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Cyber cultura
Em A Religião das Máquinas, Erick Felinto investiga as peculiares mitologias e o folclore que cercam o universo das velozes e ubíquas tecnologias digitais. Revela que as representações derivadas do impacto da tecnologia no imaginário pós-moderno remetem a um passado ainda remoto de fantasias arcaicas, anseios primitivos, crenças mitológicas e explicações místicas, identificadas com o hermetismo e a gnose, caracterizando o culto da tecnologia como uma nova religiosidade.. 
Nunca antes o domínio das tecnologias e da ciência esteve tão penetrado pela retórica dos mitos e pela lógica das alegorias e metáforas nas inúmeras referências filosóficas, mitológicas, religiosas, literárias, e da cultura de massas, que dialogam, para compreender e conceituar os fenômenos da tecnocultura, da ciência e da espiritualidade.
Atraves do imaginário tecnológico contemporâneo, figurado pelos ciborgues, andróides, pós-humanos e anjos virtuais do ciberespaço.
No capitulo 1, introduzimos alguns problemas relacionados a tecnica, especialmente aqueles que se conectam com a emergencia das nocoes de tecnomagia e tecnoxamanismo, tratadas nos capitulos seguintes. Observamos como se configura o lugar da tecnica na modernidade e como, no discurso cibernetico, ha um deslocamento que, entre outras coisas, introduz uma associacao entre as novas tecnologias eletrônicas de meados do seculo XX e praticas consideradas na modernidade como “primitivas, tais como magia, feiticaria etc. 
No capitulo 2, observamos como esta associacao foi levada a frente nas teorias de McLuhan sobre uma “retribalizacao da sociedade”, que influenciou os idearios da“contracultura cibernetica” forjada especialmente na California, a partir dos anos 1960. Nesse contexto, observamos algumas características dos discursos relacionados a tecnomagia e ao tecnoxamanismo, como o uso de substancias psicoativas e de tecnologias como ferramentas de transformacao da consciencia e da sociedade; a incorporacao de praticas tecnologicas em movimentos pagaos ou ligados a magia; ou ainda o dilema de uma conciliacao entre uma “busca pela natureza”e uma sociedade altamente tecnicizada. A partir dos anos 1980, com a emergencia das festas rave, observamos a formulacao explicita do technoshamanism para expressar prioritariamente uma analogia entre o papel do DJ e o do xama em ritos sociais coletivos. Enquanto isso, porem, outras interpretacoes exploravam significados para alem dessa associacao, por vezes aproximando-a as praticas trans-humanistas e tecnopagas, ou ainda designando um novo tipo de relacao nao instrumental entre humano e maquina, que surge com os computadores e as redes informatizadas.
No capitulo 3, identificamos a centralidade da tecnica no discurso antropofagico de Oswald de Andrade, problematizando sua atualidade. Nele, identificamos nao so uma aderencia precoce com o pensamento cibernetico, como tambem a expressao de uma das caracteristicas mais centrais deste: a associacao entre a tecnica e os saberes ou praticas tradicionais, por meio do “barbaro tecnizado”. Vimos ainda a ressonancia desta associacao em movimentos culturais que se identificam com a 172 antropofagia, na ideia da “Nova Barbarie” dos concretistas e, no tropicalismo, em certo anarquismo cosmico do Kaos de Jorge Mautner, que deu o contexto a nocao de“tecnomagia” aventada por Caetano Veloso na decada de 1970. No interludio, tratamos do ciberxamanismo formulado por Eduardo Pinheiro nos anos 1990, mostrando como este se identifica ao discurso anglofono abordado. Nos anos 2000, o discurso sobre a tecnica no pensamento antropofagico ganha novo vigor com as redes ligadas a cultura hacker, ao ativismo, ao software livre e a midia independente, dentre as quais destacamos as redes Submidialogia e Metareciclagem, bem como iniciativas relacionadas a elas, como o Bailux e o Ipe. Nesse contexto, identificamos as primeiras articulacoes para encontros e redes prioritariamente dedicados a tecnomagia e ao tecnoxamanismo, ja nos anos 2010.
Com tal percurso, mostramos a multiplicidade de sentidos do tecnoxamanismo e da tecnomagia nos dois conjuntos discursivos analisados. O discurso de tecnomagia relacionado ao pensamento trans-humanista tem pouco a ver com a sua elaboracao no contexto das redes de cultura digital no Brasil do seculo XXI, assim como o technoshamanism das raves ou a contracultura cibernetica sao distintos do tecnoxamanismo e das redes abordadas. Mostramos essa multiplicidade nao a partir de um olhar neutro sobre uma realidade, mas cientes de que nossa perspectiva implica um recorte ativo, em que necessariamente se deixa algo de fora. Entretanto, nao vemos aquilo que nos faz ver as possibilidades de recorte. Nao vemos o proprio olho que enxerga: toda perspectiva – inclusive esta – tem pontos cegos. Esse erratico percurso vislumbrado e um entre muitos: partindo de outros referenciais – ou de outro modo dos mesmos – talvez chegassemos a outras formulacoes nao auscultadas, diferenciacoes, historias e acontecimentos distintos. Enfim, dentre as interpretacoes elaboradas, desenvolvemos no final do capitulo 3 o lugar do tecnoxamanismo no perspectivismo amerindio, que nos parece dar importantes contribuicoes para um pensamento não antropocentrico da tecnica, algo que consideramos uma tarefa urgente.
Muito ja se falou sobre a insustentavel condicao de degradação socioambiental do atual modo de producao e reproducao da humanidade na Terra. 
A chamada “crise ambiental” vai se revelando cada vez mais como um colapso, em que as forcas da natureza, que a humanidade outrora julgou dominar, parecem sair de seu controle. Essa dimensao catastrofica poe em risco a sobrevivencia de diversas espécies de seres vivos, inclusive a humana. Antropoceno, capitaloceno, chthuluceno – todas essas designacoes nos apontam a mesma urgencia de uma mudanca drastica na relação entre humanidade e mundo (HARAWAY, 2015; CHAKRABARTY, 2009). 
Como vimos, toda concepcao de tecnica necessariamente aponta para uma relacao entre humanidade e mundo. Esgotado o projeto moderno ou contemporaneo da tecnica como dominação (entre humanos e entre humanidade e natureza), como livra-la nao so do pensamento instrumental, mas tambem do antropocentrismo? Se o pensamento moderno da tecnica e a tecnociencia contemporanea contribuiram para que chegassemos onde estamos (para o bem e para o mal), talvez ideias como ciberperspectivismo, tecnomagia e tecnoxamanismo possam ajudar a encontrar novas relacoes ou, pelo menos, trazer a tona novas ambiguidades e perspectivas.

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