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REVISÃO / REVIEW SOROLOGIA PARA TOXOPLASMOSE Mário Cândido de Oliveira Gomes* A toxoplasmose é uma zoonose com LABORATÓRIO NA TOXOPLASMOSE distribuição universal, causada por um protozoário intracelular obrigatório, da ordem Coccídea, com A confirmação diagnóstica da toxoplasmose uma única espécie, o Toxoplasma gondii. A fundamenta - se em métodos ind i re tos prevalência varia de 30% a 90% na população, sem (imunológicos), pois a demonstração direta do influência de sexo ou raça; porém, aumenta com a pr ot oz oá ri o (c ul tu ra , no cu la çã o, im un o- idade. Atinge praticamente todas as ordens de histoquímico e anatomopatológico) é pouco mamíferos, répteis e aves, sendo os felinos seus freqüente. hospedeiros definitivos. Atualmente, pode-se demonstrar a O homem adquire a infecção por meio da presença do parasita pelo método da Reação em ingestão de carne crua ou pouco cozida, ingestão Cadeia da Polimerase (PCR), em tecidos ou locais de água ou alimentos (vegetais, frutas, etc.) primários de infecção (líquido amniótico, líquor, contaminados com fezes de gatos infectados, que sangue de cordão umbilical, etc.). eliminam o protozoário na fase aguda da infecção A sorologia para o diagnósti co da por 7 a 20 dias, num total de dez milhões de to xo pl as mo se ta mb ém nã o é to ta lm en te parasitas. Tais fezes podem permanecer no solo esclarecedora, pois os testes atuais apresentam com protozoários vivos por tempo superior a seis limitações importantes, como a freqüente meses, contaminando o homem e outros animais incapacidade de diferenciar com precisão uma através da inalação de poeira. infecção aguda da adquirida antes da gestação. Por Outras formas menos freqüentes de isso, estão sendo feitas pesquisas com a utilização de aquisição do protozoário são: vertical (mãe para o antígenos recombinantes e utilização de proteínas feto), transfusão de sangue, transplante de órgãos e purificadas. Mesmo assim, os testes sorológicos são acidentes de laboratório. úteis para o diagnóstico de toxoplasmose aguda ou O quadro clínico da protozoose é polimorfo, de infecção pregressa. No entanto, é de pouco mas para efeito didático pode ser agrupado em quatro utilidade para o seguimento da terapêutica. grandes síndromes: infecção adquirida, congênita, As reações sorológicas mais importantes ocular e no hospedeiro imunocomprometido. são: imunofluorescência indireta (IFI), A forma adquirida é geralmente benigna, imunoenzimáticos (fluorimétrico ou ELISA), autolimitada e assintomática em 80% a 90% dos fixação do complemento (FC) e inibição da indivíduos, enquanto a congênita é praticamente hemaglutinação (IHA). No momento, os testes de restrita à infecção aguda durante a gestação. O IFI, FC e IHA estão sendo substituídos pelas risco é de 14% no primeiro trimestre, 20% a 40% técnicas imunoenzimáticas, tendo em vista a maior no segundo trimestre e de 50% a 80% no terceiro, sensibilidade analítica. mas a gravidade é maior quanto mais precoce a As dosagens dos anticorpos IgG e IgM são infecção. realizadas com os testes de imunofluorescência e A manifestação ocular pode ocorrer em imunoenzimáticos. O teste de avidez de IgG qualquer forma clínica, porém, é mais comum nas (método imunoenzimático - ELISA) é útil para formas congênita e imunodeprimidos. A infecção do tentar estabelecer o período provável de infecção hospedeiro ocorre na priminfecção e na reativação na vigência de IgM positiva, pois tal anticorpo de infecções anteriores. A reinfecção só foi pode se manter positivo por 12 a 18 meses com observada em modelos murinos, ocorrendo título baixo (residual), de sc ar ac te ri za nd o su a somente por outras linhagens (genótipos) do parasita. Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 6, n. 2, p. 8 - 11, 2004 * Ex-professor do Depto. de Medicina - CCMB/PUC-SP. Recebido em 21/9/2004. Aceito para publicação em 30/9/2004. 8 9 Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba interpretação como marcador de infecção aguda, líquido amniótico obtido por amniocentese. que é definida pelo período de um a três meses do Os anticorpos antitoxoplasma surgem na início da infecção. Portanto, a presença de IgM não seguinte ordem: na primeira semana após a é mais conclusiva de infecção aguda. Por outro infecção aparece o IgM, com título máximo em lado, nessa fase os anticorpos IgG apresentam torno de 15 dias, mantendo-se em níveis residuais baixa avidez (capacidade dos anticorpos por 12 a 18 meses; enquanto o IgG surge entre duas grudarem-se nos antígenos), que aumenta à a quatro semanas, com nível máximo em dois a medida que a infecção cronifica, pela maturação três meses, permanecendo em níveis baixos por desses anticorpos; assim, índices de avidez iguais toda a vida. Aliás, é extremamente rara a conversão ou menores que 30% são sugestivos de infecção de IgG positivo para negativo. ocorrida nos últimos três meses, no máximo, Em termos de caracterização de uma infecção, enquanto iguais ou maiores que 60% indicam o padrão considerado “ouro” é a soroconversão de infecção pregressa; resta a janela entre 30% e 60%, IgG negativo para positivo. O aumento do título ou para a qual não há resposta segura. É bom saber unidades de IgG entre duas amostras colhidas com que o teste de avidez mede um fenômeno intervalos de dez dias sugere fase aguda, devendo-se biológico, devendo o resultado ser valorizado com dosar o IgM sempre que possível. Para facilitar a cautela. Na dúvida, como na infecção intra- interpretação dos resultados, o Instituto Fleury fez a uterina, o teste confirmatório é feito pela pesquisa seguinte esquematização: de toxoplasma através da técnica do PCR em Sorologia para toxoplasmose (IgG e IgM) Infeccção aguda Infeccção pregressa Falsa reação + Soroconversão (Inf. Aguda) < 30 >6030 - 60 Ausência de infecção Infecção pregressa Colher nova amostra após 7 a 10 dias IgM > 5 IgM < 5 IgG negativo IgM positivo IgG negativo IgM negativo IgM negativo IgG positivo IgM positivo IgG positivo IgG negativo IgM positivo IgM positivo IgG positivo Plausível Teste de avidezInf. Aguda 10 Rev. Fac. Ciênc. Méd. Sorocaba, v. 6, n. 2, p. 8 - 11, 2004 Também para facilitar a interpretação dos correspondência aproximada entre os valores testes, o Laboratório Fleury estabeleceu uma obtidos na IFI e no imunoenzimático (UI): Utilizando somente os testes IFI, FC e IHA DIAGNÓSTICO EM GESTANTES foram definidos três perfis sorológicos: A pesquisa de IgM para o diagnóstico de − Infecção aguda (de um a três meses): IFI infecção intra-uterina em gestantes é realizada por positiva com títulos altos para as classes IgG meio da coleta de sangue por cordocentese a partir (>1/4000) e IgM (>1/256); ou demonstração de da 22ª semana; reação positiva indica infecção, aumento nos títulos (>2x) em duas amostras enquanto a negativa não afasta essa possibilidade, seriadas com 10 a 21 dias de intervalo. devendo ser analisada em conjunto com outros − Infecção recente (após três meses): IFI testes, como pesquisa de toxoplasma no líquido positiva com títulos altos (>1/4000) na classe IgG amniótico pela técnica do PCR e ultra-sonografia e baixos (<1/256) ou negativos na classe IgM; FC e fetal para visualizar malformações ou calcificações IHA positivas com títulos altos (1/80). cerebrais. − Infecção antiga ou “cicatriz sorológica”, A persistência de IgM em baixas com IFI positiva em títulos baixos (<1/4000) para concentrações dificulta a interpretação do resultado IgG e negativa ou títulos muito baixos para as ao tentar correlacionar com o provável início da reações de FC, IHA e IFI da classe IgM. infecção, pois se a mesma ocorreu antes da No momento, essas reações sorológicas concepção, o feto não corre risco, mesmo na são substituídas pelos testes imunoenzimáticos. presença de anticorposIgM. Como os testes pré-Ainda em algumas situações, a descrição acima natais são realizados normalmente entre a 4ª e a 12ª pode não ser adequada, como, por exemplo, na semana, o encontro de IgM positiva acarreta sempre infecção congênita, quando é considerada preocupação para o obstetra e a gestante. Nessa diagnóstica a presença de qualquer título da IgM situação, é importante um teste que quantifica a (IFI ou UI) ou o aumento de títulos em amostras porcentagem de avidez dos anticorpos IgG. Se a seriadas na ausência de lesão placentária. avidez for baixa (< 30%) indica infecção aguda, isto Também na corio-retinite é freqüente a é, abaixo de três meses; nesse caso, o obstetra deve ocorrência de títulos baixos na IgG e negativos na iniciar imediatamente a espiramicina, que será IgM, estabelecendo-se o diagnóstico pela mantida por toda a gestação. Porém, acima de 60% demonstração da produção local de anticorpos (líquor revela infecção pregressa. Também é importante o ou humor aquoso), sendo significativo > 8x em controle sorológico seriado, pois uma segunda relação ao sangue. Da mesma forma, no hospedeiro sorologia efetuada dez dias após a primeira pode imunocomprometido a pequena produção de revelar um aumento significativo de IgG, sendo que anticorpos pode dificultar a interpretação dos perfis acima de 2 diluições indica infecção aguda, desde descritos. 1/16 1/256 1/1.000 1/4.000 1/8.000 1/16.000 1/32.000 1/64.000 5,8 19,9 55,1 179,0 626,0 1.769,0 2.860,0 7.418,0 2,1 10,8 33,9 123,0 449,0 813,0 996,0 2.756,0 Título (IFI) Padrão (média) UI/ml Desvio Valor de referência - IgG: inferior a 3 UI/ml e IgM: inferior a 0,6 11 Revista da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba que acompanhada de IgM positiva, com grande A soroconversão da IgG entre duas risco para o feto. amostras, num determinado espaço de tempo, A gestante com sorologia negativa para também não é mais conclusiva de infecção aguda, to xo pl as mo se de ve te r ac om pa nh am en to devendo-se fazer a dosagem de IgM e o teste de imunológico durante toda gestação pela possibilidade avidez de IgG. Para a interpretação final dos de infecção aguda. A repetição dos testes varia resultados, é fundamental a presença de quadro conforme o critério local, sendo sugerido testes clínico compatível; mas na ausência de sintomas, mensais, a cada três meses ou somente um, como nos aliás, extremamente freqüente, restam os testes Estados Unidos. A gestante ainda deve ser orientada imunoenzimáticos. sobre as formas de aquisição do protozoário, adotando medidas higiênico-dietéticas para a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS prevenção. 1. Braselli A. Infecto-Revisão de temas - Toxoplasmosis, Uruguay, 1980.INFECÇÃO FETAL 2. Berrebi A, Bessières MH, Rolland M. Toxoplasmose et grossesse. Rev Prat (Paris) 1994; 44:797-9. O diagnóstico de infecção aguda na gestante 3. Burattini MN, Turcato G Jr. Toxoplasmose. Atualização impõe a busca de contaminação do feto e exige a terapêutica 2003: manual prático de diagnóstico e atratamento. 21 ed. São Paulo: Artes Médicas; 2003. p. retirada de sangue fetal por punção do cordão em 300-2.torno da 20ª semana de gestação. Atualmente, se 4. Giraldo M, Portela RVVD, Smege M, Leser PG, Camargo prefere a técnica de PCR em líquido amniótico. ME, Mineo JR, et al. Immunoglobulin M (IgM) glycoinositolphospholipid enayne-linked immunoenzymatic CONCLUSÃO assay for discrimination between patients with acute toxoplasmosis and those with persistent parasite-specific IgM antibodies. J Clin Microbiol 2002; 40:1400-5.A sorologia para toxoplasmose deve ser 5. Leser PG, Rocha LSAR, Moura MEG, Ferreira AVV. realizada antes da gestação, pois um IgG positivo Comparison of semi-automatized assays for anti-com IgM negativo é um documento que informa a T.gondii: IgG detection in low-reactivity serum samples- inexistência de risco para a gestante e o feto, na importance of the results in patients cousenling. J Bras Patol Med Lab 2003; 39:107-10.gestação atual ou futura. Todavia, já foram 6. Leser PG, Smege M, Okayama NS, Tatani T, Granato descritos casos de reativação em gestantes que CFH, Camargo ME. A utilização do teste de avidez de IgG tiveram a protozoose há mais de 20 anos. A para auxiliar a interpretação das reações sorológicas para presença de IgM não é mais dogma da existência toxoplasmose com IgM positiva. Rev Soc Bras Med Fetal de infecção aguda, pois o aumento da sensibilidade 2000; 5:16-20. 7. Leser PG. Aula Multimídia de Toxoplasmose. Instituto dos testes imunoenzimáticos permite reconhecer Fleury, 2004.anticorpos residuais em níveis baixos 12 a 18 meses 8. Montoya JG, Lesenfeld O. Toxoplasmosis. Lancet. 2004; após a infecção. 363: 1965-76.
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