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E book A Síndrome de Down Relato de um pai educador

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A S Í N D R O M E D E D O W N
R E L AT O D E U M PA I - E D U C A D O R
G u g a D o r e a
R E V E N D O C O N C E P Ç Õ E S E P R Á T I C A S E D U C A C I O N A I S
A Vida em Sua Multiplicidade
Nesse dia Internacional da Síndrome de Down 
comemorar o Que, Para Que e Por Que?
Síndrome de Down e a Genética 
Deficiência e Não Doença
Genérica Familiar
Determinismo Genético
Determinismo Biológico
O Mito da Eterna Criança
Padrões Históricos da Normalidade
A Modernidade e a Exclusão
A Sociedade Disciplinar
A Genética e a Política
Ódio ao Estrangeiro
O Nazismo e a Eutanásia
A Vitória dos Aliados e Outra Exclusão
A Exclusão na Modernidade
Os “Deficiente Mentais”
A Educação Especial e o Modelo Clínico
A Descoberta do Cromossomo 21
No Brasil
Exclusão Invisível
O Estigma do Diferente
Discriminações
Exemplo Histórico
O Determinismo Geográfico
O Que É Ser Igual e Diferente?
Todos Somos Iguais
Somos Todos Diferentes
Educação Inclusiva - Tensão entre Exclusão e Inclusão Social
Nascimento da Escola
Inclusão e a Necessidade de Mudarmos a Escola (Para Todos)
sumário
parte ii
parte i
Possíveis Adequações na Sala de Aula
Considerações Finais
O Educador
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58
62
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A vida em sua
Meu fi lho tem a Síndrome de Down 
E daí? Não é problema dele 
Quem continuar a enxergar o Outro, isolado em guetos identitários 
Em identidades corpóreas fechadas em si mesmas 
Corpos enlatados 
Não conseguirá enxergar a ninguém 
Continuarão jorrando galhos que não se tocam 
Dormindo em prateleiras fechadas 
Sequer tentarão olhar as diferenças pela fechadura
Eu, de minha par te 
Prefiro olhar através do vidro 
Enxergar o outro lado do espelho 
O não -Eu em mim 
Consigo, assim, olhar para meu fi lho
E a todos que, como o Thiago 
Clamam por serem Eles em sua Multiplicidade
PARTE I
Multiplicidade
4
Caro leitor, você deve estar imaginando porque iniciei esse e-book com 
essa poesia intimista e pessoal.
 
É apenas para dizer que ele não é apenas o resultado, jamais definitivo, 
de anos de prática educacional e reflexões teóricas como jornalista e 
sociólogo. Ele é muito mais do que isso.
É reflexo de minha experiência como pai e pessoa. Toda minha trajetória, 
profissional e pessoal, veio ao encontro de um dos momentos mais 
marcantes de minha vida: o nascimento do meu filho Thiago.
OLÁ 
5
Ele nasceu no dia 22 de fevereiro de 1997, com a Síndrome de Down, o 
que me direcionou não só para o dilema inclusão-exclusão, mas também 
e, sobretudo, para a tênue fronteira, histórica e cultural, entre a chamada 
normalidade e o seu contraponto, a anormalidade. 
Estou lançando esse e-book também para dizer que minha meta é tornar 
visíveis aquelas pessoas que a história e a nossa cultura ocidental tentaram 
e ainda tentam tornar invisíveis.
Será então que grande parte da inclusão que 
estamos vivenciando não está recheada de vícios 
ou mitos do passado?
6
Não há dúvidas que não foram poucas as conquistas, sobretudo a partir 
da luta de movimentos de pais e educadores nos anos 90, em relação à 
luta contra o preconceito e pelo direito de todos estudarem no sistema 
regular de ensino.
Ninguém questiona ainda que o Dia Internacional da Síndrome de Down, 
21 de março, colocou na agenda de debates, não só a inclusão da pessoa 
com deficiência, mas também o problema histórico 
e cultural da exclusão social.
No entanto, muita há que se fazer. Você não concorda?
O QUE,
PARA QUE
E POR QUE?
NESSE D IA 
INTERNACIONAL 
DA S ÍNDROME 
DE DOWN
COMEMORAR
8
Quem conhece, sabe o quanto são atuais as narrativas contadas oralmente 
pelos gregos, conhecidas como mitos, lá na Grécia Antiga. Os também 
conhecidos como mitos eram uma forma não científica que os povos 
gregos buscavam explicar a realidade.
Segundo a mitologia grega, Procustro obrigava a todos os viajantes, 
aprisionados entre Mégara e Atenas, a deitarem sobre um leito com 
tamanho padronizado. Aqueles que ultrapassavam a medida estabelecida 
tinham parte de seu corpo decepado e os que não atingiam eram 
violentamente esticados. 
Será que, mesmo em nome da inclusão, 
ainda estejamos reproduzindo o mito de Procustro?
9
Isso porque, além da não compreensão e mesmo resistência de parte da 
sociedade e do próprio poder público, há os que confundem inclusão com 
a necessidade de adequação, daquele que é visto negativamente como 
diferente, a um suposto modelo de normalidade. Ou seja, a busca para 
muitos é ainda o de enquadrar a pessoa na cama do Procrustro.
É nesse sentido que o e-book tem como objetivo resgatar o passado para 
refletir sobre o presente, pensando sempre no futuro. 
Mas vamos com calma. Antes disso, é importante conhecer melhor o que 
é criação histórica e cultural e o que é realidade quando estamos falando 
da Síndrome de Down. 
Vamos juntos?
SÍNDROME 
DE DOWN 
E A GENÉTICA 
TENDÊNCIAS
CLÍNICAS 
11
Não existe no Brasil uma estatística de quantos brasileiros tem a Síndrome 
de Down. No entanto, há uma estimativa de que uma pessoa a cada 700 
nascimentos nasce com a síndrome. E quem procurar conhecer melhor 
as características físicas que podem ser comuns nas pessoas com essa 
síndrome vai encontrar que elas costumam ter olhos amendoados, prega 
única na palma das mãos, dedos mais curtos e a língua protusa.
Vai descobrir ainda que, a maioria das vezes, os bebês nascem com 
hipotonia e maior flacidez muscular, o que praticamente exige estimulação 
precoce desde cedo, entre elas a fisioterapia e a terapia ocupacional. 
Muitas ainda apresentam quadros de hipotonias nas vias respiratórias e 
digestivas, exigindo também cuidados especializados.
12
Descobrirá ainda que aproximadamente 50% das crianças com síndrome 
de Down têm cardiopatia congênita, o que exige intervenção cirúrgica na 
maioria dos casos, além de apresentarem o que a ciência chama de redução 
do tônus dos órgãos fonoarticulatórios, responsável pela dificuldade para 
articular a fala. 
E que, por esse motivo, é fundamental a procura por atendimento 
fonoaudiológico desde cedo. Além disso, de 60% a 80% têm incidências 
na visão, como miopia e astigmatismo. 
13
DEFICIêNCIA e NÃO DOENÇA
Mas o importante a frisar é que não estamos falando de uma doença. 
Dizer que uma pessoa é vítima ou padece da Síndrome de Down apenas 
alimenta o estigma da incapacidade motora e cognitiva da pessoa. 
Na prática, até o conceito da palavra deficiência deveria ser debatido com 
maior cuidado.
É possível aqui resgatar a especialista em Educação Inclusiva Rosita Edler 
Carvalho quando ela afirma que o conceito de deficiência, no âmbito da 
História, foi criado a partir do concebido como sua oposição, ou seja, um 
fictício modelo de normalidade, separando os seres em iguais, de um lado, 
e negativamente diferentes de outro. 
14
GENÉTICA FAMILIAR
E apesar desses e de outros sinais aparentemente comuns, o fundamental 
é lembrar que cada pessoa com a síndrome tem a sua carga genética 
familiar, apresentando também traços de seus pais e irmãos. 
O grande equívoco é considerar que todas as pessoas com síndrome de 
Down são iguais e tem as mesmas patologias. 
São apenas tendências e não uma carteira de identidade que as iguala. 
15
DETERMINISMO GENÉTICO 
No campo da Sociologia, o que temos de combater aqui são os chamados 
determinismos. O próprio significado da palavra DETERMINISMO tem de 
ser debatido. O que determina o que cadaser humano é em sua essência? 
DETERMINISMO BIOLÓGICO 
No caso da Síndrome de Down, o determinismo biológico apontaria o 
cromossomo 21 a mais como ponto de partida e, sobretudo, de chegada. 
Tal definição alimenta a ideia de que todas as pessoas com a síndrome 
têm limites pré-definidos, jamais viverão os elementos constitutivos da 
adolescência e, portanto, não chegarão ao mundo adulto.
21
16
O MITO DA ETERNA CRIANÇA 
Muitos ainda pensam que todas elas serão “eternas crianças”. 
Esse é talvez o principal mito que precisa ser rompido nos dias de hoje.
Isso pode explicar porque, segundo evidências apontadas pela história 
da medicina, a descrição dessa síndrome apareceu pela primeira vez em 
1862. Foi quando o médico britânico, John Langdon Down, apresentou 
cientificamente o que ele denominou como doença degenerativa.
Fortemente influenciado pelas teorias racistas da época, Langdon Down 
apontou para a possibilidade de algumas pessoas estarem retornando a 
uma condição racial concebida como primitiva, muito próxima à fisionomia 
dos Mongóis que, segundo o cientista, viviam em um “estado regressivo 
da evolução”. 
17
Langdon Down era médico de crianças com atraso neuropsicomotor em 
uma clínica de tratamento em Surrey, na Inglaterra. Ao descobrir algumas 
características semelhantes aos mongóis, passou a chamá-los também de 
“idiotas mongólicas”. 
Segundo ele, os “mongoloides” só conseguiriam sair de sua condição de 
“inacabados” com um treinamento especializado.
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PADRÕES HISTÓRICOS 
DE NORMALIDADE
Esse exemplo serve para nos mostrar que em todos os períodos da História 
desenvolveram-se padrões e modelos dominantes de vida. 
Desde pelo menos o século XVI, um modelo de vida burguês vai se 
delineando no que se habituou a chamar de processo civilizatório. 
Nesse contexto, aqueles que não se adequassem a esse novo leito de 
Procustro foram classificados como degenerados de um sistema, que 
sempre se pautou pelas idéias de racionalidade e homogeneização.
19
Foi no período conhecido como modernidade que esse processo 
excludente se institucionalizou.
Para que o ideal de produção em série pudesse se concretizar, com a 
rapidez esperada pelos novos detentores do poder, era preciso estabelecer 
o lugar de cada um nesse vertiginoso crescimento do capitalismo. 
A MODERNIDADE E A EXCLUSÃO 
20
A SOCIEDADE DISCIPLINAR
Pensando no filósofo Michel Foucault, foi nesse período, sobretudo entre 
o século XVIII e meados do XX, que práticas constantes de disciplinalização 
foram sendo colocadas em prática contra todos que eram rotulados de 
“degenerados” e “desgarrados” da “boa e coesa” sociedade capitalista. 
Em seu livro Vigiar e Punir, o autor descreve que instituições fechadas, 
entre elas a prisão, o manicômio e mesmo a escola, tinham como objetivo 
confinar e disciplinar pessoas consideradas inadequadas, buscando tornar 
seus corpos “dóceis e úteis” para o bom andamento da sociedade
21
No âmbito da política, quem utilizou essa definição, para criar hierarquias 
entre os seres humanos e justificar a xenofobia, foi a denominada extrema 
direita. 
 
Essa linha de pensamento tentou provar que a genética é o que define 
quem é quem em nossa sociedade.
A GENÉTICA E A POLÍTICA 
22
Vale aqui lembrar que, no âmbito da História Moderna, esse ódio ao 
estrangeiro surgiu como resposta da extrema direita ao lema Liberdade, 
Igualdade e Fraternidade, preconizada pela Revolução Francesa de 1789. 
A partir do pressuposto de que as pessoas são biologicamente diferentes, 
defendem eles, as pessoas não poderiam e não podem ter direitos iguais.
O alvo da xenofobia, nesse contexto, é sempre o Outro visto como diferente 
em relação a uma evidência primeira e inaugural: um ser fundador: Igual x 
Diferente; Branco x Negro; Civilizado x Selvagem; Normal x Anormal, entre 
muitas outras dicotomias excludentes. 
Concebe “o diferente” como algo menor e inferior, o que justifica o 
tratamento desigual, ou seja, a xenofobia. 
ÓDIO AO ESTRANGEIRO 
23
Essa divisão dos seres humanos entre “normais” e “anormais” chegou a seu 
ponto mais trágico e catastrófico no período do nazismo. Em um programa 
de eutanásia chamado Aktion T4, os nazistas passaram a exterminar todas 
as pessoas concebidas na época como “perigosas”.
O NAZISMO E A EUTANÁSIA 
Com a derrocada do Nazismo e a vitória dos aliados, tanto na Europa, 
como nos EUA, começou-se a pensar na inclusão social e escolar. 
No entanto, ainda tendo como pano de fundo o modelo da homogeneidade 
e não o da heterogeneidade. 
A VITÓRIA DOS ALIADOS
E OUTRA EXCLUSÃO 
24
Até pelo menos a segunda metade do século XX, não havia sequer a 
distinção entre a hoje categorizada como deficiência e a doença mental. 
Com poucas exceções, entre elas os surdos e cegos da elite burguesa e os 
oriundos da nobreza, que tinham certo acesso à educação especial, todos 
os outros eram jogados nos chamados asilos correcionais ou em hospícios 
e prisões.
A EXCLUSÃO NA MODERNIDADE 
25
Os posteriormente rotulados como “deficientes mentais” 
 foram concebidos, na maioria das vezes, 
como incapazes de aprender e de se adaptarem 
às exigências do desenvolvimento industrial 
e do mercado de trabalho, além de serem vistos 
muitas vezes como perturbadores da ordem social.
OS “DEFICIENTES MENTAIS”
26
Esse total desprezo só começa a mudar em meados do século XIX quando 
a educação especial se estende à hoje chamada pessoa com deficiência 
intelectual. 
No Brasil, só no início do século XX que essa instituição começou de fato 
a sair do âmbito filantrópico-assistencial. 
Por outro lado, o modelo estabelecido passou a ser o clínico, ampliandose 
o estigma de que deficiência é doença, passível ou não de cura. 
A EDUCAÇÃO ESPECIAL
E O MODELO CLÍNICO 
27
Apenas em 1959, o cientista Jerome Lejeune descobriu que a Síndrome de 
Down é causada pela trissomia do cromossomo 21. Daí a comemoração 
nesse dia. 
Uma nova página da História estava prestes a se iniciar, porém não menos 
recheado de preconceitos, inclusive na conceituação da própria palavra 
“down”. 
É importante enfatizar, só para começar, que a idéia de inclusão, na história 
da humanidade, é bastante recente. Na Europa e nos EUA essa discussão 
se remete ao fim da Segunda Guerra Mundial.
A DESCOBERTA 
DO CROMOSSOMO 21
28
No Brasil, a inclusão ganha peso com a Constituição Federal de 1988 e a 
assinatura de declarações internacionais, como a de Salamanca (Espanha), 
que prevê a inclusão escolar. 
 
Temos sim de comemorar os inquestionáveis avanços dos últimos tempos. 
Por outro lado, deixo aqui essa provocação, é importante enfatizar: 
continuaremos a exercer uma forma – muitas vezes sutil e imperceptível, 
de preconceito – enquanto não for quebrado o paradigma de que “eles” 
são diferentes de “nós” – os supostos “iguais”.
Aqui podemos af irmar que essas leis iniciam um processo 
teórico de quebra de paradigma, mas será que quebramos 
mesmo o paradigma igual x diferença na prática?
NO BRASIL
29
Para que a justa homenagem, que habitualmente ocorre nesse 21 de março, 
não se transforme em mais um enfeite no calendário das infinitas outras 
comemorações espalhadas pelo planeta, é necessário o rompimento 
do paradigma que separa as pessoas “iguais” de um lado e de outro os 
“diferentes”. 
 
Se não quebrarmos esse paradigma excludente, continuaremos a colocar 
a prática, de uma forma talvez mais branda e até invisível, o mito de 
Procustro.
Para estarem aptos a viverem no seleto mundo da normalidade, ainda 
terão que se adequar a um protótipo excludente da igualdade. 
Nunca é demaislembrar que ainda vivemos em uma sociedade 
extremamente excludente e seletiva.
30
Nesse contexto, mesmo que positivemos o “diferente”, a tarefa dos que 
não se adequam continuará a de ser uma cópia, a mais perfeita possível, 
desse modo de ser e de se comportar padronizado e único. 
E só dessa forma se candidatar a entrar para o seleto clube dos “iguais”, 
podendo significar a reprodução, mesmo que de forma sutil, de um 
passado de exclusões. 
EXCLUSÃO INVISÍVEL 
Nesse caso, o estigma do “diferente” continuará a ser um obstáculo para 
que cada pessoa com a Síndrome de Down tenha sua própria singularidade, 
como se não houvesse diferenças entre eles. 
O ESTIGMA DO “DIFERENTE”
31
É o mesmo que dizer: todos os indígenas são igualmente “diferentes” do 
modelo ideal de sociedade, representado aqui pelo homem branco e 
“civilizado”. 
Essas e muitas outras formas de discriminação continuarão a existir se 
não derrubarmos mais esse muro, o que separa os seres humanos em 
dicotomias excludentes, como:
NORMAL x ANORMAL 
IGUAL x DIFERENTE
CIVILIZADO x SELVAGEM
DISCRIMINAÇÕES
32
A Síndrome de Down, nessa perspectiva, é apenas um exemplo histórico 
dos riscos e das armadilhas do determinismo genético. 
O estigma de que eles são geneticamente inferiores, eternamente 
dependentes e incapazes, não passa de uma criação histórica justificada 
por esse modo fragmentado de separar rigidamente o ser humano em 
binômios excludentes, tais quais normal X anormal; igual X diferente; 
Civilizado X Selvagem, entre muitos outros. 
EXEMPLO HISTÓRICO 
33
No outro lado desse complexo e polêmico quebra-cabeças, temos o 
determinismo geográfico, que define o ser humano e a diversidade 
humana a partir do ambiente físico em que ele vive. 
 
Caímos nesse caso na criação de outros estereótipos dos mais perigosos 
como, por exemplo, acreditar que o nordestino é mais preguiçoso, pelo 
simples fato de viver em uma região mais quente. 
O DETERMINISMO GEOGRÁFICO 
34
Com toda essa complexidade, fica então a pergunta: o que é ser igual e 
diferente na sociedade contemporânea? 
Como fica a frase, tão difundida pela esquerda no âmbito da Política: 
todos somos iguais 
SERÁ QUE SOMOS MESMO? A frase solta também gerou outra distorção 
no que muitos chamam de inclusão. 
Quando alguém fala “aquela pessoa é diferente” o que ele está querendo 
dizer? Essa pessoa é diferente em relação a quem ou a que? 
O QUE É SER IGUAL E DIFERENTE? 
35
Afinal, somos todos diferentes, cada qual com seus limites e potencialidades, 
além de iguais em direitos, mesmo que essa lei ainda esteja apenas no 
papel.
Pensando de outra maneira, portanto, para que todos possam se 
desenvolver e a aprender de forma significativa, cada um no seu tempo, 
temos que tratar as pessoas de uma forma diferente. 
E isso independe da pessoa ter ou não a Síndrome de Down, ou outra das 
rotuladas como deficiência.
SOMOS TODOS DIFERENTES 
Encerro a primeira parte desse e-book, 
defendendo a ideia de que para sermos 
realmente inclusivos temos que romper 
com o dualismo excludente IGUAL x DIFERENTE. 
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA 
E A S ÍNDROME DE DOWN:
INCLUIR AONDE? 
37
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
“Somente na medida em que a história 
serve à vida queremos servi - la” 
Friedrich Nietzsche
PARTE II
TENSÃO ENTRE EXCLUSÃO E INCLUSÃO SOCIAL 
38
Agora convido vocês a embarcarem no universo da Síndrome de Down
 e da chamada Educação Inclusiva. 
Sempre quando alguém coloca essa questão em pauta,
 a primeira pergunta que me vem à mente é a seguinte: 
DE QUE ESCOLA 
ESTAMOS FALANDO? 
QUAL É O FORMATO 
DE ESCOLA QUE ESTAMOS 
TENTANDO INCLUIR?
QUAL É REALIDADE DE
NOSSA ESCOLA HOJE? 
A meu ver, o debate em relação a essa questão impõe que voltemos um 
pouco no tempo. Segundo o ainda atual pedagogo brasileiro, Paulo Freire, 
falar sobre o passado é importante para podermos refletir no aqui e agora 
reiterando sempre que podemos mudar os rumos do futuro próximo. 
40
Com raras e instigantes exceções, a escola, do jeito que ela ainda existe 
hoje, foi criada entre os séculos XVIII e XIX. Não querendo me estender 
muito sobre esse tema, vem logo outra indagação: 
Porque esse sistema de ensino foi criado? 
A resposta não é simples, mas o objetivo foi o de produzir pessoas em 
série para se tornarem produtoras e consumidoras no sistema que estava 
emergindo na época: o capitalismo.
Daí, caro leitor, as pessoas catalogadas como incapazes e improdutivas 
foram alijadas dessa escola que tinha como intenção, já nos revelou 
Foucault, criar “corpos dóceis e úteis”. 
E o que é pior. No início, não havia opção nenhuma para elas. 
Só depois, nasceu a chamada Escola Especial. 
NASCIMENTO DA ESCOLA 
41
Pensemos um pouco no Brasil, sobretudo na escola pública. 
Histórica e sociologicamente falando, até a década de 60, já estamos no 
século XX, a grande maioria das pessoas vivia no campo.
Entre esse período e a década de 80, houve uma surpreendente inversão 
desse número com o intitulado êxodo rural, ou seja, as grandes cidades 
passaram a ser moradia, a maioria precária, da maior parte da população.
Mas qual é a ligação desse fenômeno, que ocorreu durante a ditadura 
militar no Brasil, com nosso tema? 
Antes, quem estudava na escola pública era uma elite que passava as 
férias na Europa.
Da década de 80 em diante, a escola pública foi tendo que crescer para 
receber as pessoas que estavam chegando do campo até que, nos anos 
90, começou-se o discurso de que o ensino deveria ser para todos.
42
Pois bem, não muito tempo depois (lá pelo meio dos anos 90), veio o debate 
sobre a inclusão da Pessoa com Deficiência nessa mesma rede de ensino.
 
Na prática então foram duas inclusões praticamente simultâneas: a dos 
moradores do campo e a das também chamadas hoje como pessoas com 
necessidades educacionais especiais.
Até a década de 90, no Brasil, o debate e certa prática de inserção das 
pessoas com deficiência e/ou dificuldade de aprendizagem no sistema 
regular de ensino girou em torno do que pode ser chamado hoje de inclusão 
adequativa. 
A meta foi a de focar o processo de inclusão única e exclusivamente no 
intitulado “aluno de inclusão”, dando destaque ao diagnóstico.
43
Sobretudo desde o final dos anos 90, o discurso inclusivo passou a cobrar 
da escola a tarefa de criar as condições necessárias para que a inclusão 
realmente se efetive. 
O que observamos, no entanto, na grande maioria das escolas, foi a 
tentativa de realmente colocar em prática a adequação a um modelo de 
escola pronto e acabado.
Mesmo considerando que houve avanços significativos durante todos esses 
anos, é importante destacar que ainda enfrentamos limites substanciais e 
graves em relação à constituição de uma escola verdadeiramente inclusiva 
e democrática, que venha a responder de fato todas as singularidades e 
necessidades básicas inerentes a cada ser humano, independente dele ser 
rotulado como pessoa com deficiência.
44
Enquanto isso, pensemos juntos leitor, a maioria das escolas continuam 
a tentar ensinar do mesmo jeito que fazia para a elite dos anos 60, 
desconsiderando por completo o novo público que estava batendo em 
sua porta.
No campo da educação, a escola continuou sendo dividida em séries e 
compartimentos fechados, além das intituladas disciplinas, no qual todos 
os estudantes devem se adequar de uma forma regiamente homogênea, 
restando a exclusão e a cultura do fracasso para os que não acompanham. 
 
A maioria das escolas, habilmente escondidas no manto obscuro de um 
discurso inclusivo, acaba promovendo, na melhordas hipóteses, o que 
pode ser denominado como inclusão seletiva.
45
Na maioria das vezes, o formato da sala de aula continua o mesmo. 
Alunos enfileirados, cada um olhando a nuca do outro, se resumindo a 
ouvir e anotar todo um conteúdo imposto de cima para baixo, sem levar 
em consideração a história de vida, a realidade social e econômica e as 
particularidades de cada um de seus educandos. 
A própria palavra aluno, que significa “sem luz”, sequer foi discutida.
Uma nova pergunta vem necessariamente à tona: como universalizar o 
ensino em uma escola que não foi criada para todos? 
46
O resultado parece estar claro para todos: a exclusão de todos aqueles que, 
seja por qual motivo for, não conseguem acompanhar o ritmo frenético das 
informações transmitidas pelo professor, em que a quantidade continua a 
ser mais importante do que a qualidade. 
É o que o Paulo Freire chamou de Educação Bancária.
O especialista em alfabetização e mentor na Escola da Ponte em Portugal, 
José Pacheco, não se cansa de falar: provas como a do ENEM servem 
apenas para medir a memória de curto prazo dos alunos e não o que eles 
realmente aprenderam, o que ficou de verdadeiramente significativo.
47
Prezado leitor, espero que você tenha acompanhado meu raciocínio. O 
que está em jogo aqui são duas concepções de inclusão. Aquela que eu 
gosto de chamar de adequativa, pressupondo que o equivocadamente 
chamado “aluno de inclusão” tem que se adaptar a um modelo de ensino 
visto como pronto e acabado. 
É que a escola tradicional foi criada, pelo modelo dominante, para lidar 
com uma fictícia homogeneidade e não com a heterogeneidade, com as 
singularidades inerentes a cada ser humano. O capitalismo, por sua vez, 
tende a classificar cada pessoa para dizer qual é seu papel hierárquico em 
seus tentáculos, selecionando quem pode ou não ser integrado a ele. 
48
Nesse caso, podemos evocar a letra do músico Nando Reis, cantada 
magistralmente por ele e pelo Arnaldo Antunes: 
“EU NÃO CAIBO
 MAIS NAS ROUPAS
 QUE EU CABIA... 
 EU NÃO VOU
 ME ADAPTAR,
 NÃO VOU 
 ME ADAPTAR”
49
Historicamente falando, a grande preocupação do sistema regular de 
ensino sempre foi com o ensino e não com o aprendizado propriamente 
dito, significando dizer que o papel do professor era, e ainda é em muitos 
sentidos, o de apenas transmitir informações contidas em um currículo 
imposto de cima para baixo e aplicado de forma homogênea a todos os 
seus alunos indiscriminadamente.
Pensando na Filosofia da Diferença, significa dizer que o Outro, nesse 
contexto, é obrigado a se adequar a um modelo ideal de ensino, ou seja, a 
um currículo predeterminado e imposto de fora para dentro. 
Trata-se aqui tão somente de mudar o lugar da exclusão, em nome de um 
discurso inclusivo que não pressupõe a necessidade de transformar esse 
modelo de escola ainda hegemônico e dominante. 
I N C L U S Ã O 
E A N E C E S S I D A D E 
D E M U D A R M O S A E S C O L A 
( P A R A T O D O S )
O que seria então uma legítima inclusão
para aqueles que não conseguem acompanhar 
a denominada escola tradicional.
51
A outra concepção de inclusão é a que a intitulada aula não seja mais 
tecnicista, conteudista e muito menos exaustivamente expositiva, sem a 
participação efetiva do aluno na construção de seu próprio processo de 
aprendizagem.
As chamadas disciplinas, que deveriam ser na verdade áreas do 
conhecimento, não podem mais ser expostas mecanicamente, sem a 
preocupação com significado delas para a realidade do aluno. 
Com isso, cada educando, com sua especificidade e condição, vai traçando 
seu roteiro de estudo específico, levando em conta interesses, desejos, 
necessidades e mesmo dificuldades. 
E isso, caro leitor, vale para todos, incluindo os que têm Síndrome de 
Down ou outra das rotuladas como deficiências.
52
Segundo Paulo Freire, incluir não é colocar alguém, que está supostamente 
“à margem de”, para dentro de uma sociedade aparentemente estática e 
que não necessita de transformação. 
 
Temos, ao contrário, que aprender a olhar as diferenças, transformando 
nossos próprios preconceitos e desconstruindo uma cultura histórica 
recheada de estigmatizações. 
Trata-se de elaborar novas e diferenciadas estratégias de ensino-
aprendizado, capazes de atingir e fortalecer o potencial de cada estudante 
em sua singularidade sem, no entanto, nos afastarmos do coletivo.
53
A inclusão social e escolar, sob essa ótica, significa um profundo 
reordenamento do que é viver em sociedade, além de desconstruir a ideia 
de que inclusão não é destinada apenas às diagnosticadas como pessoas 
com deficiência e sim reestruturar as práticas educativas homogeneizantes 
de um modelo de escola que não foi criada para ser inclusiva.
Dito tudo isso, podemos sim criar estratégias de ensino que vão nos ajudar 
a pensar e a ampliar ao máximo a aprendizagem dos que apenas nasceram 
com o Cromossomo 21 a mais e nada mais. 
Como ampliar ao máximo o aprendizado das pessoas 
com Síndrome de Down ou mesmo das chamadas pes-
soas com def iciência?
54
É preciso, antes de tudo, exercitar o princípio da escuta, do que dizem 
e pensam os alunos, além de respeitar a diversidade humana e a 
multiplicidade de interesses, desejos e necessidades.
Em linhas gerais, é importante que o professor observe e registre, com 
o apoio de especialistas caso necessário, a evolução do processo de 
aprendizado do “aluno com dificuldade de aprendizagem” ou “com 
deficiência”, enfatizando que o educador deve ter um olhar capaz de 
apreender e descrever os seus avanços e as dificuldades, traçando 
caminhos alternativos em seu planejamento pedagógico, considerando 
sempre as especificidades do estudante ou grupo de estudantes.
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• Elaborar propostas pedagógicas baseadas na interação com e entre os alunos, 
adotando metodologias motivadoras e avaliando os educandos numa abordagem 
processual e emancipadora. 
• Detectar diferentes ritmos de aprendizagem e singulares formas de comunicação, 
desenvolvendo ações inclusivas para toda a escola. É importante aqui não 
subestimar o aluno, desencorajando-o e alimentando o estigma da incapacidade. 
• Buscar criar comunidades mais acolhedoras e participativas, investindo na 
possibilidade de todos perceberem o valor da diversidade e a importância do 
respeito às diferenças, sejam elas quais forem.
Após essa explanação inicial, segue agora alguns tópicos que podem
 ser inseridos inclusive nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) das escolas:
56
• Detectar quais as necessidades de modificações da organização 
espacial da sala de aula para auxiliar o desenvolvimento cognitivo e 
pessoal do estudantes: Adequar as características físicas e espaciais 
da classe. 
• Mudanças na disposição das carteiras como, por exemplo, agrupá-las 
em círculo e diminuindo o número de estudantes por classe. 
• Modificar o agrupamento dos estudantes e as condições gerais da sala 
para favorecer o aprendizado do aluno e sua interatividade com os 
demais estudantes.
POSSÍVEIS ADEQUAÇÕES
nA SALA DE AULA
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• Procurar estabelecer uma pedagogia mais colaborativa e menos 
competitiva, criando grupos de aprendizagem e de pesquisas 
heterogêneos. 
• Conectar-se efetivamente com os pais ou responsáveis. 
• Não pensar que para ser incluído e aprender, o aluno tem que superar 
a sua deficiência. 
 
• Colocar-se no lugar do estudante, não só buscando afetá-lo, mas 
também sendo afetado por ele. 
POSSÍVEIS ADEQUAÇÕES
nA SALA DE AULA
58
É importante, nessa perspectiva, desconstruir a histórica fragmentação 
linear e extremamente imobilistaque subdividiu o ensino em séries 
estanques e intransponíveis, como se fossem condomínios fechados e 
isolados entre si. 
Se estivermos realmente interessados em pensar a inclusão escolar, 
é preciso resistir ao que é exigido habitualmente como expectativa de 
aprendizado pelas escolas, como sendo um único possível a ser alcançado 
para todos os seus alunos.
59
Para aqueles que não chegaram a um mesmo possível almejado, 
consideram os que defendem a inclusão adequativa, basta utilizar o 
conhecido reforço, tendo como objetivo a aproximação cada vez maior 
entre o pejorativamente estigmatizado como aluno de inclusão e o que 
é esperado não só para ele, mas para todos, de uma forma homogênea e 
regiamente evolucionista. 
É nesse contexto que se torna urgente começarmos a desconstruir certo 
conceito de inclusão. 
Não se trata de pensarmos em uma sociedade estática e parada, na qual 
os que estão ou estavam supostamente fora devem se ajustar.
60
O foco então não deve ser mais as chamadas pessoas com deficiência ou 
com alguma dificuldade de aprendizagem e sim nós, os seres humanos, 
cada um com sua diferenciação, seus limites e potencialidades. 
O educador, nesse sentido, deve sempre estar aberto a reinventar a si 
mesmo permitindo sempre ser afetado pela diferença, não preconizando 
mais o seu aluno como uma página em branco pronta ou não a armazenar 
envelopes conteudistas, prontos e acabados, sem nenhum vínculo com o 
contexto social no qual ele está inserido. 
Incluir verdadeiramente, ao contrário, não é destruir as diferenças em 
nome de uma eventual igualdade/normalidade. 
É se manter na diferença trocando com outras diferenças.
É i n ve s t i r n a p o ss i b i l i d a d e
 d e q u e o a l u n o p o d e c h e g a r
 a s e u m á x i m o 
n a q u e l e m o m e n t o .
E Q U E E S S E M Á X I M O
 N U N C A É O D E F I N I T I V O ! 
62
Guga Dorea é graduado em Comunicação Social pelas Faculdades 
Integradas Alcantara Machado (FIAM-SP) e em ciências Sociais pela PUC-SP, 
além de Mestrado e Doutorado em Sociologia e Ciências Políticas também 
pela PUC. Atualmente é professor dos cursos de pós-graduação da UNISED, 
além articulista e educador nas áreas de Inclusão Social e Educação. Coloca 
em prática também o projeto, de sua autoria, Conectando Diferenças - 
oficina de escrita para Pessoas com Deficiência no Instituto Casa do Todos 
e no Morungaba, além de editar o Jornal Todos na Diferença, com textos 
elaborados pelos próprios participantes da oficina. Frequenta ainda o 
Grupo de Estudo sobre Filosofia da Diferença, pela Universidade Federal 
de São Paulo - UNIFESP.
O EDUCADOR
O EDUCADOR 
 
Guga Dorea é graduado em Comunicação Social pelas 
Faculdades Integradas Alcantara Machado (FIAM-SP) e em 
ciências Sociais pela PUC-SP, além de Mestrado e Doutorado em 
Sociologia e Ciências Políticas também pela PUC. Atualmente é 
professor dos cursos de pós-graduação da UNISED, além articulista 
e educador nas áreas de Inclusão Social e Educação. Coloca em 
prática também o projeto, de sua autoria, Conectando Diferenças - 
oficina de escrita para Pessoas com Deficiência no Instituto Casa 
do Todos e no Morungaba, além de editar o Jornal Todos na 
Diferença, com textos elaborados pelos próprios participantes da 
oficina. Frequenta ainda o Grupo de Estudo sobre Filosofia da 
Diferença, pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) 
 
 
contato@unised.com.br
www.unised.com.br
(11) 2084-8433

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