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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS CURSO DE DIREITO GUILHERME CHRISTEN MÖLLER A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO BLUMENAU 2016 GUILHERME CHRISTEN MÖLLER A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Regional de Blumenau, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Prof. Me. Alexandre Baumgratz da Costa – Orientador BLUMENAU 2016 GUILHERME CHRISTEN MÖLLER A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, tendo sido julgado pela Banca Examinadora formada pelos professores: Presidente: Prof. Me. Alexandre Baumgratz da Costa – Orientador, FURB Membro: Prof. Me. Antônio Carlos Marchiori – FURB Blumenau, 11 de novembro de 2016 Esta Monografia é dedicada aos meus amados avós maternos, Raimundo Christen e Lukretia Christen, bem como aos meus amados pais, George Ludwig Möller e Sandra Mara Christen Möller. “ O futuro dependerá daquilo que fazemos no presente. “ (Mahatma Gandhi) RESUMO Tendo por objetivo a análise do fenômeno da constitucionalização das leis infraconstitucionais no Brasil, em especial nesta monografia com relação ao Direito processual civil, em uma perspectiva histórica, abordar-se-á os principais momentos e eventos que influenciaram para a formação do fenômeno, sobretudo quanto aos reflexos desse no processo civil contemporâneo brasileiro, para tanto, iniciando-se com uma explanação geral acerca da história do Brasil e sua influência para a formação do Direito pátrio. Prosseguindo para uma análise da formação do Direito processual civil no mundo e no Brasil, na sequência, observando as relações entre Constituição e Processo, e finalizando com o exame do fenômeno da constitucionalização das leis infraconstitucionais, notadamente nesta monografia, o Direito processual civil. Por meio dessa perspectiva, ao final de uma longa jornada, conclui-se que a constitucionalização do Direito é um fenômeno decorrente do neoconstitucionalismo e importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico e que, no caso dessa irradiação no processo civil, resulta na busca pela efetividade jurisdicional, por intermédio de um processo justo, que respeite o efetivo contraditório e demais garantias fundamentais inerentes às partes, bem como respeite e seja olhando sempre à luz da Constituição brasileira. Palavras-chave: Processo civil. Constitucionalização. Neoconstitucionalismo. Processo justo. Efetividade jurisdicional. Democracia. Pós-positivismo. Direito constitucional. RÉSUMÉ Avec l'objectif de l'analyse de la constitutionnalisation du phénomène des lois infra au Brésil, en particulier dans cette monographie en matière de droit procédural en matière civile dans une perspective historique, seront abordés les moments et les événements qui ont influencé la formation du phénomène clés, en particulier sur les conséquences de ce processus dans civile brésilienne contemporaine de le faire, à commencer par une explication générale sur l'histoire du Brésil et son influence sur la formation du droit paternel. En procédant à une analyse de la formation de la loi de procédure civile dans le monde et au Brésil, à la suite, en observant la relation entre la Constitution et le processus, et se terminant par l'examen du phénomène de constitutionnalisation lois infra, en particulier dans cette monographie, la loi de procédure civile. Grâce à cette perspective, la fin d'un long voyage, il est conclu que la constitutionnalisation du droit est le résultat de l'neoconstitutionalism phénomène et les questions en irradiation logé des valeurs les principes et règles de la Constitution à travers le système juridique et, si cela irradiation dans une procédure civile, ce qui entraîne dans la poursuite de l'efficacité judiciaire, à travers un processus équitable qui respecte les garanties fondamentales efficaces et d'autres antagonistes inhérents aux parties et le respect et est toujours à la recherche à la lumière de la Constitution brésilienne. Mots-clés: Procédure civile. Constitutionnalisation. Neoconstitutionalism. Équitable du processus. Efficacité judiciaire. Démocratie. Postpositivism. Droit constitutionnel. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANL – Aliança Nacional Libertadora; BGB – Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão); CC – Código Civil; CCom – Código Comercial; CF – Constituição Federal; CPC – Código de Processo Civil; IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais; MMDC –Mário, Euclides Miragaia, Dráusio e Antônio Camargo (Movimento revolucionário). SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 17 2 A CRONOLOGIA HISTÓRICA DO BRASIL E SUAS INFLUÊNCIAS NA CIÊNCIA JURÍDICA ................................................................................................ 19 2.1 A FASE PRÉVIA AO DIREITO NO BRASIL ........................................................... 19 2.2 O DIREITO PORTUGUÊS .......................................................................................... 20 2.3 O NASCIMENTO DE PORTUGAL ............................................................................ 21 2.3.1 ORDENAÇÕES AFONSINAS .................................................................................... 23 2.3.2 ORDENAÇÕES MANUELINAS ................................................................................ 24 2.4 O DIREITO NO BRASIL-COLÔNIA ......................................................................... 24 2.4.1 INVASÃO PORTUGUESA NOS TERRÍTORIOS INDÍGENAS .............................. 24 2.4.2 A ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO NO PERÍODO DO BRASIL-COLÔNIA .......... 27 2.4.2.1 A DISPOSIÇÃO DO JUDICIÁRIO NO BRASIL-COLÔNIA ................................... 28 2.4.2.1.1 PRIMEIRA INSTÂNCIA ............................................................................................. 28 2.4.2.1.2 SEGUNDA INSTÂNCIA ............................................................................................. 29 2.4.2.1.3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPERIOR ...................................................................... 29 2.4.2.1.4 MAGISTRADOS E DESEMBARGADORES ............................................................ 29 2.5 AS ORDENAÇÕES FILIPINAS ................................................................................. 31 2.6 O DIREITO IMPERIAL ...............................................................................................33 2.6.1 A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E O LIBERALISMO ......................................... 33 2.7 O DIREITO NO FINAL DO PERÍODO IMPERIAL E INÍCIO DA REPÚBLICA VELHA ......................................................................................................................... 35 2.7.1 AS REGÊNCIAS NO BRASIL IMPÉRIO .................................................................. 36 2.7.1.1 A REGÊNCIA TRINA PROVISÓRIA ........................................................................ 36 2.7.1.2 A REGÊNCIA TRINA PERMANENTE ..................................................................... 36 2.7.1.3 A REGÊNCIA DE FEIJÓ ............................................................................................ 37 2.7.1.4 A REGÊNCIA DE ARAÚJO LIMA ............................................................................ 37 2.7.2 AS PRINCIPAIS REVOLTAS POPULARES DA ÉPOCA ........................................ 38 2.7.2.1 A CABANAGEM ......................................................................................................... 38 2.7.2.2 A REVOLTA DOS MALÊS NA BAHIA .................................................................... 38 2.7.2.3 A SABINADA .............................................................................................................. 39 2.7.2.4 A BALAIADA .............................................................................................................. 40 2.7.2.5 A GUERRA DOS FARRAPOS ................................................................................... 40 2.7.3 AS LEIS ABOLICIONISTAS SANCIONADAS PELA PRINCESA REDENTORA NO PERÍODO IMPERIAL .......................................................................................... 41 2.8 A REPÚBLICA E O DIREITO .................................................................................... 43 2.8.1 A REPÚBLICA VELHA .............................................................................................. 43 2.8.2 O MOVIMENTO TENENTISTA, A REVOLUÇÃO DE 30 E A NOVA ORDEM JURÍDICO-POLÍTICA ATÉ A CHEGADA DO ESTADO NOVO ........................... 46 2.8.2.1 A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL OCORRIDA NA ERA VARGAS ............... 47 2.9 O BRASIL NO ESTADO NOVO ................................................................................ 49 2.9.1 A CAMINHADA ATÉ À INSTITUIÇÃO DO ESTADO NOVO .............................. 50 2.9.2 O ESTADO NOVO EM DIREÇÃO À DITADURA MILITAR DE 1964 .................. 50 2.10 OS MILITARES NO PODER E A REDEMOCRATIZAÇÃO APÓS 1987 ............... 52 2.10.1 A DITADURA MILITAR NO BRASIL ...................................................................... 52 2.10.2 OS ATOS INSTITUCIONAIS DA DITADURA MILITAR ....................................... 53 2.10.3 O FIM DO REGIME MILITAR E A REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL .......... 55 3 O DIREITO PROCESSUAL CIVIL ........................................................................ 56 3.1 ORIGENS DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E O PERÍODO DO PRAXISMO . 56 3.2 A EVOLUÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL SOB O VIÉS DO MUNDO CLÁSSICO GREGO .................................................................................................... 58 3.3 O PERÍODO DO PROCESSO CIVIL ROMANO ....................................................... 59 3.3.1 A PRIMEIRA FASE DO PROCESSO CIVIL ROMANO – PERÍODO PRIMITIVO 59 3.3.2 A SEGUNDA FASE DO PROCESSO CIVIL ROMANO – PERÍODO FORMULÁRIO ...................................................................................................................................... 60 3.3.3 A TERCEIRA FASE DO PROCESSO CIVIL ROMANO – FASE DA COGNITIO EXTRAORDINARIA ................................................................................................... 61 3.4 O PERÍODO DO PROCESSO COMUM ..................................................................... 61 3.5 A FASE CIENTÍFICA DO PROCESSO CIVIL – O PROCESSO CIVIL MODERNO ...................................................................................................................................... 64 3.6 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO CIVIL DO SÉCULO XIX ATÉ O SÉCULO XXI 65 3.6.1 O PROCESSO CIVIL DO SÉCULO XIX E A SEGUNDA FASE DO PROCESSO: AUTONOMISMO PROCESSUAL ............................................................................. 65 3.6.2 O PROCESSO CIVIL DO SÉCULO XX E O PERÍODO INSTRUMENTAL DO PROCESSO .................................................................................................................. 66 3.6.3 O PROCESSO CIVIL DO SÉCULO XXI E O NEOPROCESSUALISMO ............... 67 4 A FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL NO BRASIL ......................................... 69 4.1 O REGULAMENTO Nº 737 ........................................................................................ 70 4.2 CÓDIGOS PROCESSUAIS ESTADUAIS .................................................................. 72 4.3 CÓDIGOS UNITÁRIOS E O DECRETO-LEI Nº 1.609/1939 ................................... 72 4.4 CÓDIGO BUZAID – LEI Nº 5.869/1973 .................................................................... 73 4.5 AS REFORMAS DO CÓDIGO PROCESSUAL CIVIL DE 1973 .............................. 75 4.6 A BUSCA PELA EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – LEI Nº 13.105/2015 ........................................... 77 4.6.1 O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 ............................................................ 77 4.6.2 AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA NOVA CODIFICAÇÃO PROCESSUAL CIVIL ...................................................................................................................................... 79 4.6.3 UMA VISÃO GERAL DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ...................... 82 4.6.4 A CONSTANTE BUSCA DA EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL .... 83 5 CONSTITUIÇÃO E PROCESSO CIVIL: HISTÓRIA CONSTITUCIONAL DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO E A CONFORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL ATUAL ............................................................................................................ 85 5.1 A FORMAÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO NA PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL ................................................................................................... 85 5.2 A RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL DA JUDICIAL REVIEW - O CONTROLE DE PODER NO PROCESSO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ................................. 87 5.3 O NASCIMENTO DO CONTROLE DO PODER DO ESTADO ............................... 88 5.4 PROCESSO CONSTITUCIONAL (COMMON LAW) E PROCESSO INFRACONSTITUCIONAL (CIVIL LAW): O PARADOXO METODOLÓGICO BRASILEIRO ............................................................................................................... 89 5.5 A TEORIA DA RECEPÇÃO CONSTITUCIONAL ................................................... 91 5.6 A CONSTITUIÇÃO DE 1891 E AS DOUTRINAS NACIONAIS DO JUDICIAL REVIEW, ATÉ O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ............. 93 5.6.1 O PROCESSO E CONSTITUIÇÃO DE 1934 ............................................................. 97 5.6.2 O PROCESSO E CONSTITUIÇÃO DE 1937 ............................................................. 98 5.6.3 O PROCESSO CONSTITUIÇÃO DE 1946 .............................................................. 100 5.6.4 AS CARTAS CONSTITUCIONAIS DO GOLPE MILITAR ................................... 101 5.7 NEOCONSTITUCIONALISMO E TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO CONSTITUCIONAL CONTEMPORÂNEO ............................................................. 103 5.7.1 MARCO HISTÓRICO ............................................................................................... 103 5.7.2 MARCO FILOSÓFICO ..............................................................................................104 5.7.3 MARCO TEÓRICO ................................................................................................... 106 5.7.3.1 A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO .................................................... 106 5.7.3.2 A EXPANSÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ........................................ 107 5.7.3.3 A NOVA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL ............................................... 108 5.8 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ESTADO DEMOCRÁTICO CONSTITUCIONAL: O FORMALISMO VALORATIVO E A AMPLIAÇÃO DO CONTROLE DOS PODERES PELA SOCIEDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO ................................................................................................ 113 6 O DIREITO PROCESSUAL CIVIL NO SÉCULO XXI: A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO .................................................................... 118 6.1 GENERALIDADES ACERCA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO 118 6.2 ORIGEM E EVOLUÇÃO DO FENÔMENO ............................................................ 119 6.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO NO BRASIL ................................. 123 6.3.1 O DIREITO INFRACONSTITUCIONAL NA CONSTITUIÇÃO ........................... 123 6.3.2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO INFRACONSTITUCIONAL ....... 124 6.3.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO E SEUS MECANISMOS DE ATUAÇÃO PRÁTICA ............................................................................................... 126 6.4 CONSTITUCIONALIZAÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIAIS .................................................................................................................................... 127 6.5 TEORIA CIRCULAR DOS PLANOS (DIREITO MATERIAL E DIREITO PROCESSUAL) ......................................................................................................... 131 6.6 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO ........................................................................ 134 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 141 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 144 17 1 INTRODUÇÃO Este trabalho de conclusão de curso trata acerca da constitucionalização do Direito processual civil contemporâneo brasileiro, tema de extrema atualidade e de pouquíssima exploração, isso, até o momento da realização deste trabalho. Na busca pela efetiva compreensão da temática, será, no decorrer do trabalho, abordado aspectos históricos sobre o Direito processual civil, o Direito constitucional – relacionando-o com o processo – e a história do Brasil sob a perspectiva da formação do Direito pátrio. Feitas essas premissas históricas, na sequência, busca-se um estudo com foco no neoconstitucionalismo – sob o viés de seus marcos histórico, filosófico e teórico –, e suas repercussões sobre todas as leis infraconstitucionais dos Estados Democráticos de Direito, no caso desta monografia, exclusivamente no Brasil. Ocorre que o principal foco deste trabalho não é o estudo do fenômeno da constitucionalização das leis infraconstitucionais por si só, mas, é, porém, foco deste trabalho a análise das repercussões do fenômeno do neoconstitucionalismo no Direito processual civil brasileiro, ainda mais com a recente entrada em vigor de uma nova legislação processual, no caso, o Código de Processo Civil de 2015, ou, Lei nº 13.105 de 2015, legislação que sequer completa um ano de vigor até a data de fechamento deste trabalho. Dessa forma, almeja-se, como objetivo geral deste trabalho, a compreensão das interligações dos ramos do Direito e o próprio Direito brasileiro, na sua perspectiva histórica, para, com isso, finalmente, alcançar a compreensão do fenômeno decorrente do neoconstitucionalismo – a constitucionalização das leis infraconstitucionais – no Brasil e o resultado, por esse período, dentro da esfera do processo civil, inclusive, sob a ótica dos reflexos daqueles institutos estudados. Esta monografia se justifica por causa da importância desse fenômeno no cotidiano forense, haja vista a busca por um “novo processo civil”, ignorando velhos dogmas e formalismos desnecessários, zelando, acima de tudo, por um processo justo e a preservação dos Direitos das partes, especialmente os Direitos fundamentais inerentes a elas. Além disso, não apenas com relação à prática, mas, também, para a teoria do processo civil, porquanto é ponto fundamental para a doutrina na busca pela construção de um “novo processo civil”, inclusive, refletindo em todos os institutos da ciência processual. 18 A metodologia para o desenvolvimento desta pesquisa será bibliográfica, para que as opiniões dos autores possam ser refletidas e os dispositivos legais interpretados e comparados. Portanto esta dissertação será dividida em cinco capítulos. O primeiro contextualizará a história brasileira e sua influência para a formação do Direito pátrio. O segundo, por sua vez, tratará sobre a evolução do processo civil, em caráter lato sensu, desde seus primórdios, até a formação do processo civil contemporâneo. O terceiro, ao estudo da formação do processo civil brasileiro. Na sequência, e encaminhando-se para o fim, o quarto e penúltimo capítulo tratará sobre as relações entre Constituição e processo, especialmente sob o foco do desenvolvimento constitucional no Brasil, partindo-se das influências da common law na Constituição Republicana de 1891, e chegando-se no neoconstitucionalismo. O quinto e último capítulo se destina ao estudo do processo civil no século XXI, especialmente sob a influência da Constituição Federal, porquanto se busca o zelo da democracia e de garantia da efetividade dos Direitos fundamentais das partes, além de ser o capítulo que tratará acerca do tema desta monografia. Para melhor compreensão deste trabalho, recomenda-se ao leitor que se permita a fazer uma leitura ampla, de modo a interligar os capítulos, haja vista que um embasa o outro e vice- versa. Por fim, destaca-se que este trabalho é fruto de meses de esforço, seja em incansáveis pesquisas, seja em um exaustivo planejamento metodológico, fora o grande afeto empregado. Buscou-se, aqui, uma linguagem clara e objetiva, de modo a qualquer operador do Direito, independentemente do grau de formação, pode-lo compreender da melhor forma. 19 2 A CRONOLOGIA HISTÓRICA DO BRASIL E SUAS INFLUÊNCIAS NA CIÊNCIA JURÍDICA A história do Direito brasileiro, assim como é o caso de todos os demais ordenamentos do mundo, é marcada por diversos acontecimentos históricos. Neste capítulo será feita uma abordagem geral acerca da evolução histórica do Brasil e suas influências na formação do Direito brasileiro, relatando questões como chegada dos portugueses em solo brasileiro, instituição de Impérios, queda de Impérios, instauração de Regimes, queda dos Regimes, lutas, revoltas e revoluções populares, dentre diversos pontos históricos, com o objetivo de demonstrar que a formação do que conhecemos por Direito na atualidade decorre e depende de uma conturbada cadeia cronológica de eventos. É de suma importância tratar este capítulo antes mesmo do estudo do processo civil e das relações entre constituição e processo porque o próprio Direito que deu ensejo a esses ramos, dada a sua divisão em diversos ramos, teve influência pelo período histórico em que se encontrava, isso, considerando a imposição de autoritarismos,ruptura da democracia, ascensão da democracia, dentre diversos fatores, todos influenciadores, em sua respectiva parcela, do nosso Direito constitucional e, especialmente, do nosso processo civil moderno. Assim, propõe-se uma interligação de capítulos para melhor compreensão desta monografia, partindo deste capítulo, o qual servirá de base para todos os demais, justificando, assim, o seu caráter volumoso e seu posicionamento como primeiro capítulo deste trabalho. 2.1 A FASE PRÉVIA AO DIREITO NO BRASIL Antes mesmo da formação do Brasil, as terras brasileiras que hoje conhecemos eram terras de povos indígenas. Em um segundo momento da história do Brasil, éramos uma colônia de Portugal, como veremos na sequência, de modo que, considerando as submissões àquele reino, diversos costumes, métodos educacionais, hábitos, dentro outras características foram incorporadas pela colônia de mesmo modo como eram executados na metrópole. Diferentemente não foi, inicialmente, com o Direito. 20 “Esse fenômeno de transmigração do Direito, que, do seu país de origem, segue para outros, especialmente por conta da colonização, que impõe ao colonizado ideias e leis, bem como pela própria e inata ‘contagiosidade do Direito’”.1 Assim, para iniciarmos o estudo acerca do Direito no Brasil, precisa-se, antes, compreender como surgiu o Direito em Portugal. 2.2 O DIREITO PORTUGUÊS Dentre os vários territórios dominados pelo Império Romano, pode-se destacar que a Península Ibérica foi um deles. Ocorre que no momento do domínio, diversos povos ali já habitavam, a exemplo, Celtas, Iberos, Cartaginenses, Fenícios, Gregos, dentro outros, com maior destaque para os Lusitanos, os quais habitavam parte do território que hoje se conhece por Portugal. Foi no século V, com o início da invasão da Península Ibérica, pelos povos bárbaros germânicos, especialmente os Alanos, Suevos e Vândalos, que motivou a negociação daquele território, a negociação se deu entre os Romanos e a tribo dos Visigodos, restado o acordo frutífero, houve a tomada daquela região por essa tribo. Desta forma, destaca-se que esse foi o momento para o surgimento do Direito Visigótico, o qual dominou toda a região da Península Ibérica, isso por intermédio da codificação Visigótica. Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 205) ensinam que a construção do Direito português, além das influências romanas e da codificação Visigótica, de forma fina, teve participação do Direito muçulmano, porquanto, após o óbito de Maomé, formou-se um Estado Teocrático militar, o qual era governado pelas Califas, ou seja, os chefes políticos- religiosos, cujo objetivo era a expansão do islamismo. A afirmação dos professores está pautada justamente no viés de que por volta do ano de 700, os muçulmanos chegaram ao estreito de Gibraltar, o qual se localizava entre a Europa e a África, tendo, na sequência, dominado a Península Ibérica, porém, derrotados logo na sequência, quando tentaram a expansão em direção ao território dos francos. Os mouros permaneceram na Península Ibérica até o século XV, de forma a influenciar enormemente a cultura daquela região, inclusive, o Direito daquele povo.2 1 Nas palavras de Emerico Amaria quando cita Santi Romano (Princípios de Direito constitucional geral. Trad. Maria Helena Diniz. São Paulo: Ed. RT, 1977). 2 AGUIAR, Renan; MACIEL, José Fabio Rodrigues. História do Direito. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 206. 21 Os muçulmanos tinham traços de manter a estrutura dos locais dominados, bem como das instituições existentes, como é o caso do próprio Direito. Ocorre que a influência dos mouros não se deu apenas pela sua política de tolerância, mas sim que o Direito muçulmano era voltado em razão ao credo da pessoa, totalmente diferente do Direito Visigótico, o qual estava atrelado a raça do indivíduo.3 Os professores Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 206) fecham a linha de raciocínio deste tópico quando aduzem que dada a tolerância dos mouros, no tocante ao credo e a atividade jurídica, garantia-se autonomia administrativa e jurídica aos condados, com a possibilidade de utilização do Direito Visigótico e Direito Canônico. Destaca-se, então, que a formação do Direito português se deu pelas influências do Direito Romano, bem como pelo Direito Visigótico, e, pelo demonstrado acerca dos mouros, houve, de forma mínima, a influência do Direito Muçulmano, mesmo que sua aplicação fora mínima, dada a sua política de tolerância. 2.3 O NASCIMENTO DE PORTUGAL O cenário da Península Ibérica nos séculos XI e X era predominantemente árabe, com exceção do Norte, o qual predominou até o século XI, quando, a partir desse, como ensinam Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 206) com a formação dos reinos cristãos de Aragão, Navarra, dentre outros, iniciou-se a luta pela expulsão dos mouros da Península Ibérica. Aliados aos cristãos, nobres de outras regiões se aliaram para lutar contra os muçulmanos, denominados por eles, infiéis, de forma que, com a crescente necessidade de mobilização militar, o chefe do exército teve sua figura reforçada, o que facilitou o monopólio do poder nas mãos de uma pessoa, qual seja o rei. Foi justamente essa luta que, para Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 206), “fez Portugal tornar-se o primeiro Estado na acepção moderna do termo”, vez que, para a manutenção do exército eram necessários diversos subsídios, os quais eram arrecadados em um nível nacional por intermédio burocrático devidamente organizado, sustentado pela centralização do poder na figura do rei. Mesmo assim, Portugal ainda não era, no século XI, um Estado devidamente constituído. 3 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 206. 22 Portugal teve grande progresso em sua jornada para formação de um Estado graças a Dona Teresa, filha do Rei de Leão, Afonso VI, Rei que possuía o monopólio do poder de parcela da Península Ibérica, em especial, do Rio Mondego para o Norte. Envolvido na batalha contra os mouros, encontrava-se um nobre jovem chamado Henrique de Borgonha, o qual, como recompensa pelos seus notórios esforços, ganhou, diretamente do Rei de Leão, a mão de Dona Teresa para se casar com ela, bem como o governo do Condado Portucalense. Antes mesmo de Dona Teresa ter-se colocado à frente da independência de Portugal, seu marido, Conde Henrique, anexou ao seu domínio o Condado de Coimbra, tendo, por infelicidade, falecido logo após, o que motivou Dona Teresa a assumir o trono, isso porque os herdeiros do trono, filho do casal, contava com apenas três anos de idade. Dona Teresa foi a encarregada por ter continuado com o movimento que almejava a independência de suas terras, bem como para ser declarada rainha daquele território, porém, foi o seu filho, Dom Afonso Henrique, o responsável por tal façanha, eis que adentrou em uma guerra incessante contra o Rei Afonso VII, Rei de Leão, e contra os mouros. Em 1139, declarou a independência do Condado Portucalense e dos territórios por ele conquistados, nascendo, assim, Portugal, podendo-se dizer que houve a efetiva formação de um Estado. Destaca-se que Dom Afonso Henrique, agora rei, obteve o reconhecimento da independência de Portugal pelo próprio Rei de Leão e pelo Papa. Enquanto viveu, o Rei Afonso Henrique, travou batalhas com fito em aumentar seu território, o qual logrou êxito, deixando ao seu sucessor um vasto território em comparação àquele em que havia sido declarada independência do reino de Portugal.Entre os anos de 1279 e 1323, Don Diniz, governante do reino de Portugal no referido período, aderiu para àquele Estado um documento de origem espanhola, chamado “A Lei das Sete Partidas”, documento inspirado no Direito romano e no Direito canônico, buscando-se superar costumes e o Direito prévio a este período, o Direito Velho. A adoção pela Lei das Sete Partidas representa a adesão, pelos portugueses, da civil law, ou seja, do sistema romano- germânico. Tempos depois, houve a substituição desse sistema espanhol adotado pelos portugueses pelas Ordenações Reais.4 4 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 208. 23 2.3.1 ORDENAÇÕES AFONSINAS Para Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 208), as ordenações afonsinas são uma compilação, ou seja, conjunto de determinados textos jurídicos. Destaca-se a forte característica portuguesa nessas ordenações, porquanto se buscava diferenciar da legislação espanhola. As ordenações afonsinas surgem de um momento histórico do reino de Portugal, quando, ao final do século XIV, houvera forte crise dinástica naquele reino, vez que o rei Dom Fernando faleceu sem deixar herdeiros homens, apenas deixando sua filha a qual era casada com o Rei de Castela. Dada a morte do rei de Portugal e a inexistência de herdeiros para assumir o trono daquele reino, o objetivo do Rei de Castela era basicamente a inclusão do território pertencente à Portugal em seu território, fato que gerou tamanha revolta na nobreza. A pressão da nobreza fora tamanha que se conseguiu colocar Dom João I ao trono de Portugal, o irmão “bastardo” do falecido Rei Dom Fernando, o qual fora coroado em 1385, tornando-se rei de Portugal. Com esse novo passo na história de Portugal, houve início a Dinastia de Avis, ganhando- se, com ela, espaço no poder, o grupo mercantil urbano, sendo um dentre inúmeros dos fatos que proporcionaram ao reino de Portugal sair à frente nas Grandes Navegações. Porém, a preocupação maior nesse momento era evitar que o território pertencente a Portugal fosse anexado ao reino de Castela. O Rei Dom João I, em uma manobra de tentar-se desvincular de tal risco, determinou a elaboração de ordenações diferentes das constantes na Lei das Sete Partidas. Tal codificação fora concluída, porém, apenas em 1446, recebendo o nome de Ordenações Afonsinas, as quais tiveram forte influência do Direito Canônico, inclusive, tratando crime e pecado como se sinônimas fosse.5 Igualmente à codificações anteriores, as Ordenações Afonsinas eram divididas em cinco livros, o primeiro livro denominado de “Relativo aos regimes dos cargos públicos (régios e municipais) compreendendo o governo, a justiça, a fazenda e o exército”, o segundo livro era denominado de “Direito Eclesiástico, jurisdição e privilégios dos donatários, prerrogativas da nobreza e estatuto dos judeus e dos mouros”, o terceiro, por sua vez, era destinado exclusivamente ao “Processo Civil”, e, em igual linha, o quarto e o quinto, eram, respectivamente, destinados ao “Direito Civil” e ao “Direito Penal e Direito Processual Penal”. 5 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 208-209. 24 A estruturação do judiciário daquele reino era representada por magistrados singulares e tribunais colegiados de segundo e terceiro grau de jurisdição, como nos ensinam Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 209). 2.3.2 ORDENAÇÕES MANUELINAS Em 1521, contando o fato de que leis extravagantes continuavam a ser editadas, cumulando-se ao fato de que as Grandes Navegações trouxeram consideráveis mudanças sociais ao reino, demonstrou-se a real necessidade da elaboração de um novo corpo de lei, vez que se buscou a unificação do Direito português, resultando, assim, na elaboração das Ordenações Manuelinas.6 Tais ordenações eram similares às anteriores, porquanto a utilização do Corpus Juris Civilis como Direito subsidiário, com fito em suprimir lacunas e falhas dos documentos jurídicos.7 As divisões dos livros dessas ordenações eram iguais às anteriores, cinco livros, com a diferença de que as Ordenações Manuelinas tratavam de forma mais específica as questões no tocante ao Direito marítimo, de contratos e de mercadores. O Direito penal e processual penal dessas ordenações continuavam iguais aos das Ordenações Afonsinas. Os fidalgos, de mesmo modo em legislações anteriores, continuavam a ter vantagens em relação ao povo. A pena de morte e a tortura não deixaram de ser largamente aplicava.8 2.4 O DIREITO NO BRASIL-COLÔNIA 2.4.1 INVASÃO PORTUGUESA NOS TERRÍTORIOS INDÍGENAS Antes mesmo da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, essas terras já eram conhecidas por serem disputas entre Portugal e a Espanha, corroborando tais afirmações o Tratado de Toledo, o Bulla Inter Coetera e o Tratado de Tordesilhas. Com o início das grandes navegações, grandes povos como Portugal, Espanha e Inglaterra puderam explorar terras distantes ao Continente Europeu. Dentre essas explorações, ao dia 22 de abril de 1500, ao final do século XV, Pedro Álvares Cabral “descobriu” o Brasil. 6 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 209. 7 Id., Op. cit., p. 209. 8 Id., Op. cit., p. 209. 25 Ao chegar nessas terras desconhecidas, constatou-se que o s habitantes originários do que conhecemos hoje por Brasil eram diversos, isso, considerando-se as tribos, as diversas etnias e incontáveis tipos de linguagem. A característica básica desses povos primitivos era justamente o fator de viverem em comunidade, inexistindo propriedade privada, aliás, existia sim, como bem acentua Flávia Lages de Castro (2016, p. 295), porém, apenas no tocante a determinados artefatos, os quais eram considerados como propriedade de uma família ou de apenas um indivíduo. A denominação atribuída a esses povos foi a palavra “índio”. Esse povo, agora, denominado de índios, possuíam um sistema muito arcaico, isso, desde atividades básicas, como a caça, até mesmo na sua forma política e jurídica. Diferentemente do modelo Europeu, não haviam codificações iguais aquele sistema. Existiam regras não codificadas, as quais variavam de tribo para tribo, operando-se, acima de tudo, o respeito pela vontade individual de cada indivíduo, e decisões importantes acerca das tribos eram tomadas por uma espécie de plebiscito realizada exclusivamente pelos homens da aldeia.9 Dado o cenário dos povos indígenas, os portugueses, de forma arbitrária, impuseram diversos institutos deles a esses povos, inclusive, instituições políticas e jurídicas, até porque eram inexistentes neste período do Brasil. Não houve qualquer discussão acerca da permanência, ou da imposição dos sistemas dos portugueses, sem qualquer constrangimento os portugueses estabeleceram suas instituições jurídicas e políticas ao Brasil-Colônia, descartando e não restando quaisquer costumes adotados pelos povos indígenas antes da “descoberta” do Brasil.10 Na perspectiva da formação do Direito brasileiro, em um primeiro momento os negros e índios foram considerados como objetos e não sujeitos de Direitos, advindo daí a relação de nosso Direito com o sistema romanista, porquanto, além de ter sido importado de Portugal e termos permanecido com as codificações da Metrópole até a independência do Brasil, dia 07 de setembro de 1822, nenhuma outra civilização influenciou a formação jurídica do Brasil, salvo a formação constitucional, a qual possuí traços do common law na Constituição Republicana de 1891, como veremos mais à frente nestamonografia.11 Além do sistema romano, determinados vícios do sistema jurídico português foram importados, como é o caso da característica da função pública naquela época. A função pública era considerada patrimônio pessoal de seu ocupante, de modo que a aplicação na Colônia leva 9 CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito geral e do Brasil. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 296-297. 10 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 211. 11 Id., Op. cit., p. 211. 26 a constituição de poder público sem compromisso com a ética e a igualdade, sendo diretamente ligada a um estrato social, a qual era constituída por oligarquias agrárias e por grandes latifundiários.12 Outro ponto de suma importância neste período do Brasil-Colônia era justamente a distância da Colônia da Metrópole o que ocasionava na dificuldade de acesso e ausência da estrutura pública resultando no enfraquecimento da autoridade quando esta chegasse ao Brasil. Com fito em fazer minimamente valer a vontade dos dominadores, operava-se, por necessidade, a utilização do poder local, momento em que o poder público e o poder privado travaram batalha continua disputando força e influência.13 Por causa disso, tornou-se forte a questão do patrimonialismo, com a confusão entre o público e o privado, como já dito anteriormente, e, justamente essa aliança de poder aristocrático com as elites agrárias locais foi a responsável pela construção de um Estado baseado em defesa de interesses de segmentos sociais.14 A formação inicial de nossa sociedade no Brasil-Colônia era predominantemente agrária, pautando-se no latifúndio e existindo, apenas, por causa da coroa de Portugal. A economia era benéfica aos burgueses mercantis lusitanos, e, os colonos que aqui chegavam não tinham a visão de permanência nessas terras, apenas pretendiam “sugar” o que fosse possível desse novo território e voltar com suas riquezas para o reino de Portugal. “Não havia o espírito da construção de um país livre e soberano.”.15 Ponto relevante neste momento histórico fora a adesão à contrarreforma por parte de Portugal e Espanha, o que fez a Metrópole, e consequentemente, a Colônia fecharem-se em uma tradição eclesiástica da fé, supervalorizando a tradição pré-existente daqueles povos. Ocorre que o vasto lapso temporal para a aceitação do Renascimento fez com que Portugal se distanciasse de modernidades científicas e filosóficas, em especial de novas tecnologias, bem como da repercussão acerca delas, fatos geradores do capitalismo que hoje conhecemos.16 Inobstante ao fator de Portugal ter sido pioneiro nas grandes navegações, o elencado no parágrafo anterior fez com que esse reino se submetesse a coroa britânica, sendo este último reino o responsável por influenciar o Brasil-Colônia a partir do século XVIII, porém, como tal 12 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 211. 13 Id., Op. cit., p. 211. 14 Id., Op. cit., p. 211. 15 Id., Op. cit., p. 211. 16 Id., Op. cit., p. 212. 27 influência era feita por intermédio do reino de Portugal, o sistema jurídico permaneceu aquele implementado pelos colonizadores, em nada sendo afetado a civil law pelo common law.17 Desta forma, pode-se concluir que as invasões dos portugueses nas terras indígenas, agora, Brasil-Colônia, além de imporem um novo sistema jurídico baseado na lei positiva, ensejou em raízes para as instituições jurídicas brasileiras diretamente ligadas a um passado patrimonialista e escravocrata, dominação social de uma elite agrária, hegemonia ideológica de um liberalismo totalmente conservador e a submissão econômica aos Estados mais avançados. 2.4.2 A ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO NO PERÍODO DO BRASIL-COLÔNIA Até o ano de 1549, o Brasil-Colônia foi marcado justamente pelas Capitanias Hereditárias, ou seja, a concessão de terras aos nobres do reino de Portugal para explorar e povoação, isso, por conta própria. O sistema aqui existente era tipicamente feudal, sendo que questões políticas, administrativas e, inclusive, judiciárias eram resolvidas pelos donatários, ou seja, os próprios nobres portugueses. Havia uma confusão entre as funções legislativas, acusatórias e julgadoras dada a ausência de burocratização de procedimentos a serem seguidos, resultando em uma aniquilação de Direitos dos litigantes, porquanto, como ressaltado em tópicos anteriores, levava-se em conta o critério político-social para a resolução do conflito.18 O fato da transmissão do poder estatal para a administração na justiça fez do Brasil- Colônia um verdadeiro caos. O caos na realidade está fortemente ligado às questões econômicas das capitanias, salvo aquelas pertencentes à São Vicente e as de Pernambuco, motivo pelo qual, em 1549, fora instituído o Governo-Geral, pela coroa portuguesa. Esse Governo-Geral foi o responsável por assumir responsabilidades democráticas e fiscais, sendo o responsável por grande evolução, permitindo a criação de uma justiça colonial, cumulativamente com o início da formação de uma burocracia, a qual era composta por agentes do governador-geral.19 O judiciário do Brasil-Colônia era idêntico ao sistema judiciário do reino de Portugal, isso porque era metrópole daquele. Durante esse período, vigoraram-se as Ordenações Reais, as quais eram compostas pelas Ordenações Afonsinas, Ordenações Manuelinas e Ordenações Filipinas, as quais, essas últimas, foram fruto da junção das Ordenações Manuelinas com demais leis extravagantes que estavam em vigência àquela época. 17 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 212. 18 Id., Op. cit., p. 213. 19 Id., Op. cit., p. 213. 28 Foi apenas em 1769, século XVIII, com a introdução da Lei da Boa Razão, que surgiram grandes mudanças no sistema judiciário do Brasil-Colônia, isso, dada a reforma pombalina. A ideologia da Lei da Boa Razão era estabelecer regras centrais que buscassem uniformizar a interpretação e a aplicação das leis no caso de omissão, eventual imprecisão ou lacuna no ordenamento do reino de Portugal, consequentemente, afetando-se a Colônia.20 Na realidade, a ideia dessa lei era buscar a mínima influência do Direito romano, preferenciando-se e dignificando-se leis pátrias, bem como as monopolizando. Havia sim a possibilidade de aplicação do Direito romano, porém, restringia-se como dito anteriormente, caso se, exclusivamente, estivessem de acordo com o Direito natural e o Direito canônico de nações cristãs, contanto que se pautassem em exauriente fundamentação e razão para tal.21 Dado o período histórico, não seria outro o objetivo dessa lei senão o de favorecer a Metrópole. Havia um descaso da aplicação do Direito no Brasil-Colônia por parte do reino de Portugal, ora Metrópole, haja vista que a única real preocupação seria o pagamento de impostos e tributos aduaneiros, bem como a rigorosa aplicação do Direito penal no caso de tentativa de independência do Brasil.22 2.4.2.1 A DISPOSIÇÃO DO JUDICIÁRIO NO BRASIL-COLÔNIA A disposição do judiciário no Brasil-Colônia é similar ao sistema que temos em pleno século XXI, com a ressalva em determinados pontos, como a distribuição de magistrados, nomenclaturas, dentre outras. Vale destacar que àquela época, a instância suprema do judiciário era o Tribunal de Justiça Superior. 2.4.2.1.1 PRIMEIRA INSTÂNCIA A primeira instância, em suma, era constituída de juízes singulares distribuídos em três categorias, ouvidores, juízes ordinários e juízes especiais.20 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 214. 21 VALLADÃO, Haroldo. História do Direito, principalmente do Direito brasileiro. 4. Ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980, p.76 22 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 214-215. 29 2.4.2.1.2 SEGUNDA INSTÂNCIA A composição da segunda instância do judiciário da Colônia, assim como da Metrópole, era formada por juízes colegiados, atuando nos Tribunais da Relação, cuja função era a apreciação de recursos interpostos contra as decisões prolatadas na primeira instância e a análise de embargos. O primeiro Tribunal de Relação surgiu na Bahia em 1587, o qual era composto por dez desembargadores, denominação atribuída aos juízes singulares de primeira instância que já haviam passado por todas as etapas para a sua efetiva promoção ao cargo de “juiz de segunda instância”, como será demonstrado logo à frente em tópico específico, inclusive, denominação ainda utilizada nos Tribunais de Justiça dos Estados do Brasil e provinda desse período, e além dos dez desembargadores, contava-se com um chanceler. Vale destacar que cada um dos onze membros do Tribunal de Relação possuía sua função definida. Ademais, dado o vasto território brasileiro, foram criados outros três Tribunais de Relação, notadamente no Rio de Janeiro, no Maranhão e em Pernambuco, os quais possuíam disposição similar ao Tribunal da Bahia. A segunda instância do judiciário brasileiro daquela época não deve ser necessariamente considerada como um tribunal exclusivamente recursal, afinal, as finalidades eram três, finalidade de análise de recursos interpostos contra as decisões prolatadas em primeira instância, ou seja, instância recursal, sendo admitidos apenas recursos de apelação e agravos. Possuía a finalidade, ou melhor, competência, para receber ações originárias nas áreas cível, criminal e do patrimônio estatal. Por fim, tinham como finalidade a competência avocatória para em determinados casos no juízo criminal. 2.4.2.1.3 TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUPERIOR Trata-se da terceira e última instância do judiciário naquela época, sendo a sede dessa instância localizada em Lisboa, capital do reino de Portugal. Com a fuga da família real para a Colônia, a sua sede foi transferida para a cidade do Rio de Janeiro, isso no ano de 1808. Também era chamada de Casa da Suplicação, similar a um tribunal de apelação. 2.4.2.1.4 MAGISTRADOS E DESEMBARGADORES Normalmente quem desempenhava o papel de magistrado era de classe média, ou seja, dado o período na história do Brasil, cumulativamente com a questão de disputa por poder 30 social, o almejo pela ascensão de classe social era tamanho que a fidelidade empregada à coroa portuguesa era tamanha, mais do que a ascensão social, um desejo de gozo dos benefícios que adviriam com a progressão na carreira.23 Além disso, esses juízes, após sua indicação pelo poder geral, eram afastados em grande parte das atividades da vida local, isso por intermédio de normas a eles impostas. O objetivo da coroa portuguesa com isso na realidade são dois, isenções de disputas locais, visando o julgamento com isenção e, sobretudo, igualdade, bem como a permanência de sua lealdade perante a coroa portuguesa, especialmente no tocante a punição pela tentativa de independência da Colônia.24 Ocorre que, tais regras eram constantemente quebradas aqui na Colônia de Portugal, isso, inobstante ao fato da ascensão social, pelos magistrados de primeira instância, almejada, o que não ocorria na Metrópole. Cômico destacar que um dos objetivos do afastamento da figura do juiz da vida local era justamente o julgamento com isenção e igualdade, isso porque a partir do momento que a pessoa era empossada no cargo, automaticamente, ela passava a pertencer a uma classe de elite dominante às demais e, como membros dessa classe, sua tendência era, normalmente, defender os interesses daquela classe social. Veja-se que a imparcialidade e a neutralidade jurídica pregada pela coroa quando dos seus julgadores nada mais era do que uma falácia, uma vez que o predominante era mesmo a troca de favores entre pessoas pertencentes dessa elevada classe social e o tráfico de influências entre eles. O resultado disso era a confusão do público com o privado, bem como os interesses particulares com os interesses gerais, o que, infelizmente, confunde-se até os dias de hoje. No tocante aos requisitos de admissão da carreira, era necessário que a pessoa, além de demonstrar sua origem social, fosse, indispensavelmente, graduado pela Universidade de Coimbra, preferencialmente nos cursos de Direito civil ou Direito canônico. A progressão de carreira se dava da seguinte forma, após a pessoa ser empossada no cargo, ela começava a desempenhar a atividade de “juiz de fora”, sendo, na sequência, designado como ouvidor da comarca e corregedor. A promoção para o cargo de desembargador, ou seja, a segunda instância, dava-se apenas quando o indivíduo acumulasse vasta experiência na administração judiciário, sendo o magistrado designado como desembargador tanto na Colônia, quanto na Metrópole. 23 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 216-217. 24 Id., Op. cit., p. 217. 31 2.5 AS ORDENAÇÕES FILIPINAS Para a boa compreensão de grande parte dos nossos atuais institutos jurídicos, a necessidade do estudo das Ordenações Filipinas se faz presente. Como será demonstrado ao longo deste tópico, tais ordenações tiveram aplicabilidade em solo brasileiro por um longo período, sendo, inclusive, responsável pela influência do Direito colonial e Direito imperial. As Ordenações Filipinas são o último instituto jurídico que ditou o judiciário do reino de Portugal e de sua Colônia, Brasil, antes da independência deste último. Tais ordenações são frutos da junção das Ordenações Manuelinas com leis extravagantes em vigor naquela época, como resultado do domínio castelhano, as quais tiveram seu texto final perante o reinado de Filipe I, isso no ano de 1595, porém, tendo vigorado apenas no ano de 1603, período em que seu filho, Filipe II, já governava o reino. O objetivo dessas legislações não eram inovações a serem impostas ao povo, mas apenas consolidar as leis que estavam em vigor àquela época, com a positivação de casos concretos, diferentemente do que se deu cerca de 1.339,3 quilômetros do reino de Portugal, notadamente na França, ocasião da Revolução Francesa, revolução que se destinou, em um dos seus motivos, com relação às suas ordenações jurídicas, a sanar contradições, repetições e lacunas. Não havia a menor intenção, por parte dos governantes do reino, na elaboração de inovações jurídicas, mas sim, aproveitarem-se das normas já existentes. Tal opção fez que com a correção das contradições e lacunas existentes não fossem sanadas. Aliás, diferentemente do que conhecemos hoje em nossas legislações, fruto da Revolução Francesa, as Ordenações Filipinas não são conhecidas por terem uma boa parte geral, com regras abstratas.25 A preocupação do Antigo Regime era justamente na existência de normas diferenciadas para os tipos de classes sociais, inclusive, característica forte destas codificações, as quais eram divididas em cinco livros, a primeira destinada ao Direito Administrativo e Organização Judiciária, a segunda regulava o Direito dos Eclesiásticos, do Rei, dos Fidalgos e dos Estrangeiros, a terceira, por sua ver, era destinada exclusivamente ao Processo Civil, diferentemente, a quarta tratava acerca do Direito Civil e do Direito Comercial, e, finalmente, a quinta, regulava o Direito Penal e Processual Penal. Dada a variação de costumesde local para local àquela época, o critério para julgamento era a obediência da jurisprudência da Casa de Suplicação, isso com o intuito de uniformização 25 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 218. 32 das decisões “e, em última instância, fortalecer o poder Central em detrimento dos vários poderes locais”, como ensinam os professores Renan Aguiar e José Fabio Rodrigues Maciel (2016, p. 219). As omissões existentes nas Ordenações Filipinas, quando necessário para o julgamento de um caso, eram sanadas mediante a aplicação subsidiária do Direito romano e do Direito canônico. Na ausência de qualquer solução para a demanda, mesmo com a aplicação subsidiárias dos Direitos romanos e canônicos, a demanda era submetida ao rei, o qual prolatava sua decisão para aquele caso e sua decisão tinha força de lei, inclusive, passava a valer como se lei fosse para outros efeitos semelhantes.26 As penalidades existentes nas Ordenações Filipinas eram demasiadamente severas e variadas, como a exemplo, perdimento, confisco de bens, desterro, banimento, açoites, esquartejamento, forca, dentre outras. A de se destacar que a aplicação de tais sanções não era para todos os membros da sociedade, porquanto aqueles que gozassem do status de ser fidalgo, cavaleiro, doutor em cânones ou leis, médico, juiz e vereadores, não eram submetidos a tais penalidades, havia uma ausência de isonomia nesse sentido, lhes sendo impostas penas mais brandas e, inclusive, sendo isentos de pena em alguns casos.27 A aplicação do Direito no território do Brasil-Colônia pouco importava ao reino de Portugal, vez que sua maior preocupação era o pagamento dos impostos e demais tributos e, inobstante a isso, as Ordenações Filipinas foram base para a formação do Direito colonial e imperial. Em 1822, com a independência do Brasil, houve a lenta substituição das Ordenações Filipinas, inicialmente com o Código Criminal do Império, o qual substituiu parte do Livro V. Na sequência, fora promulgada, no ano de 1832, a lei que regularizava o Código de Processo Penal, extinguindo de vez o Livro V e reformando o processo e a magistratura. O Livro III, regularizador do processo civil foi substituído pelo Regulamento nº 737, em 1850, o qual foi responsável por revogar parte do Livro IV, notadamente no tocante ao Direito Comercial, porquanto tal Regulamento trazia novas disposições para ele. Dada a independência do Brasil, o Livro I e II perdeu o objeto de sua existência, motivo pelo qual foram apenas não regulados pela nova legislação do então Brasil. Como ensinam Renan Aguiar e José Fábio Rodrigues Maciel (2016, p. 220), a parte do Livro IV que regulava o Direito Civil vigorou por todo o tempo do Brasil Império e parte do Brasil Republicano, além de ter influenciado parte de nosso atual sistema jurídico. 26 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 219. 27 Id., Op. cit., p. 219-220. 33 Não foi exclusivamente o Livro IV que influenciou o nosso sistema jurídico, mas sim, todas as Ordenações Filipinas, vez que mesmo que houvesse a elaboração de novos institutos jurídicos, todos os livros trouxeram forte traços para àqueles novos institutos28. 2.6 O DIREITO IMPERIAL O Direito imperial tem como marca principal a independência do Brasil, e com a independência dessa nova nação surge uma árdua tarefa para a nação brasileira, elaborar novas instituições jurídicas que ao mesmo tempo garantam a unidade nacional e permitam a construção de uma nação forte e comprometida. O principal problema era justamente o passado colonial do Brasil, isso porque, almejava-se a elaboração de leis próprias que desvinculassem a nação dessa marca colonial sem romper com o passado histórico do Brasil. 2.6.1 A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL E O LIBERALISMO O século XIX é marcado por grandes transformações organizacionais sociais no ocidente, isso diante dos resultados das Revolução Americana e pela Revolução Francesa, em 1776 e 1789, respectivamente, o que ensejou na queda da burguesia e o triunfo do liberalismo. A independência do Brasil começara a se formar com a vinda da família real ao Brasil, isso por consequência da invasão da França ao território português, a qual foi liderada por Napoleão Bonaparte. Tal fator fez com que o Brasil, Colônia, fosse equiparado a Metrópole, Portugal. Ademais, vale destacar a modificação no Direito dada pela codificação napoleônica, a qual, refletiu na formação do Brasil Imperial, inclusive, apresentado traços até nos dias de hoje. Com a saída dos franceses do território português, bem como pela Revolução do Porto, isso em 1820, Dom João VI retornou ao reino de Portugal, haja vista que, caso contrário, estaria sujeito a perder o seu trono, tendo seu filho, Dom Pedro I, permanecido no Brasil e, posteriormente, tendo, este, assumido o trono do império brasileiro. A equiparação da Colônia e da Metrópole fez com que o Brasil tivesse o Direito de eleger deputados às cortes, fator que fortaleceu o processo de independência, isso porque houve presente participação das atividades legislativas e contatando diretamente com o movimento 28 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 220. 34 liberalista que predominava na Europa, sendo tal movimento o responsável por influência o Brasil no seu processo de independência. Após o retorno da coroa portuguesa a Portugal, era possível observar o seguinte cenário, de um lado do Atlântico o Brasil buscava sua independência e, de outro, era notório a intenção de Portugal na sua desequiparação em relação à Colônia, retornando ao status quo ante, tendo Portugal fracassado em tal tarefa e, o Brasil, em 7 de setembro do ano de 1822, conquistado sua independência, isso dado as fortes influências do movimento liberalista, o qual aflorava na Europa naquele mesmo período. O movimento liberalista, oriundo do século XVIII, o qual ganhou forças graças a Revolução Francesa, pregava como pilares a liberdade pessoal, o individualismo e a tolerância, bem como os Direitos econômicos, isso, com Direito à propriedade, à herança e à liberdade de produção, compra e venda. Pregava-se, também, o Direito de representação política, divisão de poderes, descentralização administrativa, soberania popular, entre outros pontos. Vale ressaltar que, no tocante ao aspecto jurídico, o movimento liberalista foi o principal responsável pela independência do Brasil na luta contra o sistema colonial, “os monopólios e estancos, o fisco, a antiga administração da justiça, a administração portuguesa etc”.29 Ocorre que, o liberalismo no Brasil era diferentemente do que acontecia no continente Europeu, isso porque, no Brasil, tal movimento dava suporte aos interesses de oligarquias e de grandes latifundiários, bem como do clientelismo que era vinculado ao monarquismo absoluto, quando na Europa o liberalismo estava ligado a ideologias revolucionárias manejada pela população contra os privilégios da nobreza. Obstante ao anteriormente exposto, o liberalismo no Brasil influenciou a liberdade política e democrática, mesmo sem representação popular, o que ensejou na seguinte problemática, com começo do governo de Dom Pedro I, a luta contra o absolutismo estava se instalando em favor da descentralização político-administrativa, tendo resultado no federalismo. Ocorre que as lutas que não tiveram sucesso esperado, porém, não tendo sido totalmente em vão.30 Solidificada a independência do Brasil, surgiu a necessidade na elaboração de um novo panorama jurídico para a novanação e, para isso, sendo criados cursos jurídicos nacionais e a substituições das Ordenações Filipinas por uma nova legislação. A independência do Brasil trouxe árdua tarefa aos juristas brasileiros, isso porque precisavam reformar todas as legislações deixadas pelo Antigo Regime, como a justiça, o governo e a fazenda. 29 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 237. 30 Id., Op. cit., p. 238. 35 2.7 O DIREITO NO FINAL DO PERÍODO IMPERIAL E INÍCIO DA REPÚBLICA VELHA Dentre o período do final do Direito imperial ao Direito na república velha houveram vários pontos marcantes para o Direito, como exemplo, a promulgação da Constituição Federal de 1824, bem como a elaboração do Código Criminal do Império, do ano de 1830, a elaboração do Código de Processo Criminal, em 1832, o Código Comercial, em 1850, e o Regulamento nº 737, também em 1850, inclusive, sendo estudado ainda nesta monografia. Além disso, nesse período inicia-se o Período Regencial, o qual foi marcado por fortes instabilidades políticas, sendo considerada a experiência republicana dentro do Brasil Imperial. O Período Regencial deu-se entre o ano de 1831 a 1840, isso, no momento do Brasil em que Dom Pedro I abdicava o governo e ocorria o golpe da maioridade de Dom Pedro II. Foi justamente nesse período que se deveram diversas revoltas populares, como a Farroupilha, a Cabanagem, a Sabinada, a Malês e a Balaiada, todas estudas na sequência ainda neste capítulo. O Período Regencial é marcado além das revoltas populares, por grande instabilidade governamental dada a acusação à Dom Pedro I de zelar aos interesses portugueses aos brasileiros, mesmo após a abdicação do trono português em favor de sua filha, com a morte de Dom João VI, seu pai, retornou a Portugal para disputar o trono com o seu irmão mais novo, Dom Miguel I. Além da abdicação do trono português, Dom Pedro I, abdicou o trono do brasileiro ao seu filho Dom Pedro de Alcântara, o qual, no momento, contava com apenas cinco anos de idade, atitude que gerou forte vazio político no país, intensificando a disputa pelo poder do Brasil entre os liberais moderados e os liberais conservadores, tendo composto o Partido Brasileiro e aliado-se com fito em intimar Dom Pedro I, porquanto ambos grupos estavam descontentes com o absolutismo do governo de Dom Pedro I. Na Noite das Garrafadas, episódio em que travaram confronto o Partido Português e o Partido Brasileiro, o primeiro saiu derrotado, o que fez com que os grupos compositores do Partido Brasileiro disputassem o Período Regencial do Brasil. No dia seguinte à abdicação, os liberais moderados elaboraram a “Proclamação em nome da Assembleia Geral aos povos do Brasil”, no intuito de informar os acontecimentos e corroborar “seu apoio aos regentes nomeados e aconselhavam prudência e moderação à população”. 36 2.7.1 AS REGÊNCIAS NO BRASIL IMPÉRIO A luz da Constituição de 1824, como o governador da época, Dom Pedro de Alcântara não possuía idade para assumir o governo do Brasil, deveria ser nomeada outra pessoa para dar continuidade ao Período Regencial, momento em que surgem as regências brasileiras, das quais, aqui, trataremos de três, a Regência Trina, provisória e permanente, a Regência de Feijó e a Regência de Araújo Lima. 2.7.1.1 A REGÊNCIA TRINA PROVISÓRIA A Regência Trina provisória, datada de 1831, composta por Francisco Lima e Silva, brigadeiro, José Joaquim Carneiro Campos, marquês de Caravelas, e o senador Nicolau Pereira Campos Vergueiro, teve como primeira medida a reintegração do ministério de 20 de março, de modo a ter retirado do exército todos os estrangeiros e todos aqueles que eram acusados de crimes políticos. Vale destacar que foi do período da Regência Trina provisória que diversos movimentos revoltosos surgiram. Mesmo que foram mantidas as estruturas políticas do império, tal regência tinha caráter totalmente liberal e antiabsolutista, por isso houve o início de um avanço liberal, o que perdurou até que grupos das provinciais alcançaram um grau superior de autonomia.31 2.7.1.2 A REGÊNCIA TRINA PERMANENTE Em 17 de junho de 1831, foram eleitos Francisco Lima e Silva e os deputados José da Costa Carvalho e João Braulio Moniz, os quais foram responsáveis pela Regência Trina Permanente, cujo objetivo era a tentativa de um equilíbrio das forças do Norte e do Sul do país, período de muito agito para o Brasil, isso porque houve o crescimento das revoltas e da formação de três grupos políticos, o Moderado, o Exaltado e o Restaurador. O destaque principal da regência Trina permanente foi a figura do Padre Diogo Feijó, Ministro da Justiça, e não dos governadores, porquanto assumiu o cargo sob a condição de garantia de autonomia de ação, inclusive, foi o responsável pela repressão das revoltas populares ocorridas à época, mantendo a ordem do Período Regencial. 31 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 253. 37 Em 18 de agosto de 1831 foram criados o Corpo de Guardas Municipais Permanentes e a Guarda Nacional, órgãos que eram subordinados ao Ministério da Justiça, sendo considerados a principal força armada imperial. Foi Feijó o responsável pela centralização dos poderes nacionais até o Ato Adicional que modificou a Constituição de 1824, aderindo ao liberalismo e descentralizando o poder, criando-se, para tanto, as Assembleias Legislativas Provinciais. Dado o lapso temporal dessa regência, um novo regente deveria ser eleito. Não houve apenas a escolha de um novo regente, mas sim houve a implementação de uma experiência demasiadamente republicana e presidencialista, inclusive, com a permanência do regente pelo mandato de quatro anos.32 2.7.1.3 A REGÊNCIA DE FEIJÓ A consequência da forte influência de Diego Feijó na Regência Trina não seria outra senão sua eleição como regente do Brasil a partir de 7 de abril de 1835, regência exercida apenas pelo paulistano, isso pela tentativa de implementação do sistema republicano e presidencialista, similar ao dos Estados Unidos da América, pelo período de quatro anos. Para o Direito brasileiro, a grande influência da Regência de Feijó era o fator de almejar- se o fim da escravatura, fato que trouxe grande revolta ao seu governo, isso porque àquela época o voto era censitário, exercido apenas por pessoas que ganhavam mais de cem mil reis ao ano, ou seja, pouco mais de seis mil pessoas no território brasileiro. A revolta se justifica pelo fato de que aqueles que o elegeram seriam, justamente, os prejudicados com a abolição da escravatura.33 Dada a sua saúde debilitada, cumulado ao fato da grande revolta que afrontava seu governo, renunciou ao cargo em 19 de setembro de 1837. 2.7.1.4 A REGÊNCIA DE ARAÚJO LIMA Logo após a renúncia de Diogo Feijó, Araújo Lima assumiu a regência do Brasil como interino. Tal regente era conhecido por ser conservador e ponderado, inclusive, foi o responsável por organizar o Ministério das Capacidades, o qual era composto por vários nomes de peso aquela época. 32 AGUIAR, Renan; MACIEL, José. Op. cit., p. 254-255. 33 Id., Op. cit., p. 255. 38 Na sua regência, houveram o fim de algumas revoltas populares, a estabilização e progresso da economia brasileira, fatores que o tornaram forte candidato na reeleição, inclusive, sendo eleito como regente em abril de 1838. Foi em seu mandato que ocorreu o golpe da maioridade, tendo sido promovido pelos liberais, no ano de 1840, tornando Dom Pedro IIo imperador do Brasil, findando-se o Período Regencial e iniciando-se o Segundo Reinado. Vale destacar que foi no governo de Araújo Lima que houve a remodelagem da Escola Militar, criação do Colégio Pedro II e a instituição do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. 2.7.2 AS PRINCIPAIS REVOLTAS POPULARES DA ÉPOCA 2.7.2.1 A CABANAGEM A denominada Cabanagem iniciou-se no ano de 1835 e perdurou até 1840. Tal movimento se iniciou em Pernambuco, tendo, rapidamente, se alastrado ao território do Pará e do Amazonas. O nome da revolta estava ligado à moradia, no caso, cabanas, da população indígena, mestiços e negros, grupo conflitante contra a elite local. De todos os movimentos, pode-se destacar que a Cabanagem foi o mais sangrento. Houve a tomada da cidade de Belém pelo movimento, tendo, posteriormente, no ano de 1840, sido retomada pela guarda imperial. Para o Direito, tal movimento representa apenas a revolta dos populares contra à elite local e o governo imperial, o almejo pela autonomia política e o fim da escravidão, aliás, esses eram os objetos de quase todas as revoltas populares da época. 2.7.2.2 A REVOLTA DOS MALÊS NA BAHIA Desde o final do século XVIII até o século XIX, a Bahia era conhecida por ser um centro de lutas com objetivo de autonomia política, o fim da escravidão e a busca pela igualdade social. As revoltas se concentraram em Salvador e ao seu redor, tendo se iniciado em 1807 até 1835, caracterizada pela união de escravos da zona rural e zona urbana e com quilombos. Em 1807, escravos vindos da Nigéria planejavam uma sequência de ataques, como queimar a Casa da Alfândega, matar a população branca, queimar imagens de santos em praça pública, atacar a província de Pernambuco com fito na liberação os haussás, isso, com o apoio 39 de mulatos e negros. Ocorre que tal plano falhou dada a delação feita as tropas portuguesas, responsáveis por sufocarem o movimento e aplicarem fortes punições para impedir fuga e penalizar pelo plano. Vale destacar que tal plano fora novamente esquematizado em 1814, porém, infrutífero novamente frente as tropas do governo. O nome dessa revolta popular se deu pelo fato que grande parte dos escravos e demais envolvidos na revolta eram de crença religiosa islâmica, inclusive, no momento do confronto, o qual ocorreu no ano de 1835, no centro de Salvador, utilizavam-se de abádas e carregavam mensagens do Alcorão. O responsável por capitanear a sublevação foi a sociedade dos Malês, por tudo isso, a revolta ficou conhecida como Revolta dos Malês. Ocorre que tal revolta, de mesma forma como a Cabanagem não atingiu seu resultado final, sendo, o movimento popular, suprimido pelas tropas do governo. 2.7.2.3 A SABINADA No estudo destes tópicos, mostra-se cediço que eclodiu em todo o território nacional, de Norte a Sul, grandes revoltas populares, em outras palavras, o Brasil estava um caos entre os anos de 1835 até 1845. Com a crescente necessidade de combatentes para as tropas do governo, chegou-se a notícia que iria se iniciar um recrutamento em caráter obrigatório na Bahia, recrutamento destinado aos combates aos farroupilhas, na província do Rio Grande do Sul. Na noite do dia 6 de novembro de 1837, o Corpo de Artilharia e mais alguns civis, tomaram a cidade de Salvador, declarando-se independentes do Rio de Janeiro, no dia seguinte, nomeando um novo Presidente, inclusive, com a vontade na montagem de uma Assembleia Constituinte. Os revoltosos por si só impuseram que a nova República perduraria enquanto Dom Pedro II não atingisse a maioridade e, consequentemente, assumisse o governo do Brasil. O nome de tal revolta se deu por causa de um dos seus principais líderes, o médico Sabino Álvares da Rocha Vieira. A resposta do governo foi imediata, a nomeação de um novo presidente legal para àquela província, Bahia, o qual comandou a retomada do território, contando, inclusive, com apoio de tropas da província de Pernambuco. Após severos combates, os revoltosos, que já contavam com inúmeros feridos e mortos, entregaram-se, logrando-se êxito na retomada do território baiano e, com relação ao médico Sabino, este veio a falecer em 1846, após ter sido deportado para o Mato Grosso. 40 2.7.2.4 A BALAIADA A província do Maranhão sempre teve forte ligação com Lisboa, justamente por isso, quando da independência do Brasil, esta província e a do Pará foram as últimas a se submeterem aos militares do novo império brasileiro, apenas tendo ocorrido tal submissão no ano de 1823, momento em que essa província ficou à mercê dos mesmos problemas passados pelas outras províncias do Brasil, ou seja, alta carga tributária a ser repassada ao Rio de Janeiro e baixo repasse à província do Maranhão. Sem muita mobilização ou objetivos, apenas cansados das injustiças do novo governo, iniciou-se a revolta no ano de 1838 denominada de Balaiada por causa de um dos principais chefes da rebelião Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, conhecido como Balaio, perdurando até o ano de 1841. O estopim da rebelião se deu quando uma das filhas do Balaio foi estuprada por um policial e esse policial não teve qualquer sanção, além da prisão arbitrária do irmão do vaqueiro Raimundo Gomes, um dos chefes do movimento em conjunto com balaio. Diferentemente do que se esperava por tal rebelião não ter sido demasiadamente planejada e sem um claro objetivo, mobilizou grande parte da população de baixa renda, daquela época, contra o poder e a opressão dos latifundiários daquela província. Se de um lado houve forte mobilização dos revoltosos, de outro lado também houve grande mobilização pelos militares daquela província e de outras que buscaram auxiliar àquela. Foram diversos confrontos, tendo, incialmente, os balaios saído vitoriosos, vitória que deixou de lhes ser rotina com o envio do Presidente e Comandante das Armas da Província, coronel Luís Alves de Lima e Silva, tendo comandado todas as tropas do Maranhão, Piauí e Ceará. No ano de 1841, o último comandante da balaiada foi capturado e submetido à forca. Como os demais líderes da revolta já haviam falecido, esta perdeu forças e fora suprimida pelos militares, tendo, mais tarde, por conta da campanha exercida na província do Maranhão, Luís Alves de Lima e Silva recebido a titulação de Barão de Caxias. 2.7.2.5 A GUERRA DOS FARRAPOS Ocorrida no Rio Grande do Sul, a Guerra dos Farrapos ganhou esse nome pois a palavra “farrapos” era uma palavra de desprezo, termo pejorativo, atribuído aos rio-grandenses que eram contra o governo central e estavam ligados ao Partido Liberal. Tal guerra ocorreu entre os anos de 1835 até o ano de 1845. 41 O objetivo de tal revolta era a busca por maior autonomia daquela província, Rio Grande do Sul, e menor centralização de poder na corte do Brasil, no caso, Rio de Janeiro. Curioso destacar que se defendia a República e a Federação, inclusive, em alguns momentos a libertação dos escravos, sendo a única de todas as rebeliões que, naquela época, constituiu um Estado republicano, com eleição de Assembleia Constituinte e de toda uma autoadministração.34 Após o processo de independência do Brasil, dado a fatores como a centralização política no Rio de Janeiro, os altos impostos cobrados, o que diminuía consideravelmente a renda local, e a perda do território uruguaio, o orgulho daquele povo se transformou em apenas um sentimento de guardiões da fronteira do Brasil. Desta forma, o movimento explodiu em 20 de setembro de 1835, mesmo que nem todos fossem republicanos e federalistas, a revolta ao lema “o centro explora o Sul” foi o encadeador de elos dos rio-grandenses.
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