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1 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS A MORTE E SUAS REPRESENTAÇÕES NA SOCIEDADE: A ARTE EM DESVELAR O CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA/RJ COMO ATRATIVO TURÍSTICO. APRESENTADA POR JAQUELINE DE OLIVEIRA MONTEIRO PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO CELSO CASTRO Rio de Janeiro, abril de 2017. 2 3 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS A MORTE E SUAS REPRESENTAÇÕES NA SOCIEDADE: A ARTE EM DESVELAR O CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA/RJ COMO ATRATIVO TURÍSTICO. JAQUELINE DE OLIVEIRA MONTEIRO Rio de Janeiro, abril 2017 4 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO CELSO CASTRO JAQUELINE DE OLIVEIRA MONTEIRO A MORTE E SUAS REPRESENTAÇÕES NA SOCIEDADE: A ARTE EM DESVELAR O CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA/RJ COMO ATRATIVO TURÍSTICO. Dissertação de Mestrado Profissional apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais. Rio de Janeiro, abril 2017 5 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV Monteiro, Jaqueline de Oliveira A morte e suas representações na sociedade: a arte em desvelar o Cemitério São João Batista/RJ como atrativo turístico / Jaqueline de Oliveira Monteiro. – 2017. 174 f. Dissertação (mestrado) – Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. Orientador: Celso Castro. Inclui bibliografia. 1. Turismo macabro. 2. Morte – Aspectos sociais. 3. Monumentos funerários. 4. Ritos e cerimônias fúnebres. 5. Cemitério de São João Batista (Rio de Janeiro, RJ). I. Castro, Celso, 1963- . II. Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. III.Título. CDD – 306.4819 6 7 DEDICATÓRIA Aos meus pais, com amor. 8 “[...] Segura teu filho no colo Sorria e abrace teus pais Enquanto estão aqui Que a vida é trem-bala, parceiro E a gente é só passageiro prestes a partir [...]” Trem Bala - Ana Vilela 9 AGRADECIMENTOS A Deus, por me conceder o milagre da vida, dirigir os meus passos e a capacitar-me. Aos meus pais, pelo auxílio de sempre e o amor incondicional. A minha querida irmã Jéssica pelo incentivo e companheirismo em todos os momentos. Aos meus queridos amigos, irmãos de coração, André e Virgílio, que dão cor a minha vida. Ao professor Celso pelo auxílio em orientar-me e pelo zelo acadêmico que o torna um diferencial. 10 RESUMO A morte é fato presente em todas as culturas. O que difere são as representações simbólicas atribuídas a cada sociedade por séculos, manifestadas através de signos. Nesse universo, a Arte Tumular desempenha o papel de agente perpetuador da história, denotando símbolos e costumes de distintos períodos. Observar a “cidade dos mortos” é desvelar de maneira sintetizada as preferências com que alguns símbolos foram escolhidos pelos entes queridos de forma a representar o morto e imortalizar sua memória perante o tempo. Compreender as nuances desse nicho é função da atividade turística que, ao fragmentar um novo viés turístico, poderá perceber suas imbricações, e, assim, corresponder as necessidades e expectativas desse consumidor. O trabalho consiste em analisar o Cemitério São João Batista como potencialidade turística através de pesquisas qualitativas, além da interpretação da autora vivenciada em um Tour na necrópole estudada. PALAVRAS-CHAVE: Arte Tumular. Cemitério. Memória. Interpretação. Turismo. 11 ABSTRACT The death is a fact present all cultures. What differs them is the symbolism connected to each society throughout centuries, manifested though signs. In this universe, tombs art plays the role of perpetrator agent of the history, denoting symbols ans costumes of differents periods. To observe "the city of the deads" is to unveil the synthetised way the preferences that some symbols were chosen by the loved ones so to represent the dead immortalize their memory before the time. To understand the nuances of this niche is the function of the touristic activity that by fragmenting a new touristic idea, will be able to understand it's imbrications, there for, attend the needs and expectations of those consumers. The work consistes in analize the cemitery São João Batista as a tourism potential through qualitative researches, beyond if the experienced interpretation of the author in a City Tour in the studied necropoli. KEY-WORD: Art Tumular. Cemetery. Memory. Interpretation. Tourism 12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Ossuário de Sedlec ................................................................ 29 Figura 2: Cemitério de Arlington............................................................. 31 Figura 3: Cemitério da Recoleta, Argentina 32 Figura 4: Rodolpho Bernardelli cemitério São João Batista................... 33 Figura 5: Ground Zero............................................................................ 35 Figura 6 Waterloo e Somme ................................................................ 36 Figura 7 Massacre em Ruanda ............................................................ 38 Figura 8 Campo de Auschwitz Birkenau............................................... 40 Figura 9: Anne Frank.............................................................................. 44 Figura 10 Prisões hotéis ......................................................................... 45 Figura 11: Katrina ....................................................................................47 Figura 12: Julgamento do morto na presença de Osíris ......................... 49 Figura 13: Sepultamento público ............................................................ 52 Figura 14: Sepultamento nas igrejas........................................................ 53 Figura 15: Desembarque dos escravos .................................................. 57 Figura 16: Dia dos Mortos no México ...................................................... 62 Figura 17: Dia de los Muertos.................................................................. 63 Figura 18: Frida Kahlo ............................................................................. 64 Figura 19: Representações da morte ...................................................... 65 Figura 20: Caracterização para o dia dos mortos ................................... 65 Figura 21: Dia dos Mortos................................................................ 66 Figura 22: Túmulos numerados no chão da igreja em Ouro Preto e Mausoléu em estilo neogótico no Cemitério da Consolação . 73 Figura 23: Escultura no Cemitério de Staglieno, Milan – Forma Feminina ................................................................................ 80 Figura 24: Escultura no Cemitério de Staglieno, Milan – Anjo ................ 80 Figura 25: Cemitério Père Lachaise ……………………………………….. 83 Figura 26: Frederic Chopin ...................................................................... 84 Figura 27: Cemitério da Recoleta ............................................................ 86 Figura 28: Cemitério da Recoleta ............................................................ 88 Figura 29: Cemitério da Recoleta (Evita Peron) ...................................... 88 Figura 30: Cemitério da Consolação Mausoléu da Família Matarazzo ... 90 Figura 31: Cemitério de São Paulo – O Último Adeus............................. 91 Figura 32: Visita ao túmulo de Sylvia de Barros Martins Costa, em 1913 no Cemitério São João Batista....................................... 98 Figura 33: Pórtico do Cemitério São João Batista .................................. 100 Figura 34: Google Street View ................................................................ 106 Figura 35: Alameda principal – São João Batista ................................... 106 Figura 36: Escultura Orville Derby – Gestão Santa Casa ....................... 107 Figura 37: Orville Derby – Gestão Rio Pax.............................................. 108 Figura 38: Representação – Mário Lago ................................................. 110 Figura 39: Túmulo de Clara Nunes ......................................................... 110 Figura 40: Representação – Elke Maravilha ........................................... 111 Figura 41: Distribuição da amostra pesquisada por faixa etária ............. 113 13 Figura 42: Distribuição da amostra pesquisada por escolaridade .......... 113 Figura 43: Distribuição da amostra pesquisada por faixa salarial ........... 114 Figura 44: Distribuição da amostra pesquisada por motivações ............. 114 Figura 45: Distribuição da amostra pesquisada por atrativos mórbidos . 115 Figura 46: Distribuição da amostra pesquisada pelo tema Arte Tumular 115 Figura 47: Distribuição da amostra pesquisada pela relevância do guia no Tour ................................................................................... 116 Figura 48: Distribuição da amostra pesquisada pela interpretação com o guia ..................................................................................... 116 Figura 49: Distribuição da amostra pesquisada pela característica marcante ................................................................................ 117 Figura 50: Distribuição da amostra pesquisada pela postura do guia .... 117 Figura 51: Distribuição da amostra pesquisada pelos elementos atrativos cemiteriais ............................................................... 118 Figura 52: Distribuição da amostra pesquisada por dilema ético ............ 118 Figura 53: Distribuição da amostra pesquisada por rituais ..................... 119 Figura 54: Distribuição da amostra pesquisada por traço relevante........ 119 Figura 55: Distribuição da amostra pesquisada por pontos positivos e negativos ................................................................................ 120 Figura 56: Distribuição da amostra pesquisada por interpretações do Tour ........................................................................................ 121 Figura 57: Distribuição da amostra pesquisada por indicação ao Tour .. 121 Figura 58: Distribuição da amostra pesquisada pelo pagamento e sugestões de preços para o Tour .......................................... 122 Figura 59: Formulário de inventariação ................................................... 125 Figura 60: Sepultura ................................................................................ 137 Figura 61: Estela ..................................................................................... 138 Figura 62: Oratório .................................................................................. 139 Figura 63: Jazigo capela ......................................................................... 140 Figura 64: Mausoléu ................................................................................ 141 Figura 65: Jazigo monumento ................................................................. 142 Figura 66: Túmulo verticalizado .............................................................. 143 Figura 67: Orville Derby .......................................................................... 145 Figura 68: Orville Derby imagem natural ................................................. 145 Figura 69: Revolta da Armada................................................................. 146 Figura 70: Jazigo Raymundo Juvêncio ................................................... 147 Figura 71: Visconde de Moraes .............................................................. 148 Figura 72: Visconde de Moraes amplo .................................................... 149 Figura 73: Carlos Prestes ........................................................................ 150 Figura 74: Rodolpho Bernardelli .............................................................. 151 Figura 75: Santos Dumont ...................................................................... 152 Figura 76: Santos Dumont amplo ............................................................ 153 Figura 77: Mausoléu da Academia Brasileira de Letras .......................... 154 Figura 78: Elke Maravilha ........................................................................ 155 14 Figura 79: Tom Jobim ............................................................................. 156 Figura 80: Tom Jobim – Palmeira ........................................................... 157 Figura 81: Cláudio de Souza ................................................................... 158 Figura 82: Carmem Miranda ................................................................... 159 Figura 83: Vicente Celestino ................................................................... 160 Figura 84: Cazuza ................................................................................... 161 Figura 85: Clara Nunes ........................................................................... 162 Figura 86: Clara Nunes Jazigo ................................................................ 162 Figura 87: Selarón ................................................................................... 163 Figura 88: Mapa do Cemitério São João Batista .................................... 16415 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................ 17 2 TURISMO MACABRO: HISTÓRICO E MODALIDADES............... 20 2.1 O HORIZONTE MACABRO DO TURISMO........................................................................................ 21 2.2 TERMINOLOGIA............................................................................. 23 2.3 ATRATIVOS.................................................................................... 25 2.3.1 Exposições...................................................................................... 27 2.3.2 A Morte Retratada em Igrejas, Cemitérios, Santuários e Eventos. 28 2.3.2.1 Igrejas............................................................................................. 29 2.3.2.2 Cemitérios...................................................................................... 30 2.3.2.3 Santuários Macabros.................................................................... 34 2.3.2.4 Locais de Conflito e Sofrimento Macabros................................. 35 2.3.3 Acampamentos de Genocídios....................................................... 37 2.3.4 Campos de Concentração 38 2.3.5 Museus e Memoriais....................................................................... 40 2.3.6 Prisões............................................................................................. 45 2.3.7 Locais de Catástrofes Naturais....................................................... 46 3 IDEALIZAÇÕES E INTERPRETAÇÕES DA MORTE.................... 48 3.1 A MORTE NA HISTÓRIA................................................................ 48 3.2 A PERCEPÇÃO DA MORTE NO PERÍODO ESCRAVOCRATA NO BRASIL..................................................................................... 55 3.3 A MORTE NA ATUALIDADE .......................................................... 59 3.4 DIA DOS MORTOS NO MÉXICO................................................... 60 4 SEGMENTO DA ARTE TUMULAR: CEMITÉRIOS NO MUNDO... 67 4.1 CEMITÉRIOS: EXPRESSIVIDADE COMO PRODUTO TURÍSTICO NO MUNDO................................................................ 82 4.1.1 Cemitério Pére Lachaise................................................................. 82 4.1.2 Cemitério da Recoleta – Argentina – Buenos Aires........................ 86 4.1.3 Brasil - Cemitério da Consolação – São Paulo............................... 89 5 CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA NO RIO DE JANEIRO: UM POTENCIAL TURÍSTICO NO SEGMENTO DA ARTE TUMULAR A SER DESVELADO...................................................................... 93 5.1 NECRÓPOLE SÃO JOÃO BATISTA DENTRO DA NOVA GESTÃO RIO PAX.......................................................................... 103 5.2 PESQUISA SOBRE A VIABILIDADE DO CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA COMO ATRATIVO TURÍSTICO........................... 112 6 CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA COMO PRODUTO TURÍSTICO..................................................................................... 122 6.1 FORMATAÇÃO DO PRODUTO TURÍSTICO: OLHARES URBANOS NA NECRÓPOLE......................................................... 126 6.2 O PAPEL DO GUIA DE TURISMO ................................................. 131 6.3 ROTEIROS – OLHARES URBANOS NA NECRÓPOLE................ 137 6.4 IMPLEMENTAÇÃO DO ROTEIRO HISTÓRICO/ARTÍSTICO........ 144 6.4.1 Orville A. Derby............................................................................... 144 16 6.4.2 Revolta da Armada – Leão.............................................................. 146 6.4.3 Jazigo de Raymundo Juvêncio de Souza....................................... 147 6.4.4 Visconde de Moraes........................................................................ 148 6.4.5 Luís Carlos Prestes......................................................................... 149 6.4.6 Rodolpho Bernardelli....................................................................... 150 6.4.7 Santos Dumont................................................................................ 152 6.4.8 Mausoléu da Academia Brasileira de Letras................................... 153 6.5 IMPLEMENTAÇÃO DO ROTEIRO DOS ARTISTAS..................... 155 6.5.1 Elke Maravilha................................................................................. 155 6.5.2 Tom Jobim....................................................................................... 156 6.5.3 Cláudio de Souza (Dramaturgo) ..................................................... 157 6.5.4 Carmem Miranda............................................................................. 158 6.5.5 Vicente Celestino............................................................................. 159 6.5.6 Cazuza............................................................................................ 160 6.5.7 Clara Nunes..................................................................................... 161 6.5.8 Jorge Selarón.................................................................................. 163 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................ 165 REFERÊNCIAS.............................................................................. 167 ANEXO A........................................................................................ 172 ANEXO B........................................................................................ 174 17 1 INTRODUÇÃO O fenômeno do turismo ganha representação nas sociedades contemporâneas e vem se destacando com expressividade na economia global. Com relevância no mercado, a atividade se sobressai na promoção de espaços formatados pelo setor, gerando riquezas. Por ser recente, a atividade necessita de um embasamento mais sólido, de forma a desvelar esse universo complexo, intrincado e segmentado. Com o advento de novos segmentos, ganha relevância um turismo específico que engloba diversos elementos ligados à temática morte, desde campos de concentração, a citar como exemplo Auschwitz Birkenau, até cemitérios com diversos elementos históricos contemplativos. Compreender as características desse agente social em conjunto com o seu grau motivacional será o diferencial na implementação de medidas para seu desenvolvimento, visando ao crescimento do setor, à preservação da história e ao incremento da atividade. Nesse contexto a Arte Tumular desponta como um viés dentro do universo do turismo cultural que percebe a necrópole como um espaço possível de contemplação artística. Nessa observação, o cemitério é vislumbrado como um museu a céu aberto capaz de abrigar obras de diversos períodos de escultores e artistas. Embora de forma incipiente, a implementação da atividade já chegou ao turismo no Brasil, tendo em vista a chegada de circuitos em âmbito nacional que exploram esse nicho, como em São Paulo, no cemitério da Consolação, por exemplo. Desse ponto, a relevância e pertinência da abordagem do tema no presente estudo, busca responder a seguinte indagação: Pela sua representatividade simbólica, a necrópole São João Batista poderia ser percebida como atrativo turístico focado na Arte Tumular? A tessitura do trabalho objetiva conhecer o segmento do turismo da Arte Tumular observado no cemitério São João Batista, em Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, e, especificamente o trabalho consiste em: traçar dois roteiros 18 turísticos no cemitério de forma a auxiliar os turistas na visitação, direcionando- os quanto à disposição das sepulturas na necrópole. Através desse trajeto, procura-se amparar os turistas nessa visitação que desejem desvelar tal segmento como forma de entretenimento, de sentir emoções fortes;identificar suas motivações, necessidades e expectativas. O caminho metodológico seguido para estudo do tema compreende a pesquisa bibliográfica, através de artigos nacionais e internacionais, além de livros que abordem a temática da morte dentro da concepção da Arte Tumular. De forma a obter o conhecimento a respeito da experiência no turismo nacional optou-se também pela observação da autora como participante na visita técnica realizada pelo historiador Milton Teixeira a necrópole do cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, além de entrevistas baseadas na pesquisa de campo, com aplicação de questionários relacionados à temática cemiterial. A estruturação do trabalho foi implementada em sete capítulos, incluindo a introdução ao tema e a conclusão do trabalho. O capítulo dois revela o panorama global do segmento, fragmentando suas possibilidades no segmento do Dark Tourism, de forma a compreender as motivações que induzem o ser social a escolher um segmento em relação ao outro. Todorov e Moreira apud (Rogers, Ludington&Graham, 1997, p. 2) conceitua: “Sempre que sentimos um desejo ou necessidade de algo, estamos em um estado de motivação. Motivação é um sentimento interno é um impulso que alguém tem de fazer alguma coisa”. O capítulo três analisa as representações e simbologias da morte em diversas culturas, a mudança do sepultamento do território sagrado para o espaço extramuros ad sanctos, e como a morte era interpretada na sociedade da época. O medo pelo desconhecido estimula a imaginação do indivíduo e o faz questionar sobre a sua vida e suas atitudes em sua trajetória. Essa convicção clara de que não seremos eternos provoca múltiplos sentimentos em todas as sociedades em diversos períodos históricos. Dependendo do tempo abordado, a morte é encarada como um fenômeno natural da vida ou em 19 outros é observado com repulsa, medo e esquecimento. Entretanto, outros utilizam o término do ciclo da vida para eternizá-lo, como é visto em muitos cemitérios no mundo cuja sociedade buscava eternizar sua ascensão social em monumentos fúnebres. O capítulo quatro foca o segmento da Arte Tumular no mundo e no Brasil, enfatizando o objeto de pesquisa o cemitério São João Batista com seus estilos personificados em ornamentos mortuários usados como mecanismo de retenção da memória. O capítulo cinco contempla a percepção de possíveis turistas, baseado na pesquisa de campo, a frequentarem esse novo atrativo turístico. Optou-se pela observação da autora no Tour realizado pelo Milton Teixeira em conjunto com aplicações de questionários aos participantes do evento, com o intuito de averiguar possibilidades de consumo desse novo nicho turístico. O capítulo seis aborda o cemitério São João Batista como um potencial atrativo no campo da Arte Tumular. Para adentrar nesse universo contemplativo, traçou-se duas rotas temáticas intituladas “Roteiro Turístico Histórico/Artístico” e “Roteiro dos Artistas”, de forma a auxiliar no deslocamento apreciativo pelo espaço. No capítulo sete fazem-se as considerações com a síntese final do assunto, a partir das interpretações obtidas para esse recente segmento, ainda a ser desvelado. 20 2 TURISMO MACABRO: HISTÓRICO E MODALIDADES A atividade turística que se insere no terceiro setor, vinculada à prestação de serviços, estimula fortemente a economia de diversos países que buscam, em suas diretrizes, mecanismos de desenvolvimento pautados na arrecadação de divisas e no desenvolvimento social. Sob essa afirmativa a (OMT) 2014, evidencia as tendências:1 • Las llegadas de turistas internacionales (visitantes que pernoctan) aumentaron un 4,3% en 2014, alcanzándose la cifra récord de 1.133 millones de llegadas, después de haberse traspasado en 2012 la cota de los mil millones • La región de las Américas registró el mayor crecimiento, con un aumento del 8% en llegadas internacionales, seguida de Asia y el Pacífico y de Oriente Medio (ambas +5%). En Europa las llegadas aumentaron un 3%, y un 2% en África. • Los ingresos por turismo internacional alcanzaron la cifra de 1.245.000 millones de dólares de los EE.UU. a escala mundial en 2014, partiendo de una cifra de 1.197.000 millones de dólares en 2013, lo que significa que se ha producido un crecimiento del 3,7% en términos reales (teniendo en cuenta las fluctuaciones en los tipos de cambio y la inflación) […]. Por sua relevância socioeconômica, o turismo adaptou-se a um mercado ávido por experiências inusitadas que atendessem às necessidades e expectativas de um turista contemporâneo, rotulado como “pós-turista”, que não se contentava mais com o trivial massificado ofertado pelas poucas agências. Uma nova tendência de consumo turístico fragmentado cada vez mais nas mudanças culturais induz o consumidor pós-moderno a buscar produtos fora do padrão tradicional. Assim, o turista é estimulado a procurar o diferente, baseado nas múltiplas identidades de cada região. 1 • As chegadas de turistas internacionais (visitantes que pernoitam) aumentaram 4,3% em 2014, atingindo a cifra de 1,133 milhões de chegadas. • A região das Américas registrou o maior crescimento, com um aumento de 8% em chegadas internacionais, seguida de Ásia e Pacífico e do Oriente Médio. Na Europa as chegadas aumentaram 3% e na África 2% • Os ganhos ligados ao turismo internacional alcançaram a cifra de 1.245.000 milhões de dólares em 2014. 21 Sob a ótica de Molina (2003, p.111): A pós-modernidade é atravessada pelo caos. Na pós-modernidade a cidade deixa de ser um local tedioso e passa a ser um local com múltiplas identidades, atividades e alternativas para satisfazer amplos grupos e diversos interesses: o indivíduo já não é mais um, é muitos, é um ser errante com muitas identidades e papéis a representar, e que na hora do consumo não pode ser classificado. Dessa forma o mercado busca se adequar a esse novo estilo de vida, atendendo o usuário de forma personalizada. O mercado turístico propicia essa nova forma de consumo baseado nas diversidades de escolhas mediante a busca pelo novo. O novo olhar faz com que um “novo turista”, mais exigente, se volte para as variações turísticas, deixando à margem o destino já previsível, estático no tempo. (SWARBROOKE; HORNER, 2002). Nessa visão a atividade turística se fragmentou. O que era centralizado e massificado ditado pela industrialização, atualmente ganha forma singular, pois o turista tem consciência de que é único. Amplas segmentações foram estabelecidas para atender a essa demanda extremamente exigente. Assim, outros segmentos surgem a cada necessidade de um novo nicho que desponta. Dentro dessas múltiplas escolhas, o Turismo Macabro aparece como uma possibilidade turística a ser desvelada. 2.1 O HORIZONTE MACABRO DO TURISMO O fascínio pela morte estimula o imaginário de uma grande parcela da sociedade que reconhece a finitude do tempo como uma fragilidade terrena. Se não existem mecanismos de controle sobre a morte, o sentimento de finitude torna-se presente no imaginário da população, aguçando a curiosidade pelo desconhecido. Esse deslumbramento chegou até o mundo do turismo por meio de atrativos tão diversos como: campos de concentração, prisões, cemitérios, memoriais, museus, exposições macabras, dentre outros. Antecedendo a terminologia atual “turismo macabro”, o fenômeno surgiu pela curiosidade de pessoas, fascinadas pelo contexto mórbido de tragédias e 22 catástrofes. Esse tipo de turismo tem uma longa história e tem sido descrito como uma tradição thanatológica que remonta às visitações de cenários de batalhas como a deWaterloo ou as ruínas de desastres naturais como as de Pompéia. O que parece ser uma crescente curiosidade mórbida não é fato recente. No começo do século XI, as pessoas já se deslocavam para lugares como Jerusalém para visitar o local da crucificação de Cristo (DALE; ROBISON, 2008). Alguns exemplos citados por Stone (2006) revelam atrações macabras que eram admiradas pelos precursores do Dark Tourism. Os jogos realizados por gladiadores no Coliseu eram comemorados por uma multidão que vibrava com a morte de um competidor. As execuções feitas em praças, além de serem aplicadas como forma de castigo e lembrete, serviam de espetáculo público. O começo desse segmento de forma empresarial foi marcado pelos precursores dessa atividade, que em 1838 levaram excursionistas ingleses através de transporte ferroviário para a Cornualha a fim de participar como espectadores do enforcamento de dois assassinos (BOORSTIN, 1987 apud STONE, 1996). As motivações iniciais que influenciaram esse público a se deslocar de suas casas direcionando-se a esses atrativos podem ser encontradas no “deslumbramento” com a morte. A busca por tais lugares alavancou o crescimento de uma nova segmentação, no sentido de reafirmar e diversificar produtos referentes a esse tema. A morte real ou recriada tornou-se preponderante, servindo como influenciadora na motivação do turista que escolhe conhecer destinos mórbidos. Essa mudança de comportamento desvela esse segmento que era considerado como o lado “sujo” da atividade turística, porém tornou-se apreciado, por um público específico, em relação aos outros segmentos. 23 2.2 TERMINOLOGIA Existem divergências entre os estudiosos sobre o tema a respeito da designação a ser adotada para o fenômeno do turismo macabro. Termos como “dark tourism”, turismo sombrio, turismo de horror, turismo necrófilo, turismo de aflição, thanatoturismo, turismo negro são alguns dos utilizados por diferentes autores com nuances específicas. O termo turismo macabro foi introduzido por dois estudiosos do assunto, Malcolm J. Foley e John Lennon (2000) em um artigo do International Journal of Science of Heritage Studies, para classificar viajantes que apreciavam atrações ou destinos envolvidos com a morte real ou fictícia. Para Foley e Lenon (2000), existem especificidades no emprego do termo, ou seja, não é considerado turismo macabro se as visitações aos locais de horror forem realizadas por parentes e/ou amigos das vítimas. Em contrapartida, pessoas que se deslocam sem vínculo com as vítimas de forma casual, com o propósito de desvendar o lado sombrio, encaixar-se-iam nesse conceito. Outra designação apontada por Seaton apud Stone (1996) é a thanatologia, que tem como objetivo a contemplação da morte. Refere-se ao deslocamento de um indivíduo ou grupo a um local, motivado total ou parcialmente pelo desejo de interagir com formas reais ou recriadas da morte em vários graus. A esse respeito, Seaton apud Stone (1996) enumera cinco categorias: viagens para destinos de testemunhos públicos de morte; deslocamento para lugares que tiveram em seu contexto mortes individuais ou de massa, depois de fato trágico; viagens para apreciar monumentos, incluindo cemitérios, criptas e memoriais de guerra; viagens para ver os elementos de prova ou representações simbólicas de morte em locais, como museus contendo armas de morte ou exposições específicas que reconstroem eventos ou atividades e viagens de simulação da morte. O prazer revelado nos cemitérios, por exemplo, está em observar lápides, imagens, epitáfios, entre outros, interpretando assim todo o conjunto arquitetônico. 24 Alguns museus chamados de mórbidos também concentram em seus espaços materiais que direcionam os visitantes a vivenciarem um contexto histórico de forma jocosa com simulação de períodos históricos de batalhas que remetam à morte, utilizando reencenações dessas lutas. Para Panosso Netto e Ansarah (2009, p. 350) pode-se conceituar turismo necrófilo como “aquele no qual as pessoas são atraídas a visitar os lugares relacionados à morte, sejam eles cemitérios, memoriais ou mesmo lugares onde ocorreram tragédias, genocídios, batalhas, etc”. O necrófilo pode expressar seu interesse de diversas maneiras, desde a escolha de materiais de escritas, de áudios ou vídeos que o remetam a informações trágicas da vida humana, ou mesmo com visitas a ambientes fúnebres. Assim, as conversas do cotidiano que remetam à morte como tema principal são consideradas como fait divers. Na ótica de Barthes (2003) apud Panosso Netto e Ansarah (2009, p. 353): O fait divers é uma arte de massa: seu papel é, ao que parece, preservar no seio da sociedade contemporânea a ambiguidade do racional e do irracional, do inteligível e do insondável; e essa ambiguidade é historicamente necessária, na medida em que o homem precisa ainda de signos (o que o tranquiliza), mas também na medida em que esses signos são de conteúdo incerto (o que o irresponsabiliza) ele pode assim apoiar-se, através do fait divers, sobre uma certa cultura; mas, ao mesmo tempo, pode encher in extremis essa cultura da natureza, já que o sentindo que ele dá à concomitância dos fatos escapa ao artifício cultural, permanecendo mudo. Um outro termo que aparece ligado ao turismo macabro é o das Black Spots (Pontos Negros) que se relacionam ao segmento por serem locais em que aconteceram episódios extremamente violentos como mortes de celebridades, atraindo centenas de visitantes, como por exemplo, o local de acidente de carro sofrido pelo ator James Dean, em 1955, o do assassinato do presidente John F. Kennedy, em Dallas em 1963, ou onde repousam os restos mortais de pessoas famosas como o cemitério Pére Lachaise, em Paris, local em que se encontra o túmulo de Jim Morrison, cantor, compositor e poeta da banda The Doors. 25 Esse horizonte sombrio do turismo possui outra vertente que é constituída pelos museus do Holocausto, onde história e memória são preservadas com a finalidade de manter viva a lição humanitária derivada da tragédia. Por outro lado, o tempo cronológico, um intensificador de sensações macabras e fatos recentes, está mais presente na memória da população, por seus sobreviventes e testemunhas, trazendo à tona a comoção coletiva. O turismo macabro possui graus que diferenciam sua categorização. Essa diferença é observada em locais que interpretam a morte e em locais que vivenciam a morte. Assim, a experiência é mais tenebrosa quando há uma real identificação com o fato, como acontece no campo de concentração Auschwitz – Birkenau, em que a morte é relatada com toda a sua morbidez. Isso propicia ao visitante vivenciar toda a trajetória de horror ocorrida no campo de concentração de forma mais autêntica. 2.3 ATRATIVOS A morte é inerente ao ser humano; sendo assim, a finitude é observada como um tempo limitado de vida que cada indivíduo possui. Entretanto a efemeridade aciona o desejo da eternidade retratada pela lembrança material deixada pelos familiares, como por exemplo, em lápides e monumentos tumulares. A dualidade entre a vida e a morte está presente em todos os contextos históricos da humanidade. Assim, os espaços urbanos dialogam com a temática da morte em seu cotidiano e o mundo entre os vivos e os mortos se mescla em um único território, aguçando a curiosidade de muitos em desvelar o desconhecido pós-vida. A implementação dos espaços que reverenciam a morte proporcionou a cristalização da memória representada pelos entes queridos, transformando-os em lugares de contemplação, comoção, saudosismo, dentre outros sentimentos que são expressos por quem visita o lugar. Sob essa ótica mórbida dentro da concepção turística,existem diversos subconjuntos dentro desse universo sombrio. Alguns destinos de morte e 26 sofrimento encontram-se relacionados à guerra, cemitérios, morte de celebridades, Holocausto, entre outras ofertas bizarras. Na visão de Seaton (2006) apud Fonseca, Seabra et al (2015; pg.162) os espaços são divididos em graduações de intensidades:2 [...]Some researchers consider that dark tourism sites can be measured accordingly to their degree of darkness, in a continuum from the darkest to the lightest (Stone, 2006). In accordance with this idea, Seaton (2006) defined seven types of Dark Tourism suppliers: • Dark Fun Factories: visitor sites, attractions and tours that have an entertainment focus and commercial ethic. They represent fictional death and macabre events, as that, they need a high degree of tourism infrastructures. At this degree, attractions such as the London Dungeon or the Dracula Park should be pointed out, as being the lightest dark tourism places in the world. • Dark Exhibitions: offer products that circle around death and suffering with an often commemorative, educational and reflective message. These exhibitions are drawn to reflect education and potential learning activities. The museums that display death with educational and reminiscent purposes are the best examples of dark exhibitions. • Dark Dungeons: places/attractions related to justice and criminal matters, namely former prisons. Dark Dungeons offer products that combine entertainment and education as a main merchandise focus. The Alcatraz Federal prison, the Robben Island prison, the Missouri State penitentiary among others, are good examples of dark dungeons. • Dark Resting Places: focuses upon the cemetery or grave markers as potential products for Dark Tourism (Seaton, 2002). More and more tourists include the cemeteries in their tours. Those of large dimension are true open-air museums that include several architectural works and sculptures of refined taste. The most visited cemeteries nowadays are the Cimetiere du Pere Lachaise, the Arlington National cemetery, La Recoleta cemetery and many others. • Dark Shrines: sites based on the act of remembrance and respect for the recently deceased. Dark Shrines are non- purposeful for 2 Alguns estudiosos classificam o Turismo Macabro em graduações de categorias que vão das graduações mais brandas até as graduações mais escuras. Assim, Seaton definiu sete categorias dentro do Dark Tourism: -Fábricas Dark Fun: Estão relacionados a visitação a atrativos que tem o foco no entretenimento com viés comercial. Representam a morte recriada de forma comercial, porém com infraestrutura. O exemplo de atrativo é o Dungeon em Londres ou o castelo do Drácula que são considerados os lugares mais brandos da categoria. -Exposições: Mostram elementos que estão atrelados à morte e ao sofrimento, porém como o objetivo de provocar a reflexão e a educação. -Dark Dungeons: Prisões antigas que são utilizadas como atrativos dentro desse segmento. Exemplo é a prisão Federal de Alcatraz. -Cemitérios: São museus a céu aberto que denotam diversas obras arquitetônicas que são contempladas pelos turistas. -Dark Shrines: São santuários que traz à tona a comoção das pessoas pelas mortes recentes e são cultuados pelas lembranças e respeito aos mortos. -Dark Conflict Sites: Guerras recriadas nos campos de batalhas. Tem o foco educacional. -Campo de concentração: É a categoria mais escura definida pelo autor, pois a visita é feita dentro do espaço onde aconteceram as atrocidades, exemplos como Auschwitz-Birkenau e Ruanda. 27 tourism and do not possess much tourism infrastructures due to their temporal nature. The most evident example of a Dark Shrine are the Solomon Isles where the battle of Guadalcanal occurred. • Dark Conflict Sites: sites associated with war and battlefields. These sites have an educational and commemorative focus, as well as an historic one. The Solomon Isles, where the battle of Guadalcanal occurred, are one of the well-known dark conflict sites. • Dark Camps of Genocide: are those sites that mark a concentration of death and atrocity. Currently, the tourist attractions associated with genocides and wars constitute one of the largest categories of visiting spots around the world. Auschwitz- Birkenau, Cambodja, and Rwanda, can be highlighted as being, some of the few sites, where past genocides and mass atrocities happened. À luz dessa temática percebe-se a grande diversidade de opções referentes a essa nova possibilidade de turismo. Por consequência, há necessidade de inventariar os segmentos relacionados a esse nicho e classificá-los de modo a conhecer sua tipologia e seus limites. 2.3.1 Exposições Seu enfoque está ligado diretamente ao entretenimento comercial ou educacional. Os turistas desse segmento visitam locais cuja morte pode estar representada de forma real ou recriada. Possuem uma ampla infraestrutura para atender de forma adequada os visitantes. Sua categoria está na forma mais branda do turismo macabro, sendo representados como menos autênticos. Exemplos desse gênero podem ser encontrados no Dungeon, em Londres, que utiliza fotos, retratando um passado mórbido como a peste negra ou as aventuras do Conde Drácula. As exposições macabras possuem ainda o intuito educacional voltado ao aprendizado, de modo a proporcionar ao visitante uma reflexão sobre o tema morte. Nesse conceito são ofertados produtos informativos com base ética no histórico trágico, fazendo com que esse segmento seja classificado como uma categoria mais pronunciadamente sinistra. Essas exposições podem ser feitas distantes do espaço real da tragédia, como por exemplo, o Museu Memorial 9/11 que expõe imagens e artefatos dos 28 atentados do dia 11 de setembro. O principal objetivo é captar a história e promover o sentimento de valorização das vítimas. 2.3.2 A Morte Retratada em Igrejas, Cemitérios, Santuários e Eventos O ser humano com toda a sua complexidade tem consciência de que é finito. Todos possuem um ciclo fisiológico, cujo processo é baseado em quatro fases: nascimento, crescimento, reprodução e morte. A morte é representada com variâncias na história da humanidade. No texto bíblico, no capítulo de Gênesis, a morte é figurada com a expulsão de Adão e Eva do paraíso pelo pecado, sendo condenados a viver como meros mortais, desprovidos assim da vida eterna. Na Grécia, a palavra é idealizada pelo Deus Thanatus, que representa de forma simbólica a pulsão da morte, interagindo erotismo e idealismo com Eros, representado como a pulsão da vida. A morte é encarada por muitos como sendo um assunto a ser esquecido e somente abordado em ocasiões de uma perda física de um ente querido. Contudo, em algumas culturas é interpretada e vivenciada de maneira natural, sendo comemorada com rituais, que podem perdurar por dias, como em certas tribos indígenas. Um exemplo dessa abordagem é na cidade do México, em que se reverencia, mediante seus costumes e ritos, essa passagem. Assim, a morte é um tema extremamente polêmico que divide opiniões, ocasiona aversão, mas principalmente traz fascínio para grande maioria que busca respostas para compreender no processo da morte o significado da vida. A sociedade contemporânea tem intitulado os potenciais turísticos que lidam com a morte como um espaço romantizado e não com uma conotação mórbida. Existe o encantamento com os mortos e com isso esses espaços, tornaram-se centros históricos com intuito ético e comemorativo, fazendo parte da herança cultural. 29 2.3.2.1 Igrejas O Ossuário de Sedlec, situado na República Tcheca,é uma capela cristã ornamentada com ossos humanos que foi construída no século XIV em estilo gótico francês. Em 1278 o superior do mosteiro trouxe uma quantidade de terras do calvário, local onde Jesus foi crucificado, adicionando-a ao cemitério. Muitos acreditavam que por esse ato, as terras fossem consideradas santas, fazendo com que a nobreza pleiteasse ser enterrada nesse ambiente. No século XIV mais de 30 mil pessoas foram mortas em consequência da peste, sendo enterradas em valas rasas no cemitério. Parte do cemitério foi destruída por guerras que ocorreram no local o que culminou na retirada dos ossos e no seu armazenamento na capela. Assim, as peças começaram a compor os adereços da igreja com candelabros, lustres, pias batismais, entre outras que impressionam pela precisão e riqueza de detalhes de forma assombrosa (INTERATA, 2008). Figura 1: Ossuário de Sedlec Fonte: A capela decorada com ossos humanos, 2016 3 3 Sorisomail.com. Disponível em: http://m.sorisomail.com/imagens-engracadas/151704.html. Acesso em 20 de jul. de 2016. 30 Outro destaque nessa vertente mórbida é a Capela dos Ossos, um monumento criado na Igreja de São Francisco, na cidade de Évora, em Portugal. Sua construção foi realizada no século XVII por três monges que eram contra a reforma religiosa. Como forma de protesto, buscaram reverenciar a transitoriedade da morte com decoração enfatizando a morte, como ossos humanos, pinturas com a temática morte e esqueletos pendurados de forma inusitada. Poemas são encontrados na igreja enaltecendo a morte como algo comum a todo ser humano. Um dos poemas citados na igreja e atribuído ao Pároco da freguesia Padre Antônio da Ascensão Teles: Poema sobre a existência 4 Aonde vais, caminhante, acelerado? Para...não prossigas mais avante; Negócio, não tens mais importante, Do que este, à tua vista apresentado. Recorda quantos desta vida tem passado, Reflete em que terás fim semelhante, Que para meditar causa é bastante Terem todos mais nisto parado. Pondera, que influído d'essa sorte, Entre negociações do mundo tantas, Tão pouco consideras na morte; Porém, se os olhos aqui levantas, Para...porque em negócio deste porte, Quanto mais tu parares, mais adiantas. 2.3.2.2 Cemitérios O cemitério de Arlington (EUA) é um dos santuários mais simbólico do país. Com os seus heróis de guerra, além de líderes expressivos do país como John Kennedy, recebe mais de quatro milhões de visitantes anualmente. Com o seu formato caracterizado por longas fileiras a necrópole abriga mais de trezentos mil oficiais sepultados, sendo os mais recentes vitimados nas guerras do Afeganistão e do Iraque.5 4 Extraído do site de Bruno Gomas. Disponível em: http://www.suricatahomem.blogspot.com/2006_08_01_archive.html Acesso em: 17 jun. 2016 5 Disponível em: https://noticias.terra.com.br/cemiterio-de-arlington-o-santuario-dos-herois- americanos,58dce9f6e80ea310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html Acesso em: 21 de jul. De 2016. 31 Figura 2: Cemitério de Arlington6 Fonte: Cemitério de Arlington, 2016 O cemitério da Recoleta é um importante atrativo na cidade de Buenos Aires, na Argentina. O diferencial desse cemitério é a forma em que os mortos são sepultados dentro dos mausoléus. O caixão não é enterrado e fica em destaque para apreciação do público. Depois de certo tempo, esses restos mortais são transferidos para caixas menores e dispostos novamente para que sejam visualizados. O cemitério abriga formas diversas de obras de arte, estimulando a visita de inúmeras pessoas que veem o local como um museu a céu aberto. Os jardins que rodeiam o cemitério também são aproveitados pela maioria dos seus moradores para a prática de lazer. A necrópole da Recoleta é evidenciada pelo sepultamento de inúmeras celebridades, dentre elas se destacam o túmulo de Evita Perón e os de presidentes do país como Carlos Pellegrini. O túmulo mais visitado do local é da marcante Evita Perón que teve uma trajetória meteórica de sete anos, saindo do anonimato para os palcos como atriz para após liderar uma atividade política como primeira-dama da Argentina. De personalidade forte e carisma incontestável promoveu diversas lutas em 6 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=cemiterio+arlington&biw=2277&bih=1095&source=lnms&tbm=is ch&sa=X&ved=0ahUKEwjF5eHSwo3OAhXCFZAKHVX2AK0Q_AUIBygC&dpr=0.6#imgrc=C3a9Xftm9aq55M %3A. Acesso em: 27 de jun. de 2016. 32 favor das classes menos favorecidas, morrendo aos 33 anos, vítima de câncer uterino. Figura 3: Cemitério da Recoleta, Argentina. 7 Fonte: Recoleta, 2016. Outro cemitério que atrai turista é o Pére Lachaise, maior cemitério de Paris e um dos mais expressivos do mundo. De estilo neoclássico foi criado em 1803, pelo arquiteto Alexandre Théodore Brongniart (CEMITÉRIO PÉRE LACHAISE, 2008).8 O cemitério começou a funcionar com a inumação de uma menina de cinco anos. A não aceitação dos parisienses ao local era devido à dificuldade de deslocamento até a necrópole, sendo alterado mais tarde esse pensamento com o sepultamento de diversas personalidades como Jim Morrison. No Brasil destacam-se como locais de visitação os cemitérios São João Batista, no Rio de Janeiro e da Consolação, em São Paulo. O cemitério São 7 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=cemit%C3%A9rio+da+recoleta&biw=2277&bih=1095&source=ln ms&tbm=isch&sa=X&sqi=2&ved=0ahUKEwikutGrxY3OAhXJjZAKHU8FB_gQ_AUIBigB&dpr=0.6#imgrc=7Y 46-0hR9DtqHM%3A . Acesso em: 26 de jun. 2016. 8 Disponível em: http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/franca/cemiterio-do- perelachaise.php. Acesso em: 28 de jun. 2016. 33 João Batista foi implantado pela Santa Casa de Misericórdia em 1852, possuindo atualmente cerca de 65 mil jazigos. Dentre esses, repousam diversas celebridades com túmulos rebuscados como Carmem Miranda Santos Dumont, imortais da Academia Brasileira de Letras, presidentes da República, músicos e atores, entre outros personagens ilustres. Diversos túmulos retratam exemplos de arte sacra como trabalhos esculpidos em mármores, bronze e granito que ostentam as quadras dos mais abastados Na principal avenida, rotulada de Vieira Souto9, são encontrados obras de artes de diversos artistas como Rodolfo Bernadelli e Heitor Usai (PIMENTA, 2008). Figura 4: Rodolpho Bernardelli Cemitério São João Batista, Brasil. 10 Fonte: Própria autora 2.3.2.3 Santuários Macabros 9 Bairro de Ipanema onde o metro quadrado é o mais caro do Brasil. http://g1.globo.com/economia/noticia/2012/06/no-rio-m-de-imovel-de-luxo-pode-custar-mais- que-o-dobro-do-de-sp.html 10 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=tumulo+de+rodolfo+bernardelli,+sao+joao+batista&biw=2277&b ih=1095&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwi- rPqiyI3OAhWCFZAKHVRBDlcQ_AUIBygC&dpr=0.6#imgrc=5YomC8LM6jrqdM%3A. Acesso em: 01 de jul. de 2016. 34 Os santuários macabros são locais que remetem à lembrança de mortes recentes como ato comercial. São construídos próximos aos locais das tragédias e em um espaço curto de tempo em relação ao ocorrido. Muitos desses santuários não foram criados propositalmente para a atividade turística, por isso possuem pouca infraestrutura no local. Dessa forma, esses espaços são criados por uma demonstração de comoção coletiva, transformandoo local em uma massa de homenagens florais como forma de respeito às vítimas. Um exemplo marcante a ser destacado é o World Trade Center. As torres gêmeas, como eram conhecidas, foram destruídas por terroristas no dia 11 de setembro de 2001, vitimando quase três mil pessoas. O local virou centro de atração de Nova York para inúmeros visitantes interessados em observar o episódio trágico. Após treze anos de intensas intervenções urbanas foi construído no espaço um complexo que abriga o Museu e memorial The National September 11 Memorial Museum. O espaço traz em sua essência traços importantes que relembram a tragédia, como documentários, peças dos escombros, fotos dos mortos, relatos das famílias, dentre outros que contribuem para que a memória do horror não seja esquecida. Existem no local, produtos formatados associados à atrocidade, chamados de “Dia do Horror” como livros, filmes, bonés e materiais que depreciam o terrorista Bin Laden. Outro ponto representativo do Marco Zero foi implementado com dois espelhos d’água localizados exatamente onde estavam as torres gêmeas com placas de bronze onde estão gravados os nomes de cada um dos mortos. Outro empreendimento imponente no espaço foi a construção de uma nova torre intitulada One World Trade Center (World Trade Center 1) sendo a quarta maior do mundo. O prédio foi idealizado com uma altura de 1.776 pés (541 metros), fazendo referência ao ano da independência dos Estados Unidos. 11 11 Disponível em: http://super.abril.com.br/comportamento/a-volta-do-world-trade-center. Acesso em: 20 de ago. de 2016. 35 Figura 5: Ground Zero, EUA. 12 Fonte: World Trade Center, 2016. 2.3.2.4 Locais de Conflito e Sofrimento Macabros Os locais palcos de conflitos macabros compreendem cenários de guerras e campos de batalhas. Seus potenciais produtos turísticos têm um foco educacional baseado no autêntico contexto histórico. Por adquirir um expressivo fluxo turístico necessitou aprimorar sua infraestrutura para atender a demanda. As visitas são realizadas por meio de operadoras que exercem o papel de guias, auxiliando nesses deslocamentos aos sítios turísticos de batalha. Exemplos de batalhas históricas que viraram produto de apreciação mórbida são Waterloo e Somme. A Batalha de Waterloo foi um combate decisivo entre as forças francesas, britânicas, russas, prussianas e austríacas na localidade de Waterloo na Bélgica. Durante 100 dias a tropa napoleônica lutou para conquistar o país, sendo derrotada pela superioridade numérica dos prussianos 12 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=cemit%C3%A9rio+da+recoleta&biw=2277&bih=1095&source=ln ms&tbm=isch&sa=X&sqi=2&ved=0ahUKEwikutGrxY3OAhXJjZAKHU8FB_gQ_AUIBigB&dpr=0.6#imgrc=7Y 46-0hR9DtqHM%3A . Acesso em: 26 de jun. 2016. 36 e britânicos. A batalha levou à morte mais de 57 mil soldados de ambos os lados.13 A Batalha de Somme ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial na qual os franceses e ingleses lutaram contra os alemães e foi uma das guerras mais sangrentas da história. Seu contexto violento retrata a inexperiência de soldados, o descaso de seus generais e a utilização pela primeira vez de tanques de guerra, deixando um saldo expressivo de mais de um milhão de soldados mortos (THEODORO, 2008). Figura 6: Waterloo e Somme, 2016. 14 Fonte: Mega curioso. No contexto atual esses locais são trabalhados de forma a perpetuar essa história trágica. Em sua formatação como produto turístico são mostrados mapas de trincheiras, diários de guerra e comentários que foram importantes na época dos acontecimentos. Toda a visita tende a ser romantizada pelos seus guias através de reencenações de batalhas de forma a entreter e atrair os turistas. Por essa demonstração “teatralizada”, sua categoria se aproxima da nuance mais suave do segmento do turismo macabro. 13 CORNWELL. Bernardo. Waterloo. A História de quatro dias, três exércitos e três batalhas. O confronto que Deteve Napoleão. Editora: Afiliada, 2015. 14 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=A+Batalha+de+somme,+turismo&biw=1525&bih=734&source=ln ms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwjV_I6JwtPOAhWHjpAKHWGRDaAQ_AUIBigB&dpr=0.9#imgrc=k5Eh8 XRI3o8ZpM%3A Acesso em: 12 de jul. de 2016. 37 2.3.3 Acampamentos de Genocídios Nesses sítios aconteceram atrocidades, genocídios e catástrofes, ocupando por essa elevada autenticidade, o lado mais sombrio do turismo. Lugares como Ruanda, Camboja e Kosovo são extremamente macabros por estarem no próprio local dos acontecimentos trágicos o que o denota como categoria mais sombria a ser presenciada pelos participantes no destino turístico. O Genocídio Cambojano foi responsável pela morte de aproximadamente dois milhões de pessoas em quatro anos no período de 1975 a 1979. O Khmer Vermelho, organização comunista que liderou o Camboja nesse período, ordenou execuções em massa, assassinatos, fome, tortura e trabalho forçado que eram realizados em espaços chamados de campos da morte. (CEPALUTI; MENDONÇA, 2006). O Genocídio de Ruanda foi um massacre executado por facções de Hutus, atacando tutsis e hutus moderados em 1994. O grupo étnico tutsis era a minoria e liderava o poder político no país. O fracasso da economia nacional devido à queda do valor do café exportado foi o estopim para a crise entre as etnias, sendo utilizado como pretexto para a retirada dos tutsis do poder, iniciando assim pela rivalidade o período da carnificina. Esse movimento produziu um deslocamento de pessoas para campos de refugiados, situado na fronteira com países vizinhos como o Zaire, deixando mais de 800.000 vítimas assassinadas no país. (O GENOCÍDIO NO RUANDA, 2008) 38 A guerra de Kosovo ocorreu em detrimento à separação de uma das províncias chamada Kosovo na Iugoslávia. O presidente Slobodan Milosevic, não aceitando a medida adotada pela província, inicia a guerra. Alegando questões humanitárias, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) intervém na guerra obrigando Milosevic a aceitar o acordo que propõe a autonomia da província, porém sem a separação. A guerra também foi um marco que deixou inúmeras vítimas desse contexto de atrocidades. (SILVA, 2008). Figura 7: Massacre em Ruanda, 2016. 15 Fonte: Revista Exame. 2.3.4 Campos de Concentração Na concepção de Panosso Netto e Ansarah (2009), as marcas das perseguições e de extermínio aos judeus e outras minorias podem ser vistas nos memoriais que retratam esse sombrio passado de guerra. Suas lembranças são evidenciadas em museus, cemitérios e até bairros inteiros que reverenciam à memória do Holocausto. Na Europa Ocidental, os campos de concentração criados no período da Segunda Guerra Mundial, em destaque na 15 Revista Exame. Disponível em : http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/franca-condena-ex- prefeitos-de-ruanda-por-genocidio-em-94. Acesso em: 20 de jun. de 2016. 39 Alemanha e Polônia, eram utilizados como campos de extermínio, campos de trabalhos forçados e campos de trânsito. Como exemplo, pode-se citar Dachau, na Alemanha, que foi classificado como campo de trabalho forçado, com utilização da mão de obra de prisioneiros judeus, homossexuais, comunistas, entre outros. Bergen-Belsen é um campo de trânsito que abrigou Anne Frank, personagem ilustre, que revelou ao mundo através de seu diário, a atrocidade vivida por ela e seus familiares durante a Segunda Guerra Mundial. Anne, por seu ato de coragem, tornou-se símbolo do sofrimento de milhões de criançasjudias. Na Polônia foram implantados os campos de extermínio, conhecidos como complexo Auschwitz-Birkenau, o maior campo da Europa, possuindo estruturas específicas como as câmaras de gás e os crematórios. Nesses locais mais de 12 mil pessoas chegaram a ser executas no período do nazismo. No contexto atual, o cenário de horror é repassado por meio de um documentário, sintetizando as atrocidades executadas no campo para os visitantes desse atrativo. Paulo Franke, um espectador do holocausto, menciona em seu blog: Logo à entrada do campo de Auschwitz depara o visitante com a irônica inscricão em ferro:"Arbeit macht frei" (O trabalho liberta) e visitando os diversos prédios de dois andares pode-se ver, através de gigantescas vitrinas, exposições de malas portando ainda os nomes de seus donos, de roupas, de sapatos (uma somente de sapatos de criança), de óculos, de escovas, de cabelos (há uma amostra do tecido feito de cabelos) e, além de outras ainda, a dos chalés de oração de judeus, o que me emocionou e fez-me pegar a máquina fotográfica. (FRANKE, 2006) O relato de um visitante retrata o lado mórbido do campo de concentração como um produto turístico sombrio. É preciso salientar que o Holocausto ou turismo de Holocausto tem sido rotulado como entretenimento de forma inadequada, pois não leva em consideração a essência histórica das atrocidades cometidas contra o povo 40 judeu. Mesmo assim, esse nicho vem crescendo dentro do espectro macabro de forma institucionalizada, deixando distorcido o contexto histórico doloroso desses locais. Figura 8: campo de Auschwitz Birkenau, 2016. 16 Fonte: Band Mundo. 2.3.5 Museus e Memoriais O Holocausto para muitos estudiosos foi um período de inimaginável atrocidade sofrida por judeus, sem precedentes na história da humanidade por seus atos de extrema morbidez. Esse período está registrado de maneira viva nos museus que tratam da temática. Os museus tiveram papel imprescindível como veículo de interpretação das atrocidades cometidas no período nazista. Têm por objetivo educar os visitantes, de modo a promover o questionamento sobre atitudes que venham a ser tomadas futuramente. 16 Disponível em: http://noticias.band.uol.com.br/mundo/noticia/?id=242245 Acesso em: 12 de jul. de 2016. 41 Na cidade de Washington, Estados Unidos, encontra-se o Museu Memorial do Holocausto. O espaço dedica-se à documentação, análise e interpretação da história do Holocausto, sendo financiado pelo governo americano, por judeus ou colaboradores ilustres, como o diretor Steven Spielberg. O museu desempenha um papel importante no cenário estético do holocausto e também procura proporcionar um meio adequado para traduzir a memória, recordação, interpretação e narração do massacre, de modo a contextualizar a história de maneira educacional. O conteúdo chega ao turista por meio de imagens, exposições, artefatos culturais e publicações referentes ao período nazista. (FRANKE, 2006). A história permanente do museu conta a trajetória cronológica do Holocausto desde a vida de Hitler e sua ascensão ao poder até a libertação dos judeus dos campos de concentração. O museu é criticado por mostrar o contexto do nazismo na interpretação americana. Sua abordagem menciona citações de George Washington e da Declaração da Independência, além de excluir da história vítimas não judaicas e homossexuais. Em Israel encontra-se o Museu Yad Vashem, fundado em 1953, que tem como objetivo principal eternizar a memória do Holocausto e divulgar a história trágica com o intuito de educar para que atrocidade dessa magnitude não venha ser esquecida com o tempo (PANOSSO NETTO; ANSARAH, 2009). O museu abriga um memorial perpétuo com arquivos, relatos, documentos e também testemunhos de sobreviventes de forma a proteger a memória, ensinar e educar. É dividido em setores como Setor de Estudos e Pesquisas, Escola Central de Ensino do Holocausto e Centro Internacional de Pesquisa do Holocausto. Buscando compreender os motivos que contribuem para a visitação aos museus do holocausto, Yuill (2003) realizou uma pesquisa de caráter exploratório com objetivo de traçar o perfil do turista que frequentava o Museu do Holocausto em Houston, no Texas, de modo que os visitantes manifestassem suas percepções referentes à temática. Para isto, fez uso de formulário que também foi aplicado à equipe técnica do museu de forma a 42 auxiliar no conhecimento das emoções vivenciadas e expressadas pelos turistas. O formulário foi adaptado a partir de estudos precedentes sobre esse segmento mórbido e por meio das perguntas foram levantados fatores motivacionais específicos para esse atrativo. Dentre algumas dificuldades apontadas no estudo, está a limitada literatura encontrada na área, não havendo precedentes para contrapor resultados. Outro fator restritivo é o fato da pesquisa ter sido realizada apenas no Museu, não sendo compatível com outros atrativos da mesma categoria. De acordo com as informações obtidas por Yuill17 pode-se constatar que a temática da morte tem um papel relevante na motivação da visita a esses atrativos. O elemento predominante na busca pelo entendimento da morte é a carência de uma compreensão aprofundada. A mídia tem o poder de estimular as motivações. O filme ‘A lista de Schindler’ do diretor Steven Spielberg lançado em 1993 foi apontado por várias pessoas, como o fator que impulsionou o desejo de visitar o Museu do Holocausto. Quantos aos elementos motivadores, a pesquisa possibilitou a compreensão de três potenciais: em primeiro lugar, uma ligação pessoal, a busca de maior compreensão por parte dos visitantes em relação ao holocausto e a procura por descendentes dos sobreviventes que anseiam por informações não obtidas pelos familiares; em segundo, através da perspectiva educacional, as pessoas desejam saber de forma mais aprofundada sobre esse período histórico; em terceiro, com base no que se pode inferir da literatura, as pessoas estão interessadas em exposições, especialmente as itinerantes. Dessa forma, os fatores motivacionais são múltiplos, como por exemplo o fato de os visitantes que procuram o museu para compreender melhor a história de seus antepassados, e dos próprios sobreviventes que visitam o espaço para compreender um período histórico vivenciado. 17 YUILL, Stephanie Marie. Dark tourism: understanding visitor motivation at sites of death and disaster. 2003. 278 f. Tese (Mestrado) - Texas A&m University, Houston,2003. Disponível em: <https://txspace.tamu.edu/bitstream/handle/1969/89/etd-tamu- 2003C-RPTS-Yuill-> Acesso em: 12 de mai. 2016. 43 Yuill observa que a representação simbólica é imprescindível para a maioria das pessoas que encontra nesse ritual uma maneira emblemática de recordar fatos significativos. A pesquisa aponta a lembrança como um fator motivacional, cuja sua permanência auxilia na manutenção da memória viva, não permitindo o seu esquecimento pela história. O interesse no contexto histórico também foi abordado na análise, pois vivenciar a história facilita o seu entendimento, despertando um interesse maior por parte dos visitantes. Fora da temática do Holocausto encontram-se memoriais e museu de cera que podem ser classificados como atrativos do turismo macabro. No Japão a reverência aos mortos é manifestada através de memoriais que eternizam seus antecessores. A cidade de Hiroshima abriga a “Cúpula da Bomba Atômica” que marca o local em que a bomba foi lançada. Esse monumento faz parte do Parque Memorial da Paz, que inclui em seu acervo fotos, objetos, relatos de sobreviventes e arquivosrelacionados ao bombardeio (PANOSSO NETTO; ANSARAH, 2009). Outro museu que desperta o interesse de muitos visitantes é o Museu de Anne Frank que retrata a vida de uma menina judia que entrou para a história pelo seu exemplo de força e determinação em detrimento à vida. Anne foi uma referência na luta contra o terror imposto pelo nazismo. Em seu diário relata as percepções sobre o mundo, dividida entre recortes de jornais passados com artistas que admirava e atrocidades cometidas pelo ditador Adolf Hilter. De origem judia foi obrigada a ser esconder com os seus familiares, vivendo por dois anos em um espaço adaptado por seu pai. Descoberto mais tarde pelos nazistas, teve como consequência a deportação de todos os ocupantes do esconderijo. O único integrante da família que sobreviveu foi Oton Frank, pai de Anne Frank, que utilizou as citações do diário de Anne para que seus ideais permanecessem vivos. (A CASA, 2008). O museu de Anne Frank abriga um acervo com pertences da família, sendo o diário da menina Anne seu principal objeto. Atualmente o espaço é utilizado como Centro Internacional da Juventude, atraindo pessoas de 44 diferentes partes do mundo, tendo como lema, lutar contra qualquer opressão imposta por elementos da sociedade. Figura 9: Anne Frank, 2016. 18 Fonte: The Time of Israel A história comovente de Anne Frank também pode ser vivenciada através do museu virtual. Pelo site o visitante poderá conhecer um pouco mais sobre a trajetória da menina que se eternizou mediante as suas palavras de força, coragem e de esperança. Um trecho do diário expõe os ideais da menina dentro do contexto de atrocidades vivenciadas por ela. “É realmente inexplicável que eu não tenha deixado de lado todos os meus ideais, porque eles parecem tão absurdos e impossíveis de se concretizarem. Mesmo assim eu os conservo, porque ainda acredito que as pessoas são boas de coração. Simplesmente não posso edificar minhas esperanças sobre alicerces de confusão, miséria e morte. Vejo o mundo gradativamente se tornando uma selvageria. Escuto o trovão se aproximando, cada vez mais, o que nos destruirá também; posso sentir o sofrimento de milhões e ainda assim, penso que tudo irá se corrigir, que esta crueldade também terminará. Enquanto isso preciso adiar meus ideais para quando chegarem os tempos em que talvez eu seja capaz de alcançá-los. ” (15 de julho de 1944). 18 Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=anne+frank&biw=1525&bih=734&source=lnms&tbm=isch&sa=X &sqi=2&ved=0ahUKEwjbtp6F2o3OAhVLDJAKHQ8bD5YQ_AUIBigB&dpr=0.9#tbm=isch&q=the+house+of +anne+frank&imgrc=AsdQLjCcYGcDEM%3A Acesso em: 12 de jul. de 2016. 45 2.3.6 Prisões Outro espaço físico utilizado como atrativo macabro no segmento turístico são as prisões desativadas. Esses espaços repressivos no passado são comercializados como atmosfera de crime e castigo ao turista na contemporaneidade. O pacote vendido ao turista inclui o julgamento, a prisão e execução do condenado com direito a um público de amigos e parentes. Desse modo, os turistas são introduzidos em um contexto histórico do ambiente original das prisões, utilizadas como forma de entretenimento (STONE, 2006). Figura 10: Prisões hotéis, 2016. 19 Fonte: Fato As Dark Dungeons são prisões e tribunais inativos para essa finalidade penal e atualmente utilizados como uma combinação de entretenimento e educação com foco comercial. Possuem uma infraestrutura adequada às necessidades dos clientes e estão no centro da classificação macabra, mesclando assim o tom mais escuro da categoria com o mais claro. As Galerias da Justiça são exemplos dessa atração. Situadas no Reino Unido, divulgam em seu slogan que a galeria é o único local no país em que o visitante poderá ser preso, sofrer condenação e receber a pena de morte. Esse 19 Disponível em: http://multticlique.com.br/blog/good-vibes/hospede-se-em-uma-prisao-de-luxo/ Acesso em: 18 de jul. de 2016. 46 marketing convida os turistas a participarem do contexto passado da história do local. O folheto de divulgação das Galerias convida o visitante a testemunhar um verdadeiro julgamento em um tribunal vitoriano original e a colocar seus amigos e família no banco dos réus, antes de ser condenado e “enviado para baixo” para as celas originais. Os reclusos vão agir como guias enquanto o turista deve também se tornar parte da história nesse local. (GALERIES DE JUSTIÇA, 2005 apud STONE,2006) Esses produtos mesmo inseridos no universo macabro do turismo têm características próprias que necessitam ser exploradas de formas diferenciadas, adequando-se a cada nicho. Dentro dessa perspectiva, o turista poderá fazer sua interpretação nos diversos cenários mórbidos tendo uma percepção múltipla dos fatos narrados. Ambientes de turismo sombrio, atrações e exposições apresentam dilemas complexos na questão ética e moral para os seus gestores. Desenvolver esse segmento de forma comercial sem comprometer sua natureza ideológica é papel da mídia como veículo de divulgação da história da humanidade (STONE, 2006). 2.3.7 Locais de Catástrofes Naturais O episódio trágico que ocorreu em Nova Orleans, Estados Unidos, ocasionado pelo furacão Katrina, em 2005 provocou uma catástrofe de proporções incalculáveis no contexto da cidade. Por negligência das autoridades, alguns diques que controlavam a quantidade de água do lago Pontchartrain, não conseguiram suportar a tempestade tropical, deixando 80% das casas inundadas e milhares de vítimas ( ZONA DEVASTADA, 2008). O rastro de atrocidade causado pelo furacão é exposto aos turistas que visitam o lugar e desejam observar a destruição de perto. Chamado “Katrina Tours”, o destino ficou conhecido, ofuscando assim outros atrativos locais e a simbologia da cidade que era considerada berço do jazz. Casas abandonadas, ruas fantasmas, alicerces à mostra, são atrativos exibidos aos turistas pelos agentes de viagens. 47 Na afirmação de uma agente de viagem (BBCBrasil, 2007): 20 No ano passado, 73% dos pacotes que eu vendi foram para as áreas devastadas pelo Katrina. Comecei a levar turistas para essas partes da cidade ainda em setembro de 2005, um mês depois do furacão. Eu não queria, mas 99% das pessoas querem ver a destruição de perto. É a natureza humana. As pessoas gostam de ver desastres. Na maioria, os visitantes que chegam ao local querem interagir com a destruição ao extremo, isso faz com que haja divergências de opiniões entre moradores a respeito do que é permitido ou proibido pela ética humana, ou seja, o City Tour pode ser tido como um veículo invasor ou não da tragédia alheia. Figura 11: Katrina, 2016. 21 Fonte: NBC News. 20 BBC Brasil. com . Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/08/070827_katrinatours_bgpu.shtml Acesso em: 27 ago. 2007. 21 Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&ved=0ahUKEwiEoKeE343 OAhWJl5AKHZF1A-MQjhwIBQ&url=http%3A%2F%2Fwww.nbcnews.com%2Fstoryline%2Fhurricane- katrina-anniversary%2Flatino-workers-helped-rebuild-new-orleans-many-werent-paid- n417571&psig=AFQjCNF2MPBBtm9znYa_iwHEgQlCI8CnWw&ust=1469506115897758&cad=rjtAcesso em: 12 de jul. de 2016. 48 3 IDEALIZAÇÕES E INTERPRETAÇÕES DA MORTE 3.1 A morte na história A morte é vista como um tema bastante emblemático envolto em diversas definições entre as culturas. A inviabilidade de ter acesso ao que virá no pós - vida faz com que muitos agentes sociais, em diversas épocas, tenham
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