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FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Professor Dr. Tiago Valenciano Professor Me. Gilson Costa de Aguiar GRADUAÇÃO Unicesumar Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Diretoria Executiva Chrystiano Minco� James Prestes Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Design Educacional Débora Leite Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Head de Curadoria e Inovação Jorge Luiz Vargas Prudencio de Barros Pires Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Gerência de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira Gerência de Curadoria Giovana Costa Alfredo Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão Operacional de Ensino Luiz Arthur Sanglard Coordenador de Conteúdo Priscilla Campiolo Manesco Paixão Designer Educacional Amanda Peçanha dos Santos Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Arte Capa Arthur Cantareli Silva Ilustração Capa Bruno Pardinho Editoração Kleber Ribeiro da Silva Qualidade Textual Juliana Basichetti Martins Cintia Prezoto Ferreira C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; VALENCIANO, Tiago; AGUIAR, Gilson Costa de. Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educa- ção. Tiago Valenciano; Gilson Costa de Aguiar. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2017. Reimpresso em 2019. 343 p. “Graduação - EaD”. 1. Fundamentos. 2. Sociológicos. 3. Antropológicos. 4. EaD. I. Título. ISBN 978-85-459-0955-2 CDD - 22 ed. 306 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos com prin- cípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer uma educação de qualidade, mas, acima de tudo, para gerar uma conversão integral das pessoas ao conhecimento. Base- amo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de gradu- ação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros e distribu- ímos mais de 500 mil exemplares por ano. Somos reconheci- dos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar re- levante, a instituição de educação precisa ter pelo menos três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, me- todologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é pro- mover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma so- ciedade justa e solidária. Vamos juntos! Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um proces- so de transformação, pois quando investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequentemente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de alcançar um nível de desenvolvimento compatível com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica e encontram-se integrados à proposta pedagógica, contribuindo no processo educacional, complementando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproximação entre você e o conte- údo”, desta forma possibilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pessoal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita. Ou seja, acesse regularmente o STUDEO – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das discussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá- -lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO RE S Professor Dr. Tiago Valenciano Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2016). Mestrado em Ciências Sociais pela mesma instituição (2011). Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (2008). Atua como professor universitário e é empresário. Possui livros publicados sobre política local e nacional. Link: <http://lattes.cnpq. br/1936893341910908>. Professor Me. Gilson Costa de Aguiar Mestrado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999). Graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (1991). Atualmente é professor titular do Centro Universitário de Maringá e do Ensino a Distância da UniCesumar. Atua nas áreas de Teoria das Ciências Sociais, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação e História da Educação. Possui livros publicados nas Áreas de Sociologia, Antropologia, Filosofia e História da Educação. Atua como jornalista na rede CBN de rádio. É âncora e colunista na CBN Maringá e Gazeta Maringá. Link: <http://lattes.cnpq. br/3020130108890878>. Seja bem-vindo(A)! Caro(a) aluno(a), este livro didático da disciplina “Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação” tem por objetivo geral fornecer subsí- dios para responder à seguinte questão: qual é o papel e a importância de estudarmos a Sociolo- gia e Antropologia em um curso de licenciatura. Tal pergunta surge como uma espécie de guia que irá balizar os temas e conteúdos aqui apre- sentados. Mais do que fazer uma defesa da re- levância desses conhecimentos, o livro preten- de aguçar a sua consciência crítica, dialogando com questões fundamentais para a compreen- são do convívio do homem em sociedade e na sociedade, além das interfaces assumidas pelo sujeito em relação à cultura e ao comportamen- to em nosso meio social. Imagine que em uma rua, ao ser visualizada pela televisão, existem várias pessoas caminhando. Ao observarmos atentamente, cada uma tem uma expressão facial diferente: algumas estão APRESENTAÇÃO FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS E ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO serenas, outras preocupadas, outras sorrin- do. Os pensamentos também são os mais di- versos: o retorno do trabalho para casa, a ida até a universidade, o cuidado com os filhos quando chegar em casa e o encontromarca- do com seu amor. Observe que os indivíduos possuem suas particularidades e peculiaridades. Quando essas características individuais são con- frontadas com ideias distintas (que não são as nossas), normalmente há um embate de argumentos. É assim que começa a disputa pelas posições sociais existentes em nossa sociedade. Neste exercício de visualização das disputas em sociedade, é possível refletir como cada indivíduo possui um papel diferente, uma importância distinta em nossa sociedade. Deve-se atentar também para o fato de que esse universo social exige que esses papéis sejam cumpridos. Dessa forma, na falta da- quele que exerce determinada função social, esta ficará desprovida. APRESENTAÇÃO Além das disputas individuais em socieda- de, os embates pela aceitação da sociedade de cada indivíduo também é intensa. A par- tir dessa “disputa” entre a visão do homem e seu comportamento em sociedade é que surgiram duas áreas de conhecimento que serão exploradas neste livro: a Sociologia e a Antropologia. Como pano de fundo — e com importância relevante —, a educação é o primeiro cenário em que aprimoramos nosso convívio social, aprendendo cotidianamente como dividir os espaços, respeitar os direitos e constituir nos- so papel de cidadania. Na escola, desde os anos iniciais, compreendemos a importância e os entraves da vida em sociedade, conhe- cendo, às vezes a duras penas, que nossas vontades nem sempre serão aceitas. Por ou- tro lado, a gratificante construção de um tra- balho em grupo nos faz crer que a vida em/ na sociedade ainda é a melhor saída para so- mar nossos esforços, subtrair as dificuldades, dividir os problemas e multiplicar o sucesso do trabalho em grupo. APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Neste panorama, a Unidade I abordará o processo histórico de formação da Sociolo- gia enquanto disciplina, sendo as revoluções Industrial e Francesa as principais alterações sociais que contribuíram para a reflexão so- bre a necessidade dessa área de conheci- mento. Faremos, ainda, um exercício similar com a Antropologia, demonstrando como a análi- se do homem e da sua relação cultural cons- titui os aspectos de nossa sociedade. Por fim, faremos uma breve defesa desses saberes na formação docente. As Unidades II e III contemplarão uma viagem pela Sociologia e sua história. Os chamados “autores clássicos” terão suas ideias apresen- tadas e analisadas, como Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. O balanço dessa miscelânea de propostas é a viagem pela Sociologia, passando pela bar- reira da modernidade e atingindo a pós-mo- dernidade. APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO Na Unidade IV, vamos discutir se os clássicos da Sociologia ainda têm peso na atualidade, além de abordar um interessante autor, que é quase uma unanimidade na pauta dos as- suntos da Sociologia e da Educação: Pierre Bourdieu. Ainda nesta unidade, articulare- mos os conhecimentos apresentados até en- tão, com o objetivo de responder à seguinte questão: qual é a relação, afinal, entre a So- ciologia, a Antropologia e a Educação? Nossa ênfase partirá do diálogo entre o homem, a sociedade, a ciência e a educação, analisan- do como essas áreas conversam e comparti- lham o conhecimento. Por fim, a Unidade V tratará da importância da crítica no universo do conhecimento, que perpassa, sob nosso olhar, a intervenção cau- sada pela globalização e pela modernidade no novo estilo de “fazer educação”, isto é, das novas formas de transmitir o conhecimento e formar o senso crítico do cidadão. Essa crí- tica é papel fundamental da Sociologia e da Antropologia, que auxiliam no conhecimen- to de nossa sociedade e das interações so- ciais estabelecidas, o que poderá determinar a presença do homem em/na sociedade da maneira que visualizamos na atualidade. Essa viagem tem como o objetivo abrir as portas para a inserção da Sociologia e da Antropologia aplicadas à Educação em sua vida acadêmica. Que este livro traga uma contribuição para sua formação e que des- perte o interesse pelos temas relacionados. Ele foi feito para ser o início de uma jornada de pesquisa da análise da vida social (e não uma resposta definitiva). Esperamos que ele fomente a capacidade de aprimorar a crítica social, que está carente de novas perspecti- vas. Boa leitura! APRESENTAÇÃO SUMÁRIO UNIDADE I SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO NOSSA SOCIEDADE 18 Introdução 20 O Estudo das Ciências Sociais enquanto Forma de Conhecimento Científico 36 O Ambiente para a Formação da Sociologia 52 O Espaço de Surgimento da Antropologia: O que é esta Ciência? 67 Considerações Finais 81 Gabarito UNIDADE II SOCIOLOGIA CLÁSSICA I 84 Introdução 86 A Sociedade, um “Objeto Estranho” 94 Auguste Comte 113 A Herança Positiva no Estruturalismo de Émilie Durkheim 141 Considerações Finais 154 Gabarito SUMÁRIO UNIDADE III SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 157 Introdução 159 Karl Marx, O Materialismo Histórico Dialético 176 Weber e a Racionalidade Impura: Os Modelos Ideais de Ação 203 Considerações Finais 216 Gabarito UNIDADE IV DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 219 Introdução 221 Os Clássicos ainda Importam? 233 A Sociologia de Pierre Bourdieu 249 Fundamentos Sociológicos da Educação 260 Considerações Finais 274 Gabarito SUMÁRIO UNIDADE V SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA NA MODERNIDADE 277 Introdução 279 Sociedade na Contemporaneidade 297 A Educação na Atualidade 302 Um Breve Passeio Sociológico 308 Os Fundamentos Antropológicos da Educação 319 Considerações Finais 331 Gabarito 333 Referências 342 CONCLUSÃO U N ID A D E I Professor Dr. Tiago Valenciano Professor Me. Gilson Costa de Aguiar SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO NOSSA SOCIEDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Conhecer o processo de formação da sociedade atual e as condições nas quais ela se desenvolveu. ■ Estudar e analisar o processo histórico de constituição da Sociologia e da Antropologia enquanto saberes científicos. ■ Sinalizar a importância da Sociologia e da Antropologia na formação docente. PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ O estudo das ciências sociais enquanto forma de conhecimento científico ■ O ambiente para a formação da Sociologia ■ O espaço de surgimento da Antropologia: o que é essa ciência? SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 18 INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), você já parou para pensar sobre a quantidade de pessoas que vivem em sua cidade? Já refletiu, ainda, sobre a diferença de ideias, estilo de vida e preferências que cada uma tem? Já analisou que essas pessoas estão permanentemente pensando em algum assunto? Essas e outras perguntas serão deba- tidas nesta unidade, que tem como objetivo demonstrar e analisar o processo de forma- ção de nossa sociedade atual a partir de uma visão muito particular: a das Ciências Sociais. O enfoque partirá da importância de estudarmos a Sociologia e a Antropologia enquanto saberes científicos, isto é, enquanto áreas de conhecimento relevantes para o pro- cesso de formação e aprimoramento de cada carreira acadêmica. Veja: não pretendemos fazer uma simples defesa do conteúdo dessas áreas, mas dialogar com os demais campos do conhecimento, ressaltando a necessidade de nos conhecer primeiramente para, poste- riormente, analisar a realidade do outro. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 19 Nosso itinerário inicia na constituição das Ciências Sociais enquanto forma de conhe- cimento científico, ou seja, como essa áreaé subdividida e o que ela pretende estudar. Em seguida, vamos demonstrar o ambiente que pro- piciou o surgimento da Sociologia, a partir das transformações sociais que ocorreram na Europa no Século XIX. Por fim, o terceiro aspecto ana- lisa o nascimento e a relevância da Antropologia no universo acadêmico, sobretudo em uma dis- ciplina em que o(a) futuro(a) docente irá lidar diariamente com a humanidade. Assim, nosso caminho inicia na Sociologia e na Antropologia, demonstrando o papel de cada uma na aborda- gem acadêmica. Portanto, pretende-se, nesta unidade, apre- sentar um panorama das Ciências Sociais e da formação da atual civilização ocidental, apon- tando soluções para a resposta da “grande” questão que envolve esses conhecimentos: afi- nal, o que foi, o que é e o que poderia ser nossa sociedade? SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 20 O ESTUDO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ENQUANTO FORMA DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO Se utilizarmos a tática de separar o nome “Ciências Sociais”, teremos um paradoxo na construção desse conceito. A ciência é uma forma de organi- zar sistematicamente o conhecimento adquirido, ou seja, de dispor algo que aprendemos orde- nadamente para que esse “novo” conhecimento possa ser facilmente entendido. É também uma forma de pensar e agir, isto é, algo que pensa- mos e fazemos de determinada maneira. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 21 Essa forma de analisar o que é a ciência tam- bém nos faz compreender o que ela aponta. Em geral, a palavra “ciência” tem relação com a pesquisa e com a descoberta de novos conheci- mentos, que serão posteriormente utilizados em nosso cotidiano. Qual é, porém, a necessidade de haver uma Ciência Social, um conhecimento da sociedade e sobre ela? É justamente neste ponto que o paradoxo citado acontece. A sociedade é um grande corpo em movi- mento. Tal qual uma máquina em que cada peça é responsável por efetuar determinada função, ela possui seus vícios e virtudes, suas vantagens e desvantagens, que estão presentes invariavel- mente em qualquer uma das áreas. Se, por um lado, uma área pode ser muito especializada em fabricar produtos de madeira, a outra pode ser primaz na elaboração de material em plástico. Observe que as especialidades fazem com que a sociedade seja formada e moldada de acordo com o interesse de cada ser que a integra. Nota-se, ainda, que a sociedade é dinâmica, que se inventa e reinventa a cada novo pro- duto, nova moda, nova forma de aprendizado e de trabalho ou, ainda, a cada novo século. Por SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 22 esse caráter — de permanente mudança social construída diariamente — é que o paradoxo se estabelece: ao passo que a ciência é fixa, com sua metodologia bem delimitada e que busca um “padrão” de comportamento e atitude para que se obtenha um resultado, a sociedade se move, sendo construída diariamente por todos nós. Portanto, fica o questionamento: como se podem tirar leis gerais a partir do conhecimento científico para a compreensão da sociedade? Esse é o desafio das Ciências Sociais desde sua gênese: explicar, a partir de mecanismos cien- tíficos, o comportamento da sociedade, que se move constantemente em busca de uma reali- dade diferente daquela que nós vivenciamos. Talvez por esse estilo peculiar é que o conte- údo aprendido seja tão abstrato e tão difícil de ser medido e tocado. Nosso esforço está em demonstrar como as ciências sociais se torna- ram um importante e necessário instrumento para a análise deste “mundo de maluco” em que vivemos, que clama a cada nova descoberta por uma análise apurada de nossa realidade social. Costumamos argumentar que as Ciências Sociais anseiam pelo conflito e pelo debate. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 23 De fato: sem os problemas entre as relações humanas seria muito difícil imaginar como o cientista social teria seu objeto de estudo, isto é, a sociedade, caracterizada pelas disputas sociais existentes. Desta forma, reafirmamos o ponto de largada da trajetória de formação dessa área: o conflito entre os seres humanos. Não trata- mos aqui das brigas entre vizinhos e familiares ou as que acontecem em um jogo de futebol, mas sim as disputas quase invisíveis na socie- dade, que o cientista social tornará objeto de seu estudo. Isto é, os espaços de disputa polí- tica em que um grupo debate contra outro(s); a afirmação de práticas culturais e os conflitos ocasionados por essas políticas afirmativas com as demais culturas existentes; a dinâmica com- petitiva do mercado de trabalho e, por fim, as próprias relações sociais, palco de todos os pri- meiros conflitos. Observe que “conflito” é a palavra-chave para compreender as Ciências Sociais. Quais são, porém, as origens dessa área de conhecimento? Qual a relevância de estudarmos esse tipo de conteúdo no Ensino Superior? Além disso, será que as Ciências Sociais irão colaborar com a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 24 formação acadêmica? São essas as perguntas que pretendemos responder neste tópico. Nossa jornada inicia na Grécia Antiga em 500 a.C., quando a sociedade se diferenciava das demais por um motivo: foi a primeira vez que se tentou organizar uma corrente de pen- samento sobre a vida humana em sociedade. Pelo desenvolvimento típico da Democracia e do contato com diferentes culturas, os gre- gos puderam não depender necessariamente da Igreja e do Estado — detentores do poder polí- tico, econômico e ideológico daquele período — para pensar sobre a natureza dos homens e da sociedade. Prova desse argumento são as ideias de Platão e Aristóteles sobre a melhor forma de organizar a política em sociedade, que ganharam força e vigor na Grécia Antiga e até hoje balizam discus- sões sobre a política. Cada qual à sua maneira, ambos proporcionaram o pioneirismo da Grécia, que recebeu o título distintivo de “berço da civi- lização ocidental”, pela forma “evoluída” que sua população se comportava. Apesar dos avanços proporcionados pelos gregos, a primeira universidade só surgiu no SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 25 século XII, com a consolidação dos intelectu- ais no mundo acadêmico após a ruptura do comando da Igreja sobre a educação. Neste hiato, as produções isoladas refletiam o comando da Igreja sobre a condição individual e social de pesquisa, o que não contribuiu para o progresso das Ciências Humanas. A instituição das uni- versidades delimitou, de alguma forma, uma separação entre o mundo “exterior” (a socie- dade em si) e o mundo “interior” (as instituições de ensino), o que levava novamente à reflexão sobre a importância da discussão da vida em sociedade. Collins (2009) ratifica a relevância do surgi- mento das universidades para as pesquisas sobre as humanidades: Com o surgimento das universidades e especialmente em virtude da criativida- de da faculdade filosófica, os intelectuais ganharam seu próprio “lar” e conquista- ram maior clareza acerca de seus próprios propósitos. A história do pensamento hu- mano a partir de então oscilou entre uma interação entre a comunidade intelectual e o mundo exterior e um isolamento das SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 26 universidades em relação a questões prá- ticas e ortodoxias ideológicas, bem como entre as formas como essas questões pe- netravam nesse ambiente, oferecendo aos intelectuais novas demandas e novos pro- blemas (COLLINS, 2009, p. 19). Observamos que, apesar das universidades terem surgido como espaço para a transmissão do conhecimento, precisavam dialogar mais com a comunidade, uma crítica que permanece até os dias de hoje. O papel, portanto, das Ciências Sociais neste contexto é estabelecer a conexão entre o acadêmico e opopular, entre a erudição do conhecimento e a praticidade das pessoas, entre a teoria e a prática. Somente após o Renascimento é que as Ciências Sociais começaram a assumir seu espaço de atuação. Contudo, convém ressal- tar que o período conhecido como Renascença (que ocorreu entre o fim do século XIV e início do XVII) teve grande relevância para com- preender o campo de trabalho de um cientista social. Tal argumento se baseia nas transforma- ções econômicas, políticas e sociais do período, com fenômenos que alteraram as estruturas da SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 27 sociedade desde então. Além da valorização de elementos da Antiguidade Clássica (por isso o nome “Renascimento”), citamos a transição do modo de produção feudal para o capitalista como chave para o entendimento das cisões ocasionadas pelo turbilhão de transformações sociais. A ruptura cultural ocasionada a partir do Renascimento e do fim da sociedade medieval na Europa oportunizou que o homem (pautado pelo antropocentrismo) passasse a figurar como centro das preocupações de pesquisas acadêmi- cas, discussões filosóficas e da sociedade em si. O foco direcionado para o homem enquanto “centro do universo” abriu espaço para o protagonismo das Ciências Sociais, que são basicamente um produto das transformações ocorridas no perí- odo entre e a Revolução Industrial e a Revolução Francesa (principalmente após esses períodos), conforme trataremos a seguir. É nesse cenário que as Ciências Sociais começaram a ganhar forma no campo de conhe- cimento das humanidades. A primeira a ganhar autonomia de atuação para a reprodução e pro- dução do saber foi a Antropologia. A partir das SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 28 descobertas de sociedades tribais na América, na África e no Pacífico com as grandes expe- dições marítimas, o homem europeu passou a conhecer realidades muito distintas das que já estava acostumado no velho continente. Com tais descobertas, a explicação medieval de que a sociedade europeia era uma “ope- ração divina” deixou de imperar, surgindo, assim, diversas teorias para explicar a evolução da sociedade e do seu relacionamento com o outro. Um processo de estranhamento, isto é, de olhar o outro de forma diferente para conhecer melhor a si mesmo, obteve sucesso na relação da Antropologia com as demais ciências. Paralelo a isso, a Antropologia dialogou com a Medicina, buscando explicações biológicas para a existên- cia de um outro não europeu. Outra vertente de atuação da Antropologia é a chamada Antropologia Cultural ou Histórica, que tem por objetivo estudar os padrões de cultura de determinados grupos sociais ou de sociedades específicas, a fim de compreender como essas comunidades estão organizadas, quais são seus costumes, sua organização interna, SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 29 seu relacionamento com outras sociedades, entre outros aspectos. Após essa divisão de áreas de atuação entre o antropólogo de campo (que trabalhava em con- junto com pesquisas na seara da Biologia e da Medicina) e o antropólogo histórico-cultural, a Antropologia passou a ter de forma evidente seu objeto de pesquisa, consolidado na segunda metade do século XIX: o homem e seu duplo relacionamento, com seu eu interior e com o mundo exterior, ou seja, a sociedade propria- mente dita. Em segundo lugar, destacamos a Sociologia como ciência que se estabeleceu no campo das Ciências Sociais. Por seu caráter mais generalista, as raízes para seu estabelecimento são as mais diversas: inspirou-se na História, na Filosofia, na Política, na Economia, na Antropologia, na Psicologia, entre outras. Abrangente em relação aos objetos de pesquisa, a Sociologia pode ser considerada como a mãe de todas as Ciências Sociais. Produto indireto das Revoluções Burguesas, a Sociologia tem como foco o estudo da sociedade e das diversas implicações que essa relação pode SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 30 estabelecer. Ela nasce “da constatação de que a ordem social moderna desorganizou as formas de convívio social, gerando problemas novos que reclamavam interpretações e soluções inovado- ras” (SELL, 2012, p. 18). Em suma: a Sociologia está destinada a analisar as relações sociais e tentar fixar leis gerais do comportamento da sociedade. Como exposto, essa paradoxal tarefa motiva os sociólogos a continuar atuando na área, tentando decifrar uma encantadora per- sonalidade: o homem atuando em sociedade, seja ativa ou passivamente. A preocupação em estabelecer a Sociologia como ciência foi um dos objetivos de Auguste Comte, considerado por alguns como o “pai da Sociologia”. Ele foi responsável por popularizar a expressão “Física Social”, que posteriormente seria conhecida como a Sociologia propriamente dita. A Física Social de Comte reflete, assim, dois conceitos distintos em união para um mesmo ambiente: a sociedade. Ao passo que a Física estuda o movimento dos corpos em sociedade, a Física Social nada mais é do que o estudo da dinâmica da ação das pessoas socialmente, as quais são influenciadas pela sociedade, ditando SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 31 suas normas, as normas do trabalho e do seu campo próprio de atuação. Foi neste contexto que a Sociologia passou a intervir nas discussões políticas da sociedade. Daí nasce a terceira e mais recente das Ciências Sociais: a Ciência Política. Dialogando com a política permanentemente — e, por que não, praticando a política desde seu nascimento —, a Sociologia estabeleceu uma relação de proxi- midade com a política, até mesmo conversando com a Filosofia, que em sua origem se destinou a estudar os comportamentos políticos. A Ciência Política teve origem no final do Século XIX nos Estados Unidos e buscava se estabelecer, desde então, como uma ciência “autônoma”, isto é, uma área de atuação pró- pria, sem ser confundida com a Filosofia, a Sociologia ou encarada como uma subárea do Direito, por exemplo. Por esse caráter recente e multifacetado, tem quebrado barreiras quanto ao pensamento político, na busca de estabelecer o seu principal objeto de pesquisa: as relações de poder. Além de estudar as relações de poder, a Ciência Política tem o desafio de explicar como o Estado SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 32 é constituído, seja enquanto ente governamen- tal ou como espaço em que os políticos irão expor suas ideias, conduzir os rumos de uma determinada população, enfim, fazer política. A última vertente de estudo da Ciência Política são os Sistemas Políticos, que têm por finali- dade estruturar um Estado específico, além de incorporar as regras de disputas eleitorais, por exemplo. Observamos, assim, que há um ingre- diente específico para que haja um cientista político analisando algum fenômeno em geral: o poder e o local onde esse poder é aplicado, normalmente um Estado, um partido político ou um conjunto de forças políticas. As três áreas das Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política) tentam explicar, ora em conjunto, ora separado, a complexa socie- dade em que vivemos. Cultura, relações sociais e relações de poder são as palavras-chaves que estruturam o grande leque do aprendizado que essas áreas podem nos proporcionar, variando de acordo com o interesse de cada pesquisador. Você se lembra de que, no início deste tópico, foi visto que a ciência busca um padrão de com- portamento que a sociedade, às vezes, não pode SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 33 oferecer por seu dinamismo próprio? Após nossos últimos apontamentos, esse paradoxo ficou mais fácil de ser enxergado. Isso porque as Ciências Sociais não são exatas, mas são múlti- plas e dependem de diversosingredientes para que haja um produto final, uma conclusão de determinado fenômeno social. É assim, caro(a) aluno(a), que as Ciências Sociais justificam sua presença neste livro sobre os fundamentos sociológicos e antropológicos da Educação: não é possível educar sem conhecer a diversidade de aspectos que formam a socie- dade em que vivemos. É muito difícil educar e transmitir o conhecimento somente a partir da sua própria realidade, sem considerar que o processo de formação educacional está em cons- tante movimento e em constante mudança. Quer uma prova desse argumento? Basta olharmos para a trajetória da educação brasi- leira nos últimos anos. Saímos de uma educação rígida, em que as carteiras da sala de aula eram enfileiradas; em que os alunos, na maioria das vezes, não tinham a palavra durante as aulas; em que o professor era a autoridade absoluta e em que o giz e o apagador faziam sucesso. Hoje, a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 34 educação mudou. Os alunos aprendem, muitas vezes, em grupos, nos quais o diálogo e a troca de conhecimento vale muito mais do que diver- sas aulas. O professor, ao mesmo tempo que transmite o conhecimento, recebe-o dos alu- nos. Além disso, o ensino a distância se tornou uma realidade possível e praticável para quem não pode estar fisicamente presente em uma carteira escolar. Note que a educação se transforma a par- tir das mudanças que a sociedade impõe. Da mesma forma, a sociedade impõe novos desafios à educação e está também em processo diário de aprimoramento, devendo aderir aos anseios das pessoas. Essa via firmada entre a sociedade e a educação jamais pode ser interrompida, uma vez que elas estão interligadas e são interdepen- dentes entre si, o que justifica a necessidade das Ciências Sociais durante a formação educacio- nal no Ensino Superior. A trajetória percorrida até aqui procurou oportunizar a você, aluno(a), a possibilidade de conhecer e avaliar a importância das Ciências Sociais diante dos fundamentos da educação, analisando como e porque a Antropologia, a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 35 Sociologia e a Ciência Política são sua base principal. Dessas três áreas, vamos nos concentrar, neste livro, somente em duas: a Antropologia e a Sociologia, analisando a relevância de ambas para a educação. Obviamente, as duas dialo- gam entre si quando o assunto é educação e suas bases, contribuindo para a formação do cida- dão atuante, que irá compreender e transmitir os ensinamentos aqui adquiridos durante sua atuação profissional. Nosso próximo objetivo é avaliar, de forma pontual, o panorama em que a Antropologia e a Sociologia foram constituídas. A apresentação deste cenário é importante para verificarmos como e porque essas duas áreas importam para fundamentar as bases da educação. Vamos lá! SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 36 O AMBIENTE PARA A FORMAÇÃO DA SOCIOLOGIA Em um curto período de tempo, a produção no modo de vida rural da Europa terminou, e as pessoas passaram a conviver na sociedade urbana. Nesse cenário, a tendência para o “caos” é grande, concorda? Se uma localidade tem capa- cidade de receber certo número de moradores, com a expansão sem planejamento ela tende a entrar em colapso. Foi isso que ocorreu com as transformações sociais derivadas do modo de SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 37 produção capitalista na Europa. Com o desenvolvimento da indústria e a capacidade produtiva integrada a uma cadeia mundial de produção, há uma mudança nas con- dições de vida dos seres humanos. Essa mudança se fez sentir, primeiramente, na Europa, após a Revolução Industrial, e depois se propagou para diversas regiões do Planeta. A indústria sediada na Europa necessitou cada vez mais de matéria-prima vinda de diversas partes do mundo, assim como o mundo passou a consumir, em uma escala crescente, os produ- tos industriais. Nesta cadeia produtiva nas áreas industriais e nos centros econômicos, nesta fase do capitalismo, ocorre um crescimento da popu- lação urbana. Uma realidade que trará impasses e incertezas no decorrer dos séculos XIX e XX. Isso levará um número crescente de pensadores sociais a buscar entender qual será o futuro da sociedade diante de uma concentração popula- cional nunca vista na história humana. A cidade se tornou um ambiente de tensão, que exigiu preocupação por parte dos cientistas europeus. Se a ciência foi um instrumento de domina- ção para a conquista de novos territórios, para a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 38 expansão do capitalismo ocidental fundado na empresa mercantil e, posteriormente, industrial, agora deveria atender à ordem social instituída na própria Europa. Entender as relações sociais constituídas no Ocidente se tornou uma priori- dade. Buscar uma ação para sua transformação será o objeto de preocupação das forças políti- cas e também dos cientistas. O crescimento urbano desse período pode ser medido pela vida em Londres, a primeira grande cidade industrial do mundo, no centro de uma economia que já foi por quatro séculos a maior do mundo, a inglesa. Londres praticamente tri- plicou a sua população entre os séculos XVIII e XIX. A massa populacional que passou a migrar para a cidade, com o chamado êxodo rural, fez crescer uma cidade desconexa e desordenada. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 39 Os operários se concentraram em torno das fábricas ou em cortiços. Sem vias planejadas, as cidades estavam com problemas de ocupa- ção. As moradias eram mal ventiladas, muitas delas tinham apenas um cômodo, onde ficava toda família, faltava saneamento e todos estavam expostos a um ambiente úmido e insalubre que provocava doenças, como tifo, cólera, varíola e escarlatina. Essas epidemias passaram a preocu- par o Estado. A busca de um saneamento básico levará, entre outras atitudes, a promover o zone- amento urbano e as políticas de saúde pública. A desigualdade de condições ficou expressa também na vida das classes mais abastadas, que tinham acesso aos benefícios dos produtos que a economia mundial permitia. A elite londrina, por exemplo, consumia produtos de luxo vindos das mais diversas partes e, também, aqueles que eram produzidos na indústria do seu país. As classes populares, em sua grande maioria for- mada de operários, não tinham acesso a esses bens. Outros problemas também surgiram com a formação dos núcleos urbanos industriais, com a concentração populacional. O alcoolismo, o SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 40 crescimento dos homicídios, os latrocínios e a prostituição são alguns deles. Até mesmo os manicômios começaram a se propagar como uma alternativa para o tratamento de pessoas que demonstravam desequilíbrio de comporta- mento. Essas situações se justificam diante da condição de vida do operariado, que trabalhava em torno de 15 horas por dia, sem descanso. Até mesmo crianças de 10 anos eram encon- tradas nas fábricas sujeitas às mesmas jornadas dos adultos. A massa humana que veio do campo, onde tra- balhava subordinada ao regime feudal fundado na subsistência, agora se via em uma condi- ção oposta. Inserido em um regime frenético de trabalho, que nada lembrava as relações no mundo rural, o operariado viu se desfazerem os vínculos sociais que foram a base de sua iden- tificação. A economia capitalista fez emergir as relações centradas na racionalidade e na busca de orientar a convivência social pela produti- vidade. A vida passou a valer na proporção em que gerava a riqueza e na lógica de mercado. Dentro dessa lógica do mercado de trabalho, a quantidade de seres humanos disponíveis para SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 41 trabalhar nasfábricas apresentava uma qua- lificação básica. A empresa capitalista estava, ainda, dando os seus primeiros passos nos sécu- los XVIII e XIX, estando longe de uma complexa rede de produção com setores específicos em um alto grau de qualificação como temos hoje. A sobrevivência passa a custar a sujeição a uma condição desumana de trabalho. As condições de trabalho da classe operária durante a Revolução Industrial e sua propa- gação pela Europa foi tema de análise de Eric Hobsbawm em sua obra Era das Revoluções. O historiador inglês estabelece uma relação direta entre a quantidade de mão de obra ofertada para a produção, o nível de qualificação e as condi- ções de trabalho: Conseguir um número suficiente de tra- balhadores era uma coisa; outra coisa era conseguir um número suficiente de traba- lhadores com as necessárias qualificações e habilidades. A experiência do século XX tem demonstrado que este proble- ma é tão crucial e mais difícil de resolver do que o outro. Em primeiro lugar, todo operário tinha que aprender a trabalhar SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 42 de uma maneira adequada à indústria, ou seja, num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramen- te diferente dos altos e baixos provoca- dos pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência autocontro- lada do artesão independente. A mão de obra tinha que aprender a responder aos incentivos monetários. Os empregadores britânicos daquela época, como os sul-a- fricanos de hoje em dia, constantemente reclamavam da “preguiça” do operário ou de sua tendência para trabalhar até que tivesse ganhado um salário tradicional de subsistência semanal, e então parar. A resposta foi encontrada numa draco- niana disciplina da mão de obra (multas, um código de “senhor e escravo” que mo- bilizava as leis em favor do empregador etc.), mas acima de tudo, na prática, sem- pre que possível, de se pagar tão pouco ao operário que ele tivesse que trabalhar incansavelmente durante toda a semana para obter uma renda mínima [...]. Nas fábricas onde a disciplina do operário era mais urgente, descobriu-se que era mais conveniente empregar as dóceis (e mais SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 43 baratas) mulheres e crianças: de todos os trabalhadores nos engenhos de algodão ingleses em 1834-47, cerca de um quar- to eram homens adultos, mais da meta- de eram mulheres e meninas, e o restan- te de rapazes abaixo dos 18 anos. Outra maneira comum de assegurar a discipli- na da mão de obra, que refletia o proces- so fragmentário e em pequena escala da industrialização nesta fase inicial, era o subcontrato ou a prática de fazer dos tra- balhadores qualificados os verdadeiros empregadores de auxiliares sem experi- ência (HOBSBAWM, 1982, p. 66-7). Em certa maneira, até nossos dias, a qualifica- ção de mão de obra é um elemento determinante para a forma como se estabelece a relação de trabalho e sua remuneração. Como Hobsbawm aponta, nos primeiros momentos da Revolução Industrial, essa condição já se apresentava. Ela se agravou com a massa de pessoas disponíveis para serem utilizadas pela produção capita- lista, mas o grau de qualificação se ampliou e se aprofundou. Com isso, a maioria dos seres humanos disponíveis hoje para o trabalho não não utilizados. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 44 Nos primeiros tempos da Revolução Industrial, os trabalhadores eram recém-chegados da zona rural, tinham uma padronização de qualificação, mas eram utilizados em funções que exigiam um grau baixo de especialidade. As operações de tra- balho poderiam ser ensinadas sem dificuldade pelos empregadores, partindo de capacidades que os trabalhadores já tinham adquirido em sua vida rural. Como afirma Hobsbawm, os menos qualificados eram, muitas vezes, entregue ao comando de um trabalhador mais qualifi- cado, por meio da terceirização das relações de produção. As relações de trabalho são marcadas pela violência sem nenhuma garantia. Não há, nos primeiros tempos da indústria, uma legislação favorável aos operários. A violência das rela- ções no ambiente industrial se estende pela vida urbana e se expressa no cotidiano das cidades europeias durante o nascimento da indústria. Uma violência que terá formas distintas de ser compreendida e de gerar reação. Para o poder público, buscando atender ao interesse da empresa nascente, foi fundamen- tal estabelecer mecanismos de controle social SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 45 para garantir a ordem nos espaços urbanos. Policiamento ostensivo nas ruas e instituições para o aprisionamento e tratamento daqueles que não se adaptavam à vida urbana era um exemplo. As escolas voltadas às classes populares e mantidas pelo poder público teriam como carac- terística retirar os ociosos do mundo urbano e preparar os cidadãos para o trabalho. A educação, que sempre existiu como forma de organização da vida social e preparação das futuras gerações para a necessidade coletiva, agora deveria exer- cer essa função visando ao mundo da empresa capitalista, que se generalizava. Entre os movi- mentos operários que surgiram na Europa, alfabetizar os filhos era uma garantia de não reproduzir a relação que os pais estavam sujei- tos para os filhos. Para enfrentar a violência que o mundo urbano apresentava, a classe operária se organizou em associações e sindicatos. Assim, enfrentou o ambiente de trabalho imposto pelas empresas e os empresários capitalistas, dando início aos confrontos em forma de “quebra de máquinas” e paralisação de trabalhadores. Aconteceram SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 46 greves ocasionadas pela luta por melhores con- dições de trabalho, como o Movimento Cartista na Inglaterra do século XIX. Os problemas sociais urbanos chegaram a um determinado grau em que até mesmo as forças sociais e políticas opostas de trabalhado- res e patrões passaram a lutar contra problemas comuns e se associar em campanhas para rom- per comportamentos que se mostravam nocivos à sociedade. Um desses “inimigos comuns” foi o consumo de bebidas alcoólicas. Como afirma Hobsbawm: Por outro lado, havia muito mais po- bres que, diante da catástrofe social que não conseguiam compreender, empobre- cidos, explorados, jogados em cortiços onde se misturavam o frio e a imundice, ou nos extensos complexos de aldeias in- dustriais de pequena escola, mergulha- vam em total desmoralização. Destituídos das tradicionais instituições e padrões de comportamento, como poderiam muitos deles deixar de cair no abismo dos recur- sos de sobrevivência, em que as famílias penhoravam a cada semana seus cober- SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 47 tores até o dia do pagamento, e em que o álcool era “a maneira mais rápida para se sair de Manchester” (ou de Lille ou de Borinage). O alcoolismo em massa, com- panheiro quase invariável de uma indus- trialização e de uma urbanização brusca e incontroláveis, disseminou “uma peste de embriaguez” em toda a Europa. Tal- vez os inúmeros contemporâneos que de- ploravam o crescimento da embriaguez, como da prostituição e de outras formas de promiscuidade sexual, estivessem exa- gerando. Contudo, repentina aparição, até 1840, de sistemáticas campanhas de agitação em prol da moderação, entre as classes médias e trabalhadoras, na Ingla- terra, Irlanda e Alemanha, mostra que a preocupação com a desmoralização não era nem acadêmica nem tampouco limi- tada a uma única classe. Seu sucesso ime- diato teve pouca duração, mas durante o restante do século a hostilidade à embria- guez permaneceu como algo que tanto patrões quanto movimentos trabalhistas tinham em comum (HOBSBAWM, 1982, p. 223-4). SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA:COMPREENDENDO 48 Podemos considerar que diante desse ambiente, que trazia condições de degradação para parte considerável dos trabalhadores (às vezes até para a classe média e para o patronato), a ação pública deveria ser pontual e estar dentro de uma política geral de governabilidade da vida social urbana. Isto é, era preciso uma ação dos governos municipais das cidades industriali- zadas. Eles necessitavam ter a capacidade de colocar, diante dos conflitos que se intensificam e de práticas que denegriam as forças sociais, mecanismos eficientes de ação. Se a necessidade de racionalizar a vida social era uma emergência para o poder público, ela estaria na pauta de discussão do mundo científico. As correntes de pensadores que se debruçaram sobre os problemas da vida urbana e das con- dições humanas na sociedade industrial são sensíveis a partir do século XVIII. Contudo, foi no século seguinte que essa preocupação se intensificou. Das correntes liberais ao Socialismo, as teses políticas emergiram à procura de dar resposta ao contexto tenso que o mundo industrial urbano apresentava. Os valores que orientavam SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 49 o homem europeu tinham se alterado e seriam um modelo para as demais formas de compreen- são que surgiram em diversas partes do mundo. Se o movimento liberal e socialista surgiu na Europa, sua propagação pela América, Ásia e África foi corrente. A influência da intelectuali- dade europeia se demonstrou com o surgimento dos Estados nacionais em áreas antes coloniza- das pelos europeus. Paralelo a essas correntes, e muitas vezes sendo um contraponto a elas, os movimentos herdados das correntes naturais também emer- giram. É o caso do Positivismo inaugurado por Comte na França. As teses do pensador francês viriam a inspirar aqueles que consideravam que a análise da vida social deveria estar fundada nos mesmos critérios dos fenômenos biológicos. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 50 Virgindade Sociológica Quem passou pelo lento processo de formação acadêmica nas Ciências Sociais – ou ainda o cum- pre — vai saber muito bem daquilo que falo. Quem um dia se arriscará nessa seara das huma- nidades poderá perceber aquilo que digo. Quem já vivencia isso sabe muito bem o que escrevo. Tal- vez uma dessas profecias um dia se tornará reali- dade. Talvez são meros pensamentos, lançados à luz de uma tela de notebook, que nada remetem aqueles grandes sociólogos em quem nos inspi- ramos. A profissão do sociólogo é algo que se vivencia. Não dá pra separar seu dia a dia do seu exercício profissional. Afinal, a todo momento estamos em contato com as pessoas, com a sociedade e, no fim das contas, só se faz Sociologia com a socieda- de, relacionando-se com ela. Se vamos à uma fes- ta, pronto! Logo queremos compreender porque aquelas pessoas estão ali, o que se passa na ca- beça delas e qual é a noção de festa que elas pos- suem. Se lecionamos em sala de aula, a pergunta é sempre a mesma: o que será que eles farão com as informações e o conteúdo aqui ministrados? Fonte: os autores. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 51 Os pensadores que denominamos clássicos das ciências sociais irão produzir seus argumentos neste ambiente de confronto direto entre a massa de trabalhadores, as empresas, os empresários capitalistas e o poder público. Os problemas emergentes da vida urbana alimentaram as aná- lises de pensadores, como Durkheim, Marx e Weber. Eles darão as diretrizes para a compreen- são da vida social, dos meios para a organização das instituições e do seu papel na construção da ordem coletiva. O que podemos destacar a princípio, e que será amplamente discutido na próxima unidade, é a importância do trabalho como condição para a orientação do homem em sociedade. Seja bem-vindo(a) à nossa sociedade. Se per- guntas sem respostas sobre ela já passaram por seu pensamento, você, caro(a) aluno(a), deve estar pensando: afinal, qual é o seu destino? SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 52 O ESPAÇO DE SURGIMENTO DA ANTROPOLOGIA: O QUE É ESTA CIÊNCIA? Quando falamos sobre o surgimento de uma nova ciência, logo vem à mente algo inédito, fascinante e voltado para um “conhecimento superior”. Porém, a inserção de novos conheci- mentos nas humanidades é um fato que ocorre “naturalmente”, com a necessidade de especifi- car as subáreas do pensamento humano. Demonstramos que a Sociologia é produto das ideias de sua época, um período de grande transfor- mação social baseado nas mudanças sociais da Europa dos séculos XIX e XX. O itinerário de formação da Antropologia não foi diferente, já que também é fruto SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 53 da busca por conhecer o “novo”, por descobrir algo que encantava: o contato com novos povos e novas culturas por intermédio das grandes navegações. Antes de falarmos de uma metodologia para explicar o que é e como estudar a Antropologia, podemos afirmar que já existia uma espécie de “pensamento antropológico”, isto é, já havia um número considerável de pensadores refletindo sobre os desdobramentos do estudo do homem e de sua relação consigo e com a sociedade. A questão fundamental da Antropologia é, por- tanto, entender como nós, seres humanos, tão parecidos em aspectos biológicos, podemos ser tão diferentes em aspectos culturais. Essa questão começou a ser respondida a partir da cultura europeia, dominante nos primórdios da Antropologia. Diante do expan- sionismo europeu com as grandes navegações - iniciadas em Portugal e na Espanha e, poste- riormente, na Inglaterra, na França e nos demais países -, podemos verificar que a relação entre dominante e dominado passou a pautar as prin- cipais questões voltadas à Antropologia. Afinal, a força do homem branco europeu era suficiente para dominar culturalmente um “novo homem SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 54 descoberto”? Quem detinha, então, o domínio das relações culturais: o dominante (aqui visto como o Europeu) ou o dominado de qualquer localidade outrora “descoberta”? Estabeleceu-se, assim, um paradoxo para a Antropologia: como agir diante dessa situação? Em Aprender Antropologia, François Laplantine faz um resgate histórico dessa ciência, trazendo à luz uma importante contribuição acerca da fundamentação deste “novo” conhecimento. O projeto de fundar uma ciência do ho- mem — uma antropologia — é, ao con- trário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico (ou preten- samente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento, e não mais a natureza; apenas nessa época é que o es- pírito científico pensa, pela primeira vez, em aplicar ao próprio homem os méto- dos até então utilizados na área física ou da biologia (LAPLANTINE, 1987, p. 7). SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 55 Esse foi o ambiente que propiciou a forma- ção da Sociologia, uma ciência da sociedade, que procura compreender a relação do homem com seu espaço e seu tempo. Para isso, faz uso do passado histórico, para o entendimento de determinados contextos; do presente, para explicação de fenômenos “atuais”; e, por fim, da correlação de fatos para possíveis cenários futu- ros. Resta-nos, então, responder: qual é a relação do homem consigo e quais são suas ações que estão presentes na sociedade? É isso que vamos debater agora, diante do ambiente de formação da Antropologia. Nota-se que a Antropologia é uma ciên- cia racional, direcionada ao conhecimento do homem por meio de seu contato com a socie- dade, analisando as influências que um tem sobre o outro. Diante dessa face de troca do saber entre o individual e o social, ela se consti- tui, formandoa cultura, um dos seus principais objetos de análise. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 56 Como a Antropologia está dividida? Quais são suas áreas e o que ela pesquisa, afinal? Mais que isso: qual a função de conhecermos a Antropologia para os fundamentos da educação? É esse o caminho que pretendemos demonstrar a você, caro(a) acadêmico(a), a fim de articular o conhecimento da Antropologia com as ações de sua vida cotidiana enquanto estudante das humanidades. Segundo Marconi e Presotto (2007), exis- tem dois grandes grupos que estruturam a Antropologia: a Antropologia Física ou Biológica e a Antropologia Cultural, que, com suas pecu- liaridades, auxiliam no entendimento do seu campo de atuação. A Antropologia Física ou Biológica é desti- nada a estudar a posição do homem enquanto “herdeiro biológico”, ou seja, o homem e a evo- lução dele desde o surgimento da espécie até a atualidade. Surge, então, o primeiro trabalho do antropólogo físico, que é estudar a Paleontologia, destinada a buscar o entendimento do homem a partir da interface com a Biologia, a Genética, a Arqueologia e outras áreas. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 57 A Paleontologia é um subcampo do conhe- cimento antropológico, uma vez que se articula com as demais áreas relacionadas a conhecer os fósseis humanos, realizar escavações em sítios arqueológicos, entre outros. Por meio do estudo do aspecto biológico humano, a Paleontologia articula as ciências naturais com a História, com- preendo como o homem estava situado na terra dos primórdios até a atualidade. Por outro lado, a Antropologia Cultural tem como missão o estudo dos aspectos que irão formar a sociedade a partir daquilo que nós, humanos, consideramos como cultura, ou seja, algo que será perpetuado de geração em gera- ção, constituindo o conjunto de várias áreas do conhecimento. A palavra “cultura” expressa o cultivo de elementos, como o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e as aptidões adquiridos pelo ser humano. Neste sentido, a Antropologia Cultural tem por objetivo o estudo das diferentes culturas para cada sociedade, por meio de alguns ques- tionamentos: existe um padrão de cultura? É possível mensurar semelhanças e diferenças SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 58 entre diferentes culturas? O que faz com que a cultura de um povo seja formada? Ela é sem- pre imutável ou ela pode ser transformada de acordo com a evolução da sociedade? São essas as questões que permeiam há anos a Antropologia Cultural, um campo dessa ciência que estuda o homem e, sobretudo, recentemente, os possíveis “padrões de cultura” identificados na sociedade. Laplantine (1987) salienta que a Antropologia Social e Cultural (ou Etnologia) é, hoje, o prin- cipal campo de atuação da Antropologia, uma vez que corresponde a praticamente tudo o que há na sociedade: “seus modos de produção eco- nômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sis- temas de conhecimento, suas crenças religiosas” (LAPLANTINE, 1987, p. 19). Portanto, a Etnologia é a área destinada a compreender a sociedade a partir do ponto de vista do homem. Conforme você, aluno(a), viu durante a formação das ciências sociais, a Antropologia pretende estudar a relação do homem em/na sociedade, enquanto o soció- logo estuda o funcionamento da sociedade, seja a partir das suas instituições ou a partir dos SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 59 mecanismos desenvolvidos pelos humanos para que a sociedade progrida. Será que a Antropologia sempre estudou os aspectos culturais para entender a ação do homem? Um dos pioneiros da área é Bronislaw Malinowski (1884-1942), que atribuiu a ela um caráter científico. Com a utilização da Etnografia, o autor ia até o campo de estudo para compre- ender melhor o dia a dia das comunidades do pacífico ocidental. A ideia de Malinowski para o trabalho do antropólogo é simples: nada como se tornar um deles para conhecê-los melhor. Seguindo essa máxima, o autor se mudou para as Ilhas Trobriand, defendendo, durante sua pes- quisa, aquilo que acreditava: é preciso fazer Antropologia no momento onde observamos determinado acontecimento. Com isso, afastava- -se a possibilidade de atuar antropologicamente a partir de informações alheias, isto é, sem ter a fidelidade dos conhecimentos adquiridos no campo (na área de pesquisa) pelo próprio antropólogo. Seu método conhecido como “observação participante” até hoje pauta os trabalhos na SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 60 Antropologia. Portanto, segundo Malinowski, não há melhor maneira de se fazer Antropologia senão participar cotidiana e rotineiramente com o nativo, ou seja, com o estranho que se ten- tará entender, para posteriormente estabelecer um padrão de cultura delimitado acerca de seu comportamento. Em Os Argonautas do Pacífico Ocidental, o autor se depara com essa realidade, traduzindo em seus diários as ações cotidianas do “nativo estranho” com o qual se deparou. O nascimento da Antropologia, como exposto, teve como objeto de estudo o homem não euro- peu. Ela se debruçou sobre o comportamento de civilizações encontradas pela expansão euro- peia e sua dominação nas mais diferentes partes do mundo. Considerou, dessa forma, compara- ções, classificações e escalonamento mediante valores que o homem ocidental impunha aos demais povos. Essa escala serviu para estabelecer a “linha evolutiva” que tinha a “Europa civilizada”, como afirma Augusto Comte, no topo. O pensador francês, fundador das teses positivistas, esta- belecia, no princípio da evolução civilizadora, as sociedades que tinham comportamentos SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 61 próximos ao dos primatas. Mais tarde, Morgan e mesmo Hegel seguiram por caminhos diferen- tes o mesmo critério de colocar os ocidentais na cadeia evolutiva. Charles Darwin é o autor de maior lembrança quando falamos de evolução, por mais que suas colocações sejam interpretadas de forma equi- vocada como uma justificativa de superioridade natural do homem europeu. O antropólogo francês considera que a lei do melhor adap- tado reside mais na capacidade de assimilação do ser vivo ao meio do que de sua competên- cia mental para garantir a permanência. Isto é, formas mais complexas de espécies podem ser eliminadas se não assimilarem determinadas mudanças no meio. A literatura também foi uma expressão da superioridade ocidental. Romances e aventu- ras fortaleceram o ideal do vitorioso homem branco. Nas páginas dos livros que se transfor- maram em clássicos durante os séculos XIX e XX, os personagens vitoriosos eram os exem- plares fiéis do corpo social do ocidente. Talvez, nenhum romance de aventura expressou com SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 62 maior intensidade esta ideia do que a Lenda de Tarzan. O homem branco está fadado, segundo a produção científica e literária produzida pelo ocidente, à conquista, à superioridade e à res- ponsabilidade de civilizar o mundo e, como um deus, recriá-lo a sua imagem e semelhança. Na conquista estabelecida sobre diversos povos, o homem ocidental julgou, absolveu e condenou. Sua sentença sempre está calcada na busca por si mesmo, segundo François Laplantine. Por isso, os que lhe pareciam conhecidos eram absolvidos e os que lhe causavam estranheza e o negavam deviam ser exterminados. Esse panorama da Antropologia, conforme anunciamos anteriormente, mudou: o que está em voga na modernidade é a busca pelo conhecimento dos padrões de cultura e compor- tamento de cada sociedade, além da valorização da peculiaridade das culturas. Antes vistas como estranhas e desvalorizadas,as culturas não euro- peias passaram a ter a devida importância na discussão antropológica. O que vale hoje para a Antropologia é a igualdade de análise das cul- turas, reforçando as particularidades e não a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 63 supremacia cultural de um em relação a outrem. Entretanto, para compreendermos essa abor- dagem, Laplantine esclarece ser necessário conhecer os conceitos de “social” e de “cultura”, uma vez que tanto a Antropologia quanto a Sociologia têm como finalidade o homem como objeto de estudo: O social é a totalidade das relações (rela- ções de produção, de exploração, de do- minação…) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo conjunto (etnia, região, nação…) e para com outros con- juntos, também hierarquizados. A cul- tura por sua vez não é nada mais que o próprio social, mas considerado dessa vez sob o ângulo dos caracteres distinti- vos que apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem como suas produções originais (ar- tesanais, artísticas, religiosas) (LAPLAN- TINE, 1987, p. 120). Nota-se, dessa forma, que a cultura reflete em sociedade os comportamentos individuais de cada grupo, que posteriormente irá formar a sociedade. A cultura, como já adiantamos, é a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 64 transmissão e o cultivo dos saberes e costumes de um grupo humano de forma coletiva, ou seja, com o convívio em/na sociedade. Logo, a cul- tura passa a integrar um objeto antropológico de conhecimento, na tentativa de responder quais são os padrões de cultura assumidos por cada grupo na humanidade. Observe que no itinerário que propusemos, da formação da Antropologia até a investigação da cultura para essa ciência, tentamos demonstrar a peculiaridade e a multiplicidade de culturas que você irá lidar ao longo da carreira docente. Veja que o processo de considerar as diferen- tes culturas (cada qual com sua importância) é algo próprio da Antropologia. Roberto DaMatta define esse conceito como a “relativização” das culturas: O “relativizando” que nomeia este livro, portanto, nada tem a ver com uma ideo- logia substantiva do universo social hu- mano, segundo a qual tudo é variável e tudo é válido. Muito ao contrário, trata- -se de uma atitude positiva e valorativa, expressa no meu “relativizando”, a cobrir o abraço destemido que damos quando SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 65 pretendemos entender honestamente o exótico, o distante e o diferente, o “outro” (DAMATTA, 1981, p. 10). Relativizar, segundo DaMatta, é valorizar as diferenças culturais existentes, sabendo tole- rá-las e, sobretudo, integrá-las na vida social. Portanto, a Antropologia aplicada à educação demonstra que, durante a carreira docente, é preciso saber relativizar as culturas, os modos de comportamento e o estilo de vida de cada aluno(a), na tentativa de facilitar o relaciona- mento estabelecido no ambiente escolar. Diante desse cenário, demonstramos que a Antropologia cumpre seu papel quanto aos fundamentos da educação: ela auxilia na com- preensão e comparação entre os dois objetos fundamentais e em constante mudança no processo de formação educacional, ou seja, a sociedade e a cultura. Ainda que ambas tenham boa linearidade de pensamento, são peças em aperfeiçoamento permanente, em uma engre- nagem complexa que é a história e a evolução do pensamento humano. O educador, nesta seara, deve estar prepa- rado para utilizar o que a Antropologia melhor SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 66 oferece, que é a “relativização” das culturas, além de se colocar no lugar do outro para melhor compreendê-lo, em um processo interminável de observação participante, conforme Malinowski, que poderá facilitar o entendimento das mudan- ças que a sociedade sofre. Assim, esperamos que a Antropologia possa fundamentar as bases do conhecimento das humanidades e, em con- junto com a Sociologia, ser parte da produção do saber. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 67 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, pudemos trabalhar com a forma- ção das Ciências Sociais ao longo dos anos, isto é, apresentamos a você, caro(a) aluno(a), como e porque existem três ciências que se dedicam a estudar a sociedade sob três pontos de vista: a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Quanto à Sociologia, que tem a sociedade como grande laboratório, pudemos constatar seu ambiente de formação, tendo como plano de fundo a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, dois marcos importantes para a com- preensão de que a vida citadina possui maior complexidade do que a campesina, o que reflete nas novas relações sociais, trabalhistas, políti- cas e comportamentais. Tal alteração do modo de vida do homem fez com que ele passasse a explorar novos espaços, ainda não descobertos (ou não explorados), o que demonstra a necessidade de compreen- dermos a cultura do outro para melhor nos entendermos. Surgia aí a Antropologia, desti- nada a estudar o homem e sua trajetória em/na sociedade. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA: COMPREENDENDO 68 A jornada até aqui estabelecida conduz para iniciar o propósito deste livro, indicado nesta Unidade I: aguçar o senso crítico da vida que estabelecemos socialmente. Isto é, olhar para além do já fixado, do que é dado pela sociedade para nós e do que ofertamos em troca para a sociedade. Em suma: a proposta é melhor com- preender o meio em que vivemos, dialogando, criticando e debatendo os caminhos para melho- rar o convívio social. Dessa forma, ainda fica a questão motriz do livro, porém já pautada de antemão: quais são os fundamentos sociológicos e antropológicos e a respectiva contribuição de ambos para a edu- cação? É o que pretendemos demonstrar nesta trajetória, iniciando pelos chamados autores clássicos da sociologia, que expuseram com pro- postas centrais um a um os estilos de vida na sociedade urbana em seus primórdios. 1. O conflito, típico das Ciências Sociais, é um dos destaques da problematização de con- ceitos existentes nessa área. A respeito des- sa predisposição, é correto afirmar que: a) Os conflitos, típicos das Ciências Sociais, são direcionados na tentativa de não con- trapor, mas igualar os problemas. b) O conflito é necessário, uma vez que a par- tir dele se pode compreender como as rele- vantes questões sociais afetam os debates acerca das Ciências Sociais. c) A problematização, típica das Ciências So- ciais, deixa de existir nas sociedades urba- nizadas. d) A urbanização e seu estudo só existem para as Ciências Sociais a partir do século XXI. e) O conflito, típico das Ciências Sociais, deve- ria ser estudado exclusivamente por essa ciência. 2. Acerca das áreas de conhecimento das Ci- ências Sociais, é correto afirmar que o estu- do das relações sociais e da dinâmica da so- ciedade corresponde a qual especificação? a) À Sociologia, que compreende a movimen- tação dos corpos em/na sociedade. b) À Antropologia, que se destinou ao estudo da cultura dos povos contemporâneos. c) À Ciência Política, destinada a compreen- der o Estado e as relações de poder. d) À Sociologia, destinada a entender como a política, sobretudo, influencia o dia a dia dos indivíduos. e) À Antropologia, voltada para o estudo dos primórdios da sociedade. 3. A aglomeração das pessoas em grandes centros urbanos e a maior concentração populacional fizeram com que as cidades recém-urbanizadas enfrentassem proble- mas estruturais. Considerando essas infor- mações, leia as assertivas que seguem e assinale a alternativa correta. I. O alcoolismo é uma das questões sociais en- frentadas no início da urbanização. II. A crescente urbanização levou a popula- ção às grandes jornadasde trabalho, que tinham em torno de 15 horas diárias. III. A alternativa criada para o tratamento de uma “sociedade doente” foram os manicô- mios, que surgiram como espaços para cui- dar daqueles que não apresentavam um satisfatório comportamento social. IV. As classes populares, formadas em sua maioria por grandes empresários, fizeram com que o ritmo da Revolução Industrial fosse acelerado. a) Estão corretas apenas I e II. b) Estão corretas apenas II e III c) Estão corretas apenas I e III. d) Estão corretas apenas I, II e III. e) Está correta apenas II. 4. A classe operária é uma das formas exis- tentes para o enfrentamento da violência do mundo urbano. Até hoje, os sindicatos - típicas organizações da classe trabalhado- ra - influenciam as decisões da legislação trabalhista, buscam as conquistas dos tra- balhadores e intermediam as relações en- tre empregador e empregado. Diante do papel da classe operária nas origens do mundo urbano, podemos afirmar que: a) A organização sindical foi uma das formas em que a classe operária se constituiu (e se constitui) em sociedade. Paralisações e quebra de máquinas foram as ações toma- das, por exemplo. b) Os sindicatos pouco representavam as clas- ses operárias da época, pois mais atrapalha- vam do que ajudavam na intermediação de crises entre os empresários e os trabalha- dores. c) A ausência de greves na Inglaterra do sécu- lo XIX demonstra a fragilidade sindical. d) A classe operária sempre aceitou com tran- quilidade as medidas tomadas pelos pro- prietários das indústrias nas origens da so- ciedade urbana. e) Os sindicatos, exemplos de resistência do empresariado, ainda não resultaram em medidas positivas para a classe trabalhado- ra. 5. Na formação da sociedade urbana, diver- sos problemas surgiram na consolidação dos núcleos habitacionais. Cite e comente quais foram esses problemas, analisan- do quais seus impactos na origem da so- ciedade urbana. A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA — WRIGHT MILLS A imaginação sociológica capacita seu possui- dor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de nume- rosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta como os indivíduos, na agitação de sua expe- riência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas posições sociais. Dentro dessa agitação, busca-se a estrutura da sociedade moderna, e dentro dessa estrutura são formuladas as psicologias de diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansieda- de pessoal dos indivíduos é focalizada sobre fatos explícitos e a indiferença pelo público se transforma em participação nas questões pú- blicas. O primeiro fruto dessa imaginação — e a primeira lição da ciência social que a incorpora — é a ideia de que o indivíduo só pode compreender sua própria experiência e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de seu período; só pode conhecer suas possibilidades na vida tornando- -se cônscio das possibilidades de todas as pesso- as, nas mesmas circunstâncias em que ele. Sob muitos aspectos, é uma lição terrível; sob muitos outros, magnífica. Não conhecemos os limites da capacidade que tem o homem de realizar esfor- ços supremos ou degradar-se voluntariamente, de agonia ou exultação, de brutalidade que traz prazer ou de deleite da razão. Mas em nossa épo- ca chegamos a saber que os limites da “natureza humana” são assustadoramente amplos. Chega- mos a saber que todo indivíduo vive, de uma ge- ração até a seguinte, numa determinada socie- dade; que vive uma biografia, e que vive dentro de uma sequência histórica. E pelo fato de viver, contribui, por menos que seja, para o condicio- namento dessa sociedade e para o curso de sua história, ao mesmo tempo em que é condiciona- do pela sociedade e pelo seu processo histórico. A imaginação sociológica nos permite com- preender a história e a biografia e as relações entre ambas, dentro da sociedade. Essa é a sua tarefa e a sua promessa. A marca da análise so- cial clássica é o reconhecimento delas [...]. É a marca do que há de melhor nos estudos con- temporâneos do homem e da sociedade. Nenhum estudo social que não volte ao pro- blema da biografia, da história e de suas inter- ligações dentro de uma sociedade completou a sua jornada intelectual. Quaisquer que sejam os problemas específicos dos analistas sociais clássicos, por mais limitadas ou amplas as ca- racterísticas da realidade social que examina- ram, os que tiveram consciência imaginativa das possibilidades de seu trabalho formula- ram repetida e coerentemente três séries de perguntas: 1) Qual a estrutura dessa sociedade como um todo? Quais seus componentes essenciais e como se correlacionam? Como difere de outras variedades de ordem social? Dentro dela, qual o sentido de qualquer característica particular para a sua continuação e para a sua transfor- mação? 2) Qual a posição dessa sociedade na história humana? Qual a mecânica que a faz modifi- car-se? Qual é seu lugar no desenvolvimento da humanidade como um todo e que sentido tem para esse desenvolvimento? [...] 3) Que variedades de homens predominam nessa sociedade e nesse período? E que varie- dades irão predominar? De que formas são se- lecionadas, formadas, liberadas e reprimidas, tornadas sensíveis ou impermeáveis? Que ti- pos de “natureza humana”, se revelam na con- duta e caráter que observamos nessa socieda- de, nesse período? [...] Fonte: Mills (1965, p. 11-8). MATERIAL COMPLEMENTAR Teoria Social Ana Christina Vanali (Organizadora) Editora: Núcleo de Estudos Paranaenses Sinopse: o presente trabalho articula em coletânea um resumo dos principais teóricos da Sociologia, possibilitando que o(a) acadêmico(a) possa “viajar” pela matriz de conhecimento dessa área. Karl Marx, Émile Durkheim, Max Weber, Karl Polanyi, Karl Mannheim, Norbert Elias, Howard Becker e Pierre Bourdieu são retratados nesta obra, de fácil leitura e de conteúdo didático. MATERIAL COMPLEMENTAR Sociologia Clássica — Marx, Durkheim e Weber Carlos Eduardo Sell Editora: Vozes Sinopse: a partir da importância de Marx, Durkheim e Weber para a matriz sociológica, Carlos Eduardo Sell retoma a teoria sociológica demonstrando os modelos básicos de pensamento dos autores, as características de cada um e os desa� os propostos para a análise da modernidade. a partir da importância Aprender antropologia François Laplantine Editora: Editora: Brasiliense Sinopse: leitura clássica acerca da Antropologia. François Laplantine faz uma trajetória em três partes sobre a história do pensamento antropológico: a história, as tendências e as especi� cidades. Antropologia. François Laplantine faz MATERIAL COMPLEMENTAR Tempos Modernos Clássico que retrata a frenética vida de um operário em uma linha de produção. Esse � lme de Charles Chaplin demonstra as di� culdades enfrentadas pelos trabalhadores depois da Revolução Industrial. É ótimo para retratar as mudanças da Europa, em sua transição de rural para urbana. Ofício do Sociólogo Neste texto-resumo, é possível observar os comentários de Pierre Bourdieu e de outros autores acerca da prática da sociologia no dia a dia. Link disponível em: <http://sociodialy.blogspot. com.br/2007/06/o-ofcio-de-sociolgo.html>. GABARITO 1. B. 2. A. 3. D. 4. A. 5. A concentração populacional nas cidades ocasionou diversos problemas, como o al- coolismo, os homicídios, os latrocínios e a prostituição. A condição de vida do opera- riado, que trabalhava cerca de 15 horas diá- rias, contribuía para esse cenário de ridicu- larização humana. U N ID A D E II Professor Dr. Tiago Valenciano Professor Me. Gilson Costa de Aguiar SOCIOLOGIA CLÁSSICAI OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Reconhecer o contexto do nascimento da Antropologia e da Sociologia como Ciência. ■ Dominar a formação das teses positivistas e suas críticas ao liberalismo e socialismo. ■ Estudar a formação do estruturalismo como método de análise social. PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A sociedade, um “objeto estranho” ■ Auguste Comte ■ A herança positiva no estruturalismo de Émile Durkheim SOCIOLOGIA 84 INTRODUÇÃO Prezado(a) aluno(a), o desenvolvimento da Sociologia e da Antropologia está ligado dire- tamente ao desenvolvimento da sociedade ocidental capitalista. Nela surgiu a necessidade de compreender as transformações que passou a Europa. A formação de uma vida urbana tensa gerou novos fatos sociais ainda desconhecidos para o mundo europeu. As tensões sociais se agravaram com o desen- volvimento industrial. Homicídio, alcoolismo e suicídio são alguns dos fatos que geraram preo- cupação para o destino da vida social na cidade. O crescimento urbano acarretou desordens e fez surgir as revoltas operárias e as primeiras manifestações contrárias à sociedade industrial nascente. A cidade foi o palco da crise social, por meio dos movimentos quebra-máquinas e da formação do Partido Social Democrata ale- mão, tendo como um de seus fundadores Karl Marx. Na crise, os pensadores europeus passaram a se dedicar em entender os comportamentos SOCIOLOGIA 85 sociais urbanos e suas razões. Quais fatores pro- moviam a violência, o alcoolismo, o suicídio e os homicídios? Por que em tão grande escala a vida social se degenerava? Nesta unidade, vamos sempre associar os métodos aos fenômenos sociais. Não podemos abrir mão de uma análise dos clássicos sem entender os fenômenos que estimularam os pen- sadores europeus que fundaram a Sociologia. Em uma sociedade considerada perdida pelo caos instalado e expresso no conflito entre os grupos humanos, alguns acreditavam que a crise passaria e que era necessário acomodar a ordem social ao desenvolvimento. Auguste Comte e Émile Durkheim são os teóricos a serem analisa- dos, já que buscaram respostas para a sociedade de seu tempo e estabeleceram as bases de uma Ciência que se desenvolveu e prosperou até nos- sos dias. Se ainda continuamos a estudar os clássicos e considerar suas análises válidas, é porque muitos dos problemas sobre os quais eles se debruça- ram ainda continuam se apresentando, talvez com uma nova roupagem. SOCIOLOGIA 86 A SOCIEDADE, UM “OBJETO ESTRANHO” A análise da vida social foi preocupação para vários cientistas sociais. A maioria buscava estabelecer princípios de moralidade e uma ide- alização de conduta necessária, orientando a ação na vida social com elementos de ética e moral que pudessem superar os atritos da vida coletiva. As instituições religiosas se dedica- ram a compreender os males sociais como algo orientado pelas tendências malignas que aten- tavam a vida humana. SOCIOLOGIA 87 Os homens da racionalidade, por sua vez, valo- rizavam a razão como forma de compreensão e ação, mas sem o entendimento do fenômeno social. Partia-se do princípio de que o homem deveria se orientar diante dos outros, os quais eram desconhecidos da compreensão da Ciência. Dois acontecimentos de grande tensão social, que emergiram da necessidade de uma compreensão científica da sociedade, foram a industrialização e o crescimento das cidades de forma desordenada. A vida urbana produ- ziu fenômenos de instabilidade social em uma proporção nunca vista. São exemplos o desen- volvimento do alcoolismo, da prostituição, do homicídio, do suicídio e do latrocínio; Sem con- tar os distúrbios provocados por manifestações coletivas, que eram encarados por muitos intelec- tuais e homens de Estado como um “problema”. Nos séculos XVIII e XIX emergiram grandes cidades e bairros formados sem planejamento, em muitos casos havia uma concentração desordenada de indivíduos. Nesses ambien- tes periféricos e urbanos, eram confrontadas as regras estabelecidas na vida rural, a qual não se podia mais reproduzir na cidade. Ao mesmo SOCIOLOGIA 88 tempo, as condições de sobrevivência no mundo urbano se mostravam violentas. Revoltas populares contra as máquinas no século XVIII, na Inglaterra, foram uma expressão dessa contradição. Os operários consideravam que os maus-tratos impostos a eles eram con- sequência da existência das máquinas. Dessa forma, se elas fossem destruídas, a relação com a classe patronal seria mais humana. Ao longo da história, a luta contra o desenvolvimento tec- nológico se mostrou em vão. Outras tendências se colocavam em oposição ao caos social, resgatando as “tradições” e con- siderando que a perda de um comportamento moral seria responsabilidade das transformações econômicas que a sociedade estava vivendo. O regime de liberdade era questionado e colocado como o fator de permissividade para o que se chamava de “imoralidade”. Em alguns países, como a França, logo após a derrota de Napoleão Bonaparte, em 1815, quando se viveu a restauração do “antigo regime”, aconteceu o retorno ilusório de uma sociedade de ordens, que prometeu resgatar o caos, mas apenas aprofundou a crise social. Uma lição SOCIOLOGIA 89 que se tirou da Europa no século XIX é que não há retorno quando se tem mudança, principal- mente uma revolução. A sociedade europeia não foi a mesma após a Revolução Industrial (1750) e Revolução Francesa (1789). As correntes liberais ascen- deram na vida pública e passaram a dominar o cenário político no Continente. Fora da Europa, e como um desdobramento dos seus movimen- tos liberais, os Estados Unidos foi a primeira colônia a se tornar independente e iniciar a ruptura das colônias europeias na América. A implantação dos regimes liberais, porém, não foi compreendida como a superação dos pro- blemas sociais. As críticas às teses liberais e aos governos que ela respaldou, sejam monarquias ou repúblicas, acentuaram-se. Duas tendências cresceram no contexto de crítica aos problemas urbanos nas cidades industrializadas da Europa. O primeiro foi o socialismo, inicialmente utópico, que se pro- pagou na França e Inglaterra. A tendência de crítica estabelecida por essa corrente não refu- tava efetivamente a economia industrial, mas considerava que a desigualdade deveria ser SOCIOLOGIA 90 combatida pelo Estado. O governo deveria se comprometer a intervir na vida social e econô- mica, visando garantir as condições mínimas para os indivíduos que se encontravam amea- çados pela exploração econômica e pela miséria que a constituição do proletário estabeleceu. Mais tarde, o socialismo enriqueceu suas teses e gerou uma crítica mais contundente ao capi- talismo em desenvolvimento. Com Karl Marx, teórico alemão, foi estudado criteriosamente. Seus estudos iniciaram pela mercadoria, pela produção da vida material e pelas relações entre as classes formadas pela economia, pelos pro- prietários dos meios de produção (a burguesia) e pela força de trabalho (o proletário). A tese do materialismo histórico e dialé- tico será entendida ainda nesta unidade. Aqui, porém, é importante pontuar que no nascimento da Sociologia há um posicionamento da socie- dade capitalista em formação, seja na crítica, como as teses de Marx, ou na defesa de uma reorganização da vida em sociedade, como pro- pôs Comte ou Durkheim, os quais passaremos a analisar a partir de agora. SOCIOLOGIA 91 A preocupação com a organização da vida social foi cultuada por muitos pensadores. Podemos considerar que mesmo entre os liberais havia a busca de estabelecer uma relação entre a particularidade das sociedades eos proble- mas que elas atravessavam, sejam eles comuns ou não. A distinção de valores entre uma nação e outra era clara; afinal, sempre foi perceptível ao homem que o comportamento de determi- nadas sociedades diante de problemas idênticos não era o mesmo. Dessa forma, seria possível estabelecer um critério comum na análise de sociedades distintas? A instalação do liberalismo gerou uma eufo- ria nos países da Europa onde ele foi instalado. Na França e Inglaterra, onde as ideias liberais se consolidaram, na primeira em forma de revolu- ção e na segunda como reorganização do poder, o liberalismo promoveu o expansionismo da empresa econômica associada à ação militar. Entre os ingleses, o desenvolvimento de uma indústria fundada na maquinofatura gerou a busca por novos mercados e a necessidade do estado intervir na vida social para adaptar a sociedade à empresa capitalista emergente. Não é SOCIOLOGIA 92 por acaso que os interesses do parlamento inglês tinham dois direcionamentos. Primeiramente, criar um ambiente que facilitasse o desenvol- vimento dos meios industriais, por meio de capitais que eram obtidos externamente para serem aplicados no território britânico. Depois, forçar a abertura de mercados em todo o mundo para a compra de produtos ingleses, utilizando todo o aparato bélico e, principalmente, naval, necessário para esse intento. A contradição se estabeleceu no território britânico, que passou a ter acesso a uma quan- tidade imensa de produtos e capitais, que nunca antes na história britânica migraram para o seu território. Ao mesmo tempo, parte considerável da população de trabalhadores ingleses vivia em condições de miséria extrema. Assim, a riqueza e a pobreza se apresentavam como condições antagônicas de um mesmo sistema. Na França, o processo revolucionário que se instalou com a Queda da Bastilha (1789) deu início a uma guerra civil e, posteriormente, a um confronto com os países vizinhos. Essa sequ- ência de conflitos marcou a história da Europa e se tornou o marco da passagem do Período SOCIOLOGIA 93 Moderno para o Contemporâneo. A popula- ção francesa não conheceu a paz ou a realização do ideal liberal idealizado antes do processo revolucionário. O que os franceses tiveram que conviver foi com uma sequência de regimes que se proclamavam liberais, mas não conse- guiam gerar a paz para estabilizar a vida social e econômica. Quem acabaria por estabelecer a paz com durabilidade dentro do território francês, mas não por muito tempo, foi Napoleão Bonaparte. O general que se fez imperador assumiu o governo da França em 1799, após um golpe de estado e foi derrubado por uma coligação de países que o depôs definitivamente em 1815. Contudo, o período napoleônico significou uma mudança definitiva na vida social e econômica francesa. Bonaparte inspirou músicos como Ludwik van Beethoven e intelectuais como Auguste Comte. Enquanto o primeiro se arrependeu de uma sinfonia dedicada a Bonaparte, o segundo se inspirou para desenvolver a defesa do governo da eficiência. SOCIOLOGIA 94 AUGUSTE COMTE Nascido em 1798, na França, em Montpellier, Auguste Comte foi, ainda muito jovem, um especulador da vida social e da dinâmica das Ciências Naturais. Dois interesses que na maio- ria dos pensadores era uma contradição incon- ciliável, mas para aquele que veio a ser um dos fundadores da Sociologia era uma possibili- dade que se mostraria inovadora, por meio da busca de trazer as leis naturais para a análise da vida social. Em 1814, já na decadência do Império Napoleônico, Comte ingressa na Escola Politécnica de Paris. Um centro de formação de cadetes voltado ao desenvolvimento do corpo intelectual do estado francês. Uma carreira que Comte pretendia manter. Contudo, foi levado a ingressar no Movimento Socialista Francês, SOCIOLOGIA 95 liderado por Saint-Simon, na busca de desen- volver um modelo ideológico que influenciasse a administração francesa na busca de atender as melhorias da vida da população. Uma ilusão que Comte em pouco tempo rompeu. O rompimento entre Comte e Saint-Simon ocorreu por diversos fatores, o mais conhecido foi a mania do mestre do socialismo utópico de roubar as ideias de seus discípulos. Simon não costumava ser muito original em suas ideias, mas isso acontecia por um motivo de por dis- cordância teórica, já que os dois apresentavam análises opostas. Enquanto Comte acreditava em uma interferência neutra do Estado, Saint- Simon tendia a um acordo político de tendência pequeno-burguesa. Comte chegou a acusá-lo de se aproximar de empresários franceses e favo- recê-los, manipulando os movimentos sociais franceses. Outra crítica foi a de intelectualizar o movimento político e gerar uma casta intelectual beneficiária da liderança social. Traçando um caminho próprio, Comte busca, então, uma análise mais objetiva dos fenômenos sociais e passa a considerar o método das Ciências Naturais como um instrumento fundamental na SOCIOLOGIA 96 construção de princípios para entender o desen- volvimento da sociedade humana. Para ele, a sociedade ocidental era o cume de uma cadeia evolutiva do conhecimento desenvolvido pelas sociedades humanas. Nesta evolução, as socie- dades passaram por estágios semelhantes, mas algumas ainda se encontram, segundo ele, em uma etapa mística do pensamento, a infância. Para ele, a própria Física Social, nome dado à Sociologia em sua origem, estava ligada a esse processo de desenvolvimento e deveria ter como objeto de estudo a compreensão dos fenômenos sociais como resultado da evolução que as dife- rentes civilizações viveram até chegar à “Europa civilizada”: Entendo por Física Social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenô- menos sociais, considerados com o mes- mo espírito que os fenômenos astronômi- cos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, como submetidos a leis naturais invariá- veis, cuja descoberta é o objetivo especial de suas pesquisas. Propõe-se, assim, a ex- plicar diretamente, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desen- SOCIOLOGIA 97 volvimento da espécie humana, conside- rado em todas as suas partes essenciais; isto é, a descobrir o encadeamento neces- sário de transformações sucessivas pelo qual o gênero humano, partindo de um estado apenas superior ao das sociedades dos grandes macacos, foi conduzido gra- dualmente ao ponto em que se encontra hoje na Europa civilizada. O espírito des- ta ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo aprofundado do passado, a verda- deira explicação do presente e a manifes- tação geral do futuro (COMTE, 1989, p. 53). É possível perceber que a Ciência tem um papel fundamental na teoria de Comte, mas não a Ciência de uma forma geral. Para ele, as Ciências Naturais são as verdadeiras Ciências Positivas, que se somam para a construção da superio- ridade da civilização ocidental, para gerar a maturidade necessária para que o conhecimento possa intervir na análise da vida social. Por isso, para ele, a Ciência já teria atingido esse grau de maturidade no Ocidente, no que ele chama de “Europa civilizada”. SOCIOLOGIA 98 Na própria citação, é possível compreender a evolução do conhecimento científico e os seus estágios. A Física Social é fruto de um desdobra- mento das Ciências Naturais, por meio de um processo de evolução que tem como princípio a Matemática, desdobrando-se em sua evolu- ção na Astronomia, na Física, na Química e na Biologia (Fisiologia para ele). A Medicina seria, para Comte, a Ciência que se aproximaria no exercício da profissão do perfil de interferência do físico-social. Cabe ao médico diagnosticar a doença diante dos dados levantados empiri- camente, cabe ao sociólogoa análise dos fatos sociais diagnosticados pelos mesmos critérios da Medicina, ou seja, a Fisiologia. Se considerarmos quem seriam os precursores da Ciência Positiva, Comte aponta Bacon, Galilei e Descartes. Para ele, foram os que deslumbra- ram a capacidade da Ciência compreender, por meio dos fenômenos físicos, as leis que regem a natureza. Mais que isso, criaram um método seguro, que permite a acumulação do conheci- mento e seu desenvolvimento posterior. SOCIOLOGIA 99 Segundo o próprio Comte (1989): A época em que as ciências começaram a tornar-se verdadeiramente positivas deve ser reportada a Bacon, que deu o primei- ro sinal dessa grande revolução; a Galileu, seu contemporâneo, que lhe deu o primei- ro exemplo, e, por fim, a Descartes, que destruiu irrevogavelmente nos espíritos o jugo da autoridade em matéria científica. Foi então que a filosofia natural nasceu e que a capacidade científica encontrou seu verdadeiro caráter, como elemento espi- ritual de um novo sistema social. A partir dessa época, as ciências torna- ram-se sucessivamente positivas na or- dem natural que deviam seguir para tal fim, isto é, segundo o grau maior ou me- nor de suas relações com o homem. Foi assim que a Astronomia em primeiro lu- gar, em seguida a Física, mais tarde a Quí- mica, e, enfim, nos nossos dias, a Fisiolo- gia, constituíram-se em ciências positivas. Esta revolução está, portanto, plenamente efetuada em todos os nossos conhecimen- tos particulares, e tende evidentemente a operar-se hoje na Filosofia, na Moral e na SOCIOLOGIA 100 Política, sobre as quais a influência das doutrinas teológicas e da metafísica já foi destruída aos olhos de todos os homens instruídos, sem que, contudo, estejam elas ainda fundas em observações. É a única coisa que falta ao desenvolvimento do nosso sistema social (COMTE, 1989, p. 55). Nesta citação, fica claro o papel das Ciências Naturais como também da ruptura que pensado- res como Bacon, Galileu e Descartes fizeram com a Filosofia Humanista. Não podemos esquecer que o conhecimento científico que foi promo- vido partindo da lógica da Ciência Moderna acabou por romper com a tradição filosófica da racionalidade científica. Pensar o homem era pré-requisito para pensar as coisas, em espe- cial os elementos da natureza. O que Comte propõe é a razão inversa: nós somos elementos dentro de uma lógica universal, obedecemos as leis naturais dentro da vida social, assim como a astronomia e a física já demonstraram por meio da comprovação da existência empírica destas leis. SOCIOLOGIA 101 Vale ressaltar que para Comte o único conhe- cimento o qual, partindo da abstração, consegue se positivar por meio da experimentação é a Matemática. Ela é a Filosofia das Ciências Naturais. A lógica matemática se constitui na raiz do pensamento positivo, das ciências que se positivaram. O avanço do conhecimento cientí- fico partindo da Matemática gerou a capacidade de dimensionar de forma precisa a condição dos fenômenos físicos e compreender o seu movimento lógico. Isto é, se observarmos os fun- damentos da Física, Química e Biologia, vamos encontrar a Matemática servindo como base. Quando Comte fala da positivação da polí- tica e da moral, ele acredita que a maturidade do homem culto se libertou de princípios superfi- ciais sobre a conduta social e seus fatores. Para ele, o comportamento dos homens em sociedade deveria ser orientado pela racionalidade estabe- lecida mediante a compreensão dos fenômenos sociais fundados na condição coletiva da vida. Isto é, não se deve analisar e julgar um fenômeno social utilizando critérios teológicos ou abstra- tos, mas sim dados científicos, elementos que comprovam a função e a condição de existência SOCIOLOGIA 102 de tais fenômenos. Aqui, seria importante lem- brarmos que os fenômenos sociais estão, muitas vezes, carregados de um julgamento místico e religioso. Se considerarmos, por exemplo, a ques- tão polêmica do aborto na sociedade brasileira, ela é tratada mais pela mistificação do fenômeno do que pela sua compreensão científica. Segundo a análise de Comte, deveríamos ter a preocupação de trazer essa questão para a lucidez dos fatos e para a necessidade de uma intervenção eficiente do estado, sem mistificá-la. Se há um número excessivo de abortos, é pre- ciso ter conhecimento da proporção do que ele ocasiona e os fatores que o determinam. Por não termos essa compreensão racional e positiva dos fenômenos do aborto, promovemos a manuten- ção de uma prática que a justiça condena, mas não contém. Isto é, proibir não significa conter. Por isso, para Comte, a eficiência deveria ser determinante no trato das questões sociais e na superação dos problemas que a vida em sociedade gera. A eficiência da Ciência que se fundamenta na objetividade não está só em detectar os conflitos e os impasses para o desen- volvimento, mas também preveni-los e gerar SOCIOLOGIA 103 a capacidade de antecipar crises. Para isso, é necessária a administração tecnocrata, ou seja, especialistas nas áreas de governança. Para as mais diferentes especialidades que o Estado atua, deve haver um técnico ou um cientista para rea- lizar a condução. Muitos governos se instituíram como vol- tados a esse propósito. Na história brasileira, o princípio do positivismo inspirou principal- mente os militares, em especial do Exército. Crentes em um governo fundado na eficiên- cia e na meritocracia, os militares tomaram o poder diversas vezes na defesa de uma moder- nização do Brasil por meio das teses positivas. Mesmo a Proclamação da República (1889), feita pelos militares, foi inspirada na purifica- ção do regime, na moralização do Estado e na eficiência da máquina pública, ou seja, nas teses positivistas. O lema expresso na bandeira brasi- leira (Ordem e Progresso) é inspirado nas teses de Comte. A ordem científica promove o pro- gresso humano. O método defendido por Comte se sustenta nos mesmos critérios das Ciências Naturais. Para ele, o pesquisador dos fenômenos sociais deve SOCIOLOGIA 104 se postar diante de seu objeto da mesma forma que o físico, o químico ou o biólogo. Deve-se ater, ainda, aos fatos observáveis, mensuráveis e que necessitam ser comparados e classifica- dos. A objetividade é um critério fundamental para o cientista social positivista. Outro aspecto importante do método posi- tivo, que costumeiramente gera polêmica, é a neutralidade científica. Isto é, o pesquisador não pode se deixar envolver pelos valores sub- jetivos, teológicos ou abstratos, que deturpem a análise do fenômeno ou que lhe imponha um julgamento prévio. A objetividade está ligada diretamente à neutralidade. Caso se dedique exclusivamente aos fatos observáveis, passíveis de mensuração, de pro- porcionalidade e de correlação objetiva com outros fenômenos a ele relacionados pela ligação direta e objetiva, o pesquisador atingirá a ver- dade. Um exemplo a ser considerado é a prática do homicídio: por mais que haja repulsa moral à sua prática, ele existe ao longo da história, é uma constante social. Segundo Enzensberger (1995, p. 9), “os animais lutam, mas não fazem guerra. O homem é o único primata que planeja SOCIOLOGIA 105 o extermínio dentro de sua própria espécie e o executa entusiasticamente e em grandes dimensões”. Quantos fatos não são uma constante? O comportamento social se mantém em algumas sociedades como uma necessidade da própria ordem. Um elemento que garante a eficiência da vida social. Esses fenômenos merecem um des- taque maior na análise das diferentes sociedades. Se levarmos em consideração que o trabalho desempenha um papel vital para a manutenção da vida coletiva, em qualquer período histórico, ele é umadessas constantes. O engraçado nos dias atuais é o quanto as pessoas desprezam a função do trabalho na construção de um pro- jeto de estabilidade futura. Comte, quando analisou a ordem econômica, considerava que o trabalho em uma sociedade complexa como a capitalista industrial, fun- dada em uma divisão de trabalho, necessita preparar os seus membros para cumprirem as diferentes funções que a vida social exige. Dessa forma, para ele, cabe ao Estado orientar o desen- volvimento de uma sociedade, estimulando o trabalho especializado para que cada um dos SOCIOLOGIA 106 seus membros se adéque às necessidades que a sociedade exige. Em uma sociedade como a nossa, na qual discutimos a necessidade do trabalho técnico profissionalizante, as teses positivistas nos orien- tariam para o investimento na qualificação, ou seja, na promoção de um ensino voltado ao mer- cado de trabalho, nos mais diferentes níveis de conhecimento e grau de complexidade. Essa necessidade deve estar, para o positivismo, acima dos desejos particulares. Os cargos de comando social devem ser ocupados por quem tem uma qualificação de maior custo e tempo para o Estado, por isso, seria relegada a poucos. A escolha dos que deveriam ascender às fun- ções mais importantes deve privilegiar o grau de eficiência com um critério de avaliação que priorize a competência para o cargo. Devem-se priorizar os benefícios da ordem social e não os interesses particulares, de setores determi- nados. Se determinados grupos estão sendo marginalizados, deve-se entender os fatores desta marginalização. Eles não devem, porém, colocar em risco as prioridades da ordem. Não SOCIOLOGIA 107 podemos estimular as diferenças em detrimento da ordem social eficiente. A maturidade social não é algo fácil dentro de uma sociedade na qual as forças são diversas. Para Comte, a conquista de um desenvolvimento econômico em um grau mais elevado só pode ser alcançada após a sociedade atingir uma matu- ridade na capacidade de agir fundada na razão científica. Para ele, o crescimento do capitalismo está relacionado diretamente a isso. A economia só pode se desenvolver na condição da socie- dade industrial após o aprimoramento científico e técnico dos meios de produção. Dessa forma, o capitalismo é um estágio superior do desen- volvimento econômico, em especial quando se deixa levar pelas leis de mercado e se orientar por uma racionalidade científica. A LEI DOS TRÊS ESTÁGIOS Um dos princípios fundamentais defendidos por Comte é a Lei dos Três Estágios. Nela, o autor busca a compreensão do desenvolvimento social mediante a presença do conhecimento científico na vida social. A Ciência está presente SOCIOLOGIA 108 nas relações entre o homem e as instituições que servem de orientação para a ordem social. Também podemos considerar a própria explica- ção do homem sobre a natureza e os elementos que atingem diretamente sua relação com as leis naturais. Por isso, anteriormente, as leis naturais desven- dadas nas teses de Galileu e Bacon são elogiadas por Comte como uma conquista importante na busca de compreender as leis universais e orientar o homem para o conhecimento cientí- fico moderno, separando a Ciência da Filosofia. Essa maturidade do pensamento, para ele, atin- giu outros campos de conhecimento e hoje já estaria em seu grau satisfatório para ser usada na análise do desenvolvimento social humano. Quais seriam, porém, esses estágios de desen- volvimento? O primeiro é o estado teológico, em que os fenômenos naturais só podem ser compreendidos com a crença em um elemento divino, que oriente a vida dos homens e promova as condições nas quais ele está inserido. Logo, o conhecimento que temos da vida e das coisas que nos cercam é considerado, neste estágio de desenvolvimento, como superficial. Esse estado SOCIOLOGIA 109 permite ao homem uma verdade carregada de princípios sustentáveis apenas se admitirmos a existência de uma entidade acima da capacidade de compreensão humana, que seria o verdadeiro condutor da vida. O segundo é o estado da abstração, que, para Comte, desempenha o papel de passagem do estágio teológico para o físico, que veremos logo mais. Nele, o homem rompe com as explicações teológicas e estabelece uma relação racional com o mundo, tentando entendê-lo dentro de catego- rias lógicas. Esse estágio permite a análise pela cadeia de fenômenos observáveis, mas apenas de forma superficial, ainda sem uma comprovação empírica e que siga leis previamente estabeleci- das pela observação. O pensamento abstrato é resultado das con- dições de desenvolvimento da racionalidade científica fundada em leis naturais. Os dados observáveis vêm daquilo que existe enquanto fenômeno, mas a compreensão de sua essência ainda não é entendida desta forma pelo pensa- mento abstrato. As regras do conhecimento não estão estabelecidas a partir das leis observáveis e nela se sustentam. SOCIOLOGIA 110 Há leis naturais que regem os fenômenos para Comte, as quais devem ser os elementos que conduzem a observação. Contudo, resultam da pesquisa constante de comprovação de sua exis- tência, como as leis da Física e da Química. Um avanço neste sentido só foi possível na sociedade atual. Nela, o pensador considera que a matu- ridade atingida pela Ciência já permite utilizar os métodos das ciências naturais para compre- ender os fenômenos sociais. Por isso é necessário a compreensão sobre os fenômenos físicos, fundamentais para con- solidar o desenvolvimento da Ciência. Eles já atingiram todos os níveis necessários nos demais campos dos conhecimentos, segundo Comte. Já se alcançou a maturidade do pensamento na Astronomia, Física, Química e Biologia (nas Ciências Naturais de uma forma geral). Agora, o próximo passo será o amadurecimento dos demais campos do conhecimento. Logo, para ele, não só a Sociologia seria o resultado do avanço das Ciências Naturais, mas também a Economia, a Política e, até mesmo, a Ética pode- riam ser conduzidas pelos mesmos critérios das Ciências Naturais. SOCIOLOGIA 111 Diante dessa maturidade do pensamento físico e da possibilidade de um estágio superior da organização da vida social, a sociedade pode- ria atingir um progresso nunca visto antes, que resultaria de uma harmonia estabelecida entre os diferentes órgãos (funções) sociais. Integrados e na busca de um mesmo sentido de ação, os organismos sociais resultariam, então, em uma submissão ao órgão maior, o corpo social. Quem seria o condutor no sentido de integrar e dar eficiência à sociedade seria o Estado. Este, administrado por políticos que conduzissem a sociedade para a superação de seus problemas de forma racional e objetiva; por isso, como comentamos anteriormente, a necessidade de positivar a política. O homem público deve ter uma ação fundada na objetividade do conheci- mento e sua escolha deve se pautar na eficiência. O estágio superior de organização da vida social é o estágio positivo, ou seja, aquele cujos fenômenos sociais podem ser compreendidos por meio da comprovação da própria ciência. O estágio positivo, para Comte, é o positivismo em si, o desenvolvimento máximo do seu modo SOCIOLOGIA 112 de pensar a sociedade e, da mesma forma, a organização das ciências. A característica basi- lar deste estágio de desenvolvimento humano é, portanto, investigar a natureza e comprovar as descobertas realizadas de modo a garantir a aplicação prática destas, levando ao desenvolvi- mento tecnológico e a mais conforto material. Último na escala do pensamento de Auguste Comte, o estágio positivo é direcionado à orga- nização das teorias acerca da sociedade via física-social, ou seja, a partir da explicação de uma ciênciaque possa analisar os movimentos dos corpos em/na sociedade. O positivismo, que, posteriormente, se tornou uma filosofia de vida e religião, em que a ciência era a máxima de seus dogmas, obteve muitos adeptos no Brasil, no con- texto da Proclamação da República, em 1889. O lema da bandeira nacional (ordem e progresso) é uma derivação do lema do positivismo pro- posto por Comte: o amor por princípio, a ordem como base e o progresso por fim. Vale ressaltar que a religião positivista era vista como a “reli- gião da humanidade”, uma espécie de profecia imanada por Comte, que imaginava angariar adeptos crentes em seus ideais. SOCIOLOGIA 113 O pensamento de Comte auxiliou no entendi- mento da vida social, oferecendo a possibilidade de formar um método de análise criterioso e com meios de mensurar os fenômenos sociais na mesma condição dos fenômenos naturais. Muitas dessas teses positivistas não só serão questionadas, mas também utilizadas ao longo do amadureci- mento da Ciência fundada pelo pensador francês. Não se pode negar, porém, a importância que tiveram as primeiras bases de análise de Comte. Elas permitiram a busca por delimitar um campo de atuação para uma Ciência que tivesse como foco a vida social e seus fenômenos. A HERANÇA POSITIVA NO ESTRUTURALISMO DE ÉMILIE DURKHEIM Também francês, o pensador Durkheim foi influenciado pelas teses comtinianas. Contudo, não foi apenas um desdobramento ou aprimo- ramento, foi a superação das teses positivas e a apresentação SOCIOLOGIA 114 de novos ingredientes que deram um salto qua- litativo na análise da sociedade industrial. Durkheim foi acadêmico e preocupado em fazer seu método ser reconhecido pelos colegas de universidade. Para ele, era fundamental esta- belecer um território reconhecido pelos demais cientistas e ingressar a Sociologia como dis- ciplina dentro das instituições de ensino. Ele conseguiu. Esse reconhecimento não foi tarefa fácil para ele, que foi também fundador da escola francesa. Durkheim influenciou os pensadores que vie- ram depois dele a se aprofundarem na relação entre ciência e sociedade. O critério científico ao conhecimento social foi a tônica de sua obra. Contudo, esse conhecimento deve traçar regras claras para a análise da vida social, sem deixar de levar em consideração as diferenças existentes em condições distintas de sociedade. Isto é, não é possível uma generalização da ordem social estabelecida, mas é possível entender a dinâmica de cada sociedade com suas especificidades, por meio do conjunto de relações solidárias e do grau de coerção e coesão que ela promove. SOCIOLOGIA 115 Durkheim parte de um pressuposto funda- mental, o tratamento do fato social na mesma condição de “coisa material”. Dessa forma, o cientista social deve ter a mesma “estranheza” que o cientista natural diante de seu objeto. Sobre como se sentir diante do desconhecido, afirma Durkheim (1960): Os fatos sociais devem ser tratados como coisas — eis a proposição fundamental de nosso método, e que mais tem provocado contradições. Esta assimilação que faze- mos, das realidades do mundo social às realidades do mundo exterior, foi inter- pretada como paradoxal e escandalosa. Estabeleceu-se singular confusão a respei- to do sentido e da extensão desta assimi- lação; seu objetivo não é rebaixar formas superiores às formas inferiores do ser, e sim, ao contrário, reivindicar para as pri- meiras um grau de realidade pelo menos igual ao que todos reconhecem como apa- nágio das segundas. Com efeito, não afir- mamos que os fatos sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas ao mesmo título que as coisas materiais, em- SOCIOLOGIA 116 bora de maneira diferente (DURKHEIM, 1960, p. 52). Quando falamos da estranheza que o pesquisa- dor social deve ter diante do objeto, ao tratá-lo na condição de “coisa material”, estamos levando em consideração aquilo que Durkheim expressa em sua citação acima: “com efeito, não afirma- mos que os fatos sociais sejam coisas materiais, e sim que constituem coisas ao mesmo título que as coisas materiais, embora de maneira dife- rente” (DURKHEIM, 1960, p. 52). Isso significa que os fenômenos sociais não podem ser considerados na mesma condição por não poderem ser analisados com a mesma condição dos fenômenos materiais. Estes podem ser extraídos da sociedade e levados a um labo- ratório para serem desmembrados, dissecados e estudados em suas partes decompostas, com a objetividade da observação descritiva e com- parativa, o que seria impossível aos fenômenos sociais. Não podemos reproduzir os fenômenos sociais em laboratório. Seria impossível isolá- -los da condição social onde se realizam, já que SOCIOLOGIA 117 estão presos à sociedade e somente nela é possí- vel observá-los. Contudo, nem por isso, devemos deixar de tratá-los na condição de coisa material. Para isso, devemos quantificá-los e proporcio- ná-los dentro da ordem em que se estabelecem. Com uma observação objetiva dos fenôme- nos sociais, podemos compreender os elementos que influenciam a sua condição. Para Durkheim, os fenômenos sociais são uma condição cole- tiva, que leva em consideração a coação e coesão social dentro da condição solidária em que se realiza. É importante definir neste momento o termo “solidariedade”, que é a condição em que os fenô- menos ocorrem, ou seja, a cumplicidade entre os agentes que proporcionam a existência dos fenômenos. Isso não indica a consciência por parte daqueles que praticam o ato. Se pensarmos na Educação e nos elementos que contribuem para que ela ocorra, nem todos têm a dimen- são de que sua ação vai refletir na condição de educar. As condições em que se realiza a Educação estão baseadas em fatos que interligados, de SOCIOLOGIA 118 alguma forma, vão gerar os fatores que permi- tem que ela ocorra. Logo, o ambiente de educar e os condicionantes da educação não são apenas os seus agentes diretos (alunos, escola, professo- res, funcionários, currículo escolar etc.). Muito mais que isso, a Educação é resultado de uma complexidade social mais intensa e ampla. Uma relação que vai além dos muros da escola e que envolve a construção solidária de todos seus elementos. Os seres humanos que convivem dentro do ambiente escolar são resultado de outros fenômenos que os produzem, além do dia a dia de sala de aula. Um aluno é filho ou pai, é jovem ou idoso, é casado ou solteiro, trabalha ou não, locomove- -se mediante os meios de transportes dos mais variados. Todos esses fatores e muitos outros, os quais seria impossível relacionar, contribuem para o entendimento da educação como um fenômeno social. Podemos considerar pelos mesmos critérios a condição do professor, do diretor e de todos que estão envolvidos com a educação. Logo, se formos dimensionar a com- plexidade da construção da educação, ela só SOCIOLOGIA 119 seria possível diante de um estudo profundo e demorado, por meio de uma observação minu- ciosa de todos seus elementos condicionantes. É sempre bom lembrar, porém, que os elemen- tos condicionantes aqui considerados são fatos na condição de coisa material. SOCIOLOGIA 120 Dinâmica social e pedagógica de Durkheim Se entendermos, com Durkheim, a pedagogia como sendo a teorização, implícita ou explícita, da prática educativa, coloca-se, então, a ques- tão de saber qual poderá ser a contribuição da ciência da educação para a pedagogia. Mais precisamente, em que aspecto a sociologia da modernidade poderá influenciar não somente a análise do sistema educativo, mas também as pedagogias que nele são praticadas? O fato de que a sociedade moderna funda-se sobre uma industrialização e uma divisão cres- centes das tarefas trazcomo consequência uma diferenciação cada vez maior dos papéis sociais, a especialização das funções sociais e, no fim, um risco de ruptura da “solidariedade social”. Esse risco deve ser contrabalançado, diz Durkheim, pelo desenvolvimento dos valores supremos, os que dizem respeito à legitimação dos direitos, à responsabilidade e à vocação dos atores sociais. Fonte: Filoux (2010, p. 19-20). SOCIOLOGIA 121 Outro elemento importante a ser considerado é a condição em que a sociedade organiza a sua vida material. Durkheim busca no entendimento da divisão do trabalho social a premissa para a compreensão dos fenômenos que a sociedade produz. As sociedades, ao longo da história, promoveram um crescimento da divisão do tra- balho e se organizaram de forma cada vez mais complexa. Nas sociedades industriais, segundo o pensador francês, a divisão do trabalho social atingiu um grau intenso e extenso, o que pro- moveu uma tensão entre os elementos que a compõe. Contudo, e pela divisão social do traba- lho, não podemos considerar a particularidade e a individualidade como critério para o enten- dimento da ordem social e dos fatos que ela produz. Quanto mais a sociedade divide suas funções, mais a particularidade perde sentido como refe- rência para o entendimento do corpo social, ou seja, não está no comportamento do indivíduo um padrão para o comportamento coletivo, quando falamos de sociedades com um alto grau de divi- são do trabalho social. Na sociedade industrial, a condição de vida para atender às necessidades SOCIOLOGIA 122 dos membros da sociedade é fruto de um número imenso de indivíduos e, por isso, não é no olhar sobre esse elemento particular que vamos enten- der a vida social. Se abrirmos a geladeira em nossa casa e olhar- mos os produtos que estão à nossa volta, dos mais elementares aos de uso fútil, iremos perceber que há uma quantidade imensa de trabalho coletivo para a existência deles. Seria impossível quantificar o número de indivíduos que participam da pro- dução diária de nossas vidas. Logo, nem nós, nem cada um desses indivíduos, têm em seu compor- tamento o padrão da vida social, ela é o encontro solidário de todos esses elementos enquanto um organismo que gera as condições de todos e de cada um. AS FORMAS DE SOLIDARIEDADE A solidariedade é o conjunto dos agentes sociais que produzem a vida humana, não sendo um encontro espontâneo e carregado de afetividade, mas uma condição típica das sociedades huma- nas e da organização física da vida social. Ser solidário é estar ligado à sociedade diretamente SOCIOLOGIA 123 ou integrado por uma cadeia de relações esta- belecidas entre as diferentes instituições sociais que a compõe. O homem é um ser social e está ligado à dependência dos membros de uma cole- tividade, assim como constrói o sentido de sua existência dentro desta coletividade. Podemos considerar que a sociedade constrói e deter- mina a condição individual. O homem é uma concessão social. Durkheim procura esclarecer que há uma diferença fundamental entre o objeto de estudo da Sociologia (que é o fato social) e da Psicologia (voltada a entender o comportamento indi- vidual). Ele estabelece um parâmetro para diferenciar os dois campos de conhecimento: A proposição que se apresenta os fenô- menos sociais como exteriores aos indi- víduos não foi menos vivamente discuti- da do que a precedente. Já nos concedem hoje, com assaz boa vontade, a existência de certo grau de heterogeneidade entre os fatos da vida individual e os da vida coleti- va; pode-se mesmo dizer que um acordo, se não unânime, pelo menos muito geral, está nesse ponto em vias de se conseguir. SOCIOLOGIA 124 Não existem mais quase sociólogos que neguem à Sociologia toda e qualquer es- pecificidade. Mas, porque a sociedade é composta de indivíduos, parece ao senso comum que a vida social não pode ter ou- tro substrato senão a consciência indivi- dual; caso contrário, como que ficaria no ar, planando no vácuo. Contudo, admite-se correntemente nos outros reinos da natureza aquilo que com tanta facilidade julgamos inadmissível ao se tratar dos fatos sociais. Todas as vezes que, ao se combinarem e devido à com- binação, quaisquer elementos desenca- deiam fenômenos novos, não se pode deixar de conceber que estes são contidos, não nos elementos, mas no todo formado pela união. [...] Ao aplicarmos ao mesmo princípio à So- ciologia. Se a síntese sui generis que cons- titui toda sociedade desenvolve fenôme- nos novos, diferentes daqueles que se passam nas consciências solitárias (ponto cuja admissão já alcançamos), concorde- -se também que a sede de tais fatos especí- ficos e a própria sociedade que os produz, SOCIOLOGIA 125 e não as partes desta, isto é, seus membros (DURKHEIM, 2002, p. 23-4). Logo, a sociedade é uma formação da cole- tividade estabelecida dentro de uma relação entre instituições e indivíduos que provocam os fenômenos sociais ao se encontrarem den- tro de determinados ambientes, como agentes químicos que se misturam em determinadas condições e provocam, por isso, reações que só podem ser explicadas com aqueles elemen- tos determinados e suas condições. Por isso, os fenômenos sociais obedecem às mesmas leis dos fenômenos naturais. É preciso compreender o ambiente e as relações que determinados agentes propiciam e os fenômenos a elas relacionados. Para compreendermos a complexidade dessas relações, temos que considerar que há dois tipos de solidariedade estabelecida por Durkheim: a primeira liga diretamente o indivíduo à sociedade, o que chamamos de solidariedade mecânica. A segunda, só pode ser entendida na complexidade das relações sociais em sua divisão do trabalho social, na qual o indivíduo é apenas um componente dentro da complexa cadeia de dependência – a solidariedade orgânica. Nesta, SOCIOLOGIA 126 o indivíduo exalta suas particularidades e parece negar sua relação com a sociedade. Durkheim define assim as duas formas de solidariedade: Como a solidariedade negativa não pro- duz por mesma nenhuma integração e, além disso, não tem nada de específico, reconhecemos somente duas espécies de solidariedade positiva, nas quais se notam as seguintes características: 1) A primeira liga diretamente o indiví- duo à sociedade, sem nenhum interme- diário. Na segunda, ele depende da so- ciedade porque depende das partes que a compõem. 2) A sociedade não é vista sob o mesmo aspecto nos dois casos. No primeiro, o que chamamos por esse nome é um conjun- to mais ou menos organizado de crenças e sentimentos comuns a todos os mem- bros do grupo: o tipo coletivo. No segun- do caso, ao contrário, a sociedade na qual somos solidários é um sistema de funções diferentes e especiais, que unem relações definidas. Essas duas sociedades são ape- SOCIOLOGIA 127 nas uma. São duas faces de uma única e mesma realidade, mas nem por isso têm menos necessidade de ser distinguidos (DURKHEIM, 2002, p. 27). Aqui, Durkheim estabelece um paralelo entre as duas formas de solidariedade. A primeira, mecânica, está ligando diretamente o indivíduo à sociedade por apresentar uma baixa divisão social do trabalho, ou seja, a dependência entre os elementos sociais é pequena, desta forma, a individualidade não se exalta e não contraria as formas de identificação com a sociedade. Logo, o sentimento de pertencimento e a fusão entre as crenças sociais e particulares são elevadas. Essa forma de organização é típica das socieda- des primitivas, não só estando presente na vida social de cada um, mas também se expressando na coletividade. Um dos exemplos usados pelo próprio Durkheim são as sociedades primitivas, orga- nizações humanas que vivem em um sistematribal, onde não há uma complexa divisão do trabalho social. Nelas, principalmente, prevalece a divisão natural do trabalho, ou seja, a divisão entre o trabalho masculino e feminino. Além SOCIOLOGIA 128 disso, a condição de trabalho está ligada direta- mente a todas as outras condições e instituições que a sociedade estabelece. A simplicidade das relações condiciona o homem para uma vida particular em sintonia constante com o inte- resse coletivo. O que uma mulher faz em uma coletividade primitiva todas as outras fazem. Assim também os homens. Nessas sociedades, o pai é o chefe de família e também o líder religioso, o orientador para a vida do trabalho, para a vida moral e para a vida sexual. Há uma reprodução constante das atividades que se simplificam em uma conduta única. Um homem e uma mulher reproduzem em sua vida praticamente todas as funções cole- tivas em sua vida privada. Se compararmos com nossa sociedade, nós não produzimos em nossas vidas as funções vitais de nossa coletividade. Isso porque seria impossível ser, ao mesmo tempo, o professor, o médico, o educador, o líder reli- gioso, o juiz, o policial, o pai, o soldado etc. Em nossa sociedade, as atividades que nos sustentam estão divididas, dessa forma, não reproduzimos os papéis necessários para nossa própria existência. Não seria possível quantificar SOCIOLOGIA 129 os indivíduos que participaram da produção do computador que uso agora para poder pro- duzir este livro. Talvez um número bem maior que uma cidade de média proporção. Se ana- lisarmos as condições que o fazem ser usado neste momento, a energia elétrica, a mesa e a cadeira que me servem de suporte para este tra- balho, os livros, a lâmpada, as canetas, o papel, a impressora, enfim, uma imensidão de elemen- tos que produzem diariamente a existência de outros tantos. Por isso, nossa sociedade é orgâ- nica, diferente das sociedades primitivas, onde predomina a solidariedade mecânica. A essa dinâmica das sociedades (solidárias mecânicas e orgânicas), é preciso acrescentar outros ingredientes: a coesão, a coação, a uni- dade e o condicionamento. Trata-se de uma relação vital na formação do indivíduo dentro do corpo social, para que as funções necessárias à vida coletiva sejam produzidas. Nela se esta- belece a necessidade do todo e a de cada um. Em condições diferentes e, muitas vezes, apa- rentemente antagônicas. É importante entender como esses elemen- tos se dão e o que eles significam. A coesão é SOCIOLOGIA 130 a unidade de ação de diversos agentes em um mesmo sentido. Imagine a densidade de uma mesa e o quanto é difícil romper sua unidade, ou seja, quebrá-la requer um grau elevado de força. Logo, se formos pensar por que a madeira é resistente, podemos concluir que há uma grande coesão (unidade) entre suas moléculas. Assim, as moléculas de uma mesa são mais resistentes à coação por serem mais coesas. Se pensarmos em uma folha de papel, chegaremos à conclu- são oposta, ela é mais flexível por ter moléculas menos coesas e, dessa forma, resiste menos à coação. Basta uma pequena força e você pode rasgá-la. Em um movimento grevista, no qual há um grau elevado de adesão de trabalhadores a uma paralisação, há um grau elevado de coesão. Portanto, romper o movimento, pressionar os trabalhadores a voltarem ao trabalho sem aten- der as suas reivindicações seria difícil e exigiria grau elevado de coação. Um aparato policial dis- persando manifestantes em uma passeata seria um bom exemplo de coação. Por isso, imagine o papel do Estado como agente de coação para garantir a ordem social e o quanto, também, SOCIOLOGIA 131 pode ser uma expressão de coesão. Ao execu- tar uma sentença e promover a justiça sob um valor que une a maioria dos elementos sociais que se sentem atingidos pelo crime cometido e reagem com a sentença aplicada, há uma coe- são social. Em sala de aula, a manutenção da disciplina para o desenvolvimento de um conteúdo é, ao mesmo tempo, fruto das partes que executam a prática educativa (professor e alunos) e da unidade que eles estabelecem para executar a função para as quais existem. Quanto mais coesos neste sentido forem os membros que executam a Educação, mais eficiente ela será e menos espaço para ações contrárias. Quem ten- tar a indisciplina será coagido tanto pelos iguais como pelos diferentes. Um aluno que tente pro- mover a desordem sofre a coação dos colegas (alunos) e, também, do contrário (professor). Aqui estamos usando o exemplo da escola, mas poderíamos estender essa explicação para todas as instituições sociais. O funcionamento de uma sociedade complexa como a nossa acon- tece devido a uma gama imensa de funções, que se estabelecem para poder dar condições SOCIOLOGIA 132 de funcionamento e atendimento às necessi- dades coletivas e particulares. Por isso, para Durkheim, seria a divisão de trabalho a mais importante solidariedade entre os elementos sociais, devendo ser preservada e valorizada por todas as partes do corpo social. Para Durkheim, a sociedade tem funções primordiais, como o trabalho que comenta- mos anteriormente. Desta forma, existe uma gama de valores que estão escalonados moral- mente e devem ser estimulados para todos os componentes da sociedade. Esses comporta- mentos e valores são passíveis de transformação e podem mudar seu sentido. Há valores, porém, que devem ser preservados sob pena de colocar a sociedade em risco. O trabalho, como fala- mos, é um deles. O suicídio foi um dos objetos de estudo de Émi- lie Durkheim. O pensador francês considerava que o fenômeno era um sinal de desagregação dos elementos que se autoexterminavam em relação ao corpo social. Para ele, existiam diver- sas formas de suicídio. SOCIOLOGIA 133 ANOMIA E PATOLOGIA Entre os trabalhos importantes de Durkheim estão a definição da anomia e patologia, dois elementos diferentes da sociedade atual que merecem um olhar mais cauteloso em nossa sociedade. Faz-se necessário compreender que eles não cumprem a mesma função dentro do corpo social. Mais ainda, as sociedades não apresentam o mesmo perfil médio de conduta. Ou seja, o que pode ser considerado patológico e anormal para uma determinada sociedade, para outra pode não ser. Logo, o que temos que levar em conta neste momento sobre anomia e patologia é a condição em que os dois elementos se dão em uma deter- minada sociedade. Determinados fenômenos são naturais a determinados momentos e tendem a se acomodar ao longo do tempo, permanecendo dentro da ordem social por um período ou esta- belecer um novo comportamento. Isso se chama anomia, que apesar de ser um fenômeno de tran- sição (em algumas ocasiões, como por exemplo, crises econômicas) ou só existir na condição de passagem para outro estágio da vida social (como SOCIOLOGIA 134 mudanças sociais que irão transformar o estilo de vida em sociedade). Se pensarmos que certas condições tendem a promover um ambiente favorável a um compor- tamento anormal, temos então uma patologia, um fator de desordem temporário. Um exem- plo são mães que têm depressão pós-parto e, muitas vezes, cometem o infanticídio, ou seja, matam os próprios filhos. Essa é uma patologia, uma condição temporária que foge ao controle da própria mãe. Em momentos de revolução, uma sociedade apresenta comportamentos que fogem à normalidade. A desordem se estabelece pela falta de uma regulagem dentro da ordem social, na qual acontecem as diferentes funções que a sociedade necessita para sua existência. As condições sociais nesse ambiente de transi- ção acabam por propiciar, por exemplo, ações de violência ou de degradação moral. Não é por acaso que se desenvolveu o alcoolismo e o homi- cídio durante a RevoluçãoIndustrial. Portanto, a patologia é passageira, além de possuir um movimento pendular: ora pode surgir em/na sociedade, ora pode desaparecer. SOCIOLOGIA 135 A anomia, diferentemente da patologia, não é em si um problema a ser resolvido, como uma ameaça à sociedade, mas uma condição de sua reordenação, seja de todo o corpo social ou de alguma de suas partes. As mudanças são constan- tes e quando ocorrem em determinados pontos da sociedade podem promover uma acomoda- ção que envolva grande parte do corpo social. Logo, vai se estender para diversas instituições até se estabilizar. O processo de emancipação da mulher, por exemplo, considerando o papel que ela passa a exercer em diversas instituições sociais, reflete em todo o corpo social. Em alguns casos de forma imediata e principalmente no núcleo familiar, promove de forma imediata uma desordem e reações agressivas. A violên- cia contra as mulheres, a crise de identificação masculina, os problemas de convivência com os filhos e o processo de emancipação política são alguns desses dilemas e representam exem- plos de anomia. Já a patologia é um fenômeno que se apresenta dentro de uma ordem estabe- lecida, com normas organizadas e que atende a determinada condição social, mas que apre- senta comportamento fora da normalidade. Esse SOCIOLOGIA 136 é um problema a ser considerado como nocivo à sociedade. Se propagado em determinada dimensão, pode desestabilizar a ordem e pro- mover uma série de outros fenômenos gerando, em cadeia, um grave problema social. Muitas vezes, confundimos a anomia com a patologia por apresentarem o mesmo compor- tamento, mas elas têm funções distintas dentro do corpo social. Um dos comportamentos que é considerado tanto uma anomia quanto uma patologia é o suicídio. Ele pode significar o reforço de um comportamento necessário, a falta de acomodação de um determinado segmento ou, até mesmo, o substrato social. Já em outros momentos e em determinadas sociedades, o suicídio é uma demonstração de problema, de uma patologia. Representa, dessa forma, uma falta de orientação para os membros de uma determinada sociedade, que não consegue ser incorporada ao corpo social. Ambientes com jovens que têm renda elevada, alto grau de ociosidade diária e falta de laços afetivos familiares podem ser propícios para o suicídio. Também pela falta de afetividade, pela ociosidade e pela rejeição funcional os idosos SOCIOLOGIA 137 têm mais propensão ao suicídio. Mulheres se suicidam menos que os homens. Elas tendem a constituir vínculo intenso com as comunidades e promover eficiência de função em instituições sociais. Segundo dados do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Psiquiatria, no Brasil ocorrem 9 mil casos de suicídio por ano, 24 por dia. A maioria é de homens com mais de 65 anos. Em comparação com outros países, a taxa brasileira é baixa, fica em 4,5 para cada 100 mil habitantes. Já em países como a Rússia e a Ucrânia ela pode chegar a 30. Se considerarmos os idosos no Brasil, esse índice sobe para 17. Na maioria dos países, as pessoas da terceira idade são as que mais se suicidam, o que indica um alerta para as condições sociais dessa parcela da população na sociedade. Temos que lembrar que o suicídio, para Durkheim, é um fato social, analisado pela condição coletiva do fenômeno e não pela sua particularidade. Não interessa quem o cometeu, mas quais os fatores que o fazem ocorrer em determinada proporção e com um perfil que se destaca na ordem social. Dessa forma, por mais SOCIOLOGIA 138 que o suicídio pareça, a uma primeira vista, uma decisão do indivíduo, ele é visto pela Sociologia como uma condição construída pela sociedade, um ambiente fértil para o autoextermínio. SOCIOLOGIA 139 A CONSOLIDAÇÃO DE DURKHEIM Com o pensador francês, fundador da escola francesa de Sociologia, a análise da sociedade como um objeto de estudo da Ciência Acadêmica foi reconhecida. A capacidade de compreensão do mecanismo social e a influência disso na vida dos componentes da sociedade foram estabele- cidas de forma magistral por Émilie Durkheim. Na Educação, ele chegou a desenvolver uma análise exclusiva sobre a importância da institui- ção de ensino na formação do homem moderno. Durkheim considera que a consciência dos diversos campos do conhecimento e dos pro- fissionais que exercem uma atividade prática na vida social sobre a solidariedade orgânica tra- ria o respeito à vida profissional. Defensor da organização das corporações profissionais, afirmava que elas podem exercer um papel importante na preservação da socie- dade naquilo que ela tem de mais elementar: a divisão do trabalho social. Para ele, se a divisão de funções separou o homem da relação direta com a sociedade, a dependência que se cons- truiu entre as diversas partes do corpo social SOCIOLOGIA 140 deve ser fator de aproximação consciente e de preservação da unidade por meio do respeito às mais variadas profissões. SOCIOLOGIA 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), concluímos que Comte e Durkheim foram os fundadores da Sociologia de duas formas diferentes. Enquanto o primeiro conseguiu estabelecer um campo de investi- gação e gerar os primeiros critérios de análise sobre os fatos sociais, Durkheim teve o reconhe- cimento das demais ciências sobre a existência da Sociologia. Ela entrou no mundo acadêmico e está até hoje, caso isso não acontecesse este texto não seria escrito. A principal característica desses dois autores, que são uma continuidade, é a herança metodo- lógica das Ciências Naturais. Eles se espelharam no desenvolvimento do conhecimento físico, químico e biológico para organizar os critérios necessários da Sociologia (nesse aspecto mais Comte do que Durkheim). O campo do conhe- cimento que se estabeleceu com eles prosperou e gerou a possibilidade de um olhar científico e objetivo para uma sociedade que era vista pelo particularismo moral. Hoje, temos a construção de um aparato sig- nificativo de mecanismos de monitoramento da SOCIOLOGIA 142 sociedade, que serve para dar subsídios às pes- quisas nos campos da Sociologia e Antropologia. A preocupação com a análise dos fenôme- nos sociais chegou à Medicina, ao Direito, à Pedagogia, à Administração, à Psicologia e à História. Comte considerava a Sociologia como uma ciência que ainda estava dando os seus primei- ros passos, mas já se fazia necessária pelo grau de maturidade que a sociedade tinha alcançado. Ela surge para cumprir o papel de engaja- mento pela mudança ou melhora da sociedade. Independentemente de qual postura, era uma ciência para o entendimento do fenômeno social com a responsabilidade científica. Dessa forma, os pensadores franceses clássicos cumpriram seu papel. Assim, esperamos que essa contribuição acerca da Sociologia proposta por Comte e Durkheim possa esclarecer a linha de pensamento dos auto- res, que é estabelecer métodos para essa “nova” ciência, fundamentada sobretudo na Sociologia francesa. 1. A Física Social tem por objetivo estudar os fe- nômenos sociais. Esse conceito, desenvolvido por Auguste Comte, pode ser considerado o “embrião” da Sociologia. Considerando essas informações, leia as asserções a seguir e es- colha a opção correta. I. A Física Social deve ser estudada com o mesmo espírito que os demais fenômenos científicos, como a Física e a Química. II. Fenômenos astronômicos são superiores e, portanto, descartados do estudo da Física Social. III. A medicina é a profissão que mais se apro- xima do perfil de atuação da Física Social. IV. A Matemática é uma das ciências que ins- piraram a criação da Física Social, pela sua semelhança em analisar fenômenos bioló-gicos. a) Estão corretas apenas I e II. b) Estão corretas apenas II e III. c) Estão corretas apenas I e III. d) Estão corretas apenas II, III e IV. e) Estão corretas apenas I, II e IV. 2. Émile Durkheim se consolidou enquanto sociólogo. Atuou como fundador da Escola Francesa de Sociologia, além de ter desen- volvido análises sobre a Educação. Conside- rando essas informações, leia as seguintes asserções e escolha a alternativa correta. I. Durkheim advinha da Escola Francesa de Sociologia, sendo Auguste Comte e Pierre Bourdieu pensadores que inspiraram seu pensamento. II. Durkheim argumentou sobre a importân- cia da instituição de ensino na formação do homem moderno. III. Uma das principais atividades de Durkheim como sociólogo foi o reconhecimento da profissão de sociólogo e também de filóso- fo no Ministério do Trabalho Francês. IV. A partir da divisão social, o homem acabou diminuindo a relação direta com a socieda- de. a. Estão corretas I, II e IV. b. Estão corretas II e III. c. Estão corretas I, III e IV. d. Estão corretas I, II e III. e. Estão corretas II e IV. 3. A chamada Lei dos Três Estágios é uma das características conceituais do pensamento de Auguste Comte. Em relação a ela, é cor- reto afirmar que: a) O estágio abstrato é resultado de manifes- tações estritamente espirituais e teológicas. b) Comte se inspirou em Durkheim para a ela- boração desta “lei”, uma vez que o segundo pode ser considerado mentor intelectual do primeiro. c) O estágio abstrato é considerado o mais evoluído dos três para Comte. d) O primeiro estágio é o teológico, pois neste os fenômenos só podem ser compreendi- dos a partir da crença no divino. e) O estágio positivo serviu de inspiração para os dois estágios superiores, considerados de maior importância no pensamento de Comte, que são o teológico e o abstrato. 4. Émile Durkheim, sociólogo francês, foi in- fluenciado pelo pensamento de Comte. Engajado no reconhecimento da disciplina enquanto método científico, Durkheim es- teve concentrado nessa tarefa nos primei- ros anos de atuação nesta seara de conhe- cimento. Em relação à herança positivista sobre as ideias de Durkheim e a consolida- ção da Sociologia, é correto afirmar que: a) A Sociologia, apesar de ter enfrentado di- ficuldades para seu reconhecimento como Ciência, não enfrentou barreiras para sua aceitação. b) Durkheim seguiu os pressupostos socioló- gicos de Comte, fazendo com que a Socio- logia fosse aceita sem critérios científicos. c) A regra para reconhecimento da Sociologia enquanto disciplina é, em geral, sem preci- são. d) A Sociologia enfrentou barreiras, como as demais ciências, em sua constituição. Durkheim utilizou o método científico para validar os conhecimentos sociológicos. e) As especificidades de cada sociedade não são passíveis de reconhecimento, tanto no pensamento de Comte quanto no de Durkheim. Por isso a Sociologia é uma ci- ência que não obteve progresso. 5. Comte elaborou um dos princípios funda- mentais de sua teoria sociológica: a Lei dos Três Estágios. Indique quais são os três es- tágios e comente sobre o estágio positi- vo, o mais desenvolvido. Psiquiatra afirma que as políticas nacionais de prevenção do suicídio “não saíram do papel” Aline Leal Valcarenghi REPÓRTER DA AGÊNCIA BRASIL Brasília – O Ministério da Saúde lançou em 2006 as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicí- dio recomendando que cada estado elaborasse suas estratégias nessa área. Depois de seis anos, no entanto, pouca coisa mudou, segundo Ale- xandrina Meleiro, médica filiada à Associação Brasileira de Psiquiatria. “Faz tempo que todas as coisas ligadas ao suicí- dio não ficam mais do que no papel. Reúnem-se grandes nomes, celebridades e não sai nada do papel”, afirmou. No Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, lembrado hoje (10), a especialista dá su- gestões do que pode ser feito para mudar esse quadro. Para incentivar políticas públicas voltadas para a prevenção do suicídio em todo o mundo, a Orga- nização Mundial da Saúde cobrou em documento mais ações relativas à questão. O Distrito Federal (DF) também lançou hoje um programa de polí- ticas públicas para prevenir o suicídio. De acordo com a coordenadora de Prevenção ao Suicídio da Diretoria de Saúde Mental, Beatriz Montenegro, o DF é a primeira unidade federativa a desenvolver uma política pública voltada para a prevenção do suicídio. A psiquiatra acredita que o primeiro passo para uma prevenção eficiente é a orientação. Na opi- nião dela, líderes de grupos como escolas e igre- ja deveriam ser diretamente orientados pelo ser- viço de saúde pública a reconhecerem os sinais que as pessoas dão de que estão pensando em suicídio. “Eu instruiria professores e esses professores ins- truíram país. Eu instruiria representantes de to- dos os credos religiosos, seja padre, pastor, rabi- no, de tudo quanto é religião. Instruiria também comunidades como Lions, Rotary, e todas as co- munidades que fazem serviços voluntários”, ex- plica Alexandrina Meleiro. Abandono de amigos e de atividades sociais, perda de interesse em atividades que antes tra- ziam prazer, estado emocional instável e conver- sas sobre a morte podem ser sinais de que algo está errado e de que a pessoa com esses sinais pode, num futuro próximo, cometer suicídio. De acordo a psiquiatra, diante dessas evidências, pessoas mais próximas devem procurar profis- sionais especializados no assunto. Outra atitude a ser tomada na prevenção do sui- cídio, de acordo com Alexandrina, seriam progra- mas de treinamento das pessoas que trabalham nas emergências e nos serviços de qualidade mental, compostos por psicólogos, psiquiatras e terapeutas de família. ”Quando há uma tentativa [de suicídio], a pes- soa vai para um serviço de emergência. Nele, não há pessoas qualificadas para o tratamento. O primeiro tratamento médico-cirúrgico é feito como se fosse um trauma qualquer. Mas, dali, o paciente precisaria de um encaminhamento para internação, para um psiquiatra ou psicólo- go. Do pronto-socorro ele vai pra casa. Nada é feito”, explica. O Ministério da Saúde foi procurado pela Agên- cia Brasil em duas oportunidades para comentar o tema, mas a assessoria de imprensa não tinha informação sobre o desenvolvimento de ações previstas pelas Diretrizes Nacionais para Preven- ção do Suicídio de 2006. De acordo com a por- taria que estabelece as diretrizes, a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde teria atribuição de regulamentar o documento em 120 dias. Entre as determinações do documento, está a de desenvolver estratégicas de informação, de comu- nicação e de sensibilização da sociedade “de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido”. Página da Estratégia Nacional de Pre- venção do Suicídio do Ministério da Saúde prevê a elaboração do Plano Nacional para Prevenção do Suicídio e do Plano Plurianual 2008-2011. Fonte: Valcarenghi (2012, on-line)1 MATERIAL COMPLEMENTAR O discurso sobre o espírito positivo Auguste Comte Editora: Martins Fontes Sinopse: neste trabalho, Comte apresenta as diretrizes do método positivista e os elementos que orientam o olhar do investigador que se dispõe a ingressar na análise da sociedade tendo como referência as Ciências Naturais. Por sinal, na primeira parte da obra, ele apresenta a origem do método da Física Social (Sociologia). As regras do método sociológico Émile Durkheim Editora: Martins Fontes Sinopse: clássico livro de Durkheim em que o leitor pode compreender os princípios sobre o “fato social” e a Sociologia preconizada por Durkheim, inclusive com exemplos. MATERIAL COMPLEMENTAR A Vila Em 1897, uma vila parece ser o local ideal para viver:tranquila, isolada e com os moradores vivendo em harmonia. Porém, esse local perfeito passa por mudanças quando os habitantes descobrem que o bosque que o cerca esconde uma raça de misteriosas e perigosas criaturas, por eles chamados de “Aquelas de Quem Não Falamos”. Em um breve texto elucidativo, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná disponibiliza os principais conceitos de Émile Durkheim. Link: <http://www.sociologia.seed. pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo. php?conteudo=167>. GABARITO 1. c) 2. e) 3. d) 4. d) 5. “Os três estágios são o teológico, metafísico e o positivo. O estágio positivo é o mais im- portante, pois a partir dele é possível expli- car os fenômenos por meio da Ciência. Ele é resultado do avanço do processo de abstra- ção e transformação desses fenômenos em teorias comprovadas”. UNIDADE III U N ID A D EIII Professor Dr. Tiago Valenciano Professor Me. Gilson Costa de Aguiar SOCIOLOGIA CLÁSSICA II OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Entender a crítica ao capitalismo feita pelo materialismo histórico e dialético. ■ Entender a lógica dos modelos de ação social em Weber e as categorias desses modelos. PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Karl Marx, o materialismo histórico dialético ■ Weber e a racionalidade impura: os modelos ideais de ação SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 157 INTRODUÇÃO A crítica ao capitalismo teve nas teses de Karl Marx a sua principal expressão. Construída ao longo do século XIX, quando o processo revolu- cionário capitalista ainda se encontrava em fase de consolidação, Marx desenvolveu uma análise da política econômica burguesa. Por meio dela, analisou as relações sociais vinculadas à econo- mia capitalista e desenvolveu a Teoria Socialista. O pensador alemão foi um marco na defesa da implantação do socialismo científico, que, segundo ele, realizaria-se a partir do momento em que a classe operária tivesse consciência de seu papel revolucionário e houvesse a destitui- ção do modo de produção capitalista. Marx influenciou uma geração de pensadores e passou a ser uma referência na academia. Os argumentos materialistas influenciam até hoje um vasto número de campos de conhecimento, entre eles a Pedagogia. Suas teses consideram que as relações de produção implantadas pela classe burguesa determinam uma limitação à grande massa de trabalhadores e promove a desigualdade em seu sentido mais amplo. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 158 No contraponto ao materialismo histórico dialético, apresentamos as teses de Max Weber. Também alemão, como Marx, mas de uma orien- tação intelectual diferente e em alguns pontos divergente, Weber irá estabelecer uma relação entre a economia e a cultura. Ele buscou promo- ver o entendimento entre as condições racionais da vida e o sentido a partir do qual elas são inter- pretadas dentro da vida humana. Os modelos de ação, que são conjunto de valores que orientam o comportamento do indi- víduo e buscam lhe dar sentido, são os objetos de estudo de Max Weber. Ele procura romper com o determinismo histórico e econômico que Marx estabelece. A economia não só pode ser entendida pela materialidade e racionali- dade, mas também pelo sentido ético que os indivíduos atribuem às atividades produtivas, finalizando a tônica do pensamento do autor. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 159 KARL MARX, O MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO A crítica ao capitalismo é a característica mais forte do alemão Karl Marx. Ele foi um herdeiro da escola idealista, que teve em Hegel sua maior expressão, e não poupou a sociedade capitalista de sua forma irônica de tratar temas caros ao inte- resse do liberalismo. Em outros momentos, enfati- zou as contradições que a sociedade industrial apresentou em seu tempo e ainda hoje expressa. De suas teses, e por ele mesmo, nasceu a defesa do socialismo científico e a idealização da socie- dade comunista. O socialismo deve ser, para ele, uma busca da classe operária, que vive uma luta de classes como em nenhuma outra sociedade que a antecedeu. O proletário deve ser a classe revolucionária sob a pena de perder o bonde da história. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 160 Obviamente, iniciamos nossa discussão falando de um Marx “panfletário”, parcial e engajado na defesa de um projeto político e ideológico. Essa é uma diferença em relação ao autor que analisamos anteriormente, Émilie Durkheim. A parcialidade é inerente ao cientista social, diferente dos pesquisadores das Ciências Naturais. Esse é um ponto importante nas teses do materialismo histórico e dialético, a impar- cialidade do pesquisador. Para Marx, as Ciências Naturais têm um método incompatível com o das Ciências Sociais e Humanas. O homem que analisa a sociedade está inserido nela, ele tem em si os seus valores. O olhar do pesquisador carrega inerentemente um posicionamento polí- tico e ideológico. O próprio Marx jamais fugiu da parciali- dade em sua análise e na busca de implantar uma sociedade socialista. Ele considerava que, diante do posicionamento ideológico que o pen- sador social traz consigo, o pensamento deve ser direcionado para uma luta política fundada em um projeto científico de sociedade. Esse projeto deve partir de uma análise crítica ao capitalismo, análise fundada no conhecimento SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 161 científico. Da crítica que se faz, deve-se elabo- rar um projeto de sociedade para a superação dos problemas que o capitalismo apresenta. Por isso, para ele, a Economia e a História têm des- taque como instrumento de análise. Esses dois campos do conhecimento são capazes de dar subsídios para a compreensão das transforma- ções que os homens promoveram em si e na natureza mediante os meios de produção. Para Marx, a sociedade capitalista foi resultado das transformações que ocorreram na Europa com o advento das práticas mercantis. Nesse contexto, a classe burguesa organizou o seu pro- jeto de sociedade e estabeleceu o seu poder sobre a economia e o Estado. A burguesia se constituiu como classe dominante na sociedade capitalista após tomar o poder e destituir o sistema feudal. As teses liberais, para Marx, seriam a expressão ideológica da burguesia, seu instrumento de explicação do mundo. Essa ideologia foi imposta aos demais membros da sociedade e serve para legitimar os interesses da dominação. O proletário deve se libertar dessa domina- ção ideológica, mas para isso deve compreender cientificamente como a sociedade capitalista SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 162 se sustenta, quais são as condições em que o capitalismo constrói a vida humana, as formas de dominação e, principalmente, de explora- ção; Por isso, a necessidade de entender o modo de produção da vida material no capitalismo e desvendar as condições em que se dá o acesso dos seres humanos às suas necessidades. É aqui que se destaca o papel da mercadoria, a condi- ção única em que se adquirem as necessidades humanas. Tudo o que necessitamos só pode chegar até nós em forma de mercadoria na socie- dade capitalista. Em seu maior livro O Capital, Marx faz uma crítica à economia política e desvenda as condi- ções em que a sociedade capitalista se organiza. Ele parte da mercadoria para entender a relação dos homens com a natureza e a transforma- ção desta nos bens necessários para a produção de outros bens ou para atender às necessida- des humanas. De um alimento a uma máquina industrial, a mercadoria é a condição em que objetos se transformam e cumprem o seu des- tino de atender à vida material e imaterial do homem. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 163 Contudo, com o desenvolvimento da divisão do trabalho associado à maquinofatura, o capi- talismo aprimorouas técnicas de produção da vida material e rompeu a consciência do homem de seu papel na produção do que necessita. O ser humano da sociedade industrial já não conse- gue perceber a importância do seu trabalho na produção de sua existência e dos demais seres que com ele compartilham os interesses de con- sumo dos bens industriais. A complexa rede de produção industrial fez com que os trabalhado- res não fossem mais capazes de entender como os bens foram gerados. Por isso, a burguesia utiliza os meios imateriais mediante a ideolo- gia para incutir na classe operária a falsa ideia das condições e das relações sociais. A mercadoria, então, é a chave para entender as relações capitalistas, nela há muito mais que o valor de um produto, está toda a condição de organização da sociedade na produção da vida humana. Não é por acaso que Marx se dedicou a vida toda a entender o funcionamento da eco- nomia capitalista, tendo na mercadoria um dos seus elementos mais importantes. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 164 Ao definir a mercadoria, em O Capital, Marx afirma: A mercadoria é, antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades hu- manas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou da fan- tasia. Não importa a maneira como a coisa satisfaz a necessidade humana, se direta- mente, como meio de subsistência, objeto de consumo, ou indiretamente com meio de produção. [...] A primeira vista a mercadoria pode pare- cer coisa trivial, imediatamente compre- ensível. Analisando-a, vê-se que ela é algo muito estranho, cheia de sutilezas meta- físicas e argúcias teológicas. Como valor- -de-uso, nada há de misterioso nela, quer a observamos sob o aspecto de que se des- tina a satisfazer necessidades humanas, com suas propriedades, quer sob o ângu- lo de que só adquire essas propriedades em consequência do trabalho humano. É evidente que o ser humano, por sua ativi- dade, modifica do modo que lhe é útil a forma dos elementos naturais. Modifica, SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 165 por exemplo, a forma da madeira, quando dela faz uma mesa. Não obstante a mesa ainda é madeira, coisa prosaica, material. Mas, logo que se revela mercadoria, trans- forma-se em algo ao mesmo tempo per- ceptível e impalpável. Além de estar com os pés no chão, firma sua posição perante outras mercadorias e expandem as ideias fixas de sua cabeça de madeira, fenôme- no mais fantástico do que se dançasse por iniciativa própria (MARX, 2002, p. 46 e 56-7). Essa forma da mercadoria que Marx expõe é o fetiche. Ele se constitui como o valor estabele- cido pela burguesia para o produto, no qual a mercadoria encobre a condição material e real de produção, passando a ser propagada como fruto de uma idealização do homem. A vida se justi- fica da imagem fantástica dos objetos produzidos pela sociedade industrial. Esse preenchimento que a mesa produz com seu encantamento em forma de mercadoria, um objeto que só falta “dançar por conta própria”, preenche o vazio entre as condições de produção e a consciência do homem. Isso demonstra que o ser humano SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 166 perdeu a compreensão das relações que produ- zem sua vida. Se considerarmos as condições em que vive- mos na sociedade atual, levando em consideração a teoria de Marx, o fetiche está propagado. Nossa relação com os objetos de consumo são marca- das por um mundo de fantasias mais irreal que um conto de fadas. Tudo porque a divisão do trabalho se ampliou e se transformou em uma cadeia mundial de produção. O bem de con- sumo pronto, ao alcance de nossas mãos, ou melhor, de nosso bolso, próximo fisicamente, está distante de ser compreendido por nós em sua cadeia complexa de produção. O poder de determinação da burguesia sobre a sociedade se intensificou na mesma intensi- dade em que a sociedade capitalista viu expandir a divisão do trabalho promovida pela maquino- fatura e em que a mercadoria passou a envolver um maior número de indivíduos em suas rela- ções de produção e de consumo. O ideário burguês se alastrou por meio do liberalismo e se impôs como condição de poder em quase todos os cantos do mundo. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 167 Essa condição capitalista é o fator determi- nante das instituições que temos hoje em nossa sociedade. Independentemente de qual seja a proposta de ação e atuação promovida pelas mais diversas instituições sociais, dando sempre este ar de aparência democrática, ela está subor- dinada às condições capitalistas de produção e, por isso, reproduz seus interesses. A escola é um bom exemplo dessa falsa ideia de liberdade de pensamento que o liberalismo induz. Segundo Marx, a educação está instituída dentro das rela- ções capitalistas, dessa forma, o conteúdo e as disciplinas apresentados aos alunos e a forma como são organizados acabam por favorecer a compreensão burguesa de mundo. A burguesia utiliza todos os meios para justi- ficar o seu poder, mas principalmente justificar a propriedade privada dos meios de produção, formas que permitem a ela dominar as rela- ções que produzem a vida material. Desde que a maquinofatura se estabeleceu como principal meio de transformação da natureza em produto, a classe burguesa passou a ampliar a capaci- dade produtiva das máquinas. Dessa forma, a dominação se torna mais intensa na medida SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 168 em que os trabalhadores se transformam ape- nas em uma extensão das máquinas que detêm a inteligência produtiva. Tendo a propriedade das máquinas, a classe burguesa detém o con- trole sobre a produção da vida. Para entender melhor a relação entre meios de produção, burguesia e classe operária é bom esclarecer as condições em que a nossa vida é mantida por meio da aquisição da mercado- ria, o que já falamos anteriormente. Perceba que tudo o que nos rodeia, sem tirar qualquer elemento, só é possível atender às nossas necessi- dades se for adquirido em forma de mercadoria. Da luz que se dá com o apertar de um botão ao alimento que adquirimos nas gôndolas dos mercados, qualquer produto que sofra a trans- formação humana só pode ser adquirido em forma de mercadoria. Se a mercadoria atende às necessidades da vida humana, então podemos medir o valor da existência de um indivíduo por meio da mercadoria e da sua capacidade de adquiri-la. Como isso pode ocorrer? Basta entendermos que, para adquirirmos as condições necessá- rias para suprir nossas necessidades, temos que SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 169 consumir mercadorias, logo, o nosso salário é a proporção de vida que podemos adquirir. O salário é, então, a proporção mensal que a exis- tência humana pode merecer. É bom fundamentar, porém, que o salário nada mais é que a quantia paga pela venda de nosso trabalho. Se vendemos o nosso trabalho por um determinado valor, o que determina o quanto ele vale? Se formos entender o mercado de trabalho, ele vale a proporção de riqueza que é capaz de produzir e a quantidade de pessoas habilitadas para realizá-lo. Quanto mais indi- víduos aptos à realização de uma determinada tarefa, mais baixo será o salário (lei da oferta e procura). Para obter maior produtividade sem depender da força de trabalho, a classe burguesa desen- volve tecnicamente os meios de produção. Dessa forma, aprimorando o maquinário industrial, a burguesia reduz a necessidade de trabalhado- res e, por consequência, o número de operários dos quais depende. Os que são menos necessá- rios como força de trabalho tendem a ganhar cada vez menos ou serem excluídos da condi- ção de força produtiva. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 170 O cálculo do salário do trabalhador também deve ser considerado no valor da mercadoria. O preço do produto tem nele a quantiade trabalho exercida pelo operário. Contudo, a remunera- ção dada ao trabalhador não é proporcional à riqueza que ele produz. A porcentagem do tra- balho que o trabalhador aplica para a produção de uma mercadoria é remunerada por um valor menor. Se um operário imprime R$ 20,00 no valor de cada produto em forma de trabalho, vai receber pelo trabalho aplicado R$ 5,00. Essa é a mais valia absoluta. Existe também a mais valia relativa, segundo Marx, que são as mudanças efetuadas nas técni- cas de produção que reduzem o custo final do produto. Equipamentos novos, formas de orga- nização espacial do maquinário, terceirização de etapas da produção, enfim, tudo o que permite reduzir os custos de produção. Hoje, vivemos um investimento acentuado nas inovações téc- nicas da produção. O principal motivo é garantir uma maior lucratividade das empresas capita- listas nos custos finais dos seus produtos. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 171 AS RELAÇÕES QUE PRODUZEM A VIDA Para Marx, a sociedade se organiza nas condições de produção que estabelecemos anteriormente. A vida social se constrói dentro da lógica da mer- cadoria, da busca da acumulação de riqueza e da manutenção dos interesses da classe dominante, a burguesia. Vale lembrar, como falamos ante- riormente, que a classe burguesa utiliza todos os meios para garantir a permanência das con- dições de acumulação. O Estado desempenha, nesta lógica, um papel central. É mediante o controle do Estado e da política pela classe bur- guesa que se atende aos interesses da economia capitalista. O Estado, então, representa um dos instru- mentos principais da vida social. Nele, busca-se a legitimação da propriedade e das relações de produção. O poder público assume para si a con- dição de manter os interesses da classe dominante por meio das garantias das relações monetárias, da compra da mercadoria, do controle sobre a classe trabalhadora e sua qualificação, assim como da manutenção da propriedade privada sobre os meios de produção. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 172 O próprio Estado, para manter sua máquina pública, é um consumidor das mercadorias bur- guesas. Se formos considerar as teses de Marx para analisar o papel que o poder público desem- penha como consumidor de produtos e serviços, podemos notar que ele é o maior cliente das mercadorias burguesas. O Estado consome mer- cadorias utilizando os impostos arrecadados, em parte, dos trabalhadores e da própria classe burguesa. Enquanto para os trabalhadores os impostos não retornam, para a burguesia retor- nam em forma de consumo de suas mercadorias. Dessa forma, os burgueses de maior poder de produção e que detêm a fabricação dos pro- dutos mais importantes para a manutenção da vida acabam por ficar com uma fatia da arreca- dação pública. Não é por acaso que as grandes empre- sas se interessam em processos eleitorais que determinam os líderes políticos, chamados de “representantes públicos”. As empresas de grande poder de capital, que se beneficiam das obras públicas, empenham-se em investir em campanhas políticas, buscando fazer valer seus interesses, por meio dos candidatos que apoiam SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 173 seus projetos. Ao serem eleitos, os que rece- beram o financiamento burguês de campanha passam a defender a busca de lucro das empre- sas patrocinadoras da sua campanha. Na educação, essa dependência ocorre da mesma forma segundo as teses de Marx, já que em qualquer instituição pública a finalidade é a manutenção da ordem social e a garantia de sua permanência. Para que isso ocorra, atendendo aos interesses da classe dominante, o Estado promove práticas que legitimem as relações de mercado, ou seja, o consumo da mercadoria, a preparação da mão de obra para se subme- ter à economia burguesa, e também a idolatria ao sucesso dos personagens que a burguesia se espelha. Os ídolos da história, os grandes cientistas e o importante literário são frutos de sua competên- cia e nunca do meio onde vivem e das condições sociais que os geraram. Para Marx, a burguesia esconde por trás da idolatria ao líder e ao per- sonagem de destaque todas as relações sociais de produção que o geraram. Fantasiosamente, tudo se resume na competência de um homem só. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 174 Essa lógica que estabelecemos anteriormente serve também para entendermos a cultura propa- gada pela burguesia. Ela defende a competência particular acima da coletividade. As condições humanas que são geradas por toda uma relação de produção, que apresenta a desigualdade entre os homens, é encoberta pela personificação, pela idolatria à particularidade, pelo heroísmo ego- cêntrico e autonomista estabelecido nas obras típicas do capitalismo, segundo as teses de Marx. A CIÊNCIA DEVE FAZER A CRÍTICA Conforme Marx, a Ciência tem um papel fun- damental na crítica à sociedade. Somente com o conhecimento científico que denuncie as relações e condições que a vida humana é pro- duzida é que se pode organizar uma proposta racional de libertação da maioria da sociedade das condições de exploração estabelecidas pelo capitalismo. Os que defendem uma “escola liber- tadora” partem desse princípio. Dentro do ambiente educacional, é possível fazer essa crítica e compreender as verdadeiras relações sociais. Por isso, o cientista social, para SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 175 Marx, deve ser um teórico engajado. Tem que estar militando em defesa da classe operária. Deve usar seu conhecimento para desvendar as relações de opressão e lutar pela libertação mediante um projeto socialista. Na educação, Dermerval Saviani é uma das maiores expressões nessa linha de defesa com base no materialismo histórico, por meio da educação histórico-crítica. Nela, Saviani defende o papel político do educador e sua capacidade de introduzir na sala de aula, no exercício de sua atividade pedagógica, a consciência crítica e a compreensão das relações sociais. A escola, para ele, é uma expressão das relações sociais, nela se percebem as contradições que as rela- ções de produção estabelecem. O papel do conhecimento dentro das insti- tuições de ensino tem trazido controvérsias no debate sobre o papel que a educação deve exercer na vida social. Os que consideram a educação um meio de preparar o indivíduo para a sociedade não concordam com as teses histórico-críticas. Para eles, a educação deve estar mais voltada a adequar o indivíduo do que lhe dar conteúdos de questionamento sem o devido preparo para SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 176 a vida em sociedade. Cabe ao educador, porém, posicionar-se e colocar em questão qual o papel que o aluno considera exercer em sociedade. Por isso, a importância em definir um método e uma postura política. Vamos tratar desse assunto ao final desta unidade, em nossas conclusões. WEBER E A RACIONALIDADE IMPURA: OS MODELOS IDEAIS DE AÇÃO De todos os sociólogos que vimos até agora, Max Weber é o que ocasiona um sentido importante de reflexão sobre as contradições humanas. Ele coloca uma questão vital em sua obra: “seria o homem um ser puramente racional e capaz de direcionar sua vida pela razão?”. Esse é um tema central no trabalho do pensador alemão e um dos precursores do existencialismo. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 177 Weber representa o resgate da individualidade não como conceito filosófico, mas como condi- ção de análise social. Não significa que todos os indivíduos são objeto de estudo da Sociologia, mas em cada um há o sentido que uma coleti- vidade apresenta sobre a vida social. Em cada um de nós há elementos que nos colocam na condição de civilização, os quais se expressam em nossas ações. Somos ocidentais, o que sig- nifica que há elementos comuns na construção de modelos de ação, nosvalores que cultuamos e nas ações que praticamos. São as ações que denunciam nossos valores. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 178 Marx nasceu em Tréveris, na Alemanha, em 1818, e faleceu em Londres (Inglaterra), em 1883. Sua vida foi marcada por uma militância constan- te na busca por transformar suas teses em um projeto político que se implantasse na Europa e se espalhasse por todo o mundo. Formado pela Universidade de Berlim, iniciou sua vida acadê- mica no Direito, mas seguiu para a Filosofia ao longo de seus estudos. Sob a influência de He- gel e Bruno Bauer, passou a fazer críticas cons- tantes ao modelo estabelecido pelo liberalismo na Alemanha e Inglaterra. Depois de formado, lançou-se à militância e passou a escrever no jornal Gazeta Renana, no qual conheceu seu parceiro de produção inte- lectual e amigo Friedrich Engels. Em 1848, produziu o Manifesto Comunista, uma de suas obras de maior impacto, na qual defendia o socialismo científico. Era uma distin- ção dos projetos ideológicos de esquerda pro- duzidos até então na Europa. O Capital é, sem dúvida, a sua principal obra. O primeiro livro foi publicado em 1867, e os demais acabaram sen- do publicados por Engels. Fonte: os autores. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 179 O que quer dizer “a sociedade está em nós”? Se colocarmos em evidência os momentos em que a história denunciou as contradições entre a lógica racional, que deveria apontar a ação para uma determinada direção, e o que assistimos enquanto fato, entenderemos que o determi- nante ao comportamento não é a razão lógica e objetiva, já que outros fatores dão direciona- mento ao comportamento social. Muitas vezes, o peso de um comportamento arraigado ao longo da história pode ser determinante para dar sen- tido a uma ação social. Um dos exemplos que podemos estabelecer sobre esse tema coloca Weber na crítica às teses de Marx sobre a capa- cidade da consciência de si e para si. Quando observamos o comportamento da classe operária alemã entre 1870 a 1914, perí- odo que vai da unificação do Estado Nacional Alemão à Primeira Guerra Mundial, percebe- mos que foi, também, o momento em que Marx construiu suas teses e as propagou para a classe operária na Alemanha. Se havia um operário que tinha tido contato com as teses marxistas era o trabalhador germânico. Considerado por muitos adeptos do socialismo científico o mais SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 180 preparado para um posicionamento de crítica ao Estado capitalista e, por consequência, engajado na proposta de uma sociedade comunista. Esse mesmo operário, porém, acabou sendo sedu- zido pelo nacionalismo que formou a Alemanha, lutando pela sua formação em 1871. Quando o estado alemão iniciou sua política imperialista e procurou estabelecer colônias e iniciar uma corrida armamentista na Europa, desafiando o poder inglês, o operário alemão apoiou e se alistou. Ele foi à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), perdeu o conflito e se engajou novamente em mais uma guerra, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Isto é, por mais que a guerra fosse considerada uma expressão do imperialismo capitalista e uma ação de interesse da burguesia alemã, o prole- tário é mais germânico do que socialista. Ele preferiu morrer pela Alemanha. Diante desse exemplo, podemos começar a enten- der as teses de Weber. Para ele, a racionalidade não significa uma ação consciente. Não existe na ação social que promovemos um sentido lógico e objetivo exclusivamente. Isso não quer dizer que todo com- portamento é irracional. Há uma intenção racional de SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 181 quem pratica determinado ato, mas nunca essa razão será pura. As relações que os homens estabelecem em sociedade têm uma gama de intenções subjetivas, que são construídas em grau de importância diferente para cada indivíduo e para cada coletividade. Um indiano está mais apto a certos compor- tamentos por ter uma cultura que o predispõe a isso. Há uma herança cultural que permite que certos tipos de ação se potencializem em deter- minadas sociedades mais do que em outras. Usamos aqui os indianos como exemplo, mas poderíamos nos referir a outros povos. Ao obser- var a paciência que têm em ficar horas na fila para assistir a uma sessão de cinema, podemos considerar seu gosto pelos filmes, o que é óbvio. Vemos, ao mesmo tempo, o quanto eles se sujei- tam a esperar horas para assisti-lo, o que só pode ser entendido pela sua cultura contemplativa, ou seja, diante do desejo, eles têm a paciência para buscá-lo. Isso não quer dizer que sejam passi- vos, mas que para determinados fins é possível ter parcimônia, o que, em determinadas socie- dades, seria impossível, mesmo naquelas em que se valoriza a produção cinematográfica. Por isso, deve-se considerar que para Weber SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 182 não seria possível ter uma análise puramente racional de determinado fenômeno pela análise objetiva dos fatos (Durkheim) ou pela consci- ência das relações racionais da economia e da história da produção da vida material dominada por uma determinada classe (Marx). Ao mesmo tempo, não se podem desprezar os fatos sociais que devem ser entendidos pelo sentido que os sujeitos, agentes da ação, dão a eles. Esse sen- tido não é de quem observa, do cientista, mas sim de quem é observado, daquele que pratica o comportamento. Se considerarmos a própria vida de Marx sob o olhar de Weber, o pensador socialista viveu a crítica à sociedade capitalista, passou por diversos países, sua família viveu todas as consequências de ter que fugir e de não ter con- dições econômicas para se sustentar. Contudo, Marx fazia questão de que suas filhas tivessem aulas de canto, poesia e piano, como toda jovem da aristocracia ou da burguesia emergente. Marx era conservador em relação à vida amorosa de suas filhas, controlava seus relacionamentos e influenciava a escolha de seus maridos. Marx é SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 183 um homem como pensador e outro ao agir den- tro das relações sociais. O que ele preservava em suas relações domésticas não serve para legiti- mar seu pensamento. Não podemos desprezar as teses do materialismo histórico e dialético, mas não podemos considerar que nelas está expresso o ser humano Marx. É sobre essa con- dição humana que Max Weber se debruça em seus estudos. O argumento de Weber se destaca à Teoria dos Modelos de Ação, na qual busca uma compreen- são dos sentidos das ações sociais pelos agentes que a praticam. Para isso, ele considera que os modelos e valores subjetivos dados ao compor- tamento social são carregados de uma escala de valor, uma cadeia de entendimentos e de interes- ses que se elabora subjetivamente e se expressa no comportamento. Por isso, para ele, nem todo o comportamento praticado pelos indivíduos é social. Só o é quando está direcionado ao outro, envolve o interesse de reação de outro ou busca uma resposta em outro. Essa pessoa com quem se relaciona pode ser um conhecido, um ime- diato, um ser construído e fictício ou mesmo um princípio a que se obedece, uma regra moral SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 184 religiosa que se traduz em um comportamento “ético” esperado. Se não quero pecar não pratico tal ato, porque as con- sequências virão no juízo final. Esse comportamento pode não ser ilegal, não ter qualquer tipo de restrição jurídica nem provocar uma reação social que o con- dene, mas muitas pessoas não o praticam, temendo uma suposta punição em uma existência pós-morte. Esse é um exemplo de um fato social inspirado em modelo. Nela, a ética religiosa determina uma ação. Os modelos, para Weber, são construídos nas rela- ções sociais. Nelas, somos orientados pelas tradições das relações sociais que nos antecederam, nas heran- ças passadas, nas quais os comportamentose valores que nos identificam foram construídos ao longo do tempo e passados pelas gerações. Essa herança se dá nos ensinamentos religiosos, nas práticas do fol- clore, na educação de história e nos valores passados no ambiente doméstico onde nossos pais reforçam valores morais. Também temos modelos construídos nas condições presentes, na vida que levamos e nas relações que estabelecemos. Aprendemos, na busca de resolver problemas atuais, a construção SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 185 de sentidos a valores que herdamos, mas também valores novos que incorporamos nas práticas diárias. Ao passar por uma dificuldade econô- mica, há uma herança de valores que me fará lidar com essa condição de uma determinada forma ou de outra. Dependendo das condições que passe e como tenho que agir para superá-la, pode reforçar os valores que tenho ou modifi- cá-los, até mesmo rompê-los. Há também a construção futura dos modelos de ação, em que se estabelece o sentido por meio do interesse de um resultado que virá depois da ação praticada. Uma ação preventiva é, também, uma ação fundada no modelo futuro. Um pai preocupado com seu filho pode abrir uma caderneta de poupança, esse é um exemplo de uma ação futura. Em algumas civilizações, já que falamos do ato de poupar, a preocu- pação em prevenir uma possibilidade de crise pode ter consequência direta em uma política econômica. Os japoneses têm, por tradição, poupar. Logo, em alguns casos, aquecer a economia nipônica dá relativo tra- balho, já que fazer os japoneses irem às compras não é uma tarefa fácil. No Brasil, pelo resultado do endi- vidamento das famílias brasileiras pelo crédito fácil, o modelo econômico é oposto. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 186 Esses modelos se interagem dentro dos indi- víduos ao longo do tempo e podem ganhar interpretações novas com as mudanças das con- dições presentes. O que é uma tradição ligada a um ritual moral de responsabilidade pode se associar apenas à comercialização de uma festa, um momento de êxtase sem compro- misso futuro. Se usarmos o casamento como um fenômeno social, sua permanência como ritual de associação à união conjugal está per- dendo importância. Hoje, mais de 50% dos casais, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do Censo de 2010 (IBGE, 2010), não se casa- ram no civil ou no religioso, ou seja, a maioria dos casais não adota o ritual do casamento, a cerimônia. Porém, as festas de casamento são cada vez mais um espetáculo. Sua idolatria está na aparência requintada da cerimônia e não na permanência da união. Se casar é uma festa, o casamento, para alguns, é uma prisão. Logo, muitos dos comportamentos que temos em nossa sociedade têm um sentido diferente do que há décadas. O que antes poderia ser associado a um ritual de importância para a SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 187 coletividade, hoje pode estar associado apenas a uma superficialidade momentânea. A família está em constante transformação, contudo ainda se preserva o modelo tradicional — patriar- cal monogâmica e consanguínea — na busca de constituir uma união estável. Porém, esta- tisticamente, segundo o Censo de 2010, novos modelos familiares estão surgindo. A família tradicional está em decadência. Se os modelos de ação são construídos nas relações sociais mediante as heranças das gera- ções passadas, das condições presentes e do sentido futuro, os modelos foram classifica- dos por Weber em quatro características ideais: racionais com relação a fins; racionais com relação a valores; tradicionais e afetivos. Esses modelos serão explicados aqui separa- damente, mas apenas como uma forma didática para facilitar a compreensão, pois na vida social se dão em conjunto. Jamais encontraremos um modelo agindo de forma pura. Por muitas vezes, a existência de um determinado modelo está associada a existência de outro. Um exemplo, que veremos a seguir, é a tradição e a emoção, modelos que tendem a se complementar. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 188 Max Weber nasceu em Erfurt, na Alemanha, em 1864, e faleceu em Munique, em 1920. Seus tra- balhos estão ligados à Economia Política, uma das áreas nas quais se graduou na Universida- de de Heidelberg, mas trabalhou em diversas universidades de prestígio na Alemanha. Sua carreira acadêmica é marcada por instabilidade emocional, mas uma produtividade avassala- dora. Filho de um empresário bem-sucedido e de uma nobre com formação religiosa conser- vadora, Weber teve em seu irmão outro pensa- dor de sucesso: Alfred Weber. A esposa de Max, Marianne Weber, foi sua mais importante auxi- liar e biógrafa. Suas teses se direcionaram para o entendimento dos aspectos culturais na vida econômica. A obra em que Weber coroa suas teses é A ética protestante e o espírito capitalista. Fonte: os autores. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 189 RACIONAL COM RELAÇÃO A FINS Weber considera que a civilização ocidental tem sua organização fundada na racionalidade lógica. Nossa forma de compreender as insti- tuições, suas funções e nossas relações com elas é toda orientada pela razão. A legislação que o Ocidente criou para orientar sua conduta em sociedade é racional lógica. Há uma intenção racional na forma como nos organizamos e bus- camos manter nossas instituições. Consideramos que a racionalidade é a con- dutora para o progresso humano, e que a vida em sociedade deve ser pautada na compreen- são dos fenômenos sociais pela racionalidade científica. É por meio dela que orientamos nossa ação para a superação de problemas, que podem ser de ordem coletiva ou particular. Se estiver- mos doentes, devemos procurar um médico, se uma sociedade tem uma epidemia, o Estado deve tomar atitudes racionais para tentar sanar o problema, buscando a prevenção e a cura. A racionalidade lógica está sustentada na busca de atender interesses utilizando uma ação fundada na razão objetiva. Uma busca SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 190 determinada sempre necessita de ações lógi- cas para que seja executada. Um dos exemplos utilizados por Weber é do engenheiro que cons- trói uma ponte porque tem que estabelecer uma ligação nas duas margens do rio. Outro exem- plo é o aluno que, se quer fazer um determinado curso, matricula-se em uma universidade. Se uma mulher deseja evitar ter filhos, toma anti- concepcional. Se alguém deseja chegar a um determinado lugar, vê o caminho mais eficiente e seguro. Quando observamos o comportamento social, podemos concluir que pela ação poderíamos deduzir a intenção de quem a pratica. Em uma sociedade capitalista, na qual a economia exerce um papel fundamental em nossas vidas, nosso comportamento com o dinheiro deveria ser racional e lógico, já que ele é apenas um meio de atender às nossas necessidades. Se tenho necessidades vitais para me man- ter e garantir a minha sobrevivência, devo fazer com que o dinheiro cumpra essa função. Logo, deveria investir em atividades de qualificação ou aplicar em bens que me permitam obter mais dinheiro para minha segurança futura e melhora SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 191 da minha qualidade de vida. Se não tenho qua- lificação e necessito melhorar minha condição de vida, posso investir em um curso técnico ou superior e jamais utilizar de meu dinheiro para comprar um automóvel diante dessa necessi- dade racional e lógica. A economia, por exemplo, é em sua essên- cia racional com relação a fins. A aquisição de um determinado bem implica a obtenção de um determinado valor em dinheiro para poder adquiri-lo. Em uma sociedade como a nossa, na qual tudo se estabelece por uma relação eco- nômica, o valor monetário do que está a nossa volta não deveria ser desprezado em momento algum. Marx acreditava que isso seria uma forma de dar ao homem uma consciência dassuas relações sociais, percebendo a dinâmica da sociedade capitalista. Para Weber, essa con- cepção puramente racional e lógica não existe de forma pura e não é única determinante das atividades econômicas. Quando falamos de economia, da vida coti- diana permeada pelas condições econômicas, temos que entender outro modelo de ação, o SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 192 lógico em relação a valores. Vamos tratar dele a partir de agora. RACIONAL COM RELAÇÃO A VALORES Uma crença, um valor moral e um sentido emocional que exija um ritual associado a um comportamento esperado. A racionalidade é uma exigência aparente da forma como avalia- mos o comportamento do outro, mas o valor a ela associado pode ser um determinante para o comportamento que nossa busca de racionali- zar não consegue compreender de imediato, a não ser quando analisamos com mais cuidado. Por isso, há uma associação de um determinado valor a um comportamento que se pratica. Uma necessidade de cumprir um ritual para atingir um benefício que nem sempre está denunciado diretamente ao comportamento. Pelo senso comum, afirmamos que os ale- mães são orgulhos, os assim como os japoneses. Comentamos do nacionalismo norte-ameri- cano, do bom humor italiano e da hospitalidade brasileira como características desses povos. Essas características são esperadas quando nos SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 193 relacionamos com alguém que tenha como identidade uma dessas nacionalidades e sua característica específica. Não espero de um italiano a mesma passividade de um nipônico diante de uma mesma situação. Esses valores podem ser apenas fantasio- sos, não se comprovando em sua maioria, mas podem ter uma expressão de verdade diante de determinadas condições em que se exija um comportamento mais adequado para um do que para outro. Podemos considerar, por exem- plo, a destruição de um país, como aconteceu com os japoneses depois do tsunami em 2011. Assolado, o país precisou agir rápido e teve que se organizar para superar problemas ocasiona- dos pela catástrofe. Foi preciso procurar sobreviventes, restaurar a rede de energia, recuperar as estradas, tratar os doentes, realizar o abastecimento de água e alimento para a população, entre outras tantas necessidades. O mundo assistiu à organização da sociedade no dia a dia, sua capacidade de cooperar em momentos críticos, esperar na fila para obter água e alimento, para pegar um trans- porte coletivo, para abastecer um veículo e para SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 194 usar um telefone. Essa prática coletiva está além da racionalidade, está ligada ao valor moral que atinge o conjunto social. Essa condição que se estende por um número de indivíduos e que os identifica por um com- portamento comum é que chamamos de valor associado. Os japoneses foram racionais ao se comportarem de forma organizada, mas também havia um sentido comum de valor ao considera- rem que essa prática levaria ao restabelecimento de seu país e de sua nacionalidade que é tão cara para a população. A honra é, para algumas comunidades, algo caro, que deve ser preservada e estar presente diante de situações em que aquilo que se deseja preservar está ameaçado. Colocamos no início dessa exposição os indianos e sua organização, mostrando a forma como eles se comportam em determinado momento asso- ciada a um valor que não existiria em outra civilização, é isso que estamos reforçando aqui. A economia tem em seu desenvolvimento inúmeros casos que podem servir para tratar do comportamento lógico em relação a valores. O dinheiro, como falamos, é um meio, mas onde ele é aplicado depende da intenção de quem SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 195 o tem. Dessa forma, investir, consumir, usar o dinheiro para aplicar e obter mais ou gastar para adquirir objetos de prazer imediato são opções de quem tem o dinheiro e dependem dos valores do ser humano diante da condição econômica. Pessoas com a mesma quantidade de dinheiro, tendo a mesma escolaridade e acesso às mes- mas informações sobre objetos de consumo e possibilidades de aplicação financeira podem não ter o mesmo comportamento. Em parcela considerável de uma sociedade, este pode ser um comportamento comum, como falamos dos japoneses anteriormente. O trabalho enquanto atividade racional, a dedicação a ele e a valorização social de sua prática devem ser considerados em relação ao valor que ele estabelece. Em um de seus traba- lhos, A ética protestante e o espírito capitalista, Max Weber analisa o trabalho de operárias protestantes e pietistas, que se concentram de forma singular em relação ao trabalho, quase não cometendo acidentes e se igualando às ope- rárias conservadoras: Uma imagem retrógrada da forma tradi- cional do trabalho é atualmente apresen- SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 196 tada muitas vezes por operárias, especial- mente pelas que não são casadas. [...] O contrário se dá geralmente e este não é um ponto insignificante de acordo com a nossa visão, apenas com moças com uma formação especificamente religiosa, em especial a pietista. Ouve-se frequente- mente, e confirma-o a investigação esta- tística, que de longe, as melhores oportu- nidades de uma educação econômica são inegavelmente encontradas neste grupo. A capacidade de concentração mental, tanto quanto o sentimento de obriga- ção absolutamente essencial para com o próprio trabalho, estão aqui combinados com uma economia estrita que calcu- la a possibilidade de altos vencimentos, um autocontrole e uma frugalidade que enormemente aumentam a capacidade de produção (WEBER, 1980, p. 193). Logo, pela colocação de Weber, a formação reli- giosa influencia o desempenho no trabalho e determina um ritmo à atividade econômica. Investe-se no trabalho para obter um deter- minado interesse atendido, e se busca realizar pela atividade profissional um reconhecimento SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 197 religioso. O sucesso profissional é, então, uma fusão da dádiva divina e do resultado de uma disciplina que se associa à ética religiosa. Em nossa sociedade, na qual associamos a ati- vidade econômica apenas à aquisição de bens e não compreendemos a lógica racional da econo- mia, estamos gerando uma problemática entre o desejo de ter pela simples emotividade, sem ter um valor associado que gera o merecimento. O valor social do consumo não estabelece, asso- ciado a ele, um comportamento de produtividade laboral, ou seja, o trabalho. Vale lembrar que a educação deve ser ana- lisada por esse aspecto do valor associado à dedicação do conhecimento. A busca por com- preender racionalmente o mundo a nossa volta tem que ter um sentido que vá além da objeti- vidade de estudar. A razão lógica que justifica o estudo já é conhecida e, por muitas vezes, vira apenas retórica. Agora, compreender os benefícios culturais que a educação gera está associado a valores agregados à busca do saber. Enquanto estivermos valorizando os que não têm uma dedicação ao estudo, estimularmos os benefícios aos que se desviam da conduta do SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 198 conhecimento, vamos colher problemas. As relações que estabelecemos na vida profis- sional, no ambiente familiar e nas atividades de lazer têm pouco sentido de reconhecimento da educação como ato de valor. Deveríamos rever- ter esse aspecto. O estímulo à educação deve compreender não só as associações racionais, mas também as demais atividades do cotidiano. Os méritos dos mais dedicados devem associar as posições sociais de maior relevância. Se tiver- mos os nossos expoentes sociais associados ao conhecimento e à busca de competência intelec- tual, científica e técnica, levaríamos os demais elementos sociais a perceber a associação do sucesso à educação. Agora vamos tratar dos demaismodelos de ação que ainda restam abordar aqui, o emocional e o tradicional, que se completam, determinando também as ações sociais, segundo Weber. AFETIVA A ação afetiva é aquela na qual o comporta- mento é movido por um sentimento, seja ele de afetividade, de rejeição, de sedução ou de ódio. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 199 A vingança também pode ser considerada um modelo determinante da ação social. Vivendo um momento de êxtase coletivo, uma paixão por determinado evento político, o comportamento da sociedade pode ser alterado. A associação da emotividade à tradição pode ser um exemplo dessa intenção. Na Alemanha, o que levou o país à Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi o sentimento de vingança do povo alemão, a busca de um revanchismo pela humilhação sofrida no final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esse mesmo sentimento foi um campo fértil para o surgimento do nazismo, fundado em uma exal- tação do germanismo. Weber considera que lideranças políticas acendem com um senti- mento de identificação com o líder, como uma relação de emotividade carismática. TRADIÇÃO A tradição é um modelo de repetição associado a um valor que permanece. Muitas vezes, o com- portamento permanece, mas o valor acaba se SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 200 desassociando dele. Uma tradição é a condição em que se mantém um determinado compor- tamento arraigado em uma sociedade e que gera um sentimento (modelo emocional), mui- tas vezes, de segurança. A permanência de um regime de governo, um ritual religioso, uma comida típica e uma tradição de liderança são alguns exemplos. O comportamento tradicional, em sua ori- gem, poderia estar associado a uma razão lógica ou a um valor, mas com o passar do tempo, sua permanência ganha um sentido próprio e se perpetua relacionado a um número signi- ficativo de elementos, muito além do que lhe deu origem. O casamento pode ser considerado uma tradição, mas nem por isso está associado à manutenção de uma relação duradoura. Nas comidas típicas, a permanência pode ser uma associação de valores comerciais ou mesmo de identidade social com um passado, sem que o alimento continue sendo uma expressão lógica. Na origem da comida típica, há uma condição de ambiente, clima e disponibilidade de ingredien- tes que podem não existir mais, mas o alimento ainda é produzido. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 201 Na política, podemos exemplificar a condição do mando, da associação do poder com deter- minados grupos sociais. Ao repetir o mando ao longo de gerações, associa-se o poder a deter- minados personagens e sua hereditariedade. Nos países onde a monarquia se mantém, pode- -se dizer que é fruto de uma tradição que não encontra respaldo racional lógico. O modelo monárquico inglês, com seu parlamento, é um bom exemplo. O império japonês também poderia ser colocado como uma manutenção tradicional. No Brasil, a política coronelista, o mando de determinadas famílias em regiões de predomínio agrário, ainda se mantém. Por mais que os coronéis tiveram sua origem em uma sociedade agrária exportadora durante a primeira república, e o mando do proprietário de terra remonte o período colonial, as oligar- quias agrárias ainda continuam tendo uma forte influência sobre o poder no país. A tradição deve ser entendida como uma condição importante para que certos compor- tamentos se realizem e acabem por valorizar a prática necessária em uma sociedade. Hábitos repetidos ao longo do tempo e que demonstram SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 202 civilidade acabam por valorizar uma relação estável. A preservação da democracia como um ambiente político não só é uma racionalidade, mas também pode ser uma expressão de tradi- ção ao longo do tempo. SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 203 CONSIDERAÇÕES FINAIS Caro(a) aluno(a), o estudo dos clássicos é fun- damental para podermos alicerçar qualquer análise dos fenômenos da atualidade. Por mais que adotamos posturas de autores do presente, o conhecimento das teses clássicas é fundamen- tal. Elas permitem um embasamento teórico coerente, que garante uma base sólida de aná- lise para o enriquecimento de informações e a possibilidades de compreensão da vida social. Os clássicos como Marx e Weber são autores que mudaram a estratégia de ação sobre a socie- dade. Em Marx, compreendeu-se não só uma forma crítica de entender a sociedade capita- lista, como também um projeto de sociedade que se propôs a superar as relações capitalistas de produção. Já Max Weber, em sua análise cul- tural, quando traz a compreensão da economia e sua relação com a ética religiosa, avança sobre um campo inovador em sua época. Entender o efeito das culturas sobre a vida material e sobre o comportamento concreto. Em sua principal obra, A ética protestante e o espírito capitalista, a história da civilização ocidental ganha um SOCIOLOGIA CLÁSSICA II 204 contorno novo, a contribuição econômica para o sentido da lucratividade e da materialidade do capitalismo. Max Weber vai além da perspectiva meramente objetiva da análise social. Ele quer entender os sentidos que os sujeitos que pra- ticam a ação dão a ela. Qual é a orientação do comportamento que será relacionado a outro. O legado cultural de uma nação pode influen- ciar seu destino econômico e pode potencializar momentos que se tornam únicos e promovem guinadas significativas na vida social. A realidade econômica para sociedades que construíram um legado cultural distinto sobre o enriquecimento pode ter influências diferen- tes para as práticas econômicas. Para Weber, sociedades protestantes, principalmente puri- tanas, e católicas dão um significado diferente ao enriquecimento. 1. Max Weber argumenta que existem quatro modelos para analisar as relações sociais, que normalmente ocorrem com caracterís- ticas próprias”. Acerca deles, leia as asser- ções a seguir e escolha a alternativa cor- reta. I. Um desses modelos é a ação racional lógica a fins ou a finalidades, que foca justamente em um objetivo específico a ser alcançado. II. A ação lógica com relação a valores também é um modelo proposto por Weber. III. A ação tradicional se assemelha muito à ação racional lógica com relação a fins. IV. Weber não propôs modelos teóricos para a análise da sociedade. a) Estão corretas apenas I e II. b) Estão corretas apenas II e III. c) Estão corretas apenas I, II e III. d) Estão corretas apenas II, III e IV. e) Estão corretas apenas I, II e IV. 2. Max Weber analisou os tipos de relações so- ciais, sendo um deles a ação lógica com re- lação a valores. Diante dele, podemos afir- mar que: a) Prioriza sempre o fim lógico como forma de conduta. Vale mais o resultado final do que a forma de ação. b) Weber criou esse tipo metodológico para aprimorar o conceito de solidariedade or- gânica de Durkheim. c) Auxilia na compreensão do pensamento do autor, sobretudo em relação às tradições presentes nessa ação. d) A ação lógica com relação a valores priori- za um valor moral como forma de conduta para avaliarmos o comportamento da ou- tra pessoa. e) A necessidade de cumprir um ritual espe- cífico para a ação lógica com relação a fins tipifica a ação lógica com relação a valores. 3. Karl Marx avalia o fetiche da mercadoria como a idealização do valor atribuído pelo homem a um produto. Acerca desse con- ceito, leia as asserções a seguir e escolha a alternativa correta. I. O fetiche da mercadoria varia de acordo com a imagem idealizada pelo homem e transformada em realidade nos valores es- tabelecidos pelo fetiche. II. O valor material de uma mercadoria é en- coberto pelo fetiche. III. Uma relação de “mundo de fantasia” na so- ciedade atual auxilia na explicação do feti- che, uma vez que a estabelecemos quandodesejamos um produto. IV. O fetiche da mercadoria, proposto por Marx, nada mais é que o mesmo conceito de va- lor de troca. a) Estão corretas apenas I e II. b) Estão corretas apenas II e III. c) Estão corretas apenas I, II e III. d) Estão corretas apenas II, III e IV. e) Estão corretas apenas I, II e IV. 4. Segundo Karl Marx, a burguesia tem utili- zado vários meios para justificar seu poder perante a sociedade, principalmente em re- lação à propriedade privada. Considerando esse intento, leia as asserções a seguir e escolha a alternativa correta. I. A transformação dos meios de produção da manufatura para a maquinofatura foi uma oportunidade da burguesia justificar seu poderio. II. A dominação da burguesia se torna mais intensa quando o trabalhador se faz ape- nas uma extensão da máquina já existente. III. A exploração do proletariado sobre a bur- guesia é o princípio do capitalismo e desta libertação, segundo Marx. IV. A mercadoria é a condição em que a bur- guesia não consegue obter o domínio sob o proletariado. a) Estão corretas apenas I e II. b) Estão corretas apenas II e III. c) Estão corretas apenas I e III. d) Estão corretas apenas II e IV. e) Estão corretas apenas I, II e IV. 5. Karl Marx analisou a formação da sociedade capitalista. Enquanto sociólogo, este autor contribuiu para compreender como o ca- pitalismo prosperou no início das práticas mercantis. Diante desta análise, responda: quais são, na visão de Marx, os processos que resultaram na sociedade capitalista? Isabela Vieira REPÓRTER DA AGÊNCIA BRASIL Rio de Janeiro - Piadas sobre negros ainda são usadas para desqualificar e marginalizar essa parcela da população, critica o professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Da- goberto José da Fonseca, que pesquisa o tema desde a década de 1980. “Esse tipo de pia- da, de brincadeira, que não é nada inocente, tem o objetivo de rebaixar, de inferiorizar, de desqualificar o negro, de mostrá-lo como um animal, incompetente ou estigmatizar uma si- tuação de pobreza pela qual passa boa parte dessa população”. Doutor em Ciência Sociais, ele começou a pes- quisar o tema depois de ouvir de um amigo uma piada racista ainda na faculdade. A ane- dota deu origem a uma tese de mestrado que, engavetada desde então, foi resumida e será publicada no livro Você Conhece Aquela? A Pia- da, o Riso e o Racismo à Brasileira, com previsão de lançamento em dezembro. Em 133 páginas, o professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp reúne piadas em que os protagonistas são negros e aparecem como “vadios, malandros, ladrões”. Em algu- mas dessas anedotas são comparados a do- enças degenerativas, como câncer, ou têm características físicas, como o nariz e a boca, exageradas, reforçando estereótipos. É o caso da personagem Adelaide, do progra- ma Zorra Total, da TV Globo. No quadro, ela é uma mulher negra, pobre, sem dentes, que se refere aos cabelos da própria filha como “pa- lha de aço”. As aparições da personagem estão sob análise no Ministério Público do Rio de Ja- neiro, que vai avaliar se há racismo no progra- ma, a pedido da Secretaria de Igualdade Racial (Seppir). “A personagem Adelaide está colocada den- tro dos marcos do passado. Havia uma leitu- ra nas piadas de que os negros eram pobres, desdentados e feios. Ela [a personagem] não rompe com o passado, como Mussum, Gran- de Otelo e Chocolate. Adelaide tem o nariz e os lábios exageradamente alargados e o cabe- lo despenteado, em um clichê, que, no final, a compara a um gorila”, criticou. Sobre o tema da sexualidade, em um dos qua- tro capítulos da obra, Fonseca também criti- ca o mito da potência sexual, no caso dos ho- mens, ou de lascívia, no caso das mulheres. Segundo o professor, essas ideias surgem na colonização tanto no Brasil quanto na África e refletem teorias de um momento histórico em que o negro era tido como inferior. “Quando a gente pensa em um negro bruta- monte, está associando o negro a um tarado, a um cavalo, a um touro, ou seja, voltamos para a questão da animalização”, ressaltou. “Do ou- tro lado, quando se remete à mulher negra, há ideia de lascividade, de promiscuidade. Tudo vinculado ao processo colonial, em que o dono do corpo era quem escravizava”, acrescenta. Para o professor, por trás das piadas racistas há uma intenção de buscar a “padronização” do corpo, da beleza, por meio da valorização de um “ideal branco”, o que tem impactos nega- tivos, especialmente, entre as crianças negras. A tendência, explica o pesquisador, é que elas se sintam inferiores e tenham mais dificuldade para aprender. Em relação à personagem Adelaide, a Central Globo de Comunicação informou que o hu- morístico “é notadamente uma obra de ficção, cuja criação artística está amparada na liber- dade de expressão”. A nota acrescenta ainda que a personagem foi inspirada na avó de seu intérprete e criador, o ator Rodrigo Sant’anna. Fonte: Vieira (2012, on-line)1. MATERIAL COMPLEMENTAR Sociologia (Marx) Karl Marx Editora: Ática Sinopse: trata-se de uma coletânea de textos fundamentais de Marx, organizados por Octávio Ianni e coordenados por Florestan Fernandes, que de� nem bem o pensamento do autor. A ética protestante e o espírito do capitalismo Max Weber Editora: Pioneira Sinopse: considerado pela crítica como “o livro do século”, nele Weber ensaia a relação casual entre o capitalismo e a ética do protestantismo, em explosão na Europa após a Revolução Protestante. MATERIAL COMPLEMENTAR Os delírios de consumo de Becky Bloom Baseado na série de livros da britânica Sophie Kinsella, essa comédia mostra os problemas causados pelos exagerados desejos de consumo da protagonista, enquanto tenta um emprego numa revista. É interessante para avaliar os aspectos do consumismo, criados a partir do capitalismo exacerbado. Texto acadêmico que faz referências à questão do conceito de dominação criado pelo sociólogo Max Weber. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S2238-38752014000200587>. GABARITO 1. a) 2. d) 3. c) 4. a) 5. São as transformações mercantis que ocor- reram na Europa. A burguesia passou a orga- nizar seu projeto de Estado e, neste sentido, estabeleceu o seu poder econômico sobre a máquina estatal. Enquanto classe dominan- te financiadora do capitalismo, a burguesia – também detentora das práticas mercantis - fez com que o capitalismo prosperasse. UNIDADE IV U N ID A D EIV Professor Dr. Tiago Valenciano Professor Me. Gilson Costa de Aguiar DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Relacionar os clássicos da Sociologia e posicionar o acadêmico acerca da discussão teórica da disciplina. ■ Articular o pensamento de Pierre Bourdieu, apresentando um “novo” clássico da Sociologia. ■ Estabelecer um panorama sobre os fundamentos da Sociologia para Educação. PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Os clássicos ainda importam? ■ A sociologia de Pierre Bourdieu ■ Fundamentos Sociológicos da Educação DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 219 INTRODUÇÃO Afinal, os clássicos da Sociologia ainda impor- tam para o estudo de nossa sociedade no modelo atual globalizado? Essa questão permeia esta uni- dade, que tem o objetivo de situar você, aluno(a), em um ponto fundamental para compreender o que foi tratado até aqui: diferenciar Comte, Durkheim, Weber e Marx, apontando as possí- veis semelhanças e as múltiplas diferenças entre eles. Nossa proposta é instigá-lo a equacionar o seguinte problema: a Sociologia, na diversidade de seus autores denominados “clássicos”, cola- boraem minha formação acadêmica? Para além dos clássicos, seguimos nossa viagem apresentando a sofisticada Sociologia de Pierre Bourdieu, voltada para a explicação de conceitos, como campo, habitus e capital, fundamentais para expor a diversidade que é nossa sociedade, que possui símbolos e regras próprias de um jogo disputado a cada dia em busca da hegemonia social. Bourdieu traz à tona questões estruturais da Sociologia, talvez em menor complexidade metodológica do que seus DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 220 antecessores, mas com um legado importante para seus sucessores. Indagaremos, ainda, quais são os fundamentos sociológicos para a educação, ou seja, o próprio título desta disciplina. A proposta é relacionar, em um tom ensaísta, os principais conceitos dos autores abordados, no sentido de pensar a relação entre a Sociologia e a Educação para a nossa sociedade e qual seu impacto. Os aponta- mentos aqui efetuados surgem com o objetivo de explorar sua imaginação sociológica, estabe- lecendo um papel questionador do status quo do modelo de sociedade que vivemos. Com esse itinerário, esperamos conduzir nosso diálogo para um balanço da produção sociológica clássica, articulando-a com nossa realidade, com as perspectivas do(a) aluno(a) para o Ensino Superior e, sobretudo, com as novas experiências profissionais vindouras. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 221 OS CLÁSSICOS AINDA IMPORTAM? Durante nossa jornada, analisamos alguns auto- res considerados clássicos da Sociologia (Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx), que for- mam sua base de explicação tradicional. De antemão, sinalizamos que eles são os mais explo- rados pela Sociologia, tanto no Ensino Médio quanto no Ensino Superior. Evidentemente que, em algum momento de nossas vidas, estuda- mos esses autores como se falassem a “verdade absoluta” sobre a Sociologia, o que evidencia a face da disciplina perante as demais. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 222 Quando ouvimos a expressão “fato social”, prontamente a ligamos a Durkheim, autor que a cunhou para explicar como o poder de coerção de tais fatos pode influenciar os comportamen- tos individuais e coletivos de cada indivíduo. Da mesma forma, falar em ação social ou nas formas puras de dominação prontamente nos remete a Weber, que, a partir de sua Microssociologia, delimitou como as ações individuais, extre- mamente racionais, são experimentadas em microespaços, porém com reflexos amplamente sociais. Por fim, a visão acerca do capitalismo proporcionada por Marx nos faz enxergar como a sociedade, ao mesmo tempo inclusiva, pode ser excludente no tocante às desigualdades sociais. Essa caminhada sobre os chamados “clássicos” da Sociologia nos remete à seguinte questão: será que esses autores, cada qual com sua possibili- dade de reflexão, ainda podem ser considerados clássicos? Além disso: qual é a medida encon- trada para dizer que Durkheim, Weber e Marx ainda influenciam os comportamentos sociais, isto é, a nossa vida e as nossas atitudes em/na sociedade? São essas questões que pretende- mos discutir, a fim de expor os motivos pelos DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 223 quais tais autores ainda importam (ou não) no ambiente de reflexão da Sociologia. Antes de examinarmos essa questão, vale res- saltar que um autor se torna clássico quando tem o poder de perpetuar seus ensinamentos ao longo dos anos. Qual é a origem desse termo, então? Se verificarmos o ambiente do Classicismo (perí- odo de valorização dos padrões estéticos do mundo antigo), notamos que as manifestações dessa corrente se dão na modernidade, com a visão antropocêntrica sendo valorizada. Logo, o Classicismo ressalta que o homem deve estar no centro das pesquisas filosóficas, sendo, dessa forma, a razão e a chave para compreensão da natureza humana. Nesse sentido, notamos que a razão e a expli- cação da existência humana em/na sociedade são questões inerentes aos chamados “clássicos” da Sociologia. Perceba que os três autores aqui elen- cados se preocuparam em compreender como, de forma racional e justificada, o homem se relaciona consigo mesmo e expõe essa relação na vida social. Ora, podemos visualizar que Durkheim obteve tal preocupação de imediato: a justificativa do nas- cimento da Sociologia, uma ciência destinada a DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 224 estudar a dinâmica da sociedade e a publicação de um livro destinado a compreender os principais métodos dessa nova ciência são fatos que demons- tram a preocupação do autor em consolidar esse novo campo de conhecimento. Da mesma forma, Weber observou, a partir de fenômenos sociais, como os indivíduos se rela- cionavam objetivamente perante à sociedade, esperando que determinadas pessoas agissem de acordo com cada intenção em cada ação espe- cífica. A partir dessa observação, Weber pôde compreender que o capitalismo se desenvol- veu de forma racional, por exemplo. Por outro lado, Marx notou que, em um ambiente pautado pela Revolução Industrial e pela crise de origem de uma sociedade urbana não igualitária, era possível observar que alguns comportamentos inerentes às diferentes classes sociais se repe- tiam ao longo dos anos. Nesses três exemplos basilares, compre- endemos inicialmente como tais autores, considerados clássicos da Sociologia, ainda têm importância no estudo dessa ciência. Além da influência do Classicismo nas origens da expressão, tais pensadores assumem o caráter DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 225 de autores atemporais, isto é, não deixam de influenciar correntes de pensamento ou não per- dem o poder com o passar dos anos. Observe que até hoje possuímos adeptos das suas ideias, bem como uma infinidade de teorias socioló- gicas, de produções acadêmicas, de debates, de conferências e até mesmo de centros de pes- quisa criados justamente para tentar explicar essa evidente ascendência. Observamos, a seguir, um quadro que demons- tra justamente essa atualidade dos clássicos da Sociologia e em qual medida eles (ainda) influen- ciam o estudo da sociedade. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 226 Quadro 1 - Abordagens sociológicas da sociedade moderna SOCIEDADE MODERNA Pensador Relação entre indivíduo e sociedade Conceitos principais Émile Durkheim (1858-1917) Sociologia po- sitivista/funcio- nalista/objeti- vista Ser indivíduo é ser social; indivíduo como simples executor da estrutura (re- síduo); a ação é subproduto da abstração. Fato social; ordem; ano- mia; objeti- vidade; co- erção social; coesão social; divisão social do trabalho; solidarieda- de mecânica e orgânica; consciência coletiva. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 227 Max Weber (1864-1920) Sociologia compreensiva/ fenomenológi- ca. Sentido da ação de acor- do com o su- jeito; mundo social como uma rede de intersubjetivi- dade; eu/”ou- tro”. Ação social e individual; sentido; sub- jetividade; significado de ação; au- tonomia; ra- cionalidade; burocracia. Karl Marx (1818-1883) Objetivismo Indivíduo como produto das relações sociais de pro- dução. Materialismo histórico; su- perestrutura; infraestrutu- ra; fetichismo da mercado- ria; capital; alienação; exploração; luta de clas- ses; ditadura; revolução; dialética. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 228 Veja que nesse quadro cada um dos autores clássi- cos da Sociologia possui relação com a sociedade moderna e, por que não, com a atual sociedade pós-moderna/globalizada. Analisando cada um deles, notamosque o relacionamento entre o indivíduo e o outro/mundo exterior é diferente, porém com o sentido de que a sociedade é um elemento essencial para compreensão de nossa realidade. Durkheim estabelece essa relação entre o indi- víduo e a sociedade a partir do momento em que se assume que o ser é estritamente social. Isso significa que o indivíduo executa um modelo base- ado na força que a sociedade pode exercer sobre as pessoas. Logo, o fato social se justifica, exem- plos como a escola, o casamento, a religião, entre outros, demonstram que os fatos sociais, no perí- odo analisado pelo autor, tinham a preocupação de demonstrar essa estrutura montada, em que o individual “apenas” executaria algo elaborado pelo coletivo. Por outro lado, Weber pondera que cada ação possui sentido a partir do momento em que um indivíduo a exercer. Logo, a sociedade é uma espécie de “rede”, em que a subjetividade DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 229 constante dos indivíduos está presente e só é desfeita a partir do momento em que uma ação se torna social, isto é, tem como sentido a pes- soa que a recebe de quem a executa. Já Marx sinaliza que o indivíduo apenas reproduz o que as relações sociais de produ- ção fornecem. Isto é, na visão do autor, somos fruto da sociedade capitalista, na qual as rela- ções de troca das mercadorias são constantes e fundamentais para o convívio em/na sociedade. Veja que em Marx essa relação é importante para compreender o modo que o autor analisa a sociedade, possuindo como ponto de par- tida as disputas ocasionadas pelo capital e seus desdobramentos. O quadro a seguir também auxilia na com- preensão dos motivos pelos quais tais autores são considerados clássicos da Sociologia. São abordados, ainda os períodos históricos que cada um dos autores analisou, a sociedade e a afirmação de teorias assertivas acerca da reali- dade social. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 230 Quadro 2 - Relação de autores e períodos históri- cos IDADE ANTI MEDIEVAL IDADE MODERNA IDADE CONTEMPORÂNEA Sociedade Tradicional Mudança social Modernidade M A R X Modo de produção antigo e feu- dal. Revolução Industrial. Modo de produção capitalista. D U R K H EI M Solidarieda- de mecânica. Divisão do trabalho so- cial. Solidariedade orgânica. W EB ER Sociedades teocêntricas. Racionaliza- ção (desen- cantamen- to) Sociedade secularizada. Fonte: Sell (2012, p. 17). DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 231 Nessa abordagem, Sell aponta quais são os lega- dos que cada um desses autores deixou para análise da sociedade contemporânea. Marx ana- lisou a Revolução Industrial como basilar na Idade Moderna, e tal revolução culminou na consolidação do modo de produção capitalista e suas possibilidades de configuração social ainda vigentes. Já Durkheim optou pela divisão do traba- lho social na Idade Moderna, apontando que a solidariedade orgânica - aquela em que cada indivíduo cumpre seu papel específico na socie- dade complexa - é o elemento que explica a contemporaneidade. Por fim, Weber, em um processo de racionalização e desencantamento do mundo, via a ação social (cada qual com um sentido específico), e observou que a seculari- zação, elemento agregador a partir da religião, deixou de constar com a devida importância. Muitos consideram desnecessário retomar uma produção científica quase toda produzida no século XIX. Há sempre o questionamento que esses conhecimentos estão superados e seu entendimento não terá validade para quem quer compreender os dilemas da sociedade atual. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 232 Esse tipo de posicionamento é um engano, isso porque necessitamos compreender a tendên- cia dos pensadores da atualidade, pois ainda é nos pensadores clássicos que os contemporâ- neos buscam a sustentação de suas teses, senão na totalidade. Outro fator que nos faz considerar importante o estudo dos clássicos das Ciências Sociais é o preparo que ele nos dá para a leitura de outros teóricos da atualidade, os quais possuem uma formação fundada no trabalho dos primeiros grandes cientistas sociais e suas análises de uma sociedade que continua baseada nos elementos da economia de mercado, industrial e finan- ceira. Isso acrescido de um aumento complexo das relações de produção e de divisão do traba- lho social. Dessa forma, demonstramos a necessidade de estudar e analisar os clássicos da Sociologia, uma vez que esses autores (Durkheim, Marx e Weber) ainda influenciam não somente os autores con- temporâneos, mas também explicam as relações sociais estabelecidas na atualidade. Assumindo esse caráter “clássico”, eles fornecem instru- mentos para compreendermos a necessidade DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 233 justificada de uma Ciência da Sociedade, que irá pensar os fundamentos da relação entre a sociedade e a educação. A SOCIOLOGIA DE PIERRE BOURDIEU Outro autor que pode ser inserido nesta seleta categoria de clássicos da Sociologia é Pierre Bourdieu, nascido em 1930 e falecido em 2002. Com raízes fincadas no campo, desenvolveu boa parte de sua Sociologia (e por que não Antropologia) buscando evidenciar a necessidade de abordar a(s) disciplina(s) como fundamentais para com- preender a natureza humana. Bourdieu também possui destacada bibliogra- fia na área da Educação, articulando os principais conceitos desenvolvidos ao longo dos anos para compreender como ela se relaciona com a vida DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 234 humana e, da mesma forma, como nossa vida se liga à Educação diariamente. O propósito do autor, em uma sofisticada leitura sociológica, é nos fazer pensar sobre as relações sociais existentes e como elas ocorrem em nosso cotidiano. Diante desta tentativa, Bourdieu apresenta importantes conceitos que iremos tratar nesta unidade, a fim de evidenciar e analisar uma lei- tura complementar aos clássicos da Sociologia que, dependendo de quem a apresenta, pode ser considerada, ou não, como parte integrante da trinca de sociólogos já abordados. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 235 Trajetórias e biografias: notas para uma análise bourdieusiana A relação entre biografia e história insere-se em um conjunto mais vasto de dualidades que percorrem a Sociologia desde muito tempo, baseadas na ex- ploração da dialética indivíduo/sociedade, ação in- dividual/coletiva, liberdade/determinismo, indivi- dual/coletivo, estrutura/indivíduo e outras. Neste último caso, aponta-se para a manutenção, no indi- víduo, de componentes subjetivos sociais e ligados ao grupo onde ele vive, ou, inversamente, a busca do que é extremamente único e pessoal dentre um aparato mais vasto de representações da memória, internalizadas a partir da sociedade. Pode-se mesmo afirmar que as três grandes ma- trizes teóricas presentes na Sociologia, desde seus primórdios, giram em torno dos debates sobre a preeminência de uma ou outra forma de análise do mundo social, ou uma ou outra forma de encarar filosoficamente a sociedade. Se aceitamos sem dis- cussão o ponto de vista da sociologia durkheimia- na, o peso da sociedade tem uma preponderância sobre as individualidades e a subjetividade do indi- víduo. Fonte: Montagner (2007). DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 236 Com os conceitos de “habitus” e “campo”, o autor inaugurou uma nova análise acerca das estru- turas sociais existentes. De saída, recorremos a Bourdieu para explicar o que é o habitus, a nosso ver o primeiro conceito fundamental para compreender o pensamentodo autor. A reu- nião de influências sofridas por um indivíduo ao longo dos anos é denominada por Bourdieu como habitus, que nada mais é do que: [...] sistemas de posições duráveis, estru- turas estruturadas predispostas a funcio- nar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representa- ções que podem ser objetivamente “re- guladas” e “regulares”, sem que, por isso, sejam o produto da obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu objetivo sem supor a visada consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessá- rias para atingi-las e, por serem tudo isso, coletivamente orquestradas sem serem o produto da ação combinada de um maes- tro (BOURDIEU, 1994, p. 60-61). DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 237 O habitus, na definição clássica de Bourdieu, é um sistema de posições sociais duráveis que o indivíduo sofre ao longo dos anos, que tem por objetivo a articulação da sociedade com o comportamento individual. A partir desse com- portamento “moldado” pela sociedade e com as influências individuais, o sujeito aprende uma língua, obtém costumes, valores e a noção da realidade social, além, é claro, de criar suas pró- prias ideias, que também irão contribuir para a modificação da sociedade em que está postado. A proposta de Bourdieu em relação ao habi- tus demonstra a sequência de ações ordenadas com a dinâmica social em que um sujeito está localizado. Se considerarmos um político, por exemplo, podemos afirmar que o tipo de ação voltada para a sociedade desses indivíduos pos- sivelmente irá refletir o habitus adquirido ao longo dos anos com a participação política. Portanto, se um indivíduo tem uma ideologia política - avaliada a partir do conceito de habi- tus -, tal ideologia poderá refletir as práticas sociais desse grupo, formadas tanto pela relação sociedade-sujeito quanto pela interferência dos comportamentos do sujeito diante da sociedade. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 238 Outro destaque relacionado ao habitus é a questão da aprovação ou sanção de propostas nessa relação entre indivíduo e grupo. Se por um lado um indivíduo político pode (ou até deve) aceitar as medidas desencadeadas pela insti- tuição que integra, por outro ele também será ator na confecção dessas medidas, o que poderá acarretar novas práticas institucionais. Portanto, um político, ao mesmo tempo em que aceita as medidas impostas pela política quanto à dispo- sição do organismo que participa, também irá condicionar os rumos da política, articulando sua trajetória individual a uma “estrutura estru- turante e estruturadora de práticas” (FREITAS, 2012, p. 11). Essa predisposição do habitus em fornecer práticas ideológicas, sociais e políticas mostra como esse é um conceito que reúne uma vasta quantidade de informações: O termo habitus é utilizado, assim, como um conceito teórico que sistematiza um conjunto de saberes construídos ao lon- go da história da filosofia e das ciências sociais. Envolve todas as influências que cada ser humano assimila dos meios so- DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 239 ciais e culturais que mantêm contato, que vão se fixando em sua mente, como um “depositário de experiências”, mas que também o tornam capacitado para agir na prática de uma maneira inovadora para resolver os novos problemas que surgem na convivência social e satisfazer suas ne- cessidades e suas concepções (PRAXE- DES, 2015, p. 15). Dessa forma, o habitus é constituído de maneira articulada à sociedade. Não poderíamos afirmar que um político, em nosso exemplo, é um sujeito desconexo, que vive fora em relação ao seu grupo social. Ao passo que o indivíduo adquire o habi- tus, ele poderá obter a noção de praticidade da vida, em especial quanto aos assuntos relativos aos campos sociais em que poderá atuar: a ação política em um partido; as atividades cotidianas profissionais; o engajamento religioso; a con- vivência cultural de determinada comunidade quanto às manifestações artísticas; o engaja- mento educacional, que o conduzirá para o aprimoramento profissional com o avanço dos conhecimentos adquiridos; e a participação ins- titucional, sendo a maçonaria um exemplo disso. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 240 Bourdieu denomina “campos sociais” esse con- junto de inserção nesses meios: Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma configu- ração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas objetivamen- te em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na estrutura da distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo e, ao mesmo tempo, por suas relações objetivas com as outras posições (dominação, subordinação, ho- mologia, etc.) (BOURDIEU, 1990, p. 72). Logo, um campo é uma teia em que as relações objetivas, dotadas de significado e finalidade específica, são colocadas em prática por inter- médio da posição em que um agente se localiza. A partir dessas posições do campo, os atores distribuem suas forças (ou capital, ao modo de Bourdieu), impondo os limites de atuação, a DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 241 correlação de virtudes, enfim, o espaço próprio de atuação. Um campo, na visão de Bourdieu, pode ser algo mais específico (como uma cidade, uma comunidade com regras próprias) ou nossa sociedade em geral. A ideia de campo, para o autor, surge no sentido de demonstrar que exis- tem campos sociais específicos, em que cada sujeito dispõe de suas forças e fraquezas para jogar o jogo que cada campo requer. Isto é, não basta pertencer a um campo ou a uma socie- dade: é preciso conhecer e se habituar às regras existentes para poder melhor conviver neste campo ou nesta sociedade. Lahire (2002) analisa elementos relacionados às características de um campo, a saber: - Um campo é um microcosmo incluído no macrocosmo constituído pelo espaço social (nacional) global. - Cada campo possui regras do jogo e de- safios específicos, irredutíveis às regras do jogo ou aos desafios de outros campos (o que faz “correr” um matemático — e a maneira como “corre” — nada tem a DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 242 ver com o que faz “correr” — e a manei- ra como “corre” — um industrial ou um grande costureiro). - Um campo é um “sistema” ou um “espa- ço” estruturado de posições. - Esse espaço é um espaço de lutas entre os diferentes agentes que ocupam as di- versas posições. - As lutas dão-se em torno da apropria- ção de um capital específico do campo (o monopólio do capital específico legítimo) e/ou da redefinição daquele capital. - O capital é desigualmente distribuído dentro do campo e existem, portanto, do- minantes e dominados. - A distribuição desigual do capital deter- mina a estrutura do campo, que é, por- tanto, definida pelo estado de uma relação de força histórica entre as forças (agentes, instituições) em presença no campo. - As estratégias dos agentes são entendi- das se as relacionarmos com suas posi- ções no campo. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 243 - Entre as estratégias invariantes, pode-se ressaltar a oposição entre as estratégias de conservação e as estratégias de subversão (o estado da relação de força existente). As primeiras são mais frequentemente as dos dominantes e as segundas, as dos do- minados (e, entre estes, mais particular- mente, dos “últimos a chegar”). Essa opo- sição pode tomar a forma de um conflito entre “antigos”e “modernos”, “ortodoxos” e “heterodoxos” [...]. - Em luta uns contra os outros, os agentes de um campo têm pelo menos interesse em que o campo exista e, portanto, man- têm uma “cumplicidade objetiva” para além das lutas que os opõem. - Logo, os interesses sociais são sempre específicos de cada campo e não se redu- zem ao interesse de tipo econômico. - A cada campo corresponde um habitus (sistema de disposições incorporadas) próprio do campo (por exemplo, o habi- tus da filologia ou o habitus do pugilis- mo). Apenas quem tiver incorporado o habitus próprio do campo tem condições DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 244 de jogar o jogo e de acreditar na impor- tância desse jogo. - Cada agente do campo é caracterizado por sua trajetória social, seu habitus e sua posição no campo. - Um campo possui uma autonomia rela- tiva; as lutas que nele ocorrem têm uma lógica interna, mas o seu resultado nas lutas (econômicas, sociais, políticas...) externas ao campo pesa fortemente sobre a questão das relações de força internas (LAHIRE, 2002, p. 47-48). Em decorrência dessa disputa de um campo apropriado, os integrantes a realizam em busca da obtenção de um capital específico, que trará legitimidade dentro do campo. Qual é, então, o conceito de capital para Bourdieu? É mais do que a questão relacionada à economia: é um bem ou poder manifestado na sociedade, em suas formas específicas de condicionamento desse capital. Nesse sentido, haverá uma tendência na aproximação dos sujeitos que possuem um mesmo capital, que poderão ser convergentes ou divergentes em relação a um determinado DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 245 assunto. Bourdieu (1989) ratifica essa disposi- ção do capital: Sem dúvida, os agentes constroem a reali- dade social; sem dúvida, entram em lutas e relações visando impor sua visão, mas eles fazem sempre com pontos de vista, in- teresses e referenciais determinados pela posição que ocupam no mesmo mundo que pretendem transformar ou conservar (BOURDIEU, 1989, p. 8). Bourdieu argumenta que são quatro os capitais existentes: econômico, cultural, social e simbó- lico. O capital econômico é formado a partir da reunião de fatores determinados à economia, como os meios de produção e as relações de mercado. Já o capital cultural é o conjunto de propriedades intelectuais transmitido pela famí- lia ou pela escola, sendo este dividido em três: estado incorporado como disposição duradoura do corpo; estado objetivo, bem cultural; e estado institucionalizado. O capital social é a união de relações sociais estabelecidas por um indivíduo em sociedade. Por fim, o capital simbólico está ligado diretamente ao reconhecimento, sendo DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 246 associado aos demais capitais, não existindo sem eles e agregando valor a eles: O capital simbólico é esse capital dene- gado, reconhecido como ilegítimo, isto é, ignorado como capital (o reconhecimen- to no sentido de gratidão suscitado pelos benefícios que podem se derivar de um dos fundamentos desse reconhecimento), constitui, sem dúvida, com o capital reli- gioso, a única forma possível de acumu- lação quando o capital econômico não é reconhecido (BOURDIEU, 2009, p. 196). O capital simbólico é o que mais nos interessa, pois tem a capacidade de influenciar o tipo de ação existente dentro do campo. Ele é a maneira que legitima, portanto, o poder simbólico que, de acordo com a posição de quem age dentro do campo, pode, então, dominá-lo: O capital simbólico confere poder e legi- timidade — poder simbólico — ao agen- te ou grupo que o possui, a partir de seu reconhecimento dentro de determinado campo. Essa posse também está relacio- nada à posição do agente dentro do cam- po, e se dá em relação aos demais agentes, DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 247 pressupondo o “desconhecimento da vio- lência que se exerce através dele” (BOUR- DIEU, 2004, p. 194). Portanto, o capital simbólico poderá ocasionar “poder e legitimidade” ou, então, “poder simbó- lico” ao agente social, mediante a sua identificação no campo. Cada campo também é detentor de um habitus próprio, e somente quem compre- ende as regras do campo pode se apropriar desse habitus e, consequentemente, entender o estilo de determinado campo. Da mesma forma, cada integrante do campo é descrito conforme a tra- jetória social adquirida (como visto, a trajetória é a construção de certos capitais acumulados ao longo dos anos), além do habitus e da posição ocupada dentro do campo. Nesta sofisticada Sociologia de Bourdieu, com- preendemos que há uma nova visão de sociedade imposta pelo autor para nós. Ao passo que as tendências sociológicas de Durkheim, Weber e Marx nos são conhecidas amplamente, os adep- tos de Bourdieu tem ampliado nos últimos anos, em decorrência de utilizar os conceitos de habi- tus, campo e capital, por exemplo, para explicar questões sociológicas mais densas. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 248 Assim, Bourdieu demonstra com esses con- ceitos um pouco de seu pensamento sociológico que, em conjunto com Durkheim, Marx e Weber, integra um grupo de autores fundamentais para compreensão da Sociologia ao longo dos anos. Por se tratar de uma “nova” Ciência, a Sociologia se dedica ao estudo de fenômenos comporta- mentais gerais, ao contrário da Psicologia, que busca entender as necessidades individuais diante da sociedade. O propósito da Sociologia é, portanto, como exposto, comparar autores e teorias que, em con- junto, servem como base para fundamentar as teorias que regem nossa sociedade, nosso coti- diano e as relações sociais que nos permeiam. Existe um autor A ou B com a razão neste campo científico, portanto é necessário ponderar, para utilizar cada um na medida correta, relacio- nando teorias e construindo novas pesquisas. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 249 FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Quando pensamos sobre o título deste livro didá- tico (Fundamentos Sociológicos e Antropológicos Diante do impasse entre os clássicos da Socio- logia e os novos saberes dessa área de conhe- cimento, questionamos: você consegue visuali- zar a importância desses clássicos na explicação da nossa sociedade atual? Você pode enxergar a força do casamento enquanto fato social de Durkheim, as relações de exploração da mais- -valia em Marx e as ações lógicas em Weber em nosso cotidiano? DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 250 da Educação), a sensação que temos é que em algum momento nós, autores, vamos desvendar esses fundamentos, quase como tópicos autoex- plicativos acerca do que fundamenta, por parte da Sociologia e da Antropologia, a difícil tarefa de educar. Essa questão é inerente à trajetória desenvolvida por nós até aqui: expomos as diferenças e seme- lhanças entre as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia e Ciência Política); definimos o escopo e objeto de análise da Sociologia e da Antropologia; argumentamos e debate- mos a visão de autores clássicos da Sociologia (Durkheim, Marx e Weber), além das contri- buições de Bourdieu para tal análise e, por fim, comparamos esses autores, incitando você, alu- no(a), a pensar sobre essa teoria da Sociologia. O itinerário percorrido busca ampliar as pro- vocações existentes sobre a Sociologia, dialogada lado a lado com a Antropologia, exercendo um papel questionador - ainda que implícito - para quem o lê. Do que foi exposto até então, a per- gunta basilar do título do livro ainda se mantém: quais são esses fundamentos da Sociologia e da Antropologia? No que eles irão colaborar para DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA?251 a minha formação docente? Eles serão impor- tantes e úteis na minha carreira de educador? É o que pretendemos responder a partir de agora (no tocante à Sociologia). A Sociologia é uma Ciência questionadora por natureza. Desde o nascimento da Física Social, com Auguste Comte, houve a procura da definição de um método sociológico, apri- morado posteriormente por Émile Durkheim, a fim de constituir seu escopo de atuação. Citamos a Sociologia como questionadora por natu- reza dada a própria dinâmica da Física Social, destinada a estudar a movimentação da socie- dade, isto é, como nós, seres humanos que integramos, interagimos e, ao mesmo tempo, fazemos a sociedade em que nós vivemos, podemos tentar entendê-la melhor, buscando solucionar conflitos e equacionar problemas. Note, caro(a) aluno(a), que a proposta de Comte, enquanto fundamento sociológico da educação, está direcionada sobre dois aspectos: chamar atenção para a análise da sociedade e debater com o positivismo a possibilidade de melhor estruturar os currículos escolares, de forma metódica, com o decorrer dos anos. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 252 Em primeiro lugar, é importante salientar- mos que a crítica de Comte no momento em que a fez (século XIX) demonstra a preocupação do autor em estudar os problemas inerentes à sociedade. Ora, em um contexto da Idade Média marcado estritamente pelo aspecto campesino, Comte traduz em seu pensamento a necessi- dade de estudar o fenômeno social advindo da urbanidade, isto é, os problemas existentes nas relações sociais e, sobretudo, a dinâmica assu- mida pelo movimento da sociedade. Observamos, assim, que Comte, com a Física Social, desejava estudar a movimentação da sociedade e seu destino, seguindo os pressupos- tos do positivismo: criar leis gerais para entender o corpo social. A proposta do autor surge no sen- tido de enxergarmos que a sociedade é um corpo que se movimenta, com leis e regras próprias e, neste sentido, a Educação precisa enxergar tais movimentos, para que não seja um oásis em um universo marcado por disputas territoriais e conflitos sociais latentes. Além disso, Comte se debruçava sobre o positivismo, uma teoria destinada a explicar o próprio destino da sociedade em três estados: o DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 253 teológico (infância), o metafísico (juventude) e o positivo (virilidade). Destacamos que o positi- vismo é uma teoria filosófica-social pautada na elaboração de leis gerais para problemas sociais, sendo, portanto, o ápice da maturidade social. Diante do método positivista de estudo estri- tamente científico dos fenômenos sociais, a escola se desenvolveu, no Brasil, pautada por um currículo multidisciplinar e fragmentado, direcionado para a interdisciplinaridade do conhecimento e para a articulação dos saberes em busca do conhecimento científico. O pró- prio Auguste Comte elaborou, em seu Curso de Filosofia Positiva, uma série de saberes que, encadeados entre si, formavam uma sequência de conhecimentos, a fim de que o conhecimento mais aprimorado de todos fosse o sociológico, inspirado na própria filosofia positivista. Se, por um lado, Comte expressa tais con- tribuições para fundamentar a Sociologia relacionada à Educação, Durkheim sinaliza que o indivíduo possui duas esferas próprias de ação: a individual e a social. Na esfera social, a edu- cação age, responsável pela educação moral, ética e religiosa do indivíduo, cada qual com seu DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 254 campo específico e com sua abrangência pró- pria. Obviamente, sinalizamos que a Educação Religiosa, na perspectiva de Durkheim (inspi- rado nas ideias cientificistas de Comte), não é apropriada para o ambiente escolar, ao passo que a ética pode ser, então, produto de estudo, por exemplo. A partir da Educação é que o indivíduo pode manter laços de solidariedade que os une em sociedade, evitando que algum sintoma aná- logo à patologia possa o atingir. Enxergando a sociedade enquanto um organismo em que cada parte, em um ambiente complexo, é responsável por executar um papel específico (solidariedade orgânica), a Educação cumpre o papel de não somente manter em coesão o corpo social, mas também de debater os valores e educar a par- tir do que desejam as pessoas que integram tal corpo. Outrossim, a escola (ou por que não a Educação) pode ser vista como um fato social. Na perspectiva sociológica de Durkheim: ela tem o poder de coerção social, isto é, sem a educa- ção - seja ela formal em um ambiente escolar ou construída socialmente - é muito difícil aprender DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 255 algo, inclusive o próprio convívio em/na socie- dade. Ela possui o caráter de exterioridade, pois existe independentemente das vontades ou dos desejos do indivíduo, sendo também geral, pois se expressa na maioria das pessoas (senão em todas). DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 256 Já para Marx, destacamos que a educação é um instrumento fundamental para que haja a chamada “luta de classes”, em que a burguesia capitalista, classe dominante desde então, pôde sucumbir graças à organização do proletariado para a tomada societal. Neste sentido, Marx enxerga que a Educação é peça fundamental para que haja a revolução, meio possível para que o sistema capitalista caia em derrocada. Ainda assim, a Educação é um instrumento transformador da vida social, em que o indiví- duo pode, por intermédio dela, ganhar liberdade de pensamento e ação, uma vez que abre portas para um mundo mais questionador e indaga- dor e menos conformista. Apesar de não ter se dedicado integralmente à produção de uma Sociologia da Educação, podemos concluir esses pontos acerca dos fundamentos forneci- dos pela Sociologia para a Educação como um todo, seguindo as premissas de Marx. Por fim, Weber fornece os fundamentos sociológicos para a educação quando acredita que, pela racionalidade, é possível transmitir o conhecimento adequado para a sociedade. A racionalidade, palavra-chave da Sociologia DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 257 Weberiana, prevê basicamente que somente por intermédio de uma pesquisa científica, dotada de pressupostos racionais, lógicos e com ações voltadas necessariamente para esse fim, é pos- sível compreender a importância da educação para nossa sociedade. Além da contribuição da racionalidade, Weber defende a separação entre a Ciência e Política, na conferência que depois se transformou no livro Ciência e política: duas vocações. Nessa obra, o autor destaca que a vocação é uma das premissas para o exercício de duas das mais importantes atividades humanas: a Ciência e a Política. É nessa conferência que Weber define o típico político por vocação, famoso em diver- sas análises políticas. Entretanto, como o que nos interessa é a questão educacional, vale res- saltar que ele sinaliza o valor da especialização no campo científico, dotado de conhecimento próprio e racional. Note, caro(a) aluno(a), que os três autores clássicos da Sociologia se relacionam na produ- ção de um conhecimento sociológico importante para sua carreira profissional. É nesse sentido que este livro didático de fundamentos sociológicos DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 258 e antropológicos da educação nasce, isto é, para fornecer subsídios teóricos e empíricos des- tas duas áreas de conhecimento (Sociologia e Antropologia) para a posteridade de sua carreira de pesquisas científicas. É importante ressaltar, sobretudo, que os conteúdos aqui abordados são de grande necessidade para articular conceitos e fornecer pontes inteligíveis que se relacionem aoutros autores. O fato é que o conhecimento sociológico aqui abordado pode abrir novos horizontes, novas indagações, novas inquietudes, pontos típicos do pensar sociológico, uma construção contí- nua do objeto de análise da disciplina: Estimule a reabilitação do artesão inte- lectual despretensioso, e tente se tornar você mesmo tal artesão. Deixe que cada homem seja seu próprio metodologista; deixe que cada homem seja seu próprio teorizador; deixe que teoria e método se tornem parte da prática de um ofício. [...] Seja uma mente independente na con- frontação dos problemas do homem e da sociedade (MILLS, 2009, p. 56). DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 259 Portanto, o fazer Sociologia, na visão de Wright Mills, é quase fazer um artesanato, em que as peças de uma obra de arte são colocadas estrategi- camente e diariamente, com sentido e significado próprios para, posteriormente, dialogar com os problemas existentes na vida social. Essa tam- bém é a tarefa da Sociologia quando articulada com a Educação: pensar, refletir, planejar e agir em busca de uma sociedade melhor, que apesar da visão crítica e fundamentada dos problemas que tem, pode visualizar um futuro melhor. DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 260 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade, procuramos abordar a Sociologia sob o aspecto de seus autores clássicos (Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber), além da perspectiva teórica de Pierre Bourdieu. O enfo- que surgiu a partir de um trabalho-resumo, no sentido de estabelecer as principais diferenças entre a trinca clássica da Sociologia, comple- mentada por Bourdieu. No segundo momento, nosso propósito foi debater os fundamentos sociológicos da Educação, ou seja, a base fornecida até aqui para a Educação e como essa base de pensamento pode se articular com a Educação, em um mecanismo que a sociedade integra e molda diretamente ao sistema de transmissão de conhecimento. Além da ótica crítica que a Sociologia pode subsidiar os debates acadêmicos, pretendemos aguçar um olhar sociológico, em que somos agentes e analistas do meio social em que vive- mos. Esse olhar tem como foco a preparação para respondermos duas questões importantes para o debate da próxima unidade: quais são os fundamentos antropológicos da Educação? DOS CLÁSSICOS EM DIANTE: COMO PENSAR A SOCIOLOGIA? 261 E como a Sociologia lida diariamente com o mundo globalizado? Como exposto, a proposta aqui abordada se refere às bases da Sociologia Clássica, solidifi- cando um caminho para traçarmos o destino da Ciência da sociedade do presente e do futuro, sem jamais esquecer da Educação, edificada dia- riamente, lado a lado da Sociologia, da Filosofia, da Psicologia e de outras áreas do conhecimento. Esperamos, assim, caro(a) aluno(a), que o con- teúdo aqui abordado possa auxiliar na pergunta fundamental desta unidade: afinal, quais são os possíveis usos dos fundamentos sociológicos para a articulação de ideias sobre a Educação? Essa é a proposta que nós, professores, preten- demos deixar para que você possa refletir, além, é claro, de solidificar os conhecimentos acerca da Sociologia. 1. Autores considerados clássicos são aque- les que têm as ideias perpetuadas ao longo dos anos, isto é, que transcendem as gera- ções e podem influenciar uma série de pes- quisadores de diversos campos de conheci- mento. Considerando essa propriedade dos chamados clássicos da Sociologia, assinale a alternativa correta. a) Os clássicos da Sociologia assim são chama- dos porque têm a capacidade de influen- ciar, até a atualidade, a reflexão sobre a in- teração do homem com a vida social. b) Os clássicos perderam a importância ao longo dos anos. c) Houve a substituição dos clássicos da So- ciologia por teorias mais avançadas, como a pós-modernidade e a globalização. d) Além de Comte, podemos considerar Zyg- munt Bauman como um clássico dos pri- mórdios da Sociologia. e) Apesar da importância acerca da reflexão social, os clássicos hoje influenciam soció- logos apenas da geração seguinte à Segun- da Guerra Mundial. 2. A preocupação dos sociólogos denomina- dos “clássicos” era visualizar como o homem se relaciona consigo e com a sociedade, isto é, como ele se enxerga vivendo em/na so- ciedade e como mantém suas relações so- ciais. Acerca desse aspecto, podemos afir- mar que o pensamento de Marx era o de: a) Procurar compreender como as classes so- ciais se comportam de forma diferente em relação ao capitalismo. b) Entender como o fato social pode influen- ciar as relações sociais. c) Analisar os motivos pelos quais o capitalis- mo encerrou a disputa entre as classes so- ciais. d) Verificar a relação entre a ação social com relação a valores e a ação social com rela- ção a fins. e) Entender porque o comunismo, enquanto modo de produção, superou o capitalismo no período imediatamente após a Revolu- ção Industrial. 3. Considerando a trinca de autores clássicos da Sociologia (Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx), analise as alternativas a se- guir e assinale qual corresponde ao au- tor/à análise sobre a sociedade moderna. a) Revolução Industrial e os desdobramentos para a sociedade e o universo do trabalho (Marx). Divisão social do trabalho e o papel de cada indivíduo na solidariedade orgâni- ca (Durkheim). Processo de racionalização e desencantamento do mundo via ação so- cial (Weber). b) Revolução Industrial e os desdobramentos para a sociedade e o universo do trabalho (Durkheim). Divisão social do trabalho e o papel de cada indivíduo na solidariedade orgânica (Marx). Processo de racionalização e desencantamento do mundo via ação so- cial (Weber). c) Divisão social do trabalho e o papel de cada indivíduo na solidariedade orgânica (We- ber). Revolução Industrial e os desdobra- mentos para a sociedade e o universo do trabalho (Durkheim). Processo de raciona- lização e desencantamento do mundo via ação social (Marx). d) Divisão social do trabalho e o papel de cada indivíduo na solidariedade orgânica (Marx). Revolução Industrial e os desdobramentos para a sociedade e o universo do trabalho (Weber). Processo de racionalização e de- sencantamento do mundo via ação social (Durkheim). e) Processo de racionalização e desencanta- mento do mundo via ação social (Marx). Divisão social do trabalho e o papel de cada indivíduo na solidariedade orgânica (Dukheim). Revolução Industrial e os des- dobramentos para a sociedade e o univer- so do trabalho (Weber). 4. Defina o conceito de “habitus” para Pierre Bourdieu. 5. Explique o conceito de “campo” para Pierre Bourdieu conforme o aprendizado obtido nesta unidade. OS FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Ileizi Luciana Fiorelli Silva Professora de Metodologia de Ensino de So- ciologia do Depto. Ciências Sociais da UEL. Mestre em Educação pela USP e Doutora em Sociologia pela USP. O sociólogo francês Christian Baudelot, tentan- do responder às questões semelhantes a essas propôs que a sociologia da educação servisse para instrumentalizar os professores com ma- pas que os ajudassem a traçar seus itinerários, veja o que ele diz: No fundo o trabalho do sociólogo da educação se assemelha ao trabalho de um cartógrafo. Levantar o mapa escolar, proceder ao levantamento topográfico do terreno e do relevo, representar uma escala precisa os principais maciços da paisagem escolar, medir os caudais dos rios, ter os mapas em dia, eis aqui em que o sociólogo da educação pode ajudar o professor. Pode ajudá-lo a orientar-se na “floresta” escolar. Ajudá-lo a orientar- -se e não guiá-lo. Caberá aos professores depois traçar, com o mapa na mão, seus próprios itinerários em função de suas opções e da natureza do terrenoem que se encontram (BAUDELOT, 1991). A sociologia da educação comporia o arsenal teórico que ajudaria os professores a se orien- tarem, juntamente com as outras disciplinas, mas que deveria oferecer aos futuros profes- sores instrumentos para olhar a sociedade e a escola, as crianças, as famílias, a sua prática docente e o contexto macro social e político. Penso que os olhares dos alunos (futuros pro- fessores) deverão ser alterados pelos “óculos” das teorias sociais. Seus olhares deverão se desprender das imagens já construídas sobre a escola, os professores, os pobres, os ricos, as igrejas, as religiões, a cidade, os bairros, as favelas, a violência, os políticos, a política, os movimentos sociais, os conflitos, as desigual- dades, entre outros. O que significa alterar os olhares dos nossos alunos? Significa doutriná-los em nossas con- vicções ideológicas, religiosas, políticas? Signi- fica dizer para eles que tudo o quê eles pensam é senso comum, não serve para o exercício da profissão? Significa afirmar-se com um discur- so moralista ou revolucionário? Certamente, que não. Mesmo que a neutrali- dade não exista na elaboração dos programas da disciplina e das aulas, um certo rigor é ne- cessário. Como dizia Max Weber, sociólogo alemão, o professor não pode usar a docência para panfletar, para defender suas posições ideológicas, partidárias, religiosas, etc. Como homem público sim, poderá e deverá fazê-lo, mas como professor deve ter um rigor cien- tífico que lhe permita oferecer aos alunos o acúmulo de conhecimento da disciplina. Marx também advertia que a caracterização de uma teoria como representando o ponto de vista de uma classe determinada não significava, ne- cessariamente, que fosse uma visão sem valor cientifico. Por isso, Marx, em sua obra, estudou e discutiu com o que havia de mais sofisticado na Filosofia e na Economia dos séculos XVIII e XIX . O ensino dos fundamentos sociológicos da educação, muitas vezes, foi direcionado como um mecanismo de inculcação de valores, se- jam conservadores, no antigo curso Normal, em que imperava o positivismo; sejam pro- gressistas, muito comum nos anos de 1980, no Brasil, devido à ansiedade dos professores em romper com o autoritarismo do regime militar, passavam a fazer discursos em favor das mu- danças, ora mais democráticas, ora mais socia- listas-revolucionárias. Ainda hoje, encontramos justificativas para o ensino de sociologia geral nas escolas, tais como: “essa disciplina deverá ajudar o aluno a entender seus direitos e deveres, muita mais seus deveres já que não se comportam ade- quadamente”; “a sociologia deverá ajudar na disciplina dos alunos, no controle da violência, etc”; “essa disciplina deverá dar mais civismo para os jovens”, e assim por diante. Levar aos alunos o acúmulo de reflexões ou o estado da arte da disciplina não é uma tarefa fácil, porque exigirá recortes, escolhas, delimi- tações de conteúdos, de teorias, e parafrasean- do Weber, aqui nós podemos ser parciais. Até porque o tempo das aulas, o número de aulas por semana, por mês e por ano exige que sele- cionamos o que consideramos o melhor des- se “acúmulo”. Bem, uma vez feita a escolha, a seleção e as divisões dos conteúdos, devemos cuidar para sermos “neutros”, fiéis à ciência, ou como diria Marx, sermos comprometidos com a busca da essência superando as visões que temos sobre a aparência da vida social. O fato de estarmos comprometidos com uma classe social, no caso, a classe trabalhadora, exige ainda mais rigor científico. É o contrário do que propalam algumas versões vulgares de pedagogias liberais, do ensino por compe- tências, do “aprender a aprender”, em que os pobres deverão ter um ensino mais leve, mais palatável, simplificado e resumido no imedia- to das experiências cotidianas, normalmente tratadas de forma sincrônica (sem história) . Com esses princípios poderemos enriquecer os olhares dos alunos, futuros professores. Fonte: Silva (s/d, on-line)1. MATERIAL COMPLEMENTAR O poder simbólico Pierre Bourdieu Editora: Bertrand Brasil Sinopse: clássico da Sociologia do autor, esse livro conduz a uma re� exão sociológica sobre as disputas existentes entre os símbolos de nossa sociedade, além de nos levar a pensar sobre a metodologia de construção da prática cientí� ca. E educação refl exiva na teoria social de Pierre Bourdieu Walter Praxedes Editora: Edições Loyola Sinopse: nesse curto livro publicado pela Editora Loyola, Walter Praxedes resume o pensamento do sociólogo francês Pierre Bourdieu, abordando a educação sobre o ponto de vista da Sociologia e vice-versa. MATERIAL COMPLEMENTAR Textos Básicos de Sociologia Celso Castro Editora: Zahar Sinopse: de passagem panorâmica acerca dos principais sociólogos, Celso Castro reúne nesta coletânea fragmentos de autores consagrados das ciência sociais, como Karl Marx, Émile Durkheim, Gerog Simmel, Max Weber, Norbert Elias, Erving Go� man, Howard Becker, Pierre Bourdieu, Zygmunt Bauman, Wright Mills e William Foote White. O Substituto Henry Barthes é um professor substituto que só aceita esse tipo de aula para não criar vínculos afetivos com os alunos. Ele se deparará com uma escola pública, com professores desmotivados e alunos violentos, tendo que alterar tal realidade. MATERIAL COMPLEMENTAR Dos clássicos da Literatura aos clássicos da Sociologia, trata-se de um excelente texto para fazer o balanço entre o que significa ser clássico para a Literatura e, da mesma forma, para a Sociologia. Disponível em: <http://www.redalyc.org/ html/4008/400841526005/>. GABARITO 1. a) 2. a) 3. a) 4. O habitus, na definição clássica de Bourdieu, é um sistema de posições sociais duráveis que o indivíduo sofre ao longo dos anos, que tem por objetivo a articulação da sociedade com o comportamento individual. A partir desse comportamento “moldado” pela so- ciedade e com as influências individuais, o sujeito aprende uma língua, obtém costu- mes, valores e a noção da realidade social, além, é claro, de criar suas próprias ideias, que também irão contribuir para a modifi- cação da sociedade em que esse indivíduo está postado. 5. Um “campo” é uma teia em que as relações objetivas, dotadas de significado e finalida- de específica, são colocadas em prática por intermédio da posição em que um agente se localiza. A partir dessas posições do campo, os atores distribuem suas forças (ou capital, ao modo de Bourdieu), impondo os limites de atuação, a correlação de virtudes, enfim, o espaço próprio de atuação. UNIDADE V U N ID A D E V Professor Dr. Tiago Valenciano Professor Me. Gilson Costa de Aguiar SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA NA MODERNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ■ Demonstrar as diferentes correntes de pensamento da modernidade/ pós-modernidade. ■ Articular a Sociologia da atualidade com o estilo de vida globalizado. ■ Pensar na Educação e na discussão da atualidade. ■ Pensar na Antropologia e nos seus fundamentos para a Educação na atualidade. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 276 PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ Sociedade na contemporaneidade ■ A Educação na atualidade ■ Um breve passeio sociológico ■ Os fundamentos antropológicos da Educação SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 277 INTRODUÇÃO Nesta última Unidade, nos dispusemos a tratar da Antropologia e da Sociologia na moder- nidade, ou seja, como essas duas ciências se relacionam com os fenômenos da modernidade/ pós-modernidade. Vamos analisar questões, como: a relação modificada entre tempo/espaço; o estilo de vida globalizado; a internet como ferramenta para o estabelecimento de cone- xõesglobais; a fugacidade das relações sociais e os novos padrões de comportamento e cul- tura, alterados diariamente por intermédio do intenso conflito cultural. Em primeiro lugar, estabelecemos uma via- gem acerca dos sujeitos propostos por Stuart Hall e como eles lidam com o fenômeno do consumismo exacerbado, algo presente no coti- diano desse modelo societal. O enfoque surge a partir do consumismo, típico da sociedade glo- balizada, passando por uma reflexão acerca da trajetória do indivíduo com a sociedade. Em seguida, tratamos da educação na atuali- dade e seus desafios neste estilo de vida global, refletindo sobre os fundamentos da Sociologia e SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 278 da Antropologia com a forma da transmissão do conhecimento. Ainda assim, questionamos, em um breve passeio sociológico, se vivemos de fato em um período de “modernidade líquida”, con- forme apontado por Bauman (2001), no tocante aos efêmeros contatos sociais. Por fim, apontamos o fenômeno do multi- culturalismo como uma das chaves dos atuais fundamentos antropológicos da Educação, no sentido de que é preciso lidar com esse acon- tecimento para aprimorar as possibilidades educacionais, a fim de que as diversas cultu- ras, em contato umas com as outras, possam se articular e saber respeitar os limites e as seme- lhanças entre elas. Nosso enfoque, caro(a) aluno(a), é refletir acerca da complexa sociedade atual, globalizada/ pós-moderna, questionando: afinal, é possível pensarmos em uma cultura de massa, em que a Educação e os sistemas de relações sociais são reféns de um único modelo de comportamento? É o que pretendemos tratar nesta unidade. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 279 SOCIEDADE NA CONTEMPORANEIDADE Para compreendermos a organização da socie- dade contemporânea, é necessário relembramos que a atual sociedade atravessa um momento de alteração das concepções de sujeito. Saímos de um sujeito iluminista, passando por um socio- lógico até atingirmos o pós-moderno (HALL, 2006), os quais auxiliam na explicação da tra- jetória do homem se relacionando e vivendo em/na sociedade ao longo dos anos. Critérios como o lugar em que um produto é fabricado ou o tempo em que há comunicação - seja esta distante fisicamente - demonstram como a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 280 sociedade globalizada tende a consumir tudo o que está a sua volta. Antes de argumentarmos acerca de cada tipo de sujeito, conforme fez Stuart Hall em A identi- dade cultural na pós-modernidade (2006), vamos estabelecer um panorama da atual sociedade, o que nos auxiliará a compreender por que chega- mos nesse estágio de desenvolvimento humano. Sem dúvida, a capacidade de produção gera uma parte considerável dos bens de consumo que são ofertados em nossas vidas. Além disso, tam- bém influencia as produções regionais, sejam elas integradas à cadeia mundial de produção ou as que atendem a mercados locais. Estamos ligados às condições econômicas mundiais, mas não percebemos isso. Se observarmos a nossa volta, há uma grande quantidade de bens de consumo que só poderia ser produzida por essa integração mundial, o que Octávio Ianni deno- mina “nova divisão internacional do trabalho”. A fragmentação da produção atingiu um grau elevado e especializou determinadas economias em seu entorno. Hoje, determinadas regiões se transformaram em produtoras exclusivas de bens específicos. A maioria do que se consome nessas SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 281 regiões vem de outros lugares ou do comércio nacional ou internacional. Contudo, a fronteira entre os produtos, sua origem e identidade tam- bém estão alterados, o que, voltando a lembrar de Octávio Ianni, é a territorialização e dester- ritorialização dos produtos e de seus símbolos. Nessa cadeia de produção mundial, os produtos que consumimos e as condições de vida que estamos estabelecendo acabam indiretamente nos marcando pelos bens de consumo, ou seja, somos um rótulo dos produtos que consumimos. Hoje nos integramos ao mundo pela internet, ela nos inclui, muitas vezes, mais do que o lugar onde vivemos ou do que as pessoas com quem convivemos. Nosso círculo virtual de amigos nos permite sentimentos empolgantes de pertenci- mento, que não encontramos em nossa vizinhança. Mentir e ser enganado na rede mundial de compu- tadores é um ritual estimulante para os internautas. Nela, podemos ser o que queremos sem termos que assumir o peso de uma escolha que a vida real exige. Vivemos duas vidas e nos sentimos um único ser. Não só posso ter que me incomodar com o meu trabalho, com as atividades reais que exerço para sobreviver, mas também posso construir um círculo de amizades que me desloquem para SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 282 uma condição oposta à minha vida do traba- lho. Meus laços de amizade e de convívio social podem gerar um agrupamento com rituais pró- prios e vestimentas específicas. Tribalizamos o mundo urbano e constituímos identificações que a moda fornece os objetos sagrados. Emo, dark, skinhead, se quiser reeditar o movimento hippie também é possível. Toda uma identidade está à venda no mer- cado, como a estampa do Che Guevara, um ícone das lutas contra a sociedade capitalista vigente. Os ecologistas estão se transformando também em uma tribo, o engajamento nas ques- tões ambientais ganha, muitas vezes, o aspecto de uma marca de um bem de consumo. Um bem de consumo fica mais fácil de ser propagado quando a campanha publicitária é a linguagem de comunicação. A camiseta com o símbolo da campanha de combate ao câncer é mais conhecida do que a causa, já virou grife. O que acontecerá se um dia a causa pela qual se luta atingir seu objetivo e o inimigo a ser combatido for vencido? Teremos que gerar uma nova luta para manter o símbolo vivo, ele é o elemento mais importante. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 283 O que se tem não é uma defesa racional de uma causa necessária, mas sim uma religiosi- dade, uma crença em um deus simbólico. Um dos lugares onde se pode entender a efici- ência que os símbolos atingiram em nossas vidas é a sala de aula. Nossos alunos se encantam pelos objetos colecionáveis. Eles se submetem passiva- mente à idolatria de marcas que lhes dão sentido e lhes possibilitam uma vida de magia que a rea- lidade lhe nega. O não ser nada se modifica com a obtenção de um bem cobiçado. Ter determi- nado produto faz de um ser insignificante uma celebridade em questão de segundos. Por isso, o esforço em desenvolver a ciência, a tecnolo- gia e a busca de compreensão do mundo pela razão é ineficaz diante da mágica que os bens de consumo promovem. Estamos nos rodeando dos bens de con- sumo, eles estão por todos os lugares e é com eles que construímos uma convivência íntima. Eles nos identificam e nos colocam no centro de um mundo aparente de movimento. Tudo a nossa volta parece se movimentar, parece estar agindo com uma dinâmica que nos agrada, pois estamos no comando com nossos “controles SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 284 remotos” e botões digitais dando movimento e parando uma parafernália eletrônica que se movimenta ao nosso prazer. Se formos enten- der as condições em que esse convívio ocorre, vamos perceber que estamos parados, estáticos, enquanto as coisas se movimentam a nossa volta. Nossos filhos falam do cansaço do dia marcado por horas à frente do computador, navegando na internet, conversando pelo celular por men- sagens que não têm fim. Estamos exaustos de não fazer nada e de dialogar com “coisas” e não com pessoas. Jean Baudrillard, cientista social francês, filó- sofo e fotógrafo, tem como um dos seus principais temas a “sociedade de consumo”. Ele considera que estamos vivendo a vida dos objetos, estamos cada vez mais rodeados desses bens eletrônicos:Ora, as identidades que assumimos perante a sociedade estão livres, não dispostas de lugares fixos, trafegando de forma individual de acordo com o interesse de cada cenário. Somos atores prontos para vestir um novo personagem, pre- parados para entrar e roubar a cena, conectados permanentemente à internet, ditando padrões de moda, comportamento e relações sociais - ainda SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 285 que este não seja o objetivo: ditar um padrão. Qual é, porém, a concepção de identidade assumida nesta sociedade globalizada/pós-mo- derna em que vivemos? Segundo Hall (2006), existem três concepções distintas de sujeitos que lidam com a questão das identidades culturais ao longo dos anos e, neste sentido, auxiliam no entendimento de nossa realidade: 1. Sujeito do Iluminismo: o indivíduo era centrado na razão, como um ser unificado, capaz de, com sua razão individual, ser o centro do pensamento. 2. Sujeito sociológico: reflete a constante com- plexidade do mundo moderno, um sujeito que enxerga a necessidade de interagir com o mundo exterior para melhor se entender e, consequentemente, possuir a noção de que não há autossuficiência na vida em/na sociedade, necessitando se relacionar com os demais indivíduos. 3. Sujeito pós-moderno: não possui uma característica ou uma identidade fixa, uma vez que busca a “celebração do móvel”: ainda que parado, o sujeito pós-moderno é aquele que precisa ter a sensação de que está em SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 286 constante movimento, isto é, que o mundo está se movendo e ele, da mesma forma, se move em conjunto com esse mundo. Note que esses três tipos de sujeito auxiliam na compreensão de nossa relação com o meio social com o passar dos anos. A Sociologia, enquanto Ciência, surge justamente no apogeu do sujeito sociológico e, conforme apontado na Unidade I, as preocupações giravam em torno da com- plexidade da sociedade moderna. Por outro lado, o sujeito pós-moderno se relaciona diretamente com a sociedade de con- sumo globalizada, em que a noção de tempo/ espaço está alterada constantemente, ou seja, torna-se difícil mensurar que um acontecimento distante, espacialmente falando, possa ocor- rer tão próximo, temporalmente falando, pois uma transmissão em tempo real pode facilitar que esse mecanismo ocorra. Logo, a noção de perto/longe e tempo/espaço são alteradas nessa sociedade globalizada. Enfim, consideramos que o consumo esta- belece uma perversa relação conosco em nosso modelo societal: se consomem não somente ideias (ou a falta delas), mas, sobretudo, a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 287 sensação de pertencer a uma pós-modernidade, em que há a celebração da constante mudança nas identidades culturais. Dizer quem é o sujeito pós-moderno é uma tarefa singular, uma vez que a bricolagem de papéis sociais estabeleci- dos para cada evento faz com que essa noção de identidade fixa, impermeável, de fato não ocorra. O que observamos - respondendo à pergunta motriz deste tópico - é que a análise socioló- gica nunca esteve tão em alta, em um modelo de sociedade de múltiplas vertentes e diferentes anseios populacionais. Os padrões de resposta para a clássica pergunta (qual é o relaciona- mento do indivíduo em/na sociedade?) já não existem mais e, nesse sentido, espera-se que o cientista social possa mensurar, avaliar, compa- rar e, nem sempre de forma definitiva, delinear uma sociedade marcada, geralmente, pelo con- sumo e pelas diferentes identidades, mas que permanece em constante processo de constru- ção, em um tempo e espaço jamais definidos. À nossa volta, existe hoje uma espécie de evidência fantástica do consumo e da abundância, criada pela multiplicação dos SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 288 objetos, dos serviços, dos bens materiais, originando como que uma categoria de mutação fundamental da ecologia da es- pécie humana. Para falar com proprieda- de, os homens da opulência não se encon- tram rodeados, como sempre acontecera, por outros homens, mas mais por obje- tos. O conjunto das suas relações e a ma- nipulação de bens e de mensagens, desde a organização doméstica muito complexa e com suas dezenas de escravos técnicos até ao “mobiliário urbano” e toda a ma- quinaria material das comunicações e das atividades profissionais, até ao espetáculo permanente da celebração do objeto na publicidade e as centenas de mensagens diárias emitidas pela “mídia de massas”; desde o formigueiro mais reduzido de quinquilharias vagamente obsessivas até aos psicodramas simbólicos alimentados pelos objetos noturnos, que vêm a invadir- -nos no próprio sono (BAUDRILLARD, 1995, p. 15). O que deve ser lembrado é que o consumo se transformou no desejo implacável de todos os homens. Uma condição que nos coloca na SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 289 inclusão com os demais. Se não consumirmos, não somos nada. Necessitamos estar incluídos na vida social pela aquisição. Só ela poderá nos dar o sentimento de pertencimento. A igualdade buscada pelas teses liberais, por meio da racio- nalidade do convívio social, agora está traduzida na coleção de objetos disponíveis no mercado. A democracia, a república e a liberdade, con- ceitos fundamentais da vida humana, têm na aquisição de bens no mercado o meio mais efi- ciente de se fazer sentir cidadão. Não se quer o direito à defesa de uma sociedade para todos, se quer o direito a poder consumir de cada um. As teses educacionais, as propostas de programa de saúde e a necessidade de organização da vida pública e do planejamento urbano estão colo- cadas em segundo plano diante da necessidade de consumir. Baudrillard (1995) acredita que a sociedade de consumo está realizando de forma superfi- cial a grande busca de igualdade que se defende nas teses liberais e que inspirou as revoluções burguesas nos séculos XVII e XIX. O Estado de Bem-Estar, que foi uma das promessas do libe- ralismo ao tentar garantir aos indivíduos uma SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 290 condição mínima de existência, está incorpo- rado no mundo do objeto: A “Revolução do Bem-Estar” é a herdei- ra, a testamenteira da Revolução Burgue- sa ou simplesmente de toda a revolução que erige em princípio a igualdade dos homens sem a poder (ou sem conseguir) realizar a fundo. O princípio democrático acha-se então transferido de uma igual- dade real, das capacidades, responsabili- dades e possibilidades sociais, da felicida- de (no sentido pleno da palavra) para a igualdade diante do objeto e outros signos evidentes do êxito social e da felicidade. É a democracia do “standing” [estar de pé], a democracia da TV, do automóvel e da instalação estereofônica, democracia apa- rentemente concreta, mas também intei- ramente formal, correspondendo para lá das contradições e desigualdades sociais à democracia formal inscrita na consti- tuição. Servindo uma à outra de mútuo álibi, ambas se conjugam numa ideologia democrática global, que mascara a demo- cracia ausente e a igualdade impossível de achar (BAUDRILLARD, 1995, p. 48). SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 291 Essa falsa busca de igualdade pelo consumo encanta até mesmo nas políticas governamen- tais. Se formos considerar o interesse do Estado em promover o acesso da população a bens por meio de crédito, concluímos que se transformou em programa social a inclusão da cidadania na condição de consumidor. Nesse mesmo sentido, exaltam-se os pro- gramas de inclusão digital que promovem a informatização das escolas e o acesso dos alunos à internet, como se o objeto pudesse dar habi- lidade ao usuário apenas por existir. Estamos distantes de uma alfabetização adequada, já não conseguimos estabelecer uma relação lógica entre a mensagem e seus interlocutores em sala de aula; agora consideramosque a presença do computador realizará a competência de quem o manipula. Isso não irá ocorrer. Não é difícil perceber, porém, de onde surge a ideia de efi- ciência com a aquisição. Parte considerável dos celulares que estão nas mãos dos cidadãos não estão executando a função de comunicar, mas estão promovendo atividades para preencher a ociosidade. A aula passa mais rápido com um computador ou celular nas mãos. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 292 Esse contexto demonstra que os argumen- tos fornecidos por Stuart Hall estão corretos. Vivemos em um período em que as identida- des sociais, isto é, aquilo que nos define perante à sociedade, estão em constante processo de mudança. É muito difícil neste contexto de ambientação de consumo, globalização exacer- bada e conectividade a toda prova definir quem é o indivíduo do século XXI. Segundo Hall: Quanto mais a vida social se torna media- da pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interliga- dos, mais as identidades se tornam des- vinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicas e parecem, flutuar livremente (HALL, 2006, p. 75). Ora, as identidades que assumimos perante a sociedade estão livres, não dispostas de lugares fixos, trafegando de forma individual de acordo com o interesse de cada cenário. Somos atores prontos para vestir um novo personagem, pre- parados para entrar e roubar a cena, conectados SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 293 permanentemente à internet, ditando padrões de moda, comportamento e relações sociais - ainda que este não seja o objetivo: ditar um padrão. Qual é, porém, a concepção de identidade assumida nesta sociedade globalizada/pós-mo- derna em que vivemos? Segundo Hall (2006), existem três concepções distintas de sujeitos que lidam com a questão das identidades culturais ao longo dos anos e, neste sentido, auxiliam no entendimento de nossa realidade: 1. Sujeito do Iluminismo: o indivíduo era centrado na razão, como um ser unificado, capaz de, com sua razão individual, ser o centro do pensamento. 2. Sujeito sociológico: reflete a constante com- plexidade do mundo moderno, um sujeito que enxerga a necessidade de interagir com o mundo exterior para melhor se entender e, consequentemente, possuir a noção de que não há autossuficiência na vida em/na sociedade, necessitando se relacionar com os demais indivíduos. 3. Sujeito pós-moderno: não possui uma característica ou uma identidade fixa, uma SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 294 vez que busca a “celebração do móvel”: ainda que parado, o sujeito pós-moderno é aquele que precisa ter a sensação de que está em constante movimento, isto é, que o mundo está se movendo e ele, da mesma forma, se move em conjunto com esse mundo. Note que esses três tipos de sujeito auxiliam na compreensão de nossa relação com o meio social com o passar dos anos. A Sociologia, enquanto Ciência, surge justamente no apogeu do sujeito sociológico e, conforme apontado na Unidade I, as preocupações giravam em torno da com- plexidade da sociedade moderna. Por outro lado, o sujeito pós-moderno se relaciona diretamente com a sociedade de con- sumo globalizada, em que a noção de tempo/ espaço está alterada constantemente, ou seja, torna-se difícil mensurar que um acontecimento distante, espacialmente falando, possa ocor- rer tão próximo, temporalmente falando, pois uma transmissão em tempo real pode facilitar que esse mecanismo ocorra. Logo, a noção de perto/longe e tempo/espaço são alteradas nessa sociedade globalizada. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 295 Enfim, consideramos que o consumo esta- belece uma perversa relação conosco em nosso modelo societal: se consomem não somente ideias (ou a falta delas), mas, sobretudo, a sen- sação de pertencer a uma pós-modernidade, em que há a celebração da constante mudança nas identidades culturais. Dizer quem é o sujeito pós-moderno é uma tarefa singular, uma vez que a bricolagem de papéis sociais estabeleci- dos para cada evento faz com que essa noção de identidade fixa, impermeável, de fato não ocorra. O que observamos - respondendo à pergunta motriz deste tópico - é que a análise socioló- gica nunca esteve tão em alta, em um modelo de sociedade de múltiplas vertentes e diferentes anseios populacionais. Os padrões de resposta para a clássica pergunta (qual é o relaciona- mento do indivíduo em/na sociedade?) já não existem mais e, nesse sentido, espera-se que o cientista social possa mensurar, avaliar, compa- rar e, nem sempre de forma definitiva, delinear uma sociedade marcada, geralmente, pelo con- sumo e pelas diferentes identidades, mas que SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 296 permanece em constante processo de constru- ção, em um tempo e espaço jamais definidos. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 297 A EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE Nesse ambiente de consumo global, qual é a trajetória e o papel da Educação na atualidade? Seria impossível avaliar aqui toda a trajetória da Educação no Ocidente e o seu papel social. O que desejamos é apenas indagar sobre as mudanças que a Educação Institucional acabou sofrendo dentro de uma sociedade Ocidental com signi- ficativas transformações nos últimos 30 anos. Sempre vale lembrar que a Educação reflete e interage com a vida social. Ela não é um deter- minante absoluto, mas também não é passiva. Sofre os efeitos das relações sociais e tem tido dificuldade de intervir nessa tendência de indivi- dualização dos interesses sociais e da influência da sociedade de consumo. Não podemos esquecer que a vida em sala de aula é construída por seres humanos que têm uma vida de relações dentro do mundo integrado pela economia mundial. Não é difí- cil perceber essa integração se considerarmos a parafernália de objetos que invadiram a sala de aula e expressam a idolatria pelo consumo. Nota-se a quantidade de materiais escolares SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 298 coloridos, bem como variados equipamentos da tecnologia moderna, como os celulares, tablets e computadores. Quando esses equipamentos não existem, há uma tendência em defendê-los dentro do ambiente escolar. Hoje, é retórica nas campanhas de política social a chamada “inclu- são digital”, quem não tiver ao menos um e-mail e um perfil em uma rede social é como se não existisse. A inclusão, porém, não se dá exclusivamente pelos produtos de informática. Ela se dá de todas as formas possíveis de aquisição, em que ter um determinado objeto gera inclusão em círculo de pessoas e de relações inclusivas que deter- minam nosso dia a dia. Ser um deles é ter o que eles têm, é frequentar os lugares que frequen- tam e viver as idolatrias que professam. Dentro da escola, o grande desafio é colocar a produção científica como um instrumento de formação de um ser humano que não se deixa seduzir exclusivamente por esse imediatismo do consumo. O entendimento da vida mediante à Ciência, que é uma das ações fundamentais da escola, tem se perdido. Ela está isolada da con- dição de instrumento de compreensão e crítica SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 299 da vida social. Mesmo quando se tratam das Ciências Exatas ou Naturais, o conhecimento científico se empobrece e não consegue desven- dar as condições de materialidade que existem nos produtos disponíveis no mercado. Não podemos empobrecer a Ciência e lhe dar ape- nas um papel decorativo ou de ritual sem sentido na vida do ser humano, esteja ele em qualquer nível da Educação. Temos que considerar que a Ciência é o ins- trumento fundamental para a compreensão e superação dos dilemas humanos. Foi por meio do conhecimento científico que a sociedade ocidental se fez e conseguiuatingir o grau de complexidade que se apresenta em nossos dias. Estamos propagando a ideia de que o conheci- mento chegou até nós por “magia”, que tudo do que usufruímos é uma mera contribuição de “gênios” e não de uma possibilidade humana, nesse sentido, a escola e a academia têm que ser um instrumento de luta contra esses conceitos. Cabe a nós, educadores, ou os que têm lucidez, romper com essa superficialidade que domina os discursos sobre a vida social. Foi dentro da construção de uma economia SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 300 racional, fundada no poder do Estado e nas práticas de desenvolvimento do conhecimento científico para atender necessidades humanas que o conhecimento que temos sobre a nossa existência se fez. Não podemos desprezar séculos de história que colocaram a produção científica no centro das necessidades humanas e como o principal instrumento da superação de nossas dificuldades, sendo condição vital para a supe- ração de nossas necessidades. Avançar, dessa forma, requer um comprome- timento do educador em se posicionar diante do mundo, ter uma análise sobre as condições em que vivemos e agir no sentido de crítica. Não é só o profissional da área das Ciências Humanas ou socioeconômicas que deve ter esse posiciona- mento. Ele passa por todo e qualquer produtor do conhecimento, por qualquer indivíduo que tenha como profissão o uso da ciência. Indo mais longe, de qualquer ser humano que necessita superar sua condição de homem em sociedade. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 301 A Ciência é uma necessidade de todos, não é por acaso que a educação deve estar próxima de todas as pessoas e que se tornou um ins- trumento fundamental da vida humana. Ela, a Ciência, está por todos os lados e nós temos que perceber e despertar isso. Pensar na pós-modernidade é pensar em ino- vação, em efemeridade do tempo e em rapidez das relações sociais. É correto afirmar que esse tipo de relação condiz com a nossa atual socie- dade globalizada? Reflita sobre! SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 302 UM BREVE PASSEIO SOCIOLÓGICO O itinerário percorrido nesta unidade visou dois objetivos claros e pontuais acerca da Sociologia: a relação dos clássicos com a atualidade e como essa Ciência tem se relacionado com a globa- lização, presente em nosso cotidiano. Observe que esses objetivos nos auxiliam a compreender a questão geral implícita nos estudos socioló- gicos apresentados: demonstrar a importância e a objetividade da Sociologia em uma socie- dade cada vez mais complexa e difícil de ser compreendida. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 303 O passeio realizado pelos clássicos - Durkheim, Weber e Marx, auxiliados pela teoria social de Pierre Bourdieu - foi importante para expor as diferenças entre períodos históricos, que influenciaram diretamente no estabelecimento do pensamento de cada um dos autores. Nossos quadros comparativos são fundamentais para compreender tais diferenças, bem como evi- denciar, de forma clara, a trajetória intelectual desses autores. No segundo momento, debatemos dois conceitos relevantes da atualidade: a pós-moder- nidade/globalização e a sociedade de consumo, fruto dos padrões de vida estabelecidos atual- mente. A ideia de pós-modernidade/globalização segue com os tipos de identidade fixadas, como a iluminista, a sociológica e a pós-moderna. A característica geral desse sujeito pós-moderno é a rapidez nas relações sociais e a alteração da noção de espaço/tempo e tempo/espaço, uma relação modificada diante da possibilidade de comunicação ao vivo proporcionada fundamen- talmente pela internet. Tal alteração se reflete nas relações sociais, cada vez mais efêmeras, fugazes, em que a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 304 existência de relacionamentos duradouros é bem menor. Essa agilidade na comunicação, transposta para as relações sociais, remete ao conceito de “modernidade líquida”, trabalhado pelo sociólogo Zigmunt Bauman: São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orien- tação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos con- temporâneos sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segun- do sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de ‘grupos de referência’ predetermi- nados a uma outra de “comparação uni- versal”, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual […] não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001, p. 22). SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 305 O argumento de Bauman diz respeito às mudan- ças dos padrões de comportamento impostos pela sociedade, agora transformados para o condicio- nante individual ou de grupos específicos: estes vão se formando ao longo dos dias, sendo muito difí- cil transcrever como cada grupo se posicionará em relação a determinados assuntos. Veja que, na pós-modernidade/globalização, estamos a todo tempo escrevendo uma nova história cujos fragmentos, colados a um grande quebra-cabeças sem fim, formam esse modelo societal, pautado pelas relações sociais líquidas e por um consumo exacerbado de bens dispos- tos pelo capitalismo. Esse cenário nos conduz a respostas ainda não finalizadas acerca de nossa sociedade, por exemplo: qual o destino desse modelo societal? A denominada “sociedade de consumo” ainda imperará por muitos anos? Além disso: essas relações sociais indicam a fugacidade dos conta- tos, isto é, tendemos a chegar em um momento em que tais relações serão necessariamente vir- tuais e não reais? Essas e outras perguntas ainda estão sem resposta definida, mas são importantes SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 306 para traçarmos o futuro do pensamento filosó- fico e sociológico acerca da humanidade. Por fim, encerramos esta unidade destacando que a educação terá, como exposto no segundo Tópico, uma parcela considerável na formação dessa nova sociedade, em que a escola poderá se constituir como um espaço democrático, desti- nada a compreender as necessidades do cidadão e seu relacionamento com a sociedade em que vive. A Sociologia, nesse sentido, tem o papel fundamental de auxiliar na explicação dessas novas configurações sociais, em que o líquido parece substituir o concreto e as “antigas” teo- rias precisam de uma explicação “reinventada” ou uma exemplificação palpável, a fim de cons- tituir verdades acerca do futuro da sociedade. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 307 Sociologia no tempo das redes sociais Há alguns dias, venho discutindo com amigos e alunos a relação entre as redes sociais e a So- ciologia. Desde a pulverização das mesmas, as pessoas mantêm um relacionamento quase que instantâneo, em mundo virtual que nem sem- pre reflete os fenômenos da realidade. Qual é, então, a contribuição que a Sociologia propor- ciona aos atuais acontecimentos, na sociedade globalizada e, por que não, virtualizada? [...] O que desejo mostrar neste artigo é que fazemos Sociologia o tempo todo. Assim como as redes sociais, a Sociologia é dinâmica, se alterando conforme a ocasião e analisando os fenômenos que a sociedade produz de maneira diferente. Isto é, para a Sociologia, olhar as ações sociais e vê-las estáticas, pouco dinâmicas, quase que naturais, não interessa: é preciso olhar para além da normalidade dada, visualizando situações deste tipo, em que as pessoas estão em cons- tante comunicação e se relacionando entre si, discutindo assuntos do momento que passam despercebidos pela maioria da população.Fonte: Valenciano (2015, on-line)1. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 308 OS FUNDAMENTOS ANTROPOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO Afinal, quais são os fundamentos antropológicos da educação na atualidade? É possível pensar a Educação em um sistema atual, pautado pela cul- tura global e massificada, em que há a constante valorização do local e, ao mesmo tempo, a influ- ência global, conforme apontado por Stuart Hall (2006)? O objetivo deste tópico é problemati- zar a questão do multiculturalismo, presente em nossa sociedade, questionando você, aluno(a), SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 309 se esse fenômeno interfere na Educação e quais são seus desdobramentos. Antes, porém, é preciso relembrarmos o con- ceito de cultura, importante na Antropologia. Derivado do latim, pressupõe o cultivo a algo, isto é, perpetuar algum conhecimento, algum costume. Cultivar nada mais é do que repassar, por meio de gerações, um conhecimento, uma crença ou uma tradição de respectiva comu- nidade. Diante de uma determinada cultura, aprendemos aspectos acerca de costumes locais e ações realizadas para um determinado fim. Assim, até mesmo nós estabelecemos um pano- rama para a criação de identidade de certo grupo. Com a relação existente entre vários grupos ou comunidades, há a incidência do chamado multiculturalismo, ou seja, várias culturas estão presentes em um campo determinado, em um espaço dado. Para entender esse fenômeno, ire- mos tratar os aspectos do multiculturalismo: o eurocentrismo, em que a cultura é tratada como homogeneizante, penetrando pelo conhe- cimento disciplinar prejudicial; a necessidade dos estudos culturais; os significados desse mul- ticulturalismo e o conceito de pós-colonialismo. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 310 Immanuel Wallerstein (2002) taxa a Ciência Social como eurocêntrica no decorrer de sua história. Essa afirmação é senhora no capítulo décimo primeiro do livro O fim do mundo como concebemos: Ciência social para o século XXI, quando aborda a questão do eurocentrismo. Segundo o autor, cinco são as “acusações” ates- tadoras de tal fator. A primeira “acusação” parte do pressuposto de que a historiografia tem se pautado nas con- quistas dos europeus no mundo moderno. Sob qualquer olhar, as inovações propostas pela Europa sempre são boas. Esse argumento sus- tenta, também, as conquistas, o domínio do capital e, claro, do saber dos europeus perante aos demais. Isto é, partir (e pensar) do pensa- mento europeu sempre é bom. Assim, surge a segunda “acusação”, no tocante da produção europeia ser considerada universal (universalismo). Tal provincianismo é inerente à Ciência Social visto deste “padrão europeu uni- versal”, assumido nos passos da história. O terceiro postulado é a civilização, opondo ao barbarismo ou ao primitivismo os demais. Desse modo, quem não é da Europa pode ser SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 311 tratado como “nativo”, pertencente a outro grupo ou clã, não dotado dos mesmos valores da edu- cação dominante. O orientalismo é o ponto-chave da quarta “acusação”, pautando a discussão em torno de uma disputa entre os interesses de ambos. Por fim, a última “acusação” surge pelo progresso, inspirado no Iluminismo e no desenvolvimento de todas as etapas. Ainda nesta linha de pensamento, Edward Said afirma que a relação entre o colonizador e o colonizado é intrigante, vez que o colonizado assume posição secundária e sua representa- ção pode não ser a exata, da maneira como era, já que o colonizador traduz o colonizado, evi- denciando a visão do seu trabalho de campo. O colonizado assim é definido: Pobreza, dependência, subdesenvolvimento, variadas patologias de poder e corrupção e, por outro lado, realizações notáveis de guerra, na alfabetização, no desenvolvimento econô- mico: essa mistura de características assinalava os povos colonizados que se haviam libertado em um nível, mas permaneciam vítimas de seu passado em outro (SAID, 2003, p. 115). SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 312 Essa passagem de Reflexões sobre o exílio nos remete ao paradoxo do colonizado: ora se desen- volve, ora é refém do colonizador (europeu?). Isso demonstra como as relações multiculturais são complexas, difíceis de serem concebidas. Alguns fatores, como a globalização, impedem uma definição apenas com o olhar do antropólo- go-colonizador de um determinado interlocutor, cabendo bem mais ponderar o que de fato será exposto. A crítica realizada por Said se encon- tra justamente nessa posição, em que cobra da Antropologia um trabalho fiel, ilustrando com vigor o lugar do colonizado, até mesmo a defesa de divulgação ampla de alguns posicionamen- tos, na tentativa de esmiuçar cada cultura, cada costume, cada povo. Ainda neste debate sobre a importância da disseminação das culturas por intermédio do multiculturalismo, Henry A. Giroux crítica o conhecimento disciplinar, contrapondo-se, então, aos vários especialistas produzidos. Segundo Giroux: A sabedoria convencional dos acadêmi- cos é deixar que os membros de outros departamentos façam o que quer que seja SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 313 seu trabalho de maneira que quiserem – contanto que este direito lhes seja garanti- do. Como consequência destes desenvol- vimentos, o estudo da cultura é conduzido em fragmentos (GIROUX, 1997, p. 179). Assim, dividindo-se as disciplinas, o saber fica restrito numa relação pesquisador/especiali- dade, especialidade/pesquisador, uma via de mão dupla em que a diversidade não é explorada. Para o autor, a segmentação do conhecimento não contribui para o aspecto multicultural, pau- tado pelo constante contato entre as diferentes culturas. Os estudos sobre a cultura tomam grande importância para Giroux. Considerar algo melhor ou pior, comparado com outro, por exemplo, é perigoso, vez que toda cultura pos- sui sua importância e deveria ser exposta de modo relacional, não competitivo. Logo, qual- quer projeto de hierarquizar culturas deve ser abolido. Por conseguinte, esses estudos produ- zem nos pesquisadores “uma análise continuada de suas próprias existências” (GIROUX, 1997, p. 185). SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 314 O papel do intelectual, ainda para Giroux, deveria ser o do “intelectual transformador”, no sentido de proporcionar “liderança moral, polí- tica e pedagógica”, ou seja, ao invés da condição de líder intelectual, repolitizar o conhecimento e ampliá-lo não apenas para os membros de uma mesma área de atuação, mas também para os demais pesquisadores interessados em compre- ender os diversos tipos de conhecimento. Assim, esse “intelectual transformador” luta contra o status quo e as normas estabelecidas, aumen- tando os horizontes das pesquisas e o espaço de ação cultural. Já Stuart Hall define alguns tipos de multi- culturalismo: conservador, liberal, pluralista, comercial, corporativo e crítico. No multicultu- ralismo conservador, pressupõe-se a assimilação da diferença às tradições e aos costumes da maio- ria, aceitando-as e respeitando-as. No liberal, insere-se a minoria nos padrões da maioria, com as diferenças toleradas no campo privado, sem reconhecê-lo na esfera pública. Já no plu- ralista, pondera-se que cada grupo deve viver em separado, ou seja, cada qual com sua iden- tidade, não se relacionando com os demais. No SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 315 multiculturalismo comercial, argumenta-se que as diferenças surgem em nichos de mercado, dada a importância de fornecer os desejos des- ses nichos. Atender aos anseios das minorias para estancá-las é a missão do multicultura- lismo corporativo. Esse estancamento supõe o domínio da maioria e o modelo defendido por Hall (crítico) interroga as relações de poder e as desigualdades entre os grupos. Assim, qual multiculturalismoseguir? Ou, então, devemos respeitar todos esses rostos multiculturais? Hall indaga: Na verdade, o “multiculturalismo” não é uma única doutrina, não caracteriza uma estratégia política e não representa um estado de coisas já alcançado. Não é uma força disfarçada de endossar algum esta- do ideal ou utópico. Descreve uma série de processos e estratégias políticas sem- pre inacabados (HALL, 2003, p. 52-53). Outra visão sobre o fenômeno multicultural é a de Taylor. “O devido reconhecimento não é uma mera cortesia que devemos conceder às pessoas. É uma necessidade humana vital” (TAYLOR, 1997, p. 242). Desse modo, Charles Taylor defende a SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 316 “política do reconhecimento”, como molde de nossa identidade, com o reconhecimento errô- neo sendo, até mesmo, prejudicial à construção desta identidade pessoal. Nesse raciocínio, o autor valoriza a originalidade e a opinião de cada pessoa, salientando que cada um “sempre tem algo a dizer”, em certa medida, enfatizando a subjetividade e o indivíduo, o reconhecendo nos múltiplos níveis. O reconhecimento, então, ganhou destaque pelo diálogo realizado con- sigo mesmo com outros significativos e também no plano público, com a política realizando o papel universalista dos indivíduos. Reconhecer nada mais é do que propiciar peso às querelas do multiculturalismo. Com os debates ocorrendo em torno de o grandioso centro gerar sua periferia, dividindo o mundo em duas partes com a existência do centro delimitando o que é periférico, Thomas Bonnici (2005) sugere dar voz aos coloniza- dos, ressaltando as diferenças das colônias com os impérios no emergir da personali- dade nacional. Isto é, pós-colonialismo para Bonnici é buscar alternativas para o discurso SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 317 do “império”, reinterpretando-o e garantir voz ao colonizado oprimido, na Ciência, História e Literatura nacionais, um processo enfático do agora independente. Essas diversas anotações sobre o multicultu- ralismo apresentam uma face deveras salutar para discuti-lo. Afastando o eurocentrismo das Ciências Sociais, combatido por Wallerstein, e também as impressões do colonizador acerca dos colonizados, como dito por Said, o tema multicultural deve ser anotado, observando que há, sim, a necessidade de respeitar e, prin- cipalmente, dialogar, não criando pirâmides hierárquicas das culturas e disciplinando as cul- turas como partições independentes. A ótica de estudo multicultural deve transcender os laços do local, buscando em novas culturas a diferença, importante para a formação intelectual de cada um. Assim, não só haverá o reconhecimento das diferenças de cultura, mas um reconhecimento valorizado das vozes outrora sufocadas por cul- turas aqui entendidas como dominantes. Portanto, pensar nesta seara multicultural é lidar com o dia a dia dos fundamentos antropoló- gicos da Educação: se a última está em constante SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 318 mudança, com a inserção de novas práticas, a primeira também acompanha as transformações sociais, viajando sem parada pelas mudanças existentes em/na sociedade. O fato é que tal explicação acerca do mul- ticulturalismo, caro(a) aluno(a), é de extrema importância para demonstrar as faces de uma educação que lida com diversas culturas que, diferentemente da Antropologia Clássica - que estava preocupada em conhecer o desconhe- cido, em explorar o “bom” ou o “mal” selvagem -, debruça-se sobre o contato cultural de várias facetas, o que irá refletir diretamente na prática docente. SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 319 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desta unidade, caro(a) aluno(a), foi articular a nossa sociedade atual e contempo- rânea com o estilo de Educação na atualidade e os seus fundamentos antropológicos, propor- cionando um desfecho em nossas ideias aqui expostas. No primeiro Tópico, a proposta foi demons- trar como nossa sociedade está destinada ao estilo de vida pós-moderno/globalizado, em que as relações sociais são efêmeras, fugazes, com pouca durabilidade, em um sujeito prati- camente líquido (segundo Bauman, retomado no terceiro Tópico acerca de “um breve pas- seio sociológico”) e que deseja manter suas relações sociais sem grandes vínculos, a todo custo. Nota-se, portanto, uma quebra do sujeito iluminista/sociológico para o pós-moderno, conforme exposto no aludido tópico. Em seguida, debatemos rapidamente os desa- fios da educação na atualidade, em que o estar em/ na sala de aula física é substituído pelas relações virtuais, com alteração do espectro de tempo/ espaço em nossas mentes. Com um caminho SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA 320 sem volta, refletimos acerca da Educação de hoje, voltada para as relações virtuais do pro- cesso ensino-aprendizagem. A tônica de Zygmunt Bauman foi exposta no terceiro tópico, em que debatemos rapidamente um importante sociólogo da atualidade, pautado pelas relações fugazes da pós-modernidade, que desenvolve o conceito de “modernidade líquida” experimentado atualmente. Já no quarto Tópico, a experiência do multicul- turalismo, presente em nosso dia a dia, leva-nos a refletir que os fundamentos da Antropologia na educação são complexos, uma vez que deve- mos observar as diferentes tendências culturais para chegar a possíveis conclusões. Note que a proposta neste tópico é retomar os conceitos clássicos da Antropologia Cultural, relacionan- do-os com a atualidade. Por fim, vale relembrar que o objetivo desta unidade é avaliar as tendências da Antropologia e da Sociologia, direcionadas obviamente à Educação, questionando: é possível avançar- mos no atual modelo societal? 1. O multiculturalismo é um dos fatores pre- ponderantes para entendermos a socieda- de na atualidade. Acerca desse fenômeno, assinale a alternativa correta. a) É um fenômeno em que diversas culturas são colocadas justapostas, lado a lado, sem que uma seja superior a outra. b) É um fenômeno voltado para revisitar a An- tropologia Cultural, proporcionando um novo significado ao seu conceito. c) Multiculturalismo é o mesmo que a Antro- pologia Cultural, ou seja, seu objetivo é ex- plicar as culturas existentes em nossa socie- dade, comparando-as umas com as outras e demonstrando qual é a superior. d) De origem africana, sem influências euro- peias, o multiculturalismo nada mais é do que a valorização da cultura negra. e) Sem necessidade de ser comparado com a Antropologia, o multiculturalismo é um fe- nômeno essencialmente sociológico. 2. Stuart Hall (2006) analisou as identidades culturais na pós-modernidade, estabele- cendo um panorama acerca dos conceitos identitários e o que esses representam para cada estágio da sociedade ao longo dos anos. Em relação ao sujeito produto do Ilu- minismo, é correto afirmar que: a) O sujeito iluminista é voltado para a razão, em que o pensamento centrado em sua ra- zão individual se relaciona com o mundo exterior. b) O sujeito iluminista se relaciona com a so- ciedade, refletindo acerca desta e buscando saídas teológicas para questões racionais. c) O sujeito iluminista é o sucessor do pensa- mento sociológico. d) Esse sujeito, produto do Iluminismo, não estava imbuído dos ideais de pensadores como John Locke, Voltaire e Rousseau. e) A concepção de sujeito do Iluminismo foi amplamente modificada pelo sujeito so- ciológico. 3. A celebração de identidades sociais móveis, não fixas, que estão em constante processo de transformação, correspondem ao pen- samento de: a) Stuart Hall, que assim definiu o conceito de sujeito pós-moderno. b) Karl Marx, que definiu e relacionou com o capitalismo o conceito de sujeito sociológi- co. c) Zygmunt Bauman, que assim definiu o con- ceito de sujeito pós-moderno.d) Max Weber, que, após reler o pensamento de Stuart Hall, definiu e conceituou o sujei- to pós-moderno. e) Émile Durkheim, que, após conceber o fato social, definiu e conceituou o sujeito pós- -moderno. 4. Remetendo ao conceito de “modernidade líquida”, trabalhado por Zygmunt Bauman, comente por que os padrões de compor- tamento da sociedade estão em constan- te processo de mudança, segundo o au- tor. 5. Acerca da Educação na atualidade, analise as assertivas a seguir e escolha a alterna- tiva correta. I. O desafio existente em sala de aula é consti- tuir o papel de um educador crítico e ques- tionador, que possa refletir acerca de sua realidade social. II. Um dos desafios é inserir a produção cientí- fica como algo que produza resultados pal- páveis, sem que o ser humano seja seduzi- do pelo imediatismo do consumo. III. Apesar da inserção de tablets e novas tec- nologias, a educação presencial jamais será substituída pela educação a distância. IV. Com o papel crítico e questionador da atu- alidade, podemos enxergar uma educação sem as amarras do consumismo, muito di- ferente da existente há 30 anos. a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas II e III estão corretas. c) Apenas I está correta. d) Apenas II, III e IV estão corretas. e) Apenas II está correta. Resenha do livro “O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir, escrever”, de Roberto Cardoso de Oliveira. O OLHAR Neste tópico o autor inicia dizendo sobre o problema do olhar submisso à disciplina em que foi formado o pesquisador além da visão prismática sobre tal realidade. Ele dá um deta- lhado exemplo sobre o olhar etnólogo a uma tribo indígena amazônica, explicando que o pesquisador votará seu olhar às coisas, obje- tos que oferecem comparações ao seu conhe- cimento sobre essa cultura ou a semelhantes. Daí finaliza o tópico dizendo da importância de complementar o olhar com o OUVIR. O OUVIR Oliveira metaforiza esses sentidos — olhar e ouvir — como duas muletas necessárias para caminhar, mesmo que com dificuldade para o conhecimento. Mas ainda acrescenta que o ouvir deve ter critérios de descarte para os “ru- ídos” insignificantes à sua pesquisa. O antropólogo paulista segue oferecendo exemplos e justificando sua linguagem que acredita ser assim o mais inteligível aos leito- res. O exemplo que cita dessa vez, é o de Rad- cliffe–Brown onde esse recomenda que para compreender a religião deve-se observar mais o ritual do que a crença. Mas Roberto questio- na afirmando que “faltava-lhe plena compre- ensão de seu sentido para o povo que o rea- lizava e sua significação para o antropólogo que a observava em sua exterioridade” (grifo do autor). Seu questionamento vem para jus- tificar a importância do OUVIR/ENTREVISTAR o “povo” daquela comunidade. Porém mesmo essa entrevista oferecendo as informações que formam a matéria-prima para o antropólogo, ela se defronta com a diferença do que o autor chama de “idiomas culturais”. Ainda completa que apenas a entrevista por si só, pode bloque- ar um verdadeiro diálogo, obtendo respostas pontuais e influenciadas pela pergunta, o que poderia ter outro rumo quando a observação/ entrevistas fosse participante. O ESCREVER Neste último tópico antes da conclusão o autor diz da criticidade ao ato de escrever provido do olhar e do ouvir e apoiando-se em Clifford Geertiz — livro Trabalhos e vidas: o antropó- logo como autor — para distinguir as fases ou etapas para uma investigação empírica, ratifi- cando o já dito anteriormente. Sendo o olhar e ouvir como o “estando lá”, vivenciando no campo —1ª situação — e o escrever que é o “estando aqui”, em seu gabinete para se com- plementar de suas ferramentas urbanas na in- terpretação e sintetização de suas anotações e vivências. Roberto se aprofunda mais ao descrever al- guns aspectos dessas criticidades no ato de escrever que sintetiza bem sua visão de que a escrita final e as próprias anotações “brutas” são “uma interpretação de e no gabinete” fa- zendo com que os dados sofram uma nova “refração”, ou seja, tudo que foi ou está sendo discutido sobre sua ciência e as teorias em que se apoia, serão os interlocutores influenciáveis de sua escrita. Fonte: Paz (s/d, on-line)2. MATERIAL COMPLEMENTAR Condição Pós-Moderna David Harvey Editora: Edições Loyola Sinopse: com a tese de que estamos sendo dominados pelas novas formas de uso do tempo e do espaço, bem como a supressão de ambos, David Harvey lança as bases sobre a pós-modernidade e suas nuances. As consequências da modernidade Anthony Giddens Editora: Editora Unesp Sinopse: indagando se estamos vivendo em um período de modernidade tardia ou de modernidade, Giddens analisa os movimentos sociais experimentados na Europa a partir do século XVII e que vão justamente analisar as correntes transformações sociais do estilo de vida urbano. MATERIAL COMPLEMENTAR Nihonjin Oscar Nakasato Editora: Benvirá Sinopse: apesar de se enquadrar como um livro de literatura propriamente dito, o vencedor do prêmio Jabuti 2012 (o mais importante da literatura nacional) é uma grande narrativa antropológica, que mostra disputas evidentes da cultura japonesa versus a brasileira, além dos olhares diferenciados de cada cultura perante a fi xação em solo nacional. MATERIAL COMPLEMENTAR Crash — no limite A proposta do fi lme é debater a mistura étnica de diferentes classes sociais após Jean Cabot, esposa de um promotor de uma cidade ao sul da Califórnia, ser assaltada por dois negros. Após o roubo, um acidente de trânsito acaba aproximando diferentes pessoas, o que demonstra os atuais modelos de relações sociais da pós-modernidade. Em uma breve entrevista, Zygmunt Bauman expõe seu conceito de pós-modernidade. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=aCdUuQycl6Q>. GABARITO 1. a) 2. a) 3. a) 4. Padrão de resposta: segundo Zygmunt Bauman: São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos se- lecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâne- os sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da so- ciedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de “grupos de referên- cia” predeterminados a uma outra de “com- paração universal”, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual […] não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosa e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim ge- nuíno: o fim da vida do indivíduo (BAUMAN, 2001, p. 14). GABARITO O argumento de Bauman diz respeito às mu- danças dos padrões de comportamento im- postos pela sociedade, agora transformados para o condicionante individual ou de grupos específicos: esses vão se formando ao lon- go dos dias, sendo muito difícil transcrever como cada grupo se posicionará em relação a determinados assuntos. Veja que, na pós-modernidade/globalização, estamos a todo tempo escrevendo uma nova história que, com seus fragmentos, colados a um grande quebra-cabeças sem fim, vai for- mando esse modelo societal, pautado nas re- lações sociais líquidas e em um consumo exa- cerbado de bens dispostos pelo capitalismo. 5. a) REFERÊNCIAS UNIDADE I COLLINS, R. Quatro tradições sociológicas. Petrópolis: Vozes, 2009. DAMATTA, R. Relativizando: uma introdu- ção à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1981. HOBSBAWM, E. J. Era das revoluções: Euro- pa 1789-1848. Tradução de Maria Tereza Lo- pes Teixeira e Marcos Penchel. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.______. 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Já nas Unidades II e III, pudemos constatar as diferenças e semelhanças do pensamen- to sociológico de Comte, Durkheim, We- ber e Marx, além de solidificar os principais conceitos fundados por esses pensadores. A proposta é simples, porém direta: fixar esses conceitos e saber articulá-los entre si. CONCLUSÃO Na Unidade IV, ressaltamos a Sociologia de Pierre Bourdieu, além de conversar paralela- mente com os clássicos, colocando-os lado a lado, na tentativa de elucidar possíveis dú- vidas. Igualmente, os fundamentos socioló- gicos da Educação foram tratados, autor por autor. Por fim, na Unidade V, trouxemos a discussão para a Sociologia na pós-modernidade, bem como falamos sobre os fundamentos da An- tropologia aplicados à Educação. Nosso “pas- seio sociológico” pode contrapor o clássico com o moderno, o antigo com o contempo- râneo, enfim, os princípios da Sociologia com os debates atuais. Observe, caro(a)aluno(a), que é impossível tratarmos todo o conteúdo em apenas um li- vro. Entretanto, o salutar aqui foi abordado, esperando que você possa ter uma nova vi- são sobre nossa sociedade, lembrando, é cla- ro, que nesta rede em que estamos interliga- dos somos interdependentes.