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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA NÚCLEO DE ENGENHARIA AMBIENTAL E SANITÁRIA GNE156 – INTRODUÇÃO AO CONTROLE AMBIENTAL Material didático (1ª avaliação) Prof. Ronaldo Fia Lavras 2012/II 1 GNE156 – INTRODUÇÃO AO CONTROLE AMBIENTAL 1. INTRODUÇÃO A superfície da Terra está em constante processo de transformação e, ao longo de seus bilhões de anos, o planeta registra drásticas alterações ambientais. Há milhões de anos, a área do atual deserto do Saara, por exemplo, era ocupada por uma grande floresta e os terrenos que hoje abrigam a floresta amazônica pertenciam ao fundo do mar. Essas mudanças, no entanto, são provocadas por fenômenos geológicos e climáticos e podem ser medidas em milhões e até centenas de milhões de anos. Com o surgimento do homem na face da Terra, o ritmo de mudanças acelera-se. Nos últimos séculos, um modelo de civilização se impôs, alicerçado na industrialização, com sua forma de produção e organização do trabalho, a mecanização da agricultura, o uso intenso de agrotóxicos e a concentração populacional, e consequentemente dos resíduos gerados por esta, nas cidades. À medida que a humanidade aumenta sua capacidade de intervir na natureza para satisfação de necessidades e desejos crescentes, surgem tensões e conflitos quanto ao uso do espaço e dos recursos. Quando se trata de discutir a questão ambiental, nem sempre se explicita o peso que realmente têm essas relações de mercado, de grupos de interesses, na determinação das condições do meio ambiente, o que dá margem à interpretação dos principais danos ambientais como fruto de uma “maldade” intrínseca ao ser humano. A demanda global dos recursos naturais deriva de uma formação econômica cuja base é a produção e o consumo em larga escala. A lógica, associada a essa formação, que rege o processo de exploração da natureza hoje, é responsável por boa parte da destruição dos recursos naturais e é criadora de necessidades que exigem, para a sua própria manutenção, um crescimento sem fim das demandas quantitativas e qualitativas desses recursos. Os rápidos avanços tecnológicos viabilizaram formas de produção de bens com consequências indesejáveis que se agravam com igual rapidez. A exploração dos recursos naturais passou a ser feita de forma demasiadamente intensa, a ponto de pôr em risco a sua renovabilidade. Sabe-se agora da necessidade de entender mais sobre os limites da renovabilidade de recursos tão básicos como a água, por exemplo. Toda essa situação colocou em xeque a ideia desenvolvimentista de que a qualidade de vida dependia unicamente do avanço da ciência e da tecnologia. Todos os problemas sociais e econômicos teriam, nessa visão, solução com a otimização da exploração dos recursos naturais. Diante dos problemas que emergiram desse sistema surgiu a necessidade de repensar o conceito de desenvolvimento. Assim, a solução dos problemas ambientais tem sido considerada cada vez mais urgente para garantir o futuro da humanidade e depende da relação que se estabelece entre sociedade/natureza, tanto na dimensão coletiva quanto na individual. 2. POLUIÇÃO AMBIENTAL O homem tem necessidades primárias e secundárias. As primárias, como a alimentação, destinam-se à conservação da vida. As secundárias têm o objetivo de aumentar o conforto. Os recursos utilizados pelo 2 homem para satisfazer suas necessidades primárias e secundárias podem ser naturais ou econômicos, sendo os recursos econômicos produzidos com a transformação de materiais naturais. Recurso natural é qualquer insumo de que os organismos, as populações e os ecossistemas necessitam para sua manutenção. Portanto, recurso natural é algo útil. Existe um envolvimento entre recursos naturais e tecnologia, uma vez que há a necessidade da existência de processos tecnológicos para utilização de um recurso. Algo se torna recurso natural caso sua exploração, processamento e utilização não causem danos ao meio ambiente. Assim, na definição de recurso natural, encontramos três tópicos relacionados: tecnologia, economia e meio ambiente. Os recursos naturais podem ser classificados em dois grandes grupos: os renováveis e os não- renováveis. Os recursos renováveis são aqueles que, depois de serem utilizados, ficam disponíveis novamente graças aos ciclos naturais. A água, em seu ciclo hidrológico, é um exemplo de recurso renovável. Além da água, podemos citar como recursos renováveis a biomassa, o ar e a energia eólica. Como o próprio nome diz, um recurso não-renovável é aquele que, uma vez utilizado, não pode ser reaproveitado. Um exemplo característico é o combustível fóssil que, depois de ser utilizado para mover um automóvel, está perdido para sempre. Há situações nas quais um recurso renovável passa a ser não-renovável. Essa condição ocorre quando a taxa de utilização supera a máxima capacidade de sustentação do sistema. Como resultado da utilização dos recursos naturais pela população surge a poluição. A fim de caracterizar situações em que a atuação humana tenha provocado alterações no meio ambiente, tem sido feita uma distinção entre contaminação e poluição ambiental. O termo contaminação tem sido empregado para caracterizar uma situação na qual uma substância está presente no ambiente, mas não causa qualquer dano óbvio, enquanto o termo poluição tem sido reservado para caracterizar situações em que os efeitos danosos ou prejudiciais ao ambiente ou ao seu potencial uso pelo homem estão aparentes. A poluição é uma alteração indesejável nas características físicas, químicas ou biológicas da atmosfera, litosfera ou hidrosfera que cause ou possa causar prejuízo à saúde, à sobrevivência ou às atividades dos seres humanos e outras espécies ou ainda deteriorar materiais. Para fins práticos, em especial do ponto de vista legal de controle da poluição, acrescentamos que o conceito de poluição deve ser associado às alterações indesejáveis provocadas pelas atividades e intervenções humanas no ambiente. Desse modo, uma erupção vulcânica, apesar de poder ser considerada uma fonte poluidora, é um fenômeno natural não provocado pelo homem e que foge a seu controle, assim como outros fenômenos naturais, como incêndios florestais, grandes secas ou inundações. Segundo a Lei 6.938 (1981) que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, poluição ambiental é degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. 3 Para satisfação das necessidades humanas, matas têm sido devastadas para os mais diversos fins; o solo, erodido em consequência das escavações minerais e desmatamentos; as águas, contaminadas pelos resíduos industriais, esgotos e pesticidas; e o ar tem recebido os mais diversos gases resultantes dos processos de industrialização, da queima dos combustíveis pelos automóveis, queimadas e outros. A poluição dos diversos ambientes vitais (água, ar e solo) pela introdução de substâncias nocivas acarreta vários efeitos negativos sobre a vida animal e vegetal. A poluição atinge os seres humanos, por provocar alterações físicas, químicas e microbiológicas no solo, rios, oceanos e atmosfera. Até em ínfimas concentrações,sem nocividade direta, certas substâncias tomam-se perigosas devido ao mecanismo das transmissões biológicas cumulativas e sucessivas, das plantas aos herbívoros, depois aos carnívoros e ao homem. Apesar de se saber que a poluição é indesejável e de alto custo para a sociedade e o meio ambiente como um todo, é fundamental que se tenha consciência de que ela é inevitável, sendo inerente ao processo de sobrevivência da população, especialmente da vivente em grandes comunidades e dependente de tecnologia. A fim de comprovar essa afirmação, podem-se tomar por base até mesmo culturas primitivas, nas quais excretas humanas e de animais domésticos, a lenha cortada para queima e a fumaça gerada no cozimento dos alimentos constituem fonte de poluição. Onde as quantidades, as taxas de emissão ou a toxicidade dos poluentes são relativamente baixas, processos naturais podem, usualmente, assimilar esses excessos, podendo ocorrer autodepuração do meio. Ao contrário, no caso de poluentes mais tóxicos, emitidos em maiores taxas, condição comum em países tecnologicamente mais avançados, processos de autodepuração do ar, da água ou do solo não são suficientes ou eficazes. 2.1. Tipos de poluição Todo ser vivo reage com seu ambiente e produz resíduos. A menos que o ambiente possa assimilá-los convenientemente (autodepuração), eles poderão interferir no ciclo vital. Vivendo em comunidades, o ser humano tem desenvolvido processos que produzem grandes quantidades de subprodutos ou resíduos em forma de matéria ou energia. Estes processos têm profundo significado econômico, político, social e sanitário; afetam a saúde do próprio homem, seu conforto e segurança, sua riqueza e seu poder. Interferir nestes processos é, na verdade, interferir na civilização, mas ignorar seus subprodutos é ignorar uma ameaça a sobrevivência. Em todos os casos de poluição, deve ser considerada a fonte dos poluentes; as características físicas, químicas e microbiológicas do poluente; o meio de transporte ou de sua dispersão no meio (ar, água ou disposição direta no solo); e o receptor do poluente (ecossistemas, organismos individuais e estruturas). Quanto à origem dos resíduos, as fontes poluidoras podem ser classificadas em pontuais, discretas ou localizadas que são geradas de forma concentrada, em áreas limitadas, podendo, dessa forma, ser mais facilmente medidas e controladas (lançamento de esgoto doméstico ou industrial, efluentes gasosos industriais, aterro sanitário de lixo urbano etc.); e não-pontuais, difusas ou dispersas são aquelas geradas de forma distribuída no meio não estão, por isso, localizadas em áreas limitadas e que são resultantes de um grupo abrangente de atividades humanas (agrotóxicos aplicados na agricultura e dispersos no ar, carregados 4 pelas chuvas para os rios ou para o lençol freático, gases expelidos do escapamento de veículos automotores etc.). As fontes de poluição não pontuais são muito mais difíceis de ser identificadas, medidas e controladas do que as pontuais. As principais fontes de contaminantes para solo são: fertilizantes, pesticidas, esgotos domésticos e industriais, resíduos sólidos (lixo), dejetos animais, poluentes atmosféricos. Quanto às fontes de poluição do ar temos: indústrias, veículos, agropecuária, resíduos, geração de energia (hidrelétrica e termoelétrica) etc.; além dos poluentes emitidos na atmosfera, deve levar em consideração às condições atmosféricas e topográficas (relevo) que influenciam diretamente na dispersão dos poluentes do ar. As fontes de poluição das águas superficiais e subterrâneas estão diretamente relacionadas aos poluentes do solo e do ar, tais como: escoamento de águas pluviais contaminadas, pesticidas, fertilizantes, esgotos domésticos e industriais, resíduos sólidos (lixo), dejetos animais e poluentes atmosféricos (Figura 1). Fertilizantes Irrigação Resíduos humanos e animais Pesticidas Resíduos industriais Deposição atmosférica Ar Solo Erosão do solo Águas superficiais Águas subterrâneas Figura 1. Diagrama representativo das várias fontes de poluição do ar, do solo e da água. 2.2. Autodepuração ambiental Toda atividade humana gera resíduos que podem ser absorvidos, degradados e reciclados pelo ambiente. A esse processo de assimilação e reciclagem dos resíduos pelo ambiente sem causar danos ambientais dá-se o nome de autodepuração. O termo autodepuração é bastante utilizado quando se quer tratar do processo natural de degradação da matéria orgânica nos corpos d’água. Após receber uma carga de poluição, os cursos d’água, embora sofram modificações em suas características, tendem a restabelecer por 5 processos naturais as condições existentes antes do lançamento dos esgotos. Este fenômeno é conhecido como autodepuração, isto é, a capacidade do curso de água de receber uma determinada carga poluidora e eliminá-la, gradativamente, mediante ações naturais. O ecossistema aquático abriga em suas cadeias alimentares seres fotossintetizantes, como as algas, por exemplo. Eles são chamados de seres produtores por fabricarem o alimento necessário para a sobrevivência dos demais organismos. O ecossistema abriga, ainda, os seres chamados de consumidores, assim denominados por necessitarem, direta ou indiretamente, ingerir alimentos fabricados pelos fotossintetizantes. Há um equilíbrio natural entre produção e consumo, entre seres produtores e consumidores, entre a reação da fotossíntese e a reação da respiração. Mas, para que essas reações ocorram, são necessários diversos elementos, tais como: o nitrogênio (formador das proteínas), o fósforo, o potássio, o ferro etc., além do carbono, do oxigênio e do hidrogênio. Para que o ecossistema possa sobreviver, esses elementos, após sua utilização, têm de ser devolvidos ao meio novamente, mesmo que de outra forma. Desse modo, eles podem entrar na cadeia alimentar por meio da fotossíntese. Essa devolução ocorre por intermédio dos seres decompositores que, a partir dos resíduos orgânicos e, ou, da morte dos seres vivos, terminam a oxidação da matéria orgânica e completam o ciclo dos nutrientes. Os seres decompositores são microrganismos que vivem no lodo do fundo da água, tais como bactérias e outros organismos. Quando a matéria orgânica biodegradável é despejada no meio aquático, os decompositores fazem sua digestão por meio de mecanismos bioquímicos. Os seres decompositores aeróbios respiram o oxigênio dissolvido na água e passam a competir com os demais organismos. Como têm alimento à sua disposição (nesse caso, a matéria orgânica para ser decomposta) e possuem requisitos de sobrevivência em termos de oxigênio bastante baixos, eles ganham a competição. Com isso, os peixes morrem e a população dos decompositores cresce rapidamente. É dessa forma que a matéria orgânica biodegradável causa poluição. A redução dos teores de oxigênio dissolvido pelo excesso de consumo pelos decompositores prejudica a sobrevivência dos demais seres consumidores (Figura 2). O oxigênio dissolvido é um dos constituintes mais importantes dos recursos hídricos. Embora não seja o único indicador de qualidade da água existente, é um dos mais usados porque está diretamente relacionado com os tipos de organismos que podem sobreviver em um corpo de água. Quando ausente, permite a existência de organismos anaeróbios que liberam substâncias que conferem odor, sabor e aspecto indesejáveis à água. Peixes e outras espécies animais necessitam de oxigênio para sobreviver, sendo necessária uma concentração mínima de 2 mg L -1 para a existência de formas de vida aeróbia superior. Algumas espécies são mais exigentes com relação à concentração de oxigênio dissolvido, necessitando no mínimode 4 mg L -1 . As águas naturais, sem poluição, apresentam concentrações de oxigênio dissolvido entre 6 e 8 mg L -1 . 6 Figura 2. Esquema do processo de autodepuração em corpos d’água, em que DBO corresponde à matéria orgânica (Braga et al., 2005). A concentração de oxigênio dissolvido na água ocorre em função de diversas variáveis: - características do despejo: estão associadas aos fatores de consumo do oxigênio dissolvido no meio, tais como a natureza do material biodegradável envolvido, a facilidade com que ele é biodegradado pelos organismos decompositores, a quantidade de oxigênio necessário para a biodegradação, a quantidade de poluente, a vazão despejada, etc.; - características do corpo de água: estão associadas à facilidade com que as cargas poluidoras são misturadas ao meio aquático. Entre as variáveis mais importantes estão a velocidade do fluido, a geometria do escoamento, a intensidade da difusão turbulenta e outras; e - produção de oxigênio: o oxigênio dissolvido no meio aquático pode ser originado pela atividade fotossintética dos organismos autótrofos (produção endógena) ou pela reaeração (produção exógena), a qual consiste na passagem de oxigênio atmosférico para o interior do meio aquático por meio da interface ar-água. É evidente que, caso se pretenda manter o nível mínimo de oxigênio dissolvido (OD) nas águas acima de um dado valor (2 mg L -1 , por exemplo), existe certo limite na carga poluidora a ser lançada no corpo receptor. Se as necessidades de oxigênio para estabilizar a matéria orgânica contida no esgoto lançado forem demasiadamente elevadas, todo o OD do corpo receptor poderá ser consumido e, no ponto crítico, ocorrerá ausência total de OD. Dependendo da carga poluidora, esta situação pode se prolongar por um longo trecho do rio, o que é altamente indesejado. A curva de OD do corpo receptor terá, então, o aspecto mostrado na Figura 3. 7 Figura 3. Etapas do processo de autodepuração e curva de oxigênio dissolvido nos cursos d’água após o despejo de matéria orgânica. 3. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E GESTÃO AMBIENTAL NA EMPRESA 3.1. Histórico Desde os tempos coloniais, a legislação brasileira preocupava-se com a proteção da natureza, especialmente recursos naturais, florestais e pesqueiros. Contudo, era sempre uma preocupação setorial voltada para os interesses econômicos imediatos. A partir da década de 30, quando o país sofreu profundas modificações políticas, o velho Código Florestal, o Código de Águas (ambos de 1934), assim como o Código de Caça e o de Mineração, tinham seu foco voltado para a proteção de determinados recursos ambientais de importância econômica. Em 1964 apareceram as primeiras preocupações referentes a utilização dos recursos naturais de forma racional, pela compreensão que se atingiu de que tais recursos só se transformariam em riquezas se explorados de forma racional e de que se deveria dar múltiplos usos a esses recursos, de tal forma que sua exploração para uma determinada finalidade, não impedisse sua exploração para outros fins, nem viesse em detrimento da saúde da população e de sua qualidade de vida. Desse período datam, dentre outras, a Lei nº 4.504, de 30.12.1964 (Estatuto da Terra), o novo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), a Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/1967), Decreto lei nº 221/ 1967 (Código de Pesca), Decreto-lei nº 227/1967 (Código de Mineração). Marco decisivo e que repercutiu de forma notável sobre a legislação ambiental brasileira foi a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente realizada em Estocolmo em 1972. A participação brasileira nesta Conferência foi muito importante para os seus rumos, influenciando fortemente nas recomendações da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente. A posição oficial brasileira defendia que o principal sujeito da proteção ambiental deveria ser o Homem, sendo tão danosa para ele a chamada “poluição da pobreza” (falta de saneamento básico e de cuidados com a saúde pública - alimentação e higiene) como a “poluição da riqueza” (industrial). A necessidade de dar uma prova pública de que o Governo Brasileiro tinha também preocupações com a poluição e com o uso racional dos recursos ambientais 8 resultou na criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente em 1973, “orientada para a conservação do meio ambiente e uso racional dos recursos naturais”. Entre as competências da SEMA estavam: “acompanhar as transformações do ambiente através de técnicas de aferição direta e sensoriamento remoto, identificando as ocorrências adversas e atuando no sentido de sua correção”; “promover a elaboração e o estabelecimento de normas e padrões relativos à preservação do meio ambiente, especialmente dos recursos hídricos, que assegurem o bem-estar das populações e o seu desenvolvimento econômico”. Em 1981, foi implementada a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938), cuja principal qualidade foi a descentralização de ações, acionando-se os Estados e Municípios como executores de medidas e providências que devem estar solidamente embasadas no postulado que o meio ambiente representa “um patrimônio a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo”, alterando completamente o enfoque legal que, até então, contemplava a utilização dos recursos naturais A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; III - ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos. São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental. Após a implementação da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu artigo 225 a Constituição Federal de 1988 explicita que: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; 9 V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Assim, é acentuada no País a íntima ligação existente entre a necessidade da conservação ambiental com o desenvolvimentoeconômico e o bem-estar das populações e é outorgada ao Poder Público esta regulamentação, não deixando de envolver o cidadão como co-responsável pela sua defesa e preservação. O meio ambiente permeia diretamente a vida humana e não há como dissociá-los. No entanto, as forças de mercado nem sempre atingem o ponto de equilíbrio ideal para atender às necessidades de todos os elementos envolvidos. Nesse momento, cabe a atuação do Estado, de forma a determinar limites e a preservar o bem comum. A Constituição Federal alçou a direito fundamental do povo tanto o meio ambiente equilibrado como o desenvolvimento econômico e social. Esses três elementos formam o tripé do chamado desenvolvimento sustentável. O equilíbrio desses interesses resultará na prosperidade almejada. 3.2. Licenciamento Ambiental O licenciamento ambiental é instrumento fundamental na busca do desenvolvimento sustentável. Sua contribuição é direta e visa a encontrar o convívio equilibrado entre a ação econômica do homem e o meio ambiente onde se insere. Busca-se a compatibilidade do desenvolvimento econômico e da livre iniciativa com o meio ambiente, dentro de sua capacidade de regeneração e permanência. O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente e possui como uma de suas mais expressivas características a participação social na tomada de decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo. Essa obrigação é compartilhada pelos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente, no caso de Minas Gerais pela Fundação Estadual do Meio Ambiente – Feam, e pelo Ibama, como partes integrantes do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente). O Ibama atua, principalmente, no licenciamento de grandes projetos de infra-estrutura que envolvam impactos em mais de um estado e nas atividades do setor de petróleo e gás na plataforma continental. Na esfera federal, existem normas que regem o processo de licenciamento ambiental, entre as quais se destaca a Resolução nº 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que dispõe sobre a revisão e complementação dos procedimentos e critérios utilizados para o licenciamento ambiental. A Resolução Conama nº 237/97 traz o seguinte conceito de licenciamento ambiental: Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras; ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. 10 A licença ambiental é definida também pela Resolução Conama nº 237/97 como: Ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. Ou seja, licenciamento ambiental é entendido como um conjunto de atos que visam a um fim – a concessão da licença ambiental. Já a licença ambiental é uma autorização emitida pelo órgão público competente. Ela é concedida ao empreendedor para que exerça seu direito à livre iniciativa, desde que atendidas as precauções requeridas, a fim de resguardar o direito coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O licenciamento é composto por três tipos de licença: prévia, de instalação e de operação. Cada uma refere-se a uma fase distinta do empreendimento e segue uma sequência lógica de encadeamento. Essas licenças, no entanto, não eximem o empreendedor da obtenção de outras autorizações ambientais específicas junto aos órgãos competentes, a depender da natureza do empreendimento e dos recursos ambientais envolvidos. Atividades que se utilizam de recursos hídricos, por exemplo, também necessitarão da outorga de direito de uso desses. Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação (< 5 anos). Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante (< 6 anos). Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação entre (4 < LO < 10 anos). Em Minas Gerais o licenciamento ambiental é regulamentado pela Fundação Estadual de Meio Ambiente – FEAM, e por mais dois órgão o IEF – Instituto Estadual de Florestas, responsável pelo licenciamento de possíveis intervenções a serem realizadas em florestas ou áreas de preservação permanente (APP) ou mesmo a supressão de qualquer tipo de vegetação arbórea; e pelo IGAM – Instituto Mineiro de Gestão das Águas, responsável pela concessão de outorgas de direito de uso dos recursos hídricos estaduais. 11 OBS: Outorga é um ato administrativo pelo qual o poder público outorgante faculta ao usuário o uso da água, por prazo determinado, nas condições expressas no respectivo ato. Rios estaduais são aqueles que nascem e deságuam em outros rios ou lagos dentro de um único estado, ou nascem em um estado e deságuam no mar. Rios Federais são aqueles que cortam dois ou mais estados da federação, antes de desaguarem em outros rios, lagos ou mar. A legislação mineira estabelece critérios para classificação, segundo o porte e potencial poluidor, de empreendimentos e atividades modificadoras do meio ambiente passíveis de autorização ou de licenciamento ambiental no nível estadual é a Deliberação Normativa do Conselho de Política Ambiental nº 74/2004 (COPAM). A DN COPAM nº 74/2004 traz uma listagem de atividades que são potencialmente causadoras de danos ambientais, e que estão organizadas da seguinte forma: - Listagem A – Atividades Minerárias - Listagem B - Atividades Industriais / Indústria Metalúrgica e Outras - Listagem C- Atividades Industriais / Indústria Química - Listagem D - Atividades Industriais / Indústria Alimentícia - Listagem E – Atividades de Infra-Estrutura - Listagem F - Serviços e Comércio Atacadista - Listagem G – Atividades Agrossilvipastoris Ainda segundo a DN COPAM nº 74/2004 os empreendimentos e atividades modificadoras do meio ambiente são enquadradas em seis classes que conjugam o porte e o potencial poluidor ou degradador do meio ambiente (1,2,3,4,5 e 6) (Tabela 1). Tabela 1. Determinação da classe do empreendimento a partir do potencial poluidor da atividade e do porte. Potencial Poluidor Geral P M G Porte do Empreendimento P 1 1 3 M 2 3 5 G 4 4 6 O potencial poluidor/degradador da atividade é considerado pequeno (P),- médio (M) ou grande (G), em função das características intrínsecas da atividade. O potencial poluidor é considerado sobre as variáveis ambientais: ar, água e solo. Para efeito de simplificação inclui-se no potencial poluidor sobre o ar os efeitos de poluição sonora, e sobre o solo osefeitos nos meios biótico e sócio- econômico. Quanto ao porte e ao potencial poluidor do empreendimento podem ser feitas as seguintes considerações: 12 I – Pequeno porte e pequeno ou médio potencial poluidor: Classe 1; II – Médio porte e pequeno potencial poluidor: Classe 2; III – Pequeno porte e grande potencial poluidor ou médio porte e médio potencial poluidor: Classe 3; IV – Grande porte e pequeno potencial poluidor: Classe 4; V – Grande porte e médio potencial poluidor ou médio porte e grande potencial poluidor: Classe 5; VI – Grande porte e grande potencial poluidor: Classe 6. Seguem alguns exemplos de atividades potencialmente poluidoras constantes no anexo da DN COPAM nº 74/2004: 13 Os empreendimentos enquadrados nas classes 1 e 2, considerados de impacto ambiental não significativo, ficam dispensados do processo de licenciamento ambiental no nível estadual, mas sujeitos obrigatoriamente à Autorização Ambiental de Funcionamento - AAF, pelo órgão ambiental estadual competente. A autorização ambiental de funcionamento somente será efetivada se comprovada a regularidade face às exigências de autorização para intervenção ambiental/florestal (IEF), e de Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos (IGAM ou ANA), através da emissão da outorga. As demais classes estão sujeitas a todo o processo de licenciamento ambiental. Em Minas Gerais o processo de licenciamento ocorre nas Superintendências Regionais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SUPRAMs), conforme Figura 4. As etapas do licenciamento contemplam preenchimento do FCEI - Formulário Integrado de Caracterização do Empreendimento, onde são exigidas todas as informações relativas ao empreendimento que se quer licenciar. Uma vez preenchido o FCEI, o órgão ambiental fornece o FOBI - Formulário de Orientação Básica Integrado onde são listados os documentos necessários para a formalização do processo como: Plano de Controle Ambiental – PCA, Relatório de Controle Ambiental – RCA (Empreendimentos Classe 3 e 4, geralmente), Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA (Empreendimentos Classe 5 e 6, geralmente), condicionantes em função do projeto apresentado no caso de LI e LO, valores a serem pagos, etc. Na terceira etapa do processo deve-se fazer a formalização do processo junto à SUPRAM conforme FOB recebido, a partir de quando será realizada uma vistoria de campo pelos técnicos da SUPRAM - Nessa fase pode haver pedido de informações complementares por parte da SUPRAM. Atendidas todas as 14 exigências legais a SUPRAM tem prazo de 180 dias para análise técnica e jurídica do processo e emissão do parecer sobre a concessão ou não da licença Figura 4. Localização das Superintendências Regionais de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SUPRAMs) no estado de Minas Gerais. 3.3. Gestão Ambiental na Empresa O processo de globalização das relações econômicas impulsionou o comprometimento das empresas com a questão ambiental, atingindo principalmente aquelas inseridas no mercado internacional: empresas Reduzir os custos com a eliminação de desperdícios, desenvolver tecnologias limpas e baratas, reciclar insumos não são apenas princípios de gestão ambiental, mas condição de sobrevivência empresarial transnacionais e empresas exportadoras. As empresas transnacionais, por determinação de seus acionistas, vêm adotando os padrões ambientais definidos em seus países de origem, onde os padrões e normas legais são mais rigorosos. As empresas exportadoras enfrentam um novo protecionismo: a discriminação de produtos e serviços que não comprovem a estrita observância das normas ambientais Essas empresas estão influenciando o entorno de fornecedores e começam a explorar o diferencial ambiental também no mercado interno, o que está impulsionando a adoção do Sistema de Gestão Ambiental (SGA). Os procedimentos de gestão ambiental foram padronizados em nível mundial, com objetivo de 15 definir critérios e exigências semelhantes. A garantia de que a empresa atende a esses critérios é a certificação ambiental, segundo as normas ISO 14.000. A implantação de um SGA é optativa, não é obrigatória, não é lei. OBS: Dentre as diversas áreas de atuação da ISO estão as normas de certificação ambiental, como segue: - ISO 14.001 - define os requisitos para certificação ambiental; - ISO 14.004 - é uma norma orientativa, que exemplifica e detalha as informações necessárias à implementação de um SGA; - ISSO 14.010, 14.011 e 14.012 - referem-se ao processo de auditoria ambiental; - ISO 14.032 - define a integração entra as normas de qualidade e de meio ambiente. O SGA representa um ciclo contínuo de planejamento, implementação, revisão e melhoria das ações da organização para que possam ser cumpridas as obrigações ambientais. Para melhorar o desempenho ambiental, a organização tem que avaliar não apenas quais são as ocorrências que podem prejudicar o desempenho ambiental, mas também por que elas ocorrem e implementar medidas para corrigir os problemas observados e para evitar que ocorram novamente. A maioria dos modelos de gerenciamento baseia-se no princípio de melhoria contínua, no conhecido ciclo da qualidade ou PDCA: planejar, fazer, checar e agir, conforme mostrado na Figura 5. Figura 5. Princípio da melhoria contínua (ciclo PDCA) (NBR ISO 14.001, 2004). Os principais estágios do SGA definidos pela NBR ISO 14.001 podem ser descritos da seguinte forma: Comprometimento e política - a administração estabelece a política ambiental da empresa, que deve ser apropriada à natureza e escala dos impactos ambientais, comprometer-se com a melhoria contínua e com o 16 atendimento à legislação, garantir o monitoramento e a comunicação com empregados e fornecedores e que esteja disponível ao público. Planejamento - a empresa define as atividades necessárias para a adequação ambiental através da identificação dos aspectos e impactos ambientais em relação aos requisitos legais, estabelece os objetivos, avalia alternativas, define as metas e elabora os Programas de Gestão Ambiental (PGA), que são necessários para o alcance dos objetivos e metas ambientais que visam apoiar o cumprimento. Implementação - a empresa inicia o desenvolvimento do plano de ação, estabelecendo responsabilidades, procedimentos operacionais, desenvolvendo treinamentos, comunicação, documentação, controles operacionais e um plano de emergência. Avaliação - a empresa avalia através do monitoramento e medições dos indicadores ambientais que evidenciem que as metas estão sendo alcançadas. Deve ainda ser estabelecido um procedimento para registros das não-conformidades (o que ainda não está certo) e das respectivas ações corretivas e preventivas. Revisão - a alta administração da empresa deverá analisar criticamente o SGA, definindo as modificações necessárias à sua otimização e efetividade verificando se as metas ambientais propostas estão sendo alcançadas e se o SGA está sendo efetivamente implementado. O estágio de revisão conclui o ciclo de melhoria contínua. Para avaliar a adequação do SGA, a organização deve realizar um programa de auditorias ambientais, que podem ser: interna, que é realizada pela própria organização para auto-avaliação do SGA; externa, realizada por um cliente em seus fornecedores; ou ainda auditoria, realizada por terceiros por força legal ou para a obtenção de certificação ISO 14.000. A implementação de um SGA constitui uma ferramenta para que o empresário identifique oportunidades de melhorias que reduzam os impactos das atividades de sua empresa sobre o meio ambiente,orientando de forma otimizada os investimentos para implementação de uma política ambiental eficaz, capaz de gerar novas receitas e oportunidades de negócio. As principais vantagens do SGA são a minimização de custos, de riscos, a melhoria organizacional e a criação de um diferencial competitivo. Os custos são reduzidos pela eliminação de desperdícios, racionalização de recursos humanos, físicos e financeiros e pela conquista da conformidade ambiental ao menor custo. 4. CICLOS BIOGEOQUÍMICOS Matéria e energia são conceitos fundamentais ligados à vida no planeta. O fluxo unidirecional de energia solar proporciona condições para síntese da matéria orgânica pelos seres autótrofos e sua decomposição e retorno ao meio como elementos inorgânicos pela ação dos microconsumidores heterótrofos. Esse processo de reciclagem da matéria é de suma importância, uma vez que os recursos na Terra são finitos e a vida depende do equilíbrio natural desse ciclo. Os elementos essenciais à vida participam dessa trajetória desde o meio inanimado, passando pelos organismos vivos e retornando ao meio original. Um elemento essencial disponível para os produtores, em forma molecular ou iônica, recebe o nome de nutriente. Podemos distinguir dois grandes grupos de 17 nutrientes: os chamados macronutrientes, que participam em quantidades superiores a 0,2% do peso orgânico seco; e os chamados micronutrientes, que participam em quantidades inferiores a 0,2% do peso orgânico seco do ser vivo. Dentre os principais macronutrientes, podemos citar: carbono (C), hidrogênio (H), oxigênio (O), nitrogênio (N), fósforo (P), enxofre (S), cloro (Cl), potássio (K), sódio (Na), cálcio (Ca), magnésio (Mg) e ferro (Fe). Como principais micronutrientes, citamos: alumínio (Al), boro (B), cromo (Cr), zinco (Zn), molibdênio (Mo), vanádio (V), selênio (Se) e cobalto (Co). Os elementos essenciais fazem parte, portanto, de ciclos que recebem o nome de biogeoquímicos. Bio, porque os organismos vivos interagem no processo de síntese orgânica e decomposição dos elementos; geo, porque o meio terrestre é a fonte dos elementos, e químicos porque são ciclos de elementos químicos. O ciclo biogeoquímico é o percurso realizado no ambiente por um elemento químico essencial à vida. Ao longo do ciclo, cada elemento é absorvido e reciclado por componentes bióticos (seres vivos) e abióticos (ar, água, solo) da biosfera, e às vezes pode se acumular durante um longo período de tempo em um mesmo lugar. 4.1. A água na natureza A água é a substância simples mais abundante no planeta Terra e pode ser encontrada tanto no estado líquido, gasoso ou sólido, na atmosfera, sobre ou sob a superfície terrestre, nos oceanos, mares, rios e lagos. Também o constituinte inorgânico mais presente na matéria viva: cerca de 60% do peso do homem é constituído de água e em certos animais aquáticos esta porcentagem alcança 98%. Cientistas estimam que o nosso planeta tenha três quartos de sua massa só de água (1,36 x 10 18 m 3 ). Os mares e os oceanos contêm a maior parte das águas sendo formada por água salgada. Outra parte está estocada sob a forma de neve ou gelo, no topo das grandes cadeias de montanhas ou nas zonas polares. Apenas uma pequena parte do total encontra-se disponível como água doce nos aquíferos subterrâneos, os rios e lagos superficiais e na atmosfera na forma de vapor d’água. A maior parte das águas subterrâneas encontra-se em profundezas que inviabilizam sua exploração atualmente. Diante desta situação é de importância fundamental para o futuro da humanidade, e sua própria sobrevivência, que se valorize a preservação dos recursos hídricos do planeta em suas condições naturais. Os 1,36 x 10 18 m 3 de água disponível existentes na Terra distribuem-se da seguinte forma: Água salgada (Oceanos e mares) ........................................................................................................... 97% Água doce ............................................................................................................................................... 3% Calotas polares e geleiras ........................................................................................................... 75% Subsolo (entre 3.750 e 750 m) .................................................................................................... 13,7% Subsolo (acima de 750 m) .......................................................................................................... 10,7% Lagos .......................................................................................................................................... 0,3% Rios ............................................................................................................................................. 0,03% Umidade do solo ......................................................................................................................... 0,06% Atmosfera (vapor d’água) ........................................................................................................... 0,035% 18 Conhecida a distribuição da água na Terra, é importante também que se saiba como ela se movimenta no planeta, o seu permanente movimento de mudanças de estado (sólido, líquido ou gasoso) ou de posição (superficial, subterrânea ou atmosférica) em relação à superfície da Terra. 4.1.1. Ciclo hidrológico O ciclo hidrológico é um fenômeno global de circulação fechada da água entre a superfície terrestre e a atmosfera, impulsionado fundamentalmente pela energia solar associada à gravidade e à rotação terrestre. O fluxo de água sobre a superfície terrestre é positivo, ou seja, a precipitação é maior que a evapotranspiração, resultando nas vazões dos rios, enquanto nos oceanos o fluxo é negativo, já que ocorre maior evaporação sobre superfícies líquidas do que precipitação. O conceito de ciclo hidrológico (Figura 6) está ligado ao movimento e à troca de água nos seus diferentes estados físicos, que ocorre na Hidrosfera, entre os oceanos, as calotas de gelo, as águas superficiais, as águas subterrâneas e a atmosfera. Este movimento permanente deve-se ao Sol, que fornece a energia para elevar a água da superfície terrestre para a atmosfera (evaporação), e à gravidade, que faz com que a água condensada caia (precipitação) e que, uma vez na superfície, circule através de linhas de água que se reúnem em rios até atingir os oceanos (escoamento superficial) ou se infiltre nos solos e nas rochas, através dos seus poros, fissuras e fraturas (escoamento subterrâneo). Nem toda a água precipitada alcança a superfície terrestre, já que uma parte, na sua queda, pode ser interceptada pela vegetação e volta a evaporar- se. Figura 6. Ciclo hidrológico (Braga et al., 2005). 19 a) Evapotranspiração A transferência da água para o meio atmosférico se dá através dos seguintes principais mecanismos, conjuntamente denominados de evapotranspiração: Evaporação: transferência da água superficial do estado líquido para o gasoso. A evaporação depende da temperatura e da umidade relativa do ar; e Transpiração: as plantas retiram a água do solo pelas raízes. A água é transferida para as folhas e então evapora. Este mecanismo é importante, considerando-se que em uma área coberta com vegetação a superfície de exposição das folhas para a evaporação é bastante elevada. b) Precipitação A precipitação compreende toda a água que cai da atmosfera na superfície da Terra. As principais formas são: chuva, neve, granizo e orvalho. A precipitação é formada a partir dos seguintes estágios: resfriamento do ar à proximidade da saturação, condensação do vapor d'água na formade gotículas, aumento do tamanho das gotículas por coalizão e aderência até que estejam grandes o suficiente para formar a precipitação. c) Escoamento superficial A precipitação que atinge a superfície da Terra tem dois caminhos por onde seguir: escoar na superfície ou infiltrar no solo. O escoamento superficial é responsável pelo deslocamento da água sobre o terreno, formando córregos, lagos e rios e eventualmente atingindo o mar. A quantidade de água que escoa depende dos seguintes fatores principais: intensidade da chuva e capacidade de infiltração do solo. d) Infiltração A infiltração corresponde à água que atinge o solo, formando os lençóis d'água. A água subterrânea é grandemente responsável pela alimentação dos corpos d'água superficiais, principalmente nos períodos secos. Um solo coberto com vegetação (ou seja, com menor impermeabilização advinda, por exemplo, da urbanização) é capaz de desempenhar melhor as seguintes importantes funções: menos escoamento superficial (menos enchentes nos períodos chuvosos), mais infiltração (maior alimentação dos rios nos períodos secos), e menos carreamento de partículas do solo para os cursos d' água. 4.1.2. Interferência antrópica nas águas É através da infiltração que se realiza o recarregamento das reservas freáticas e o umedecimento dos solos, ou seja, dos depósitos de água disponível para a vegetação terrestre e para as atividades biológicas que se desenvolvem nas camadas superficiais dos continentes (Figura 7). Quando a água infiltra no solo carrega consigo os poluentes que por ventura sejam depositados sobre os solos, sejam fertilizantes, pesticidas, resíduos sólidos diluídos em águas e águas contaminadas, além das deposições atmosféricas. O solo, como um reator natural, tem capacidade de reter poluentes por adsorção, reações químicas de precipitação, além de ser suporte para o desenvolvimento de microrganismos e plantas que contribuem para degradar poluentes por meio da produção de exudatos e pela absorção direta. No entanto, uma vez suplantada esta capacidade de retenção de poluentes, estes são carreados pela água de infiltração podendo alcançar as águas subterrâneas. A contaminação das águas subterrâneas é silenciosa e de difícil detecção e remediação. 20 Figura 7. A água no solo (adaptado de Braga et al., 2005). O escoamento superficial é responsável (ao lado da ressurgência de águas infiltradas) pela formação de córregos, rios e lagos. A maior ou menor proporção do escoamento superficial em relação à infiltração é influenciada fortemente pela presença ou ausência da cobertura vegetal. O escoamento superficial também é responsável pelo carreamento de poluentes sólidos e líquidos lançados ou depositados sobre a superfície do solo. Pode haver carreamento de poluentes por meio do carreamento de partículas de solo que, como já vimos, pode adsorver poluentes em suas partículas. Com o aumento da intensidade do escoamento superficial, aumenta também o risco de contaminação das águas superficiais, trazendo diversos impactos negativos para este ambiente. Todo o processo de manutenção da qualidade e de poluição das águas deve ser tratado preferencialmente dentro da bacia hidrográfica. Bacia hidrográfica é uma área definida topograficamente, drenada por um curso d’água ou um sistema conectado de cursos d’água tal que toda a água que precipita nesta área seja descarregada através de uma única saída. Na bacia hidrográfica é que se encontram os fenômenos naturais e aqueles causados pela interferência humana e que interferem diretamente na qualidade das águas da bacia (Figura 8). Assim, pode-se dizer que a qualidade de uma determinada água é função das condições e do uso e ocupação do solo na bacia hidrográfica. Condições naturais: mesmo com a bacia hidrográfica preservada nas suas condições naturais, a qualidade das águas é afetada pelo escoamento superficial e pela infiltração no solo, resultantes da precipitação atmosférica. O impacto é dependente do contato da água em escoamento ou infiltração com as partículas, substâncias e impurezas no solo. Assim, a incorporação de sólidos em suspensão (ex: partículas de solo) ou dissolvidos (ex: íons oriundos da dissolução de rochas) ocorre, mesmo na condição em que a bacia hidrográfica esteja totalmente preservada em suas condições naturais (ex: ocupação do solo com matas e florestas). Neste caso, têm grande influência a cobertura e a composição do solo. Interferência dos seres humanos: a interferência do homem quer de uma forma concentrada, como na geração de despejos domésticos ou industriais, quer de uma forma dispersa, como na aplicação de defensivos agrícolas no solo, contribui na introdução de compostos na água, afetando a sua qualidade. Portanto, a forma em que o homem usa e ocupa o solo tem uma implicação direta na qualidade da água. 21 Figura 8. Exemplos de interrelação entre o uso e ocupação do solo em uma bacia hidrográfica e fontes alteradoras de qualidade das águas (Von Sperling, 2005). Dentre os diversos usos da água, destacam-se: abastecimento humano, dessedentação de animais, abastecimento industrial; irrigação; diluição e transporte de dejetos, preservação da flora e da fauna, geração de energia elétrica, recreação e lazer, criação de espécies aquáticas, navegação, e harmonia paisagística. Destes usos, os quatro primeiros (abastecimento doméstico, abastecimento industrial, irrigação e possivelmente dessedentação de animais) implicam na retirada da água das coleções hídricas onde se encontram. Os demais usos são desempenhados na própria coleção de água. Em termos gerais, apenas os usos para abastecimento doméstico e abastecimento industrial estão frequentemente associados a um tratamento prévio da água, face aos seus requisitos de qualidade mais exigentes. A interrelação entre o uso da água e a qualidade requerida é direta. Na lista de usos acima, pode-se considerar que o uso mais nobre seja representado pelo abastecimento de água doméstico, o qual requer a satisfação de diversos critérios de qualidade. De forma oposta, o uso menos nobre é o da simples diluição de despejos, o qual não possui nenhum requisito especial em termos de qualidade. No entanto, deve-se lembrar que diversos corpos d'água têm usos múltiplos previstos, decorrendo daí a necessidade da satisfação simultânea de diversos critérios de qualidade. Tal é o caso, por exemplo, de represas construídas com finalidade de abastecimento de água, geração de energia, recreação, irrigação e outros. A demanda das populações por água depende dos padrões e costumes de uso, da renda, de sua localização urbana ou rural, da disponibilidade de água e outros fatores. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), as populações rurais de países em desenvolvimento consomem entre 35 e 90 litros de água por habitante por dia. Entretanto, em alguns desses países verifica-se um consumo de até cinco litros por habitante por dia, o mínimo necessário para manter a vida. 22 A demanda de água das populações urbanas, mesmo em países em desenvolvimento, é bastante superior. O planejamento dos serviços de água nas grandes cidades brasileiras delimita a demanda média residencial em 100 litros por habitante por dia para as populações faveladas, 180 litros para as populações de baixa renda e 300 litros por habitante por dia para as populações de média e alta rendas. A demanda de água pela indústria depende de coeficientes técnicos e das perdas de cada setor, além da tecnologia adotada. Há indústrias altamente consumidoras e outras de baixa demanda, que podem ser abas- tecidas pela rede pública ou por poços profundos. Além do consumo de água para a produção, a indústriautiliza a água para o lançamento de despejos industriais. A atividade econômica que mais consome água é a irrigação de culturas agrícolas, graças às elevadas perdas provocadas pela evapotranspiração. Em termos mundiais, a agricultura utiliza cerca de 70% da água disponível, a indústria consome 23% e as residências 8%. Em países em desenvolvimento, a utilização de água pela agricultura chega a atingir 80%. No Brasil as vazões de água retiradas dos cursos de água e efetivamente consumidas estão apresentadas na Tabela 2. Atualmente, há grande demanda por água para abastecimento humano, industrial e irrigação. Além da elevada demanda, existe a distribuição irregular da água pelos continentes. No Brasil, por exemplo, um país considerado rico em água, apresenta cerca de 90% da disponibilidade hídrica nas regiões norte e centro- oeste, onde vive 14% da população brasileira e a demanda hídrica é de apenas 9%. Assim sobra para os 86% da população distribuída pelas regiões sul, sudeste e nordeste que demandam 91% da água consumida no Brasil apenas 10% da disponibilidade hídrica brasileira. Além das deficiências em função da distribuição hídrica irregular na Terra, a população mundial continua crescente e projeções apontam para mais de 10 bilhões de habitantes em 2100 (Braga et al., 2005). A crescente população demanda água para consumo e para atividades de produção, e a agricultura que já demanda elevada quantidade de água deve demandar ainda mais para suprir o aumento da demanda por alimentos. Outro fator preocupante são as projeções do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) que apontam para o aumento da temperatura média da Terra e, consequentemente, aumento da demanda por água em irrigação de áreas que atualmente produzem alimento sem a necessidade de suprimento adicional de água. A presença do homem, além da interferência na qualidade das águas, pode também ser notada por meio do desmatamento e da impermeabilização via pavimentação do solo. Isso acelera a evaporação e reduz a recarga dos aquíferos subterrâneos, gerando, assim, maiores enchentes nos cursos de água que cortam centros urbanos, causando uma série de danos físicos, econômicos e transtornos aos habitantes da cidade. 23 Tabela 2. Vazões de retirada, consumo e retorno ao curso d’água por tipo de usuário. Tipo de uso Retirada Consumo Retorno ao curso d’água m 3 s -1 % m 3 s -1 % m 3 s -1 % Urbano 420 26 88 11 332 44 Industrial 281 18 55 7 226 30 Rural 40 3 18 2 22 3 Animal 112 7 89 11 23 3 Irrigação 739 46 591 69 148 20 Fonte: ANA (2005). 4.2. Ciclo do carbono O carbono é o elemento fundamental na constituição das moléculas orgânicas. Os principais reservatórios de carbono na Terra são: atmosfera, vegetação terrestre (florestas, principalmente), solos e matéria orgânica, carvão mineral, petróleo, gás natural, carbono orgânico dissolvido nas águas, sedimentos marinhos, rochas sedimentares O reservatório atmosférico é onde o nutriente das plantas encontra-se na forma de dióxido de carbono (CO2), um gás que, nas condições naturais de temperatura e pressão, é inodoro e incolor. O carbono é o principal constituinte da matéria orgânica, participando em 49% do peso orgânico seco. O ciclo do carbono é um ciclo perfeito, pois o carbono é devolvido ao meio à mesma taxa a que é sintetizado pelos produtores. O carbono passa a fazer parte da biomassa através do processo da fotossíntese. Os seres fotossintetizantes incorporam o gás carbônico atmosférico, transformando-se em moléculas orgânicas. As plantas utilizam o CO2 e o vapor de água da atmosfera para, na presença de luz solar, sintetizar compostos orgânicos de carbono, hidrogênio e oxigênio, tais como a glicose (C6H12O6). A reação de fotossíntese pode ser expressa como: 6CO2 + 6H2O + Energia Solar C6H12O6 + 6O2 (Eq. 1) A Eq. 1 é uma simplificação de um conjunto de aproximadamente 80 a 100 reações químicas. Entretanto, é importante observar dois pontos: a) a fixação do carbono em sua forma orgânica indica que a fotossíntese é a base da vida na Terra; e b) a energia solar é armazenada como energia química nas moléculas orgânicas da glicose. A energia armazenada nas moléculas orgânicas é liberada no processo inverso ao da fotossíntese: a respiração. Na respiração, temos a quebra das moléculas, com a consequente liberação de energia para realização das atividades vitais dos organismos. A reação de respiração é dada por: C6H12O6 + 6O2 6CO2 + 6H2O + energia celular (Eq. 2) Por meio da fotossíntese (Eq. 1) e da respiração (Eq. 2), o carbono passa de sua fase inorgânica à fase orgânica e volta para a fase inorgânica, completando, assim, parte de seu ciclo biogeoquímico. Fotossíntese e respiração são processos de reciclagem do carbono e do oxigênio em várias formas químicas em todos os ecossistemas. 24 Uma vez incorporado às moléculas orgânicas dos produtores (vegetais e microrganismos fotossintetizantes), poderá seguir dois caminhos (Figura 9): ou será liberado novamente para a atmosfera na forma de CO2, como resultado da degradação das moléculas orgânicas no processo respiratório, ou será transferido na forma de moléculas orgânicas aos animais herbívoros quando estes comerem os produtores (uma parte será transferida para os decompositores que liberarão o carbono novamente para a atmosfera, degradando as moléculas orgânicas presentes na parte que lhes coube). Os animais, através da respiração, liberam à atmosfera parte do carbono assimilado, na forma de CO2. Parte do carbono contido nos herbívoros será transferida para os níveis tróficos seguintes e outra parte caberá aos decompositores e, assim, sucessivamente, até que todo o carbono fixado pela fotossíntese retorne novamente à atmosfera na forma de CO2. Os oceanos também são grandes reservatórios de gás carbônico realizando uma troca constante deste com a atmosfera em um processo recíproco e contínuo. Figura 9. Ciclo do carbono (Braga et al., 2005). Na Figura 9, podemos distinguir um ciclo principal, por meio do qual produtores, consumidores e decompositores participam, respectivamente, dos processos de fotossíntese e respiração, e um ciclo secundário, mais lento, do decaimento de plantas e animais que foram incorporados por processos geológicos na crosta terrestre. Nesses processos, os organismos foram transformados em combustíveis fósseis e calcário, que ficam à margem do ciclo principal. Os combustíveis fósseis são, portanto, energia solar armazenada na forma de moléculas orgânicas no interior da Terra. Em termos de poluição por resíduos sólidos e líquidos, a parte do ciclo do carbono relacionada à degradação microbiana (decompositores) torna-se de grande relevância. A degradação da matéria orgânica 25 sólida e, ou, líquida, rica em carbono pode ser processada de duas formas: anaerobiamente, na ausência de oxigênio e aerobiamente, na presença de oxigênio. 4.2.1. Degradação anaeróbia A degradação anaeróbia de compostos orgânicos é normalmente considerada um processo de dois estágios. No primeiro estágio, um grupo de bactérias anaeróbias, denominadas formadoras de ácidos ou fermentativas, convertem por hidrólise e fermentação os compostos orgânicos complexos (como carboidratos, proteínas e lipídios) em outros compostos (materiais orgânicos mais simples, principalmente ácidos orgânicos). No segundo estágio ocorre a conversão dos ácidos orgânicos, gás carbônico e hidrogênio em produtos finais gasosos, o metano e o gás carbônico. Matéria Orgânica + bactérias CH4 + CO2 + Energia celular + bactérias Embora o processo de digestão anaeróbia seja simplificadamenteconsiderado como de duas fases, este pode ser subdividido em quatro fases principais, como a Hidrólise, Acidogênese, Acetogênese e Metanogênese (Figura 10). Uma vez que as bactérias não são capazes de assimilar a matéria orgânica particulada, a primeira fase no processo de degradação anaeróbia consiste na HIDRÓLISE de materiais particulados complexos (polímeros), em materiais dissolvidos mais simples (moléculas menores), os quais podem atravessar as paredes celulares das bactérias fermentativas. Na anaerobiose, a hidrólise dos polímeros usualmente ocorre de forma lenta, sendo vários os fatores que podem afetar o grau e a taxa em que o substrato é hidrolisado: temperatura; tempo de contato do substrato (matéria orgânica) com os microrganismos; composição dos resíduos; pH do resíduo; etc. Os produtos solúveis oriundos da fase de hidrólise são metabolizados no interior das células das bactérias fermentativas, sendo convertidos em diversos compostos mais simples, os quais são então excretados pelas células. Nesta etapa, a ACIDOGÊNESE, os compostos produzidos incluem ácidos graxos voláteis, álcoois, ácido lático, gás carbônico, hidrogênio, amônia e sulfeto de hidrogênio, além de novas células bacterianas. Como os ácidos graxos voláteis são o principal produto dos organismos fermentativos, estes são usualmente designados de bactérias fermentativas acidogênicas. Durante a formação dos ácidos uma grande quantidade de hidrogênio também é formada, fazendo com que o valor do pH no meio aquoso decresça. Neste ponto é importante que a água residuária tenha alcalinidade suficiente para que o pH não diminua tanto e se mantenha em uma faixa de valor ideal próxima à neutralidade. As metanogênicas, principais responsáveis pela degradação do material orgânico contido nos despejos, são mais sensíveis aos fatores ambientais e apresentam crescimento ótimo na faixa de pH entre 6,8 e 7,4. Já as bactérias produtoras de ácidos voláteis têm crescimento ótimo na faixa de pH entre 5 e 6. Na ACETOGÊNESE as bactérias acetogênicas são responsáveis pela oxidação dos produtos gerados na fase acidogênica em substrato apropriado para as arquéias metanogênicas. Dessa forma, as bactérias acetogênicas fazem parte de um grupo metabólico intermediário, que produz substrato para as metanogênicas. Os produtos gerados pelas bactérias acetogênicas são o hidrogênio, o dióxido de carbono e o acetato. 26 A etapa final (METANOGÊNESE) no processo global de degradação anaeróbia de compostos orgânicos em metano e dióxido de carbono é efetuada pelas arquéias metanogênicas. No processo de degradação da matéria orgânica, a remoção de carbono da água residuária e, consequentemente a redução de seu potencial poluidor, só ocorre quando há conversão do carbono nas formas gasosas metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2). Se a produção de metano ou CO2 não acontecer, o carbono continuará dissolvido na água residuária e, consequentemente, será mantido seu poder poluente. Assim, na degradação anaeróbia torna-se importantíssimo a manutenção dos valores de pH próximo à neutralidade para que as arquéias metanogênicas não sejam eliminadas dos sistema de tratamento e, consequentemente, não seja alcançado o objetivo de degradação da matéria orgânica (carbono) e despoluição das águas residuárias. Figura 10. Fundamentos da degradação anaeróbia. 27 4.2.2. Degradação aeróbia Os processos fermentativos (anaeróbios) levam a formação de moléculas orgânicas pequenas, mas ainda capazes de liberar energia. Por exemplo, o álcool etílico, um dos produtos da fermentação da glicose, contem quantidades razoáveis de energia liberáveis, tanto que é utilizado como combustível. A respiração aeróbia consiste em levar a diante o processo de degradação das moléculas orgânicas, reduzindo-as as moléculas praticamente sem energia liberável. Os produtos da degradação inicial da molécula orgânica são combinados com o oxigênio do ar e transformados em gás carbônico (CO2) e água. A degradação aeróbia da matéria orgânica ocorre obrigatoriamente na presença de oxigênio (O2). O processo de respiração aeróbica, é muito mais eficiente que a fermentação (degradação anaeróbia): para cada molécula de glicose degradada, são produzidas na respiração, 38 moléculas de ATP. Na fermentação, apenas 2 moléculas de ATP são produzidas para cada molécula de glicose utilizada. A eficiência da respiração em termos energéticos é, portanto, 19 vezes maior do que a da fermentação. A respiração aeróbica é um processo muito mais complexo em termos de reações bioquímicas. No entanto, o controle do processo é muito mais fácil e prático, desde que haja O2 disponível. Matéria Orgânica + bactérias + O2 CO2 + Energia celular + bactérias 4.2.3. Interferência antrópica no ciclo do carbono O ciclo do carbono é um dos ciclos mais influenciados por atividades antrópicas. As principais formas dessa interferência são através da queima de matéria orgânica: combustíveis fósseis e pela queima de florestas. Nos países de clima temperado e frio, são alocadas grandes quantidades de gás natural e óleo para a produção de calor destinado ao aquecimento. Adicionalmente, quando se privilegia de forma indiscriminada o transporte individual em veículos equipados com motores à explosão, também se contribui de forma expressiva para a liberação de CO2 para a atmosfera. Os países com grandes extensões florestais, principalmente na faixa tropical, também contribuem de forma expressiva gerando um impacto adicional nessa emissão de gás carbônico. A partir da Revolução Industrial, o homem passou a fazer uso intenso dos grandes estoques de combustíveis fósseis e passou a devolver o CO2 para a atmosfera a uma taxa superior à capacidade assimiladora das plantas (pela fotossíntese) e dos oceanos (pela reação de difusão). Esse desequilíbrio do ciclo natural pode ter implicações na alteração do chamado 'efeito estufa', com consequente aumento da temperatura global da Terra. Além disso, o excesso de resíduos orgânicos (efluentes e lixo) sendo decompostos anaerobiamente de forma descontrolada, onde não há aproveitamento energético, contribui para o aumento das emissões de carbono na atmosfera. 4.3. Ciclo do nitrogênio O aumento acentuado da população humana tem implicado um aumento da produtividade agrícola para fazer frente à demanda crescente de alimentos. Tanto o nitrogênio como o fósforo são fatores limitantes do crescimento dos vegetais e, por isso, tornaram-se alguns dos principais fertilizantes utilizados hoje na 28 agricultura. O nitrogênio desempenha um importante papel na constituição das moléculas de proteínas, ácidos nucléicos, vitaminas, enzimas e hormônios - elementos vitais aos seres vivos. O ciclo do nitrogênio (Figura 11), assim como o do carbono, é um ciclo gasoso. Apesar dessa similaridade, existem algumas diferenças notáveis entre os dois ciclos, como, por exemplo: a) a atmosfera é rica em nitrogênio (78%) e pobre em carbono (0,032%); b) apesar da abundância de nitrogênio na atmosfera, somente um grupo seleto de organismos consegue utilizar o nitrogênio gasoso; e c) o envolvimento biológico no ciclo do nitrogênio é muito mais extenso que no ciclo do carbono. Muito embora o nitrogênio (N2) seja o gás mais abundante na atmosfera, ele é não reativo e, dessa forma, não pode ser usado diretamente por muitos organismos. Grande parte do nitrogênio existente nos organismos vivos não é obtida diretamente da atmosfera, uma vez que a principal forma de nutriente para os produtores são os nitratos (NO3 - ). Esses nitratos são fruto da decomposição de matéria orgânica, na qual o nitrogênio do protoplasma é quebrado em uma série de compostosorgânicos e inorgânicos por bactérias com funções especializadas em cada parte do processo. Os nitratos podem ainda ser obtidos por meio da ação de bactérias fixadoras de nitrogênio e das descargas elétricas que ocorrem na atmosfera. Figura 11. Ciclo do nitrogênio (Braga et al., 2005). No ciclo do nitrogênio existem quatro mecanismos bastante diferenciados e importantes: a) Fixação do nitrogênio atmosférico em nitratos Certas bactérias do gênero Nitrobacter, Rhizobium e certas algas (Cianofíceas) fixam diretamente o nitrogênio do ar. Bactérias do gênero Rhizobium vivem em simbiose (mutualismo) com vegetais da família das leguminosas (ervilha, soja, feijão etc.) formando os nódulos radiculares e fixando nitrogênio atmosférico. 29 O nitrogênio fixado é rapidamente dissolvido na água do solo e fica disponível para as plantas na forma de nitrato. Essas plantas transformam os nitratos em grandes moléculas que contêm nitrogênio e outras moléculas orgânicas nitrogenadas, necessárias à vida. b) Amonificação Quando esse nitrogênio orgânico entra na cadeia alimentar, ele passa a constituir moléculas orgânicas dos consumidores primários, secundários e assim sucessivamente. Os resíduos excretados pelos animais, restos vegetais e animais em decomposição, seja na forma sólida ou dissolvida em água, é rica em compostos nitrogenados provenientes das proteínas, aminoácidos, uréia, etc. O nitrogênio proveniente das células dos seres vivos é então decomposto no solo ou nos rios (água), passando de orgânico a inorgânico, sob a ação das bactérias decompositoras ou através do sistema de excreção dos próprios seres superiores. O produto desta degradação microbiana é o amônio (NH4 + ), e este processo recebe o nome de amonificação. O amônio pode ser convertido em amônia (NH3), elemento gasoso e tóxico aos seres vivos, mesmo em pequenas concentrações e principalmente aos seres aquáticos. Esta conversão de amônio em amônia se dá pela intervenção de dois parâmetros físicos e químicos, não envolvendo atividade microbiana. Estes dois fatores abióticos são o pH (em valores de pH superiores a 8,0 inicia-se a conversão do amônio em amônia) e temperatura (temperaturas elevadas favorecem a conversão de amônio em amônia). c) Nitrificação As formas de nitrogênio presentes na matéria orgânica quando dispostas no solo ou água em ambiente aeróbio, após passar pelo processo de amonificação, são convertidas em formas oxidadas de nitrogênio (nitrito – NO2 - e nitrato) por processos microbianos (Eq. 3, 4, 5 e 6). 2 NH4 + + O2 Nitrosomonas 2 HNO2 + energia celular (Eq. 3) 2 HNO2 ionização do meio 2 H + + 2 NO2 – (Eq. 4) 2 NO2 - + O2 Nitrobacter 2 HNO3 + energia celular (Eq. 5) 2 HNO3 ionização do meio 2 H + + 2 NO3 – (Eq. 6) O nitrato é nutriente para as plantas, no entanto em concentração elevada na água e no solo causa sérios problemas de poluição ambiental, podendo contaminar águas subterrâneas e causar eutrofização (enriquecimento nutricional das águas e consequente aumento da quantidade de plantas aquáticas). Semelhante ao que ocorre no ciclo do carbono, a remoção de nitrogênio da água residuária e, consequentemente a redução de seu potencial poluidor, só ocorre quando há conversão do nitrogênio na forma gasosa N2. Se a conversão a N2 não acontecer, o nitrogênio continuará dissolvido na água residuária e, consequentemente, será mantido seu poder poluente. D) Desnitrificação O ar está constantemente recebendo nitrogênio (N2) devido à ação de bactérias desnitrificantes. No solo e nas águas existem muitas bactérias (Pseudomonas, por exemplo) que, em condições anaeróbicas, 30 utilizam nitratos em vez de oxigênio no processo respiratório. Ocorre, então, a conversão de nitrato em N2, que retorna à atmosfera, fechando o ciclo. À transformação dos nitratos em N2 dá-se o nome de desnitrificação (Eq. 7), e as bactérias que realizam essa transformação são chamadas de desnitrificantes. 2 NO3 - + 5 H2 + 2 H + Pseudomonas N2 + 6 H2O (Eq. 7) 5. CARACTERIZAÇÃO DE ÁGUAS SUPERFICIAIS E RESIDUÁRIAS O conceito de qualidade da água encontra-se, em primeira análise, relacionado às características apresentadas pela água, por sua vez determinadas pelas substâncias (parâmetros) nela presentes. Água “pura” é um conceito hipotético, uma vez que a água apresenta elevada capacidade de dissolução e transporte e, em seu percurso, superficial ou subterrâneo, pode incorporar um grande número de substâncias. Portanto, por processos naturais ou decorrentes das atividades antrópicas, as características da água podem ser substancialmente alteradas, podendo comprometer determinados usos. Assim, qualidade da água é um atributo dinâmico no tempo e no espaço e encontra-se, acima de tudo, relacionado com os usos de uma determinada fonte. Uma mesma água pode ser considerada “boa” para um determinado fim (por exemplo, para utilização industrial) e “ruim” para outro (por exemplo, para o consumo humano). 5.1. Caracterização Quantitativa A quantidade de esgotos domésticos produzida pela população é proporcional à vazão de água de abastecimento; à população estimada em projeto; e à relação entre o consumo de água e a geração de esgoto. Assim, a fração de esgoto recebida pela rede coletora de esgoto é denominada “coeficiente de retorno”. (R = vazão esgoto / vazão água). Variam de 60% a 100% e o valor médio adotado é 80% (ou R = 0,8), ou seja, da água servida à população cerca de 80% retorna na forma de esgotos domésticos. É importante ressaltar a necessidade de se determinar além da vazão média, as vazões mínimas e máximas para adequação hidráulica da estação de tratamento de esgoto. A vazão industrial é influenciada pela tipologia e porte da indústria, processo utilizado, grau de reciclagem da água no processo utilizado, existência de pré-tratamento, entre outros fatores. Assim deve-se quantificar o volume total consumido (dia ou mês); volume consumido em cada etapa do processamento; existência de recirculação interna de água; origem (água de abastecimento ou poços); possíveis sistemas internos de tratamento de água. 5.2. Caracterização Qualitativa 5.2.1. Sabor e odor Sabor é a interação entre o gosto (salgado, doce, azedo e amargo) e o odor (sensação olfativa), sendo decorrentes da presença de substâncias químicas, gases dissolvidos e microrganismos (algas) presentes na água. 31 A origem do sabor e odor na água pode ser decorrente de fontes naturais ou antropogênicas. Quando natural, pode ser proveniente da decomposição de material orgânico, da presença de microrganismos (algas), metais (Fe, Mn), acidez ou alcalinidade pronunciadas, cloretos (sabor salgado), gases dissolvidos (H2S). Quando antropogênica, pode ser proveniente de despejos domésticos e industriais. No tratamento da água, o cloro residual pode reagir com algumas substâncias como os fenóis formando substâncias de odor característico e intenso como os clorofenóis. O sabor e o odor na maioria das vezes não estão associados a riscos à saúde, porém podem interferir nas condições de conforto e bem-estar dos seres vivos. 5.2.2. Cloretos Em águas para consumo humano, a concentração de cloretos está diretamente associada à alteração de sabor e, portanto, à aceitação para consumo. Os cloretos presentes na água que alteram sabor são os de magnésio e cálcio, em concentrações superiores a 400 mg L -1 e o de sódio, em concentração superior a 200 mg L -1 . No padrão de potabilidade brasileiro o valor máximo permitido é de 250 mg L -1 . O teor de cloretos pode ainda ser um indicativo
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