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Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional Sumário Conhecendo a psicopedagogia .................................................................................................5 Conceitos gerais, bases históricas e fundamentação teórica ........................................................................5 Áreas da Psicopedagogia .............................................................................................................................6 Sobre a epistemologia convergente .............................................................................................................8 Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos ............................................... 11 Fracasso escolar ........................................................................................................................................12 O currículo .................................................................................................................................................13 O planejamento com enfoque psicopedagógico ........................................................................................13 Avaliação de aprendizagem ......................................................................................................................15 Conselho de classe .....................................................................................................................................16 Trabalhando por meio de projetos .............................................................................................................16 Afetividade e aprendizagem ......................................................................................................................17 Reuniões de pais ........................................................................................................................................17 Formação continuada de profissionais da educação ..................................................................................18 Indisciplina na escola .................................................................................................................................18 Inclusão ......................................................................................................................................................19 Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica .................................21 A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem ..................29 Dificuldades de aprendizagem, fracasso escolar e práticas pedagógicas ...............................37 Contribuições e operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no cotidiano escolar ...43 Piaget e o desenvolvimento humano .........................................................................................................43 Vygotsky e o desenvolvimento humano ....................................................................................................44 Operacionalização das teorias de Piaget e Vygotsky no ambiente escolar ................................................46 Afetividade e aprendizagem: contribuições da teoria do vínculo de Pichon-Rivière para as práticas pedagógicas .......................................................49 Grupos operativos e psicodrama educacional ........................................................................53 A aplicação do grupo operativo na escola .................................................................................................54 O psicodrama na escola .............................................................................................................................54 A indisciplina na escola e os distúrbios de conduta como problemas reativos de aprendizagem ...........................................................................59 Construção da ética e da moralidade no cotidiano escolar: uma leitura piagetiana ...............65 O comportamento moral ............................................................................................................................65 Concepção de regras ..................................................................................................................................66 Desenvolvimento do julgamento moral .....................................................................................................67 A construção do currículo na escola segundo a psicopedagogia ...........................................71 O planejamento escolar como instrumento de prevenção das dificuldades de aprendizagem ..........................................................................................77 Sugestões de formulários ...........................................................................................................................79 Sugestão de ficha de planejamento com enfoque psicopedagógico ..........................................................80 A avaliação escolar como instrumento de diagnóstico de rendimento do aluno e como parâmetro do replanejamento das práticas pedagógicas ....................................83 A psicopedagogia institucional na escola inclusiva ...............................................................91 Família e aprendizagem .........................................................................................................99 Referências ...........................................................................................................................105 Anotações ............................................................................................................................107 Conhecendo a psicopedagogia C Conceitos gerais, bases históricas e fundamentação teórica ertamente, no decorrer deste curso, você já teve contato com o conceito de Psicopedagogia e conheceu as suas principais formas de atuação. Mas, para começar a nossa disciplina, é necessário rever alguns desses conceitos e contextualizar de que forma as teorias e práticas da Psicopedagogia Institucional podem colaborar com as práticas pedagógicas no cotidiano escolar. Comecemos, então, pela Psicopedagogia, no seu sentido amplo. A Psicope- dagogia é uma área de estudo bastante recente, existindo há aproximadamente 30 anos no Brasil, e tem por objetivo estudar, compreender e intervir na aprendiza- gem humana. Ao contrário do que o senso comum imagina, a Psicopedagogia não se restringe ao estudo das dificuldades e dos distúrbios de aprendizagem, mas à aprendizagem de um modo geral, seja no seu estado normal ou patológico. Além disso, todos os seres humanos, em qualquer faixa etária, podem fazer uso da Psi- copedagogia para aprender de forma mais eficaz ou compreender o seu próprio processo de aprendizagem. Afinal, se estamos suscetíveis ao ato de aprender desde que nascemos até o fim de nossas vidas, por que, então, a Psicopedagogia teria um limite de atuação? Ela está presente onde a aprendizagem acontece, ou seja, em todos os momentos e faixas etárias de nossas vidas. Assim como a aprendizagem pode estar presente em todos os momentos de nossa vida, as dificuldades que ela representa também podem surgir em qualquer nível de ensino. Desta forma, uma pessoa pode ter sido um ótimo aluno, com ex- celente rendimento escolar até o final do Ensino Fundamental e apresentar grandes dificuldades para aprender no Ensino Médio, ou até mesmo na universidade. Isso porque, mesmo com as estruturas cognitivas amadurecidas, um determinado assunto ou área de estudo pode se tornar árduo para a nossa aprendizagem, do ponto de vista afetivo, e reagimos negando-a. É provável que o fato de as pessoas restringirem a Psicopedagogia ao trabalho com alunos portadores de dificuldades de aprendizagem também esteja relacionado à sua origem, poisela surge como uma alternativa de intervenção nas dificuldades de aprendizagem. Sua origem também é atribuída aos argentinos. No entanto, Bossa (2000, p. 36) nos alerta sobre a origem do pensamento argentino acerca da Psico- pedagogia, que está centrado na literatura francesa e se baseia em autores como Lacan, Mannoni, Françoise Dolto, Ajuriaguerra, Pichon-Rivière, dentre outros. A Psicopedagogia tem o seu início, portanto, na Europa, ainda no século XIX, quando surgiram as preocupações com os problemas de aprendizagem. Contudo, podemos afirmar que a Argentina tem uma importância considerável na difusão do pensamen- to psicopedagógico, especialmente na epistemologia convergente. Seus principais representantes são Jorge Visca, Alicia Fernandez e Sara Paín. Ainda na Argentina, a Psicopedagogia tem o seu eixo teórico em três áreas da Psicologia. São elas: a Psicologia Genética de Jean Piaget, A Psicanálise de Freud e a Psicologia Social de Pichon-Rivière. Posteriormente, muitas outras teorias contribuíram e enriqueceram a teoria psicopedagógica, tais como a teoria de Vygotsky, a psicogênese da língua, tão bem defendida por Ana Teberosky e Emília Ferreiro. No entanto, ressaltamos que o berço, a gênese, o nascimento da Psicopedagogia acontece, de fato, com essas três teorias: Psicanálise (Freud), Psicologia Genética (Piaget), Psicologia Social (Pichon-Rivière) e, é claro, com a herança francesa. Não podemos deixar também de citar os nossos representantes brasileiros, que tanto têm contribuído para o desenvolvimento da Psicopedagogia e produzido trabalhos de qualidade na área, tais como Maria Lúcia Weiss, Aglael Borges, Nadia Bossa, Bea- triz Scoz e Heloísa Padilha, dentre outros. É importante também dizer que, no Brasil, a formação do psicopedagogo se dá por meio de cursos de pós-graduação lato sensu, enquanto na Argentina o curso é de graduação e teve o seu início na Universidade de Buenos Aires, há mais de três décadas. No entanto, podemos atuar em diversos espaços educacionais, não necessariamente com a função de “psicopedagogo”, mas com um olhar e uma postura psicopedagógica diante da aprendizagem. Por exemplo, quando compreendemos o ato de aprender como um processo contínuo e singular, quando en- tendemos de que maneira os processos afetivos de um aluno estão interferindo na sua aprendizagem e, ainda, quando preparamos nossas aulas pensando no desenvolvimento cognitivo de nosso público, como alguém que prepara uma roupa sob medida. Áreas da Psicopedagogia A Psicopedagogia vem evoluindo e crescendo bastante ao longo dos anos. Hoje, temos a Psicopedagogia Clínica, de caráter predominantemente curativo. Seu espaço de trabalho é o consultório e o atendimento individualizado é a forma mais comum. A Psicopedagogia Institucional possui caráter predominantemente preventivo, e normalmente a atuação ocorre com pequenos grupos de alunos, tra- balhadores, pessoas em geral. A área institucional se divide hoje em três formas de atuação: a escolar, a empresarial e a hospitalar. Ao longo das aulas, vamos nos aprofundar no estudo da Psicopedagogia Institucional Escolar, mas por hora pode- mos adiantar que ela surge na escola a partir das novas demandas da humanidade e das transformações históricas e sociais dos alunos, que a evolução da sociedade tem trazido até nós. Olhamos em volta e nos perguntamos qual o profissional da escola que poderá nos ajudar a solucionar os problemas de aprendizagem, o fra- casso escolar, a formação continuada dos professores etc., já que a maioria dos profissionais da escola, quando busca em sua formação de base um referencial que ajude a solucionar especialmente os dilemas éticos, nem sempre encontra. A Psicopedagogia não é um elemento milagroso, mas, sem dúvida, é uma forma diferenciada de compreender a aprendizagem humana e atuar sobre ela, já que sempre analisará as situações procurando perceber o sentido cognitivo, afetivo e social de cada questão, bem como a interseção entre esses elementos. O atendimento psicopedagógico institucional escolar ocorre normalmente na escola, em grupos, não necessariamente grupos compostos por alunos da mesma série Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 6 ou da mesma idade, já que o objetivo desta atuação é o desenvolvimento de habilidades e competências, não o de conteúdos. Aprender conteúdos deve ser uma conseqüência da intervenção psicopedagógica. E não um objetivo direto deste trabalho. A Psicopedagogia Institucional Empresarial ocorre nas empresas, procurando melhorar o desempenho dos profissionais que nela trabalham e também ajudando as pessoas a encontrar o seu potencial para desenvolvê-lo, visando o melhor aprovei- tamento possível de cada funcionário. Se compreendemos a aprendizagem humana como um processo contínuo, então é fato que ela também se faz presente na fase adulta. Se compreendemos ainda que a aprendizagem pode ocorrer em qualquer lugar, e que nenhum profissional, ao sair do seu curso de formação, está completo, podemos então conceber o ambiente de trabalho, seja ele qual for, como um espaço privilegiado de aprendizagem. A Psicopedagogia Institucional Empresarial pode ainda colaborar com profissionais que apresentem dificuldades de adaptação a novos cotidianos, a novas funções, já que isso também é aprendizagem humana. Pode, ainda, colaborar nos processos de seleção junto aos administradores de empresa e psicólogos empresariais, planejando, em equipe, processos de treinamento que visem ao desenvolvimento do funcionário e da empresa. A Psicopedagogia Institucional Hospitalar é pouco conhecida e difundida no Brasil. Ela tem por objetivo colaborar com o desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes que estejam acamadas ou internadas por longos períodos e, por isso, afastadas dos bancos escolares. A atuação da Psicopedagogia Institucional Hospitalar é junto ao leito e seu principal objetivo é reduzir as defasagens que o afastamento da escola provocou na criança hospitalizada. Atuamos no sentido de, no momento em que o paciente retornar à escola, ele possa acompanhar, da melhor forma possível, a turma. Esta fatia da Psicopedagogia ainda é pouco conhecida e praticada no Brasil e quando ocorre, normalmente, é executada por profissionais voluntários. Assim que começamos a definir as áreas de atuação da Psicopedagogia, você percebeu que falamos que a Psicopedagogia Institucional é predominantemente preventiva e a Psicopedagogia Clínica é predominantemente curativa. Por que será que utilizamos o termo predominantemente e não exclusivamente? Porque ocorre uma reciprocidade muito interessante nessas duas modalidades de intervenção psicopedagógica. No que diz respeito à Psicopedagogia Clínica, um profissional desta área é procurado geralmente quando o problema de aprendizagem já existe e é necessário uma intervenção curativa. No entanto, na medida em que essa inter- venção ocorre e soluciona os problemas que ora se apresentam, tal procedimento evita que estes se avolumem ou se tornem mais complexos, deixando os alunos ou profissionais mais refratários às intervenções. Na mesma proporção, quando a Psicopedagogia Institucional atua, ela pretende, primeiramente, prevenir situa- ções de dificuldades de aprendizagem e/ou de adaptação ao ambiente escolar ou profissional; mas, uma vez que o problema de aprendizagem já exista e suas raízes estejam situadas não no sujeito, mas no ambiente escolar ou profissional, na prática pedagógica dos professores, nas práticas administrativas ou, ainda, nos vínculos afetivos, a intervenção curativa grupal deve ocorrer no ambiente institucional. Durante muito tempo, concebemos os problemas de aprendizagem como aqueles que tinham como pano de fundo somente o componente biológico. Des- Conhecendo a psicopedagogia 7 prezamos os componentes afetivos, sociais e culturais que tantointerferem no ato de aprender. As crianças que não aprendiam eram comumente levadas ao médico, neurologistas e, na maioria das vezes, eram submetidas a exames neurológicos ou mesmo medicadas. É claro que uma criança pode de fato precisar de tratamentos médicos e possuir dificuldades de aprendizagem como uma conseqüência de al- guma necessidade especial, mas, certamente, não é o caso da maioria. Temos a tendência a focalizar a causa do não-aprender em nossos alunos, mas é necessário refletir também sobre as nossas práticas pedagógicas e todo o contexto que cerca o nosso educando, inclusive o familiar e o escolar. Sobre a epistemologia convergente A expressão epistemologia foi muito utilizada pelo professor Jorge Visca, na Argentina. Por definição, o termo epistemologia significa o estudo do conhe- cimento, da área, da matéria. A utilização da palavra convergente se justifica pela proposta de integração, de interdisciplinaridade que a Epistemologia Convergente propõe. Em outras palavras, para a Psicopedagogia, Epistemologia Convergente significa a integração de três escolas importantes para a base dos conhecimentos psicope dagógicos. São elas: a Escola Psicanalítica, a Escola Piagetiana e a Escola da Psicologia Social, de Pichon-Rivière. Essas três escolas convergem para um único ponto e a Psicopedagogia vai se utilizar da interseção deste saber. Todos nós nos lembramos das aulas de Matemática no início de nossa vida escolar. Nestas aulas, aprendemos o conceito de interseção e recordamos que ela significa o que há de comum entre pontos, conjuntos ou áreas. No nosso caso, ela representará o que há de comum entre essas três teorias. Você pode imaginar qual seria esse ponto de convergência? A aprendizagem! Cada qual com o seu enfoque e com a sua forma de perceber o homem e seus processos internos e externos. Dessa forma, é possível afirmar que a epistemologia convergente pode significar uma posição teórica, mas também pode representar uma prática (VISCA, 1987). Ou seja, po- demos estudar as contribuições das três escolas e atuar sobre a aprendizagem dos nossos alunos de forma que os três enfoques teóricos (afetivo, cognitivo e social) sejam contemplados. Um professor pode não ser psicopedagogo por formação, mas adotar uma postura psicopedagó- gica diante da aprendizagem de seus alunos. Você concorda? No cotidiano escolar, em que momentos você consegue perceber a integração dos aspectos cognitivos, afetivos e sociais de seus alunos? Na sua opinião, porque sofremos a influência do pensamento argentino na construção do trabalho e da teoria psicopedagógica? Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 8 1. Na sua opinião, o olhar psicopedagógico traz avanços para a atuação de educadores? Por quê? 2. Durante muito tempo, adotamos uma postura medicalizante do fracasso escolar quando, na ver- dade, a aprendizagem não se processa somente no plano biológico. Quais são os outros aspectos e como eles interferem no ato de aprender? Caso você tenha interesse em aprofundar seus conhecimentos acerca do processo histórico da Psicopedagogia no Brasil e também sobre as suas áreas de atuação, leia A Psicopedagogia no Brasil, de Nádia Bossa, Editora Artmed. Conhecendo a psicopedagogia 9 3. Quais são as áreas de atuação da Psicopedagogia no Brasil? Quais as características de cada uma delas? 4. Na sua opinião, de que maneira as práticas pedagógicas podem interferir na aprendizagem de nossos alunos? Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 10 Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos A gora que já sabemos como funciona a atuação da Psicopedagogia Institucional, vamos nos deter na atuação psicopedagógica institucional escolar e verificar de que maneira a Psicopedagogia, como teoria e prática, pode colaborar para o aperfeiçoamento de todos os profissionais da educação no cotidiano da escola. Se eu pedisse para vocês enumerarem agora todos os assuntos do cotidiano da escola que se configuram em desafios para os educadores de um modo geral, quais seriam esses assuntos? Vamos ficar longas horas conversando sobre eles, não é mesmo? Os desafios são proporcionais à complexidade do espaço escolar, pois a nossa maneira de dar aulas, a forma como elaboramos o nosso planejamento, a nossa avaliação, a forma como conversamos com um aluno que cometeu um ato de indisciplina, dentre outras atividades, traduzem a nossa forma de ver o mundo e, o mais importante, a nossa concepção de Educação. Todos nós, professores, já estudamos as tendências pedagógicas da educação brasileira e sabemos que, em cada período da história, o professor, o aluno e a direção da escola se comportam de uma maneira diferente. Da mesma forma, os métodos de ensino, os conteúdos que ensinamos não são os mesmos. Isso acontece porque a Educação está inserida num contexto muito mais amplo que é a sociedade e, é claro, ao mesmo tempo em que sofre influências desta, também ratifica ou colabora para a transformação de algumas práticas sociais. Em suma, para cada tempo, novos desafios. Podemos concluir, então, que a prática psicopedagógica deve, obviamente, apoiar-se em bases teóricas sólidas, mas deve também adotar um pensamento dialético e contex- tualizado, sob pena de se transformar em algo obsoleto para a Educação. Voltemos aos desafios presentes no ambiente escolar. São inúmeros, como já dissemos, mas, como o nosso curso não pretende esgotar nenhum assunto, ao contrário, pretende colaborar para o exercício da reflexão de questões aqui propostas e das que possam surgir, elegemos alguns desafios contemporâneos para iniciar a nossa conversa. São eles: o fracasso escolar; o currículo; o planejamento com enfoque psicopedagógico; a avaliação da aprendizagem; conselho de classe; trabalho com projetos; afetividade e aprendizagem; reuniões de pais; formação continuada de profissionais da educação; indisciplina na escola; inclusão. Alguns dos temas escolhidos serão aprofundados nas próximas aulas, pois, além de serem objetos, são também sintomas de problemas individuais ou insti- tucionais e, ainda, instrumentos de intervenção psicopedagógica. Por exemplo, fracasso escolar será revisto e aprofundado na aula 5, afetividade e aprendizagem na aula 7, indisciplina na escola na aula 9, currículo na aula 11, planejamento es- colar na aula 12, avaliação na aula 13, inclusão na aula 14 e, finalmente, família e aprendizagem na aula 15. Então, vamos aos desafios e mãos à obra. Fracasso escolar Eis um problema nacional. Por que tantas crianças e jovens não conseguem aprender? Especialmente no período da alfabetização, o problema do fracasso escolar tem tirado o sono dos professores. Ao analisar a questão, procuramos as causas no próprio aluno, muitas vezes atribuindo os seus resultados à falta de interesse, à ausência de investimentos na aprendizagem e até mesmo à existência de alguma deficiência que impede a aprendizagem de transcorrer normalmente. É comum também que o problema seja atribuído ao contexto familiar, às condições sociais do aluno e, ainda, à privação cultural. Todos esses fatores podem representar, certamente, causas para o não-aprender. Ou, ainda, o fracasso escolar pode ter origem num conjunto de causas anteriormente apresentadas que se entrelaçam. No entanto, é preciso ter cuidado para não “responsa- bilizar” o aluno pelo seu fracasso escolar, pois nem sempre o problema está localizado no próprio sujeito. Recomenda-se que o professor também reflita sobre a sua prática pedagógica, especialmente sobre as atividades repetitivas e sobre as experiências de aprendizagem que são oferecidas, que nem sempre respeitam a individualidade dos alunos. Todos nós, crianças ou adultos, temos os nossos modelos próprios de aprendi- zagem e, dessa maneira, a aprendizagem torna-seum processo muito singular. Não se trata de buscar culpados para o fracasso escolar, nem de responsa- bilizar os professores, mas buscar alternativas que estão ao nosso alcance para solucionar o problema. Afinal, podemos trabalhar em conjunto com as famílias de nossos alunos, mas não podemos promover grandes alterações dentro desse contexto, podemos oferecer oportunidades de enriquecimento cultural na escola, mas não solucionar os problemas sociais e de privação cultural de nossos alunos. Então, a questão é: como podemos fazer com que o nosso aluno aprenda, apesar das adversidades? É nosso papel de educador buscar alternativas, e muitas delas são possíveis de serem realizadas dentro da escola. Aprender algo requer interesse pelo objeto; numa linguagem psicopedagó- gica, requer desejo. É preciso que a escola faça sentido na vida do aluno e que ele não pense que alguns nasceram para estudar e outros não, caindo nas armadilhas do sistema capitalista e neoliberal. Mas nós só conseguimos desejar aquilo que possui algum significado para nós. Aí entra o papel do professor na hora de eleger as oportunidades de aprendizagens significativas. Procurar mostrar para os alunos o sentido da educação e seus benefícios, bem como a necessidade de investimen- tos a longo prazo, também produz efeitos interessantes e, é claro, é bom evitar os Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 12 discursos preconceituosos como “estudar para vencer na vida”, “estudar para ser alguém”. O mestre Paulo Freire pode nos ajudar a organizar um discurso de con- vencimento respeitoso e dialético sobre a importância do ato de estudar. Para a Psicopedagogia, cada um de nós aprende de uma forma diferente e o professor, na maioria das vezes, trabalha com números médios ou grandes de alunos. Assim, é impossível promover atividades individualizadas o tempo intei- ro. Então, uma das soluções seria oferecer o maior número possível de atividades diferenciadas para um mesmo conteúdo, dando oportunidade para as diferenças dos modelos de aprendizagem operarem. Também não podemos nos satisfazer se parte da turma aprende e parte não. Se alguns alunos não acompanham a turma, não devemos esperar pelos períodos oficiais de recuperação para fazer algo. É necessá- rio pensar de que maneira podemos utilizar a epistemologia convergente, ou seja, a integração de áreas do conhecimento para oferecer oportunidades diferenciadas de aprendizagem para os alunos com dificuldades. O trabalho diversificado ainda é uma boa alternativa para que o professor tenha condições de dar maior atenção aos grupos de alunos com dificuldades. O currículo Seja qual for a escola, seja qual for a sociedade, uma coisa é certa: há um currí- culo definido para ser ensinado e que serve à sociedade no qual ele está inserido. Ou seja, a escola “presta serviços” à sociedade educando os seus cidadãos e entregando- os à sociedade para servi-la. Em contrapartida, a sociedade “diz” para a escola o que ela precisa ensinar aos seus cidadãos. Portanto, no momento da organização do currículo escolar, devemos nos perguntar o que precisamos ensinar aos nossos alunos de acordo com a nossa cultura. Isso nos faz concluir que nenhum currículo é neutro, ao contrário, está permeado de fatores sociais, políticos e econômicos. Organizar um currículo é tarefa de toda a escola e não só do professor, e não é apenas o componente sociopolítico que deve interferir na organização do currículo. Os componentes afetivos, cognitivos e biológicos também devem ser levados em conta na sua construção. É necessário que a escola fundamente o seu trabalho teoricamente e que construa um currículo adequado às condições afetivas, cognitivas e biológicas de cada grupo de alunos, pois, se ele for complexo demais para determinado nível de desenvolvimento, certamente estaremos “fabricando dificuldades de aprendizagem no ambiente escolar, mas se for aquém das possibi- lidades do aluno, estamos impedindo que ele se desenvolva”. O planejamento com enfoque psicopedagógico O planejamento é uma das atividades mais privilegiadas do cotidiano escolar, pois ele representa um momento de reflexão sobre o que vamos ensinar, sobre os conteúdos que precisam ser fixados, revisados, ou, ainda, ensinados de uma outra forma. Conhecemos vários níveis de planejamento que se traduzem em planos, pois o planejamento é a atitude de planejar e o plano é a atividade. Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos 13 Normalmente, ao executarmos um planejamento, traçamos objetivos, es- tratégias ou procedimentos, recursos didáticos e avaliação. Em todos os níveis de planejamento, podemos encontrar essa estrutura básica, pelo menos. Outros aspectos podem ser acrescentados, tais como o tempo, o número de horas, os recursos de in- centivação, os tipos de exercícios que serão aplicados etc. No entanto, os primeiros itens não podem faltar, pois representam o eixo de nossa ação pedagógica. O papel da Psicopedagogia no planejamento escolar é refletir sobre as ações pedagógicas e suas interferências no processo de aprendizagem do aluno. No mo- mento de formular os objetivos, devemos ter cuidado para que eles não se resumam à execução de atividades, já que devem promover um crescimento cognitivo de nossos alunos e construir competências e habilidades de utilização permanente nas suas vidas. É claro que nenhum objetivo geral (aqueles que são traçados para alcance a longo prazo) poderá ser alcançado em um dia de aula, mas, se o professor compreende o conhecimento como um processo de construção, ele terá em mente que nenhuma atividade tem um fim em si mesma, pois ela existe para funcionar como instrumento que leva ao alcance dos objetivos e para “provocar” a cognição dos nossos alunos. Quanto às estratégias (ou procedimentos), é importante refletir sobre qual a melhor forma de ensinar, ou melhor, a melhor forma de construir cada conhecimento junto aos nossos alunos. Já falamos que os modelos de aprendizagem são diferentes e que cada aluno tem o seu, e que, portanto, variar nas estratégias é fundamental, pois, dessa forma, as chances de atingir as diferenças individuais são maiores. A aprendizagem ocorre com mais facilidade quando sentimos prazer no ato de aprender e quando o conteúdo possui significado simbólico ou prático para nós. É aí que entra a criatividade do professor para organizar experiências de aprendizagem significativas, vibrantes, que envolvam os educandos. A experimentação também é uma ótima alternativa. Quando os alunos praticam, pesquisam ou experimentam, as chances de compreender as bases teóricas do conhecimento são maiores. Partir da prática para a teoria facilita a compreensão e evita a memorização sem compreensão. Por exemplo, ao ensinarmos uma fórmula de Física ou Matemática, podemos procurar fazer demonstrações práticas e deduções até chegarmos à fórmula em si. Uma queixa muito comum das escolas, em geral, é a falta de materiais e re- cursos técnicos para o desenvolvimento das aulas. É certo que os recursos ajudam bastante, especialmente na facilitação do dia-a-dia, colaborando para que a turma fique mais motivada, mas, para a Psicopedagogia, que valoriza muito o compo- nente afetivo para a aprendizagem, os únicos “recursos” que não podem faltar são o desejo de aprender e o desejo de ensinar. Com materiais simples e com muita criatividade, professores e alunos podem construir mecanismos de grande utilidade para a aprendizagem. A avaliação contida no planejamento pode sugerir o final do processo, não é mesmo? Pode ser que de fato o seja, se quisermos, com esta avaliação, apenas saber se o que foi ensinado foi realmente aprendido. Mas a avaliação pode significar também o início do ciclo docente (planejamento, execução e avaliação), já que partiremos dela para planejar a aula seguinte. A avaliação nos diráo que foi aprendido, o que precisa ser revisado, o que precisa ser Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 14 fixado etc. Além disso, sonda a aprendizagem do aluno, mas também o que o professor ensina. É importante que fique claro que, ao avaliar, o professor não deve prestar atenção somente no aluno e sim na aprendizagem. Para isso, ele não precisa neces- sariamente fazer uso de testes e provas. Atividades de sala de aula, como trabalhos em grupo, exercícios, projetos e a observação do professor, podem dizer muito sobre a aprendizagem dos alunos. Avaliação de aprendizagem Vamos tratar, agora, de um dos assuntos mais polêmicos da educação: a avaliação. Historicamente, a avaliação tem sido usada por muitos educadores como instrumento de poder sobre o aluno, incentivando uma relação mercan- tilista com o saber. Ou seja, o aluno aprende a estudar para tirar o número de pontos que precisa para ser aprovado. O sentido da aprendizagem é o de troca pelos pontos, ou melhor, a nota é o salário pago pelo tempo dedicado ao estudo. Alguns alunos chegam a estudar para tirar somente os pontos necessários para a aprovação, deixando a idéia do estudo para o desenvolvimento intelectual e pessoal completamente de lado. Entendemos que a forma de avaliação que o professor escolhe é uma conse- qüência de toda a sua prática pedagógica; portanto, se nas aulas há um incentivo à “decoreba” e à apreensão de idéias soltas, descontextualizadas, a avaliação não pode ser diferente. Pensemos, também, no absurdo que representa a utilização de médias para calcular a nota do aluno. Quando um aluno tira uma nota baixa e depois melhora o seu rendimento, a sua nota anterior é somada à nota mais alta e é feita a média aritmética entre elas. Ou seja, mesmo melhorando, o aluno sempre será punido pelo seu rendimento anterior. Ou, ainda, somamos e tiramos médias de resultados de áreas do conhecimento completamente diferentes. Isso seria justo? Por outro lado, se a escola esconde dos alunos a realidade das provas, o mundo mostrará, pois o estudante encontrará provas para ingressar na universidade (afinal, o vestibular ainda é uma realidade na nossa sociedade) e encontrará também os processos seletivos para ingressar no mercado de trabalho, ou para continuar sua carreira acadêmica, dentre outros momentos. Logo, se a escola também tem como função preparar o aluno para a vida, não tem o direito de negar-lhe a realidade. No entanto, podemos trabalhar com a avaliação humanizada, que é a proposta da Psicopedagogia. Vamos tratar de alguns princípios da avaliação humanizada. Se exercemos o magistério em uma sociedade que quantifica o conhecimento e o traduz em notas, não podemos nos contentar em aprovar um aluno que tirou média 5. Pense no absurdo que representa aprovar um aluno que aprendeu 50% do que ensinamos em sala. Ao compararmos o trabalho do professor com o de um médico, verificamos que nenhum médico se dá por satisfeito se o seu paciente estiver 50% curado, não é mesmo? Resta-nos lutar para “aumentar” esse percentual de aprendizagem dos alunos. Como? Oferecendo-lhes oportunidades de refazer a avaliação até que eles demonstrem que alcançaram um rendimento melhor porque suas dúvidas foram sanadas. Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos 15 A oferta de oportunidades diferenciadas de avaliação e não somente a utiliza- ção de testes e provas também pode contribuir e estimular a aprendizagem. Além disso, é importante que, ao formularmos essas situações de avaliação, procuremos sempre baseá-las em situações concretas, presentes de fato no cotidiano. Tornar o aluno personagem da questão. Não podemos também abrir mão da auto-avaliação. Afinal, desenvolver a consciência crítica dos nossos alunos também é nosso dever e a auto-avaliação é um excelente recurso para o desenvolvimento da autoconsciência. A auto-avaliação pode ser feita desde a Educação Infantil, com utilização de desenhos e legendas. A utilização da avaliação qualitativa também é bem-vinda. Listar habilidades e comportamentos que desejamos trabalhar em nossos alunos e que, por causa da sua carga subjetiva não podem ser quantificadas, mas podem ser apreciadas e qualificadas pelo professor, podem dizer ao aluno coisas que as notas não conseguem dizer. Conselho de classe O conselho de classe é um momento de muita importância para a comunida- de escolar e, infelizmente, é desperdiçado por muitos educadores. Há desperdício quando se transforma num momento de lamentações e de críticas improdutivas aos alunos. O conselho de classe deve ser visto como uma oportunidade (rara muitas vezes) de reunir professores de diferentes áreas para conhecer melhor os alunos, promover a integração do trabalho pedagógico e, acima de tudo, plane- jar alternativas de intervenções psicopedagógicas para os alunos que estão com dificuldades para aprender. Como vimos nos itens anteriores, planejamento e avaliação são elementos indissociáveis e o conselho de classe é um momento de avaliação. É uma oportunidade de ação coletiva dos profissionais da escola não só para os problemas de aprendizagem como também para os problemas de indisciplina, administrativos e operacionais da escola. Contudo, não devemos permitir que o burocrático sufoque o pedagógico. Trabalhando por meio de projetos Muitos autores já trataram da importância de se trabalhar com projetos. Dewey já tratava do assunto e, dada a sua pertinência, o tema continua atual. A maior vantagem de trabalhar com projetos, segundo a maioria dos autores, é a possibilidade de integrar as diferentes áreas do conhecimento, bem como promover a integração entre os alunos e a autonomia intelectual. Além disso, os educandos aprendem a realizar pesquisa, estratégia pouco utilizada na escola ou utilizada de forma equivocada, pois a maioria das pesquisas escolares param na fase da coleta de dados. Os projetos devem surgir de um problema real e, portanto, devem ter seus temas originados de debates com os alunos. Não cabe ao professor criar os temas de projetos, sob pena de não oferecer sentido aos alunos. Ao eleger o tema, o professor direciona o grupo para a investigação, fase da pesquisa, posteriormente para a formulação dos assuntos aprendidos e, na última fase, temos a apresentação, e, portanto, a avaliação do trabalho. Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 16 Afetividade e aprendizagem Pichon-Rivière, na Teoria do Vínculo, ressalta a importância deste para a aprendizagem. Todos temos exemplos, em nossa história de aprendizagem, de pro- fessores que, com sua afetividade, fizeram com que gostássemos de suas disciplinas e até tivéssemos facilidade de aprender por causa deles. Mas também tivemos a experiência contrária: professores que desprezavam a afetividade e dificultavam bastante o nosso aprender. Não é à toa que temos preferências por algumas dis- ciplinas e temos aversão a outras. Como também não é à toa que escolhemos a profissão de educador. Diga-se de passagem, se fizemos esta escolha profissional, segundo a Psicopedagogia, é porque o nosso vínculo com a aprendizagem foi muito mais positivo do que negativo. Quando um aluno apresenta dificuldades para aprender, segundo a Psico- pedagogia, uma das primeiras tarefas do educador é o resgate da auto-estima do educando, pois ninguém consegue aprender se não conseguir investir no ato de aprender, e ninguém consegue investir na própria aprendizagem se não tiver o desejo de aprender e acreditar nas suas possibilidades. Então, cabe ao professor oferecer aos seus alunos oportunidades de acerto, experiências positivas que os conduzam ao desejo de continuar aprendendo para continuar acertando. São raríssimos os casos de alunos que recebem o fracasso escolar como um desafio a ser superado, afinal, isso exige uma maturidade que a criança nãopossui. Será necessário que o professor presenteie o aluno com um recurso valioso e que nada custa: o elogio. Elogiar é altamente reforçador do sucesso. Reuniões de pais A sociedade mudou, assim como os nossos pais e alunos também mudaram. O número de mulheres no mercado de trabalho, em algumas regiões do Brasil, muitas vezes, é superior ao número de homens, sendo que muitas delas mantêm suas famílias sozinhas. Em suma, a família mudou bastante ao longo dos anos e isso nos faz pensar que as relações entre a escola e a família não podem ser as mesmas. É comum ouvirmos queixas, por parte das escolas, sobre a pouca participação dos pais na vida escolar dos filhos, inclusive que nas reuniões de pais a freqüência é baixíssima, e também é freqüente ouvir dos pais que a escola possui alguma falha e que gostariam de ser mais ouvidos pelos professores e equipe técnica. Refletir sobre esses desencontros é necessário para o bem da aprendizagem de nossos alunos. Alguns procedimentos muito simples podem ajudar no progresso dessas relações. Por exemplo, as reuniões podem variar de dia e horário, a fim de concentrar o maior número possível de pais. Ou, ainda, mantermos um horário fixo, depois de ter levantado a disponibilidade dos pais. As reuniões devem ser breves e respeitar o horário marcado. Além disso, é bom que tratemos dos assuntos coletivos, e os individuais devem ser agendados para uma conversa em particular. Quando se tem uma visão psicopedagógica, enxergamos os pais de nossos alunos como seres também em processo de aprendizagem e, por isso, em alguns momentos da reunião, cabem “prescrições”, sugestões de como os pais podem agir em casa para conduzir os estudos de seus filhos, sem, com isso, tornarem-se pro- Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos 17 fessores particulares dos filhos. Muitos pais afirmam textualmente, especialmente quando o problema é o comportamento, que não sabem o que fazer com seus filhos. Devemos acreditar nesse “não saber” e colaborar com eles, oferecendo-lhes leitu- ras, pequenos vídeos, estudos de caso, algumas atividades práticas, enfim, tornar a nossa reunião o mais produtiva possível. É importante, também, que as reuniões tenham momentos informativos e momentos formativos, isto é, de construção de saberes. Além disso, é bom que os pais possam ver algumas atividades que foram desenvolvidas pelos seus filhos e que saibam onde eles tiveram maior facilidade ou dificuldade, bem como informar como serão os próximos meses de aula e de que maneira eles podem participar. Se permitirmos que os pais de nossos alunos falem, vamos aprender com eles e descobrir talentos que podem ser úteis para a escola. Formação continuada de profissionais da educação Phillipe Perrenoud nos orienta que uma das competências do professor deve ser gerir a própria formação. Como profissionais da educação e da aprendizagem, sabemos que a nossa formação é um processo contínuo, sem fim. Participar das opor- tunidades de formação continuada oferecidas pelo nosso local de trabalho, bem como participar autonomamente de outros, é uma forma de aprimorar o nosso trabalho. As leituras de livros e periódicos diversos também são ótimos recursos, pois colaboram para que o professor passe de leitor para autor de conhecimentos e, por que não, um professor-pesquisador. Pedro Demo afirma que o professor que nunca foi pesquisador também nunca foi professor, pois ele torna-se um mero repetidor de informações, no lugar de produzir conhecimento. Indisciplina na escola Talvez um dos grandes desafios de nossos tempos: a construção dos limites e da ética dentro da escola. Um tema tão polêmico quanto importante, tanto que mereceu, em nosso estudo, uma aula específica. Temos notícias de que muitos professores, competentes em sua área, pos- suem dificuldades para desenvolver o seu trabalho em função do comportamento de seus alunos. A Psicopedagogia entende que esse comportamento pode ser um problema relativo de aprendizagem, com bases na afetividade do sujeito e na sua relação com o ato de aprender, e que, portanto, essa relação pode ser construída (ou reconstruída) por meio do vínculo afetivo entre professor e aluno. No entanto, a construção da ética na escola não pode ser uma atitude isolada do professor e sim projeto de toda a escola. É bom que o professor também reveja o seu procedimento, pois, se analisarmos o cotidiano de nossa escola, alguns alunos com problemas de indisciplina não agem de forma inadequada com todos os professores, mas com Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 18 alguns. Isso nos faz pensar que o problema também pode não estar no aluno nem no professor, mas na relação que os une, que é o conhecimento. Inclusão Inclusão é um tema bastante amplo, pois ela não se restringe aos portadores de necessidades especiais. Os excluídos nesse grande Brasil são muitos e as ex- clusões vão desde questões raciais e étnicas até os problemas de desemprego. O fracasso escolar também merece uma análise sobre inclusão, pois, na verdade, esses alunos “não estão na escola”. No entanto, como teremos uma aula específica sobre fracasso escolar, trataremos aqui brevemente do desafio da inclusão do portador de necessidades especiais na escola. Durante muito tempo, esses alunos estiveram fora da escola, recebendo uma educação segregada. Os professores, por sua vez, não recebiam, em seus cursos de formação, uma qualificação adequada para trabalhar com os portadores de necessidades especiais. No entanto, a inclusão se faz hoje uma realidade presente na maioria das escolas e, preparados ou não, esses professores estão recebendo os alunos especiais. É preciso sair do modelo de integração em direção ao modelo da inclusão, pois, enquanto a integração significa a abertura da vaga para o portador de neces- sidades especiais, mas não a adaptação da organização da escola para recebê-lo, a inclusão só é inclusão porque faz uma série de adaptações, de grande e pequeno porte, para melhor receber o aluno e promover a aprendizagem. Só podemos considerar um aluno de fato incluído quando ele está experi- mentando situações de aprendizagem, além da socialização. A socialização sim- plesmente não garante a inclusão de fato. Para promover a inclusão, é necessário, ainda, trabalhar junto à escola, à fa- mília e ao próprio sujeito. A família funciona como uma co-autora da inclusão, pois poderá ser como um elemento reforçador das aprendizagens realizadas na escola, além de prestar informações importantíssimas para os profissionais que cuidam e atendem seu filho. A formação continuada do professor para melhor prepará-lo para o atendimento aos alunos especiais também é muito necessária, pois o educador precisa compreender os caminhos da aprendizagem de seu aluno especial. Em outras palavras, o percurso psicopedagógico que ele faz, para melhor intervir. Você conhece o livro Uma professora muito maluquinha, de Ziraldo? É um bom exemplo da afetividade e aprendizagem. Vale a pena ler! Psicopedagogia institucional na escola: desafios e processos 19 1. Após ler o texto, como você desenvolveria um planejamento com embasamento psicopedagógico? 2. Organize uma reunião de pais de acordo com os princípios apresentados neste material. Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 20 Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica N esse capítulo, enfocaremos o objeto de estudo da Psicopedagogia e, certamente, o principal objetivo dos educadores: a aprendizagem. Como estudamos anteriormente, a Psicopedagogia busca o aperfeiçoamento das relações com a aprendizagem, bem como a melhor qualidade possível na constru- ção da aprendizagem de alunos e educadores (WEISS, 2000). Mas, afinal, o que é aprendizagem? Como se processa? Muitos autores se preocuparam como tema. Para Alicia Fernandez, por exemplo, todo sujeito tem a sua modalidade de aprendizagem e os seus meios para construir o próprio conhecimento, e isso significa uma maneira muito pessoal para se dirigir e construir o saber. Para a autora, esse processo inicia-se desde o nascimento e constitui-se em molde ou esquema, sendo fruto do nosso inconsciente simbólico. O desejo de aprender reside no inconsciente (BOSSA, 2000) e, é claro, é fruto da história de cada sujeito e das relações que ele consegue estabelecer com o conhecimento ao longo da vida. Para Sara Paín, a aprendizagem é resultado da articulação de fatores internos e externos do próprio sujeito, do organismo (substrato biológico), do desejo de aprender, das estruturas cognitivas e do comportamento em geral. Todos esses aspectos conver- gem para um mesmo objetivo que é o ato de aprender. Para esta autora, a aprendizagem possui algumas funções contraditórias. São elas: a função socializadora, a função repressora e a função transformadora. Vejamos como essas funções se definem: a) Função socializadora: a educação leva o sujeito a experimentar a vida em comunidade e faz ensaios de participação social no ambiente escolar. A escola trabalha dentro de um projeto social de homem e atua para que este seja o mais integrado possível no seu ambiente. Para viver em sociedade, é necessário que o homem faça uso do conhecimento produzido pela sua cultura. b) Função repressiva: na visão da autora, a aprendizagem possui essa função, já que o professor trabalha com limites claros e a escola é um espaço per- meado de limites (o uso de uniformes, horários, programação de tarefas pedagógicas etc.). Além disso, não há espaço para a expressão plena do desejo de aprender porque, na maioria das vezes, as atividades são coletivas e um sujeito representa o limite do outro. c) Função transformadora: eis aqui o elemento de dicotomia das funções da aprendizagem, pois, ao mesmo tempo em que ela possui a função da ma- nutenção da cultura (função socializadora) e de delimitar o sujeito (função repressora), a aprendizagem tem a função de libertar o homem a partir do conhecimento e, por conseqüência, transformar a sociedade. Para Sara Paín, o não-aprender pode representar um sintoma e não um problema, pois, por meio dele, o professor pode ter contato com a modalidade de aprendizagem do aluno. Para Jorge Visca, a aprendizagem representa uma construção intrapsíquica, considerando os componentes genéticos e as diferenças nascidas da evolução da es- pécie, resultantes das pré-condições biológicas, das condições energético-estruturais (condições afetivas) e das circunstâncias do meio. É a compreensão da aprendizagem por meio da epistemologia convergente, ou seja, todos os aspectos do ser humano con- vergindo para um único ponto, que é a aprendizagem. Os obstáculos à aprendizagem segundo Jorge Visca nós estudaremos na aula sobre Dificuldades de Aprendizagem. Jorge Visca considera que, na Psicologia Evolutiva, encontramos as explana- ções behaviorista, piagetiana, psicanalítica etc., que não abordam a aprendizagem de maneira específica e nem o seu processo evolutivo. Acrescenta que o esquema evolutivo da aprendizagem postula: 1. a existência de quatro níveis de aprendizagem: proto-aprendizagem, deute- roaprendizagem, aprendizagem assistemática e aprendizagem sistemática; 2. que a aprendizagem se dá em função de aspectos energéticos e estruturais e pela tematização dos esquemas de ação; 3. que o processo geral e as aprendizagens particulares respondem a princípios estruturais construtivistas e interacionais (Visca, 1987, p. 75). Vamos entender o que significa cada termo e abordagem. Comecemos pelos níveis de aprendizagem. a) Proto-aprendizagem – representa as primeiras aprendizagens que aconte- cem nas relações afetivas da criança com sua mãe. O mundo externo da criança se reduz à mãe ou ao adulto que a substitui. b) Deuteroaprendizagem – trata-se da concepção de mundo e de vida que se adquire por meio da convivência com a família. c) Aprendizagem assistemática – esta se dá pela interação da criança com uma comunidade maior que a família, como, por exemplo, o seu bairro. d) Aprendizagem sistemática – é aquela que ocorre pela interação com as instituições educativas que transmitem conhecimentos, atitudes e habili- dades que a sociedade estima. É interessante comentar como Jorge Visca relaciona essas etapas da aprendi- zagem. Para o autor, desde que nascemos, inicia-se um processo de aparecimento e estabilização de condutas que permitem definir quatro níveis consecutivos de apren- dizagem (são as já citadas: proto-aprendizagem, deuteroaprendizagem etc.). Vejamos que o autor utiliza a palavra “consecutivos”, o que significa que cada nível de apren- dizagem ocorre após o outro, mas não elimina o anterior. Se a proto-aprendizagem consiste na aprendizagem dos vínculos e se dá, principalmente, com a mãe ou com a pessoa que a substitui, ela está baseada nos seus substratos biológicos, e a apren- dizagem se da em forma de condicionamento, a partir dos estímulos biológicos. Quando a criança avança para o segundo nível, que é a deuteroaprendiza- gem, para Jorge Visa, é como se a placenta tivesse sofrido uma terceira mudança e ampliação. A primeira seria na ocasião do nascimento, a segunda na ocasião da proto-aprendizagem e a terceira na deuteroaprendizagem. Nesse segundo nível Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 22 de aprendizagem, a criança tem contato com as estruturas de conhecimento e com a cultura do grupo em que vive. É o que Visca vai chamar de axiologia do grupo. O mesmo substrato biológico que servia à proto-aprendizagem servirá à deuteroaprendizagem. A proto-aprendizagem modificava o substrato biológico e a deuteroaprendizagem modificará a proto-aprendizagem. A aprendizagem assistemática, terceiro nível de aprendizagem, vai se efetuar pela interação da criança que atingiu a deuteroaprendizagem com a comunidade restrita (bairro, vizinhança, comércio local etc.), enquanto a aprendizagem sis- temática ocorrerá nas instituições oficiais, eleitas pela sociedade para este fim e, obviamente, sofrerá influência de todos os níveis de aprendizagem anteriores. VISCA, J. Clínica Psicopedagógica – Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artmed, 1987, p. 79. Como citamos bastante a participação do substrato biológico na composição da aprendizagem humana, é bom esclarecer que ele não é o único componente. Pelo enfoque dado à importância das interações, seja com a mãe, seja com a comunidade, é fato que o aspecto social, bem como a sua amplitude, favorece a aprendizagem. Além disso, para Visca, os aspectos estruturais e energéticos têm considerável implicação no processo. O termo energético diz respeito ao que nós, brasileiros, costumamos denominar de afetividade. Os argentinos preferem a utilização do termo energético. Dessa forma, se uma criança possui um bom vínculo com o objeto de aprendizagem, o investimento pode ser maior e o resultado muito favorável. Por outro lado, se o vínculo é inadequado, pode comprometer a aprendizagem. Mas existe uma terceira possibili- dade: quando o vínculo é inadequado, afeta um determinado objeto, mas não afeta o núcleo essencial da aprendizagem, possibilitando que ela ainda se desenvolva. É muito importante que tenha claro como a aprendizagem se processa e como o conhecimento se constrói, para que a sua forma de ensinar seja respeitosa e eficaz, do ponto de vista psicopedagógico. O conhecimento não é cópia nem apropriação de algo que está fora de nós, mas uma construção (SOLÉ, 1998). Cabe Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica 23 ao professor, com visão psicopedagógica, ser um investigador dos processos de aprendizagem dos seus alunos. Para Fonseca (1995), a aprendizagem é o comportamentomais importante dos animais superiores e significa uma resposta modificada, estável, durável, interiorizada e consolidada no cérebro do indivíduo. Isso nos faz pensar sobre as confusões tão comuns entre aprendizagem e memória. Na escola tradicional, a me- morização de informações era sinônimo de aprendizagem e o uso do conhecimento era pouco importante. Era valorizado, por exemplo, que o aluno soubesse o nome de todos os rios e afluentes da Bacia Amazônica, mas não se considerava se ele tinha adquirido uma noção espacial real e, ainda, uma visão crítica da utilização do meio ambiente. A visão psicopedagógica da aprendizagem concebe o conteúdo como instrumento para construir conhecimento, mas o conteúdo não pode ter um fim em si mesmo, principalmente porque ele é mutante. Portanto, interessa-nos que o aluno se aproprie dos conteúdos para construir estruturas mentais cada vez mais sofisticadas e aprenda a lidar e a buscar novos conhecimentos. Para aprender, é necessário que exista uma relação integrada entre o indivíduo e o seu meio, pois o produto aprendizagem é fruto de uma relação de condições externas e condições internas, por meio de um processo sensório-neuropsicológico (FONSECA, 1995). Ainda para este autor, a aprendizagem envolve complexos processos neuro- lógicos, reações químicas, atividades bioelétricas, arranjos moleculares das células nervosas, eficiências sinápticas, redes interneuronais, metabolismo protéico etc. “No ser humano, a aprendizagem é planificada, motivada, elaborada e avaliada, quase sempre dependente dos aspectos sócio-históricos”. Vítor da Fonseca Nossas reflexões sobre aprendizagem conduzem-nos sobre o saber e o não-saber; por isso, é importante ter claro que o que ensinamos e como ensinamos é uma decisão de cada sociedade. Cada cultura elege o que é importante e o que não é para os seus futuros cidadãos. Nessa medida, o conceito de fracasso escolar também pode variar de uma sociedade para outra. Não precisamos ir tão longe. O conceito do repertório do que deve ser ensinado e de seu formato também pode variar dentro de uma mesma cultura, de acordo com a proposta pedagógica de cada escola. A aprendizagem visa utilizar o potencial humano adaptativo, utilizando, para isso, todos os recursos, sejam internos ou externos. Isso acontece quando variáveis neurobiológicas, socioculturais e psicoemocionais estão em equilíbrio, pois a aprendizagem normal e satisfatória exige condições de integridade desses aspectos. Vejamos o que Vítor da Fonseca (1995) pensa sobre os “caminhos” da aprendizagem humana. Para ele, uma aprendizagem em situação ideal envolve um conjunto de sistemas psiconeurológicos que se dividem em três componentes de processamento: processamento sensorial, processamento cognitivo e processamento de conteúdo. Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 24 Os sistemas de processamento sensorial são responsáveis pelo contato com a informação, seja pela visão, pela audição, pelo tato ou, ainda, por outras vias sensoriais. Já o cognitivo estabelece quatro níveis de experiências, que acontecem nessa ordem: percepção, imagem, simbolização e conceitualização. Significa que primeiro o ser humano seleciona e interpreta os dados por meio da percepção; depois, ele elabora uma imagem mental do objeto ou da sensação, mesmo quan- do já não existe a presença do objeto; posteriormente, é feita uma equivalência significativa e a representação interior da experiência; e por último, o processo de classificação e categorização da informação, por meio de sistemas de agrupamentos que permitem a formação de conceitos e construção do pensamento formal. O processamento de conteúdo exige a utilização dos hemisférios cerebrais, cada qual com a sua função. Enquanto o hemisfério realiza funções intra-hemisféricas e inter-hemisféricas, os resultados são os produtos do comportamento humano, tais como a fala, os movimentos e, posteriormente, a leitura e a escrita. A compreensão do processo de aprendizagem representa para o professor uma importante instrumentalização para a realização do seu trabalho, haja vista que ele poderá compreender não só como ela ocorre em condições normais, como também no seu estado patológico. Com isso, o pro- fessor será capaz de promover experiências diferenciadas de aprendizagem e também reconhecer quando algum aluno necessita de encaminhamentos ou acompanhamentos especializados dentro ou fora da escola. Para a Psicopedagogia, a nossa forma de ensinar possui uma relação direta com a nossa forma de aprender. São os modelos de aprendizagem que criamos ao longo da vida. Como é a sua forma de aprender? De que maneira você costuma aprender melhor? Para Ballús (2000), o professor deve procurar promover o respeito à diversidade e preocupar- se em propor aprendizagens significativas para todos os alunos, a fim de que adquiram o gosto pela aprendizagem e aprendam a aprender. Além disso, é importante que a escola seja uma instituição dinâmica voltada para a aprendizagem funcional, quer dizer, que tenha utilização prática no cotidia- no, voltada para as tarefas que lhe foram atribuídas pela sociedade. Acrescentemos ao pensamento desta autora que uma das funções da educação é a função transformadora e que podemos também adotar uma posição dialética das funções que nos são atribuídas pela sociedade. Cada autor aqui exposto possui uma concepção de aprendizagem que certamente pode con- tribuir para a concepção de cada um de nós e fundamentar as nossas práticas pedagógicas. Pode- mos encontrar um ponto comum entre todos: é importante desenvolver no aluno um autoconceito positivo e a percepção da capacidade de aprender. 1. Procure observar durante a próxima semana o autoconceito que os seus alunos possuem em relação à própria aprendizagem e crie algumas alternativas para aperfeiçoá-lo ou desenvolvê- lo, se for o caso. 2. Leia o livro Educação Especial – Programa de Estimulação Precoce – Uma Introdução às Idéias de Feurestein, de Vítor da Fonseca, Editora Artmed. Muito embora seja um livro da área Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica 25 de Educação Especial, o autor faz um estudo bastante importante sobre as condições ideais de aprendizagem e alternativas para o trabalho com os alunos que possuem dificuldades para aprender. Vale a pena! 1. Construa uma linha de tempo com os fatos mais marcantes da sua história de aprendizagem e relacione essa história com a sua escolha profissional. Registre. 2. De que maneira a escola pode promover aprendizagens que correspondam às expectativas da sociedade sem se transformar em reprodutora de desigualdades sociais? Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 26 3. Das concepções de aprendizagem apresentadas, qual a que você considera mais próxima de sua prática pedagógica? Por quê? 4. Organize um quadro-resumo comparativo das concepções de aprendizagem apresentadas. Aprendizagem: o que é e como se processa na visão psicopedagógica 27 Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 28 A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem N a aula passada, estudamos como ocorre a aprendizagem em condições normais, na visão de diversos autores. Pretendemos agora abordar as dificuldades de aprendizagem, a fim de melhor compreendê-las e poder intervir adequadamente na sala de aula. Alunos que não aprendem são sempre um desafio para nós, professores, não é mesmo? Para aquele que possui estas dificuldades, a situação não é menos difí- cil. Não conseguir acompanhar o seu grupo destrói a auto-estima e deixa o aluno à margem de um processo que deveria ser plenamente integrador. As causas do não-aprender podem ser diversas. Para Maria Lúcia Weiss, a prática psicopedagógica deve considerar o sujeito como um ser global, composto pelos aspectos orgânico,cognitivo, afetivo, social e pedagógico. Vamos entender a participação de cada aspecto na compreensão da difi- culdade de aprendizagem. O aspecto orgânico diz respeito à construção biológica do sujeito; portanto, a dificuldade de aprender de causa orgânica estaria relacionada ao corpo. O aspecto cognitivo está relacionado ao funcionamento das estruturas cognitivas. Nesse caso, o problema de aprendizagem residiria nas estruturas do pensamento do sujeito. Por exemplo, uma criança pode estar no estágio pré- operatório e as atividades escolares exigirem que ela esteja no estágio operatório- concreto. O aspecto afetivo diz respeito à afetividade do sujeito e de sua relação com o aprender, com o desejo de aprender, pois o indivíduo pode não conseguir estabelecer um vínculo positivo com a aprendizagem. O aspecto social refere-se à relação do sujeito com a família, com a sociedade, seu contexto social e cultural. E, portanto, um aluno pode não aprender porque apresenta privação cultural em relação ao contexto escolar. Por último, o aspecto pedagógico, que está relacionado à forma como a escola organiza o seu trabalho, ou seja, o método, a avaliação, os conteúdos, a forma de ministrar a aula etc. Para esta autora, a aprendizagem é a constante interação do sujeito com o meio. Podemos dizer também que é a cons- tante interação de todos os aspectos apresentados. Em contrapartida, a dificuldade de aprendizagem é o não-funcionamento ou o funcionamento insatisfatório de um dos aspectos apresentados ou, ainda, de uma relação inadequada entre eles. Uma rede de aspectos não-satisfatória para a aprendizagem. Da mesma forma que os aspectos relacionados podem justificar a dificuldade de aprendizagem, eles podem também servir de parâmetro para a organização de uma prática pedagógica eficaz e preventiva. Cuidado! Há uma tendência entre os educadores de localizar a causa do não-aprender sempre no aluno. Assim, dizemos que o aluno possui dificuldade de aprendizagem, o aluno não consegue aprender. Mas o problema pode não estar localizado no aluno. Pode estar, por exemplo, no método, e a dificuldade de aprendizagem, nesse caso, pode representar um termômetro de nossa prática pedagógica. Jorge Visca (1987, p. 58) afirma que a explicação dos fenômenos atuais deve ser buscada em causas atuais e o intento de explicar fenômenos contemporâneos somente pelo passado é reducionismo. Para este autor, as causas patológicas a-históricas que dificultam a aprendizagem são o obstáculo epistêmico, o obstáculo epistemofílico e o obstáculo funcional. Os obstáculos epistêmicos referem-se a duas alterações da estrutura cognitiva: a detenção do desenvolvimento e a lentidão, e é derivado do nível de operatividade do sujeito. Ninguém pode aprender além do que a sua estrutura cognitiva permite. O obstáculo epistemofílico refere-se ao vínculo afetivo que o aluno estabelece com a aprendizagem. Um vínculo inadequado, para Jorge Visca, pode difi- cultar ou até mesmo impedir a aprendizagem. O obstáculo funcional aparece como uma hipótese auxiliar e funciona como uma transitoriedade entre as explicações piagetianas e as explicações freudianas para o não-aprender. Maria Lúcia Weiss considera algumas hipóteses para o não-aprender de nossos alunos: a criança pode apresentar alguma dificuldade para aprender antes de entrar na escola, mas o problema não foi observado. Como a cultura em nossas escolas é a cultura conteudista, enquanto não há conteúdo, não há dificuldade. Mas será assim mesmo? Claro que não. As crianças podem dar sinais de dificuldade para aprender mesmo quando os conteúdos não fazem parte da vida delas, quando, por exemplo, demons- tram muita dispersão, falta de habilidade com atividades do dia-a-dia etc. Ou, ainda, a dificuldade de aprendizagem se constitui dentro da escola, por causa de práticas pedagógicas inadequadas, ou quando a criança não tem a dificuldade de fato, mas uma crise temporária, como uma situação familiar que pode prejudicar a aprendizagem. O autor recomenda também que se busque uma adequação entre a escola e a criança, que veremos no texto complementar desta aula. Fonseca (1995) afirma que a investigação pedagógica já demonstrou que a resposta à instru- ção é diferente de criança para criança e de professor para professor, pois não se deve esquecer que os professores são tão diferentes quanto os alunos, e que o processo de ensino-aprendizagem é muito mais complexo do que parece à primeira vista. Acrescenta que a investigação é urgente, na medida em que pode facilitar a utilização de processos de individualização, bem como processos de integração. Ao avaliar os alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem, vamos encontrar diversas categorias. Haverá aqueles que de fato necessitam de uma intervenção clínica, seja psicológica, psicopedagógica, ou até mesmo, de ordem neurológica, mas haverá aqueles cujo problema pode ser resolvido dentro do contexto escolar, por meio de programas individualizados de ensino e de práticas pedagógicas diferenciadas. Dessa forma, a avaliação torna-se um elemento muito importante para traçarmos o caminho a seguir. Avaliar não para classificar, para rotular, mas para promover alternativas. Vamos refletir um pouco, nesse momento, sobre como agimos diante das dificuldades dos nos- sos alunos. É comum prestarmos maior atenção às dificuldades, pois elas saltam aos olhos com muito mais evidência que as potencialidades. No entanto, a Psicopedagogia recomenda uma ação diferente Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 30 desta: se um aluno nosso apresenta dificuldades, então é importante valorizar as suas potencialidades. Podemos começar nossos investimentos por onde ele costuma acertar mais. Assim, experimentando alguns sucessos, podemos abrir uma porta para a construção de um vínculo positivo com as demais áreas da aprendizagem que nosso aluno necessita aprimorar. Vamos descobrir os talentos de nossos alunos e nos concentrar neles! Podemos comentar outras sugestões para o trabalho com os alunos portadores de dificuldades de aprendizagem. Falamos em diversificar as práticas pedagógicas, mas será que isso também não inclui diversificar as práticas ava liativas? Existem muitas formas de avaliar nossos alunos, não necessariamente testes e provas. As teorias que embasam o construtivismo também podem ajudar o professor a compreender o conhecimento e a aprendizagem humana como um processo singular. A sala de aula é um espaço dialético, pois, ao mesmo tempo em que aprender é um processo individual, na escola, ele ocorre na coletividade. Cabe ao professor oferecer momentos de individualidade e momentos de coletividade na construção da aprendizagem. Organizar as turmas para o trabalho em grupo, juntando alunos que aprendem com facilidade e alunos que apresentam dificuldades, também pode ser uma boa alternativa, pois as crianças e os ado- lescentes “falam a mesma língua” e podem funcionar como professores particulares uns dos outros. A Psicopedagogia utiliza os termos “ensinante e aprendente” para denominar o par educativo que comumente conhecemos por professor e aluno. Mas quem é o ensinante e quem é o aprenden- te? A nossa primeira tendência é imaginar que o ensinante é o professor e o aprendente é o aluno, não é mesmo? Mas, para a Psicopedagogia, esses papéis se alternam o tempo inteiro, afinal, quem nunca aprendeu com um aluno? Qual o aluno que nunca ensinou nada ao professor? No processo de ensino–aprendizagem, também aprendemos sobre nós, sobre a nossa forma de ensinar. O outro nos serve de espelho. Como todo professor, queremos que os nossos alunos acertem sempre, mas é bom adquirir um novo olhar sobre o erro na aprendizagem. O erro é um indicador de como o aluno está pensan- do e como ele compreendeu o que foi ensinado. Analisando com mais cuidado o erro dos alunos, podemos elaborar a reformulaçãodas práticas docentes de modo que elas fiquem mais perto da necessidade dos alunos. É importante que o professor reflita sobre as causas do fracasso escolar não para se culpar, mas para se responsabilizar. Responsabilizar-se significa abraçar a causa e procurar alternativas para so- lucionar o problema. Não podemos nos satisfazer com aprendizagens parciais. Procurar compreender como ocorre o conhecimento, os fatores que interferem na aprendizagem, seus diferentes estágios, e as diferentes teorias que podem transformar o trabalho do professor em processo cien tífico, e assim ele percorrerá o caminho prática–teoria–prática. Recomenda-se, também, que o professor, em conjunto com a equipe da escola, reflita sobre a estrutura curricular que está sendo oferecida e a compatibilidade com a estrutura cognitiva, afetiva e social do aluno. O professor deve, ainda, cuidar da linguagem que é utilizada em sala, para garantir uma comu- nicação eficaz com seus alunos. Muitas vezes, o aluno é originário de um ambiente onde há privação cultural em relação à escola, ou há diferença acentuada de cultura, causando conflito e dificuldade de comunicação. É comum ouvirmos de alguns familiares que o filho não nasceu para estudar. Será A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem 31 mesmo? Para Vygotsky, todos os seres humanos são capazes de aprender, mas é necessário que adap- temos a nossa forma de ensinar. O enfoque psicopedagógico da dificuldade de aprendizagem compreende os processos de desenvolvimento e os caminhos da aprendizagem. Compreende o aluno de maneira interdisciplinar, buscando apoio em várias áreas do conhecimento e analisa a aprendizagem no contexto escolar e familiar, e no aspecto afetivo, cognitivo e biológico. Fragmento do artigo “Diagnóstico Psicopedagógico: avaliação do aluno ou da escola”, de Maria Lúcia Weiss, contido no livro A Psicopedagogia no Brasil, de Nádia Bossa. (...) É importante observar os seguintes aspectos: 1.º A escola escolhida tem a mesma ideologia e filosofia de educação da família? Por exem- plo: em casa, os pais são adeptos da liberdade excessiva, do “laissez-faire” na educação dos filhos e os colocam em escola rígida, formal, para “discipliná-los”, ou mesmo em situa ção oposta: escola liberal versus família rígida. Tal fato é sempre gerador de grandes conflitos para a criança, podendo atingir a sua produção escolar. 2.º Família sem prática religiosa matricular as crianças em escolas confessionais de qualquer religião, que cobrarão delas certas práticas e atitudes coerentes. 3.º A metodologia da escola exige a participação dos pais nos trabalhos de casa, pesquisas diversas, saídas com os filhos, comparecimento em reuniões e festinhas curriculares etc., enquanto os pais se recusam a fazê-lo, ou trabalham fora e chegam tarde, não podendo realmente cumprir certas solicitações. 4.º O tamanho e organização da escola em relação à personalidade da criança. Há crianças que se intimidam e ficam perdidas, sem assistência em escolas muito grandes, com tur- mas imensas, salas superlotadas. Em escolas pequenas, elas sentir-se-ão mais acolhidas e menos ameaçadas. Por outro lado, há crianças que gostam de grandes grupos, muito espaço, atividades diversificadas. É necessário que a família procure conhecer, o melhor possível, a escola que vai escolher para seus filhos, que tipo de homem pretende formar, sua metodologia de ensino, formas de avaliação, normas disciplinares, atualização de professores etc. Buscar, como já dissemos anteriormente, uma coerência entre as expectativas da família e o que a escola realmente pode oferecer. Consideramos de fundamental importância que se atente para esses fatos durante o processo diagnóstico, aliando durante essa reflexão os procedimentos da escola, o material usado, o estudo da produção da criança, a análise do estágio evolutivo geral da criança, as expectativas da escola e da família em relação à produção infantil. Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 32 A prática escolar desarticulada deixará o aluno exposto às idiossincrasias do professor, ou mesmo às conseqüências de fatos episódicos como: doenças, greves, problemas administrativos etc. A dificuldade, observada por um docente, inexiste para outro, e nessa descontinuidade segue o aluno ao “sabor das ondas”, indicado até para atendimentos específicos. (BOSSA, 2000) 1. Observe os desenhos abaixo, discuta com o grupo e aponte em quais imagens o vínculo afetivo entre professor e aluno é favorável à aprendizagem. Justifique a resposta. Desenho 1 Autora: Marina Gouveia – 10 anos (2003) A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem 33 Desenho 2 Autora: Marina Gouveia – 9 anos (2002) Desenho 3 Autor: Matheus Gênero – 10 anos (2003) Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 34 Desenho 4 Autor: Matheus Gênero – 9 anos (2002) 2. Crie junto com o seu grupo algumas alternativas para trabalhar com crianças portadoras de di- ficuldades de aprendizagem, sustentadas pelas práticas docentes. A intervenção psicopedagógica institucional nas dificuldades de aprendizagem 35 3. Explique a diferença entre obstáculos epistêmicos e obstáculos epistemofílicos, exemplificando como eles podem se apresentar no aluno. Teorias e Práticas da Psicopedagogia Institucional 36 Dificuldades de aprendizagem, fracasso escolar e práticas pedagógicas N esta aula, vamos iniciar com uma importante reflexão para dar continuidade à compreensão das dificuldades de aprendizagem. A rede que integra os domínios do saber e do agir invadiu também a escola. Num ritmo, que ainda não é o desejado, algumas mudanças já têm ocorrido para que essa instituição enfrente a “crise do conhecimento”, nas suas unidades, nas suas salas de aula. Tudo é, de fato, muito novo. E a escola é velha na sua maneira de ensinar, de planejar, de executar e de avaliar o seu projeto educativo. O tradicionalismo, o ritualismo de suas práticas cegam a grande maioria de seus professores e dos pais, diante das transformações, dos caminhos diferentes e não-obrigatórios do aprender. Persistem, ainda, os regimes seriados de ensino, os conteúdos programáticos hierarquizados, homogeneizadores, que buscam generalizar, unificar, despersonalizar quem ensina e quem aprende. Maria Teresa Eglér Mantoan Se compararmos a Medicina com a Educação, vamos perceber que um médico, atualmente, não se utiliza dos mesmos meios que usava há 20 anos para realizar um diagnóstico, mas o ambiente da sala de aula mudou pouco. Será que estamos acompanhando o ritmo dos nossos alunos e principalmente o ritmo do conhecimento produzido pelo mundo? Creio que todos nós sabemos qual é a resposta para esta pergunta. Almeida (2002) afirma que, na década de 90, vivemos uma profunda transformação no cenário educacional, sendo que essas reformas possuem bases neoliberais. Tais concepções se mostram espe- cialmente nos planos político-pedagógico, organizacional e de financiamento. Afirma que o discurso subjacente às ações reformistas é o de enfrentar os trágicos problemas educacionais, tais como as dificuldades de aprendizagem, a repetência e a evasão escolar. Para a abordagem tradicional da educação, a aprendizagem é um produto mecânico que ocorre por meio da transmissão de idéias selecionadas e a escola é o lugar onde se realiza a educação. O indivíduo é passivo e apenas recebe o conhecimento. Já para a abordagem sociocultural, a mais recomendada pe- las autoridades em educação da contemporaneidade, o indivíduo se constitui sujeito à medida que toma consciência de sua história e se apropria da realidade, sendo um agente transformador da sua realidade, da sociedade e dele mesmo. A educação assume um caráter amplo e não se restringe às situações formais de aprendizagem,