonstrado em 
diversas perfurações e escavações. Isto facilita enormemente a 
erosão vertical, que é muito mais eficaz que a erosão vertical que 
se segue ao intemperismo químico nos rios de planaltos tropicais 
ou a erosão mecânica dos rios das latitudes médias, onde o 
permafrost é ausente. No último caso a erosão fluvial é 
meramente capaz de um leve polimento do leito rochoso, e 
mesmo isto é restrito a ações dos redemoinhos em poços 
individuais. 
Os rios que fluem sobre a casca de gelo, todavia, precisam 
apenas fundir o gelo para liberar grandes quantidades de detritos 
de pequeno porte, o que pode ser feito de maneira uniforme ao 
longo de toda sua extensão e largura. Poderíamos mostrar que os 
rios do SE de Spitzbergen foram capazes de rebaixar seus 
amplos pavimentos detríticos, de 10 a 30 metros de profundidade, 
durante os 10.000 anos do Holoceno, a uma taxa média de 1 a 3 
metros a cada 1.000 anos. Os mesmos valores são obtidos 
quando fazemos os cálculos para os rios da Europa Central, 
usando a distância vertical entre os fundos de vales modernos e 
os terraços do período Günz, ou entre os terraços de Riβ e Würm. 
Naturalmente o aprofundamento aconteceu principalmente 
durante os estágios frios, ou, para ser mais específico, durante 
cada uma de suas fases iniciais. As similaridades vão mesmo 
além. Similarmente aos vales de Spitzbergen, nossos vales das 
latitudes médias estendem-se continuamente até o centro das 
montanhas a toda largura e sem rupturas abruptas nos perfis. Isto 
não poderia ser explicado por qualquer mecanismo, a não ser 
pelo efeito “casca de gelo”. O termo “thermische Tiefenerosion” 
(ou erosão vertical térmica) que algumas vezes é aplicado a esta 
situação não é adequado, porque ele não inclui o fraturamento do 
leito rochoso pela casca de gelo, que é o fator chave neste 
processo. Em nenhum outro clima a erosão é, comparativamente, 
tão eficaz. Por essa razão falamos em formação de vales 
pronunciada (exzessive Talbildung). 
Especialmente os pequenos rios não foram capazes de 
modificar seus amplos pisos fluviais wurmianos, de forma 
significativa, durante o Holoceno. Há muitos exemplos para 
ilustrar este fato, como o amplo piso fluvial do Meno ou do Tauber 
na Francônia, ou outros na Floresta Negra, ou nas partes jamais 
glaciadas dos Alpes Orientais. Na Suábia (Schwäbische Alb) os 
rebordos separando os vales recentes das superfícies antigas, 
são acentuados pelas camadas sub-horizontais do calcário 
jurássico resistente. Nós interpretamos estes vales como a 
terceira geração principal de relevos da Europa Central (fig. 2). As 
amplas superfícies elevadas relictuais, nas quais as bordas 
destes vales frequentemente agem de maneira direta, se 
encaixando, são chamadas de primeira geração de relevo. 
Elas compreendem amplos e antigos etchplains 
(Rumpfflächen) que truncam suavemente todos os tipos de 
rochas, todos os deslocamentos tectônicos pré Mioceno e 
atravessam os divisores que separam os sistemas de drenagem 
do Quaternário. Nós devemos antão perguntar por qual 
combinação de processos essas superfícies impressionantes, que 
ainda dominam muito do relevo, foram originadas. Os processos 
devem, obrigatoriamente, ter sido totalmente diferentes daqueles 
que criaram os relevos do Pleistoceno e do Holoceno. 
A julgar pelos relictos das massas caoliníticas vermelhas, 
pelos fósseis bem identificados encontrados em dutos cársticos 
preenchidos com argilas de diversas idades na Francônia, esta 
superfície se formou do Cretáceo Inferior até o Cretáceo Superior, 
em alguns lugares até o médio Plioceno, englobando assim cerca 
de 60 milhões de anos. Durante todo este tempo o clima das 
latitudes médias foi tropical, oscilando entre permanentemente e 
sazonalmente úmido. Isto significa que processos relativamente 
uniformes puderam agir durante períodos longos de tempo. Em 
áreas de soerguimento pronunciado as superfícies foram 
inclinadas em Rumpftreppen ou etchplanos escalonados. 
Os processos e as formas vivas correspondentes são 
encontrados nos trópicos sazonais, nas paisagens de savana da 
África, da América do Sul e da Índia. Estas condições também 
podem ser largamente comparadas com as encontradas nos 
trópicos úmidos. 
É claro que também existem montanhas e vales nos 
trópicos úmidos. Os vales dos Andes Tropicais e de partes de 
Ásia de Sudeste são talvez os exemplos mais eloqüentes. Mas 
estes vales são completamente diferentes daqueles extratropicais 
acima descritos. Eles são predominantemente estreitos e em 
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forma de V; eles não possuem pavimentos de seixos e seus perfis 
longitudinais são interrompidos por numerosas quedas d’água e 
corredeiras. Eles dissecam fortemente as bordas de suas 
montanhas, mas eles não penetram nelas profundamente. 
Os rios assumem um caráter totalmente diferente tão logo 
ingressam nas planícies adjacentes, que geralmente encontram 
as montanhas em ângulos côncavos acentuados. Este é o 
domínio dos etchplanos ativos, com sua cobertura de massas 
argilosas vermelhas profundamente intemperizadas e salpicadas 
por inselbergs isolados (bornhardts) e montanhas inselbergs. No 
Sudão ou na Índia Meridional eles se estendem por milhões de 
quilômetros quadrados. 
Eles são o produto de uma denudação areal de longa 
duração, totalmente diferente dos processos que governam hoje o 
desenvolvimento do relevo nas regiões extratropicais. 
A força motriz é o intemperismo químico muito intenso que 
transforma quase todos os minerais em caulinita, haloisita e 
minerais de argila relacionados.O produto do intemperismo é um 
regolito argiloso vermelho de 3 a 30 metros de espessura, 
denominado de maneira variável de latossolo, ferrolítico, 
plastossolo ou oxissolo, contendo apenas uma pequena fração de 
areias finas ou de quartzo. 
 O processo denudacional é aquele do duplo aplainamento 
(doppelte Einebnung). A cobertura de regolitos argiolosos 
vermelhos jaz sobre a uma superfície de intemperismo basal, 
exibindo um relevo irregular de protuberâncias em resposta 
às resistências das rochas. Nesta superfície acontece intensa 
 
desintegração rochosa, mas nenhum transporte mecânico de 
materiais. Este acontece apenas na parte superior, formando uma 
superfície de lavagem. Na estação chuvosa os minerais de argila 
da superfície são mobilizados, em suspensão, a cada episódio 
chuvoso, podendo assim ser conduzidos mesmo pelos pequenos 
filetes d’água. Simultaneamente os ácidos húmicos e carbônicos 
no solo facilitam a remoção dos materiais dissolvidos. Na 
superfície a água lamacenta é coletada em depressões de 
lavagem rasas, separadas por divisores de lavagem ligeiramente 
mais altos (spülscheiden). Mesmo os rios maiores fluem nestas 
amplas depressões de lavagem. Seus pavimentos de areia fina 
ficam predominantemente secos na estação seca, mas são 
amplamente inundados na estação chuvosa. Frequentemente 
eles desenvolvem diques baixos bloqueando seus tributários, mas 
devido à falta de instrumentos erosivos eles são incapazes de 
erodir verticalmente. Em muitos casos não são capazes de cortar 
abaixo desta cobertura detrítica vermelha. Onde ocorre deles 
fluírem sobre a rocha fresca não são capazes de cortá-la, 
formando, em vez disto, corredeiras e cachoeiras. Estas 
“cataratas” foram grande obstáculo na exploração das regiões 
tropicais, onde se desenvolveram ao longo dos rios como o Nilo, o 
Congo e os afluentes do Amazonas. Estes rios funcionam apenas 
como níveis de base passivos ou dutos passivos mas não são 
ativos no sentido de erosão linear. Em geral, eles não conseguem 
se sobrepor à denudação areolar, em vez disso estão 
completamente integrados no processo generalizado de 
rebaixamento da superfície. 
 
Figura 2 Gerações de relevo na Europa Ocidental e Central 
1. Etchplanos terciários e etchplanos em patamares (supefícies relictuais); 
2 a. Altos terraços pliocênicos; 
2 b. Terraços amplos (Plioceno superior ao Pleistoceno inferior; 2.5 a 0.8 milhões de anos a.p.); 
3. Vales periglaciais estreitos (formação pronunciada de vales durante as fases frias do Pleistoceno); 
4. Fraca formação de vales no Holoceno 
 
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Revista do Departamento de Geografia, 19 (2006) 111-118. 
 
 
 
Toda evidência indica que as antigas superfícies coroando 
as montanhas das latitudes médias foram formadas de forma 
similar durante o Terciário. Nós a chamamos de primeira geração 
de relevo. Ela é efetivamente bem preservada nos planaltos da 
Francônia (Frankenalb) ou na Normandia (fig. 2, nº 1). Em áreas 
de soerguimento apenas moderado e distante dos rios principais 
não há nenhum relevo intermediário entre ela e os vales 
esculpidos nas fases periglaciais do Pleistoceno. Nestas áreas 
formações antigas contínuas operaram até o Plioceno Médio. Em 
áreas onde blocos foram rapidamente soerguidos na borda de rios 
principais (como o Reno e o Danúbio) ou em depressões, um 
sistema intermediário de faixas estreitas de superfícies planas foi 
criado, o qual nós chamamos de segunda geração do relevo (fig. 
2, nº 2). Ocasionalmente, um sistema mais antigo e outro mais 
recente podem ser distinguidos (2a e 2b). A idade e a natureza da 
subgeração mais antiga (2a) é ainda objeto de investigação. Há 
um pouco mais de informação sobre a geração 2b. Sempre onde 
ela tem podido ser datada ela pertence ao Plioceno Final 
(Villafranca) ou Pleistoceno Inicial (do estágio frio Pré-Tegelen ao 
estágio quente Waal), isto é, a um tempo localizado 
aproximadamente entre 2,5 e 0,8 milhões de anos A.P. Neste 
tempo os processos de formação de etchplanos estavam em 
operação em nossas latitudes, enquanto aqueles responsáveis 
pela formação dos vales periglaciais ainda não estavam 
operando. As diferenças entre fases quentes e frias eram ainda 
moderadas; as fases frias não eram ainda frias o suficiente para 
formação de glaciares e permafrost. De outro lado, as geadas já 
forneciam, nos invernos, algum material grosseiro para os rios. 
Acima de tudo, todavia, havia prolongados períodos secos, 
quando apenas uma vegetação de estepe podia sobreviver. Sob 
estas condições, amplos mas ainda pouco profundos vales eram 
cortados nos etchplanos. Em seus cursos superiores estes rios 
transportavam predominantemente o solo e a camada 
intemperizada que era lavada das superfícies planas antigas. 
Relictos destes depósitos são ocasionalmente encontrados em 
amplos terraços, compostos de detritos subangulares irregu-
larmente distribuídos em uma matriz caolinítica (Wälzschutt), que, 
no conjunto, guarda algumas semelhanças com depósitos de 
corrida de lama. 
Ao redor das montanhas estes amplos terraços freqüen-
temente passam para amplos pedimentos e superfícies de glacis 
cobertos com camadas de detritos similares em transporte. Bons 
exemplos são encontrados ao longo do arco interior e auréola 
externa dos Cárpatos. Formas comparáveis são encontradas hoje 
nos atuais desertos com invernos frios. 
Este foi um conciso sumário para as quatro maiores 
gerações de formas de relevo das latitudes médias, como 
podemos interpretar com base nos conhecimentos atuais da 
geomorfologia climatogenética. O trabalho sobre esse tema está 
longe de estar completo. Mas é evidente que a abordagem 
genética é o único caminho pelo qual todas as fases do 
desenvolvimento em direção às formas de relevo visíveis hoje 
podem ser explicadas. 
A natureza das fases individuais, todavia, apenas poderá 
ser entendida quando as zonas climáticas forem investigadas e 
encontradas na Terra, nas quais processos análogos modelam 
formas similares, que poderão ser estudadas detalhadamente. A 
abordagem climática é, desta forma, baseada na abordagem 
climatomórfica, englobando a Terra do Equador ao Pólo. Apenas 
a união de ambas colocará a geomorfologia em nível adequado 
com as outras ciências da natureza, independente de seus 
objetivos e métodos. 
 
 
 
 
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Revista do Departamento de Geografia, 19 (2006) 111-118. 
 
 
 
Abstract: The author summarizes the life and work of Julius Büdel (1903-1983) and translates to Portuguese his ¨Climatic and Climatomorphic 
Geomorphology¨ published in the ¨Zeitschrift für Geomorphologie¨, Supplementband 36, 1980. 
 
Key words: Julius Büdel, Climatic Geomorphology, Climatomorphic Zones. 
 
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