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UNIVERSIDADE CEUMA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE DIREITO KARINA MUNIZ MESQUITA MULTIPARENTALIDADE: RECONHECIMENTO E EFEITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO. São Luís 2018 KARINA MUNIZ MESQUITA MULTIPARENTALIDADE: RECONHECIMENTO E EFEITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito de obtenção de nota parcial do grau à obtenção do título de Bacharel do curso de Direito da Universidade Ceuma. Orientadora: Profª. M.ª Ana Letícia Bacelar Viana Bragança. São Luís 2018 KARINA MUNIZ MESQUITA MULTIPARENTALIDADE: RECONHECIMENTO E EFEITOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Ceuma, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Aprovado em ___/___/___ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Profª M.ª Ana Letícia Bacelar Viana Bragança (Orientadora) _____________________________________________ 1 Examinador _____________________________________________ 2 Examinador AGRADECIMENTOS Quero agradecer primeiramente а Deus que proporcionou e permitiu que tudo isso acontecesse, ao longo de minha vida, е não somente nestes anos como universitária, mas que em todos os momentos e em todas as áreas é o maior mestre que alguém pode conhecer sem dúvidas. Aos meus pais pelo amor, incentivo, e apoio incondicional que sempre me deram nas horas mais difíceis, de desanimo e cansaço, e nunca desistiram para que tudo isso acontecesse. Aos meus irmãos e sobrinho por fazer parte desse momento tão valioso e importante, ao meu namorado Wyldison por fazer parte dessa caminhada. Meus agradecimentos a todos os professores e a Universidade Ceuma por me proporcionar o conhecimento nesse processo de formação. E por fim a todos que direta e indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado. DEDICATÓRIA A minha devotada e inseparável mãe, uma mulher ímpar na minha vida, em que devo muito por todas as coisas que já me fez. Ao meu pai que esteve acompanhando a minha luta para formação e aos meus irmãos amados que são pessoas incríveis em minha vida e a toda a minha família. “Assim acontece com vocês. Se não proferirem palavras compreensíveis com a língua, como alguém saberá o que está sendo dito? Vocês estarão simplesmente falando ao ar. Sem dúvida, há diversos idiomas no mundo; todavia, nenhum deles é sem sentido. Se, porém, alguém falar em línguas, devem falar dois, no máximo três, e alguém deve interpretrar. Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com Deus.” 1 Coríntios 14:9 10,27,28 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS Art. Artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CNJ Conselho Nacional de Justiça ECA Estatuto da Criança e do Adolescente RESUMO A multiparentalidade é um fenômeno que surgiu devido às transformações ocorridas no conceito de família, que se modificou no decorrer do tempo. De modo, que a entidade familiar que antes era vista como um núcleo que visava apenas o interesse econômico, religioso e patriarcal, em que a figura do pai era o chefe da família e mandava e desmandava dentro de casa. Nota-se que está relação era extremamente restrita, pois a família somente era constituída através do matrimônio. Isso podia ser observado pelo código civil de 1916 que reconhecia apenas os filhos biológicos como herdeiros. Esse cenário começa a mudar já que a sociedade é um meio mutável, em que as pessoas mudam a forma de se relacionar e diante dessas transformações a família passou a ter como função primordial a busca pela felicidade dos seus integrantes, passando a levar em consideração não somente a relação sanguínea ou o casamento como única forma de construir uma família. É a partir desse ponto que a sociedade começa a valorizar o afeto como meio de estruturar uma base familiar, pois agora o que importa não é mais o patrimônio que irá somar com o casamento e sim a busca pela felicidade. E é assim que surge a multiparentalidade, como forma de proporcionar que uma criança possua mais de um pai ou uma mãe por meio da valorização do vínculo afetivo. Palavras-chave: Multiparentalidade; afeto; família; valorização afetiva. ABSTRACT Multiparentality is a phenomenon that arose due to the transformations occurred in the concept of family, which has changed over time. So that the family entity that was formerly seen as a nucleus aimed only at economic, religious, and patriarchal interest, where the father figure was the head of the family and sent and unmasked in the house. It is noted that this relationship was extremely restricted, since the family was only constituted through marriage. This could be observed by the civil code of 1916 that recognized only the biological children as heirs. This scenario begins to change since society is a changing medium, in which people change the way of relating and in the face of these transformations the family began to have as its primary function the search for the happiness of its members, starting to take into account not only the blood relationship or marriage as the only way to build a family. It is from this point on that society begins to value affection as a means of structuring a family base, because now what matters is not the patrimony that will add to marriage but the search for happiness. And this is how multiparentality arises, as a way of providing a child with more than one parent by valuing the affective bond. Keywords: Multiparentality; affection; family; affective valorization. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 FAMÍLIA ................................................................................................................. 12 2.1 Evolução da concepção da família .................................................................. 12 2.2 Função da família .............................................................................................. 14 2.3 Princípios que regem o direito de família ....................................................... 16 2.3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ..................................................... 16 2.3.2 Princípio da Afetividade .................................................................................... 17 2.3.3 Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente ............................ 19 3 FILIAÇÃO ............................................................................................................. 21 3.1 Evolução conceitual de filiação e seus critérios ............................................ 21 3.2 Espéciede filiação ............................................................................................ 24 3.2.1 Filiação Biológica.............................................................................................. 24 3.2.2 Filiação Adotiva ................................................................................................ 27 3.2.3 Filiação Socioafetiva......................................................................................... 30 4 MULTIPARENTALIDADE ..................................................................................... 34 4.1 Conceitos e Aspectos ....................................................................................... 34 4.2 Reconhecimento da Multiparentalidade Pelos Tribunais .............................. 37 4.3 O valor jurídico do afeto e a multiparentalidade............................................. 41 4.4 Dos Efeitos Jurídicos do Reconhecimento da Multiparentalidade ............... 42 4.4.1 Na Obrigação de Alimentar .............................................................................. 43 4.4.2 Do Direito Sucessório ....................................................................................... 44 5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 47 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50 10 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho monográfico tem como objetivo o estudo do instituto da multiparentalidade e os seus efeitos no mundo jurídico decorrente do seu reconhecimento. Em seu primeiro capítulo será analisado primeiramente a entidade familiar, começando com um olhar histórico que transcorrerá do que era a família na idade média até chegar nos dias atuais, de modo a demostrar as transformações ocorrida no conceito de família decorrente das mudanças ocorridas nas relações pessoais da sociedade, em que antigamente para que fosse formada um família seria necessário que houvesse o casamento e aquele filho que fosse concebido fora do casamento era considerado ilegítimo não tendo nenhum direito que os filhos advindo do casamento. Esse cenário começa a mudar, pois a sociedade e meio evolutivo e dinâmico que não fica estagno no tempo rompendo com essa ideia de família matrimonial e passando a forma vários tipos de familiar em que sua estrutural central não seria mais aquela formada pelo pai, mãe e filhos e sim com a possibilidade variada de formação como, por exemplo, dois pais, duas mães ou somente duas mães. Veja que a família passou de uma visão matrimonial e rígida para uma estrutura diversificada e passou a valorizar a busca pela felicidade dos indivíduos que formam a família. Tudo isso graças à promulgação da Constituição Federal de 1988, que deu uma visão mais humanística e proibiu a distinção entre os filhos. Levando a família a se ligar por meio do amor e afeto e não por interesses pessoais e patrimoniais. Já no segundo capítulo o nosso foco passa a ser os tipos de filiação: biológica, afetiva e a adoção. O intuito desse capítulo é estudar os conceitos de cada tipo de filiação e demostrar que diante das transformações ocorrida no direito de família já está mais que superada a distinção entres os tipos de filiação, não havendo nenhuma hierarquia entre eles e garantido os mesmos direitos aos filhos seja ele biológico ou afetivo, pois o que importa não é mais o material genético que cada um carrega para dizer se é filho ou não e sim a existência de afeto entre as pessoas. Pois o panorama atual é a valorização do amor em que a relação de 11 parentesco não está mais ligada a consanguinidade e sim aos sentimento de carinho e cuidado que ligam as pessoas, de modo que filho é aquele independe de ter sido concebido no casamento ou ter o mesmo material genético. Superando essa parte inicial passa a ser estudado no terceiro capítulo o instituto da multiparentalidade, tendo como intuído o estudo do seu conceito por meio da analise de doutrinas e jurisprudência. E ainda como a afetividade implicou para o surgimento desse fenômeno e por fim analisar as consequências ocorridas com o reconhecimento da multiparentalidade sobre a obrigação de alimentar e no direito sucessório, se essa dupla filiação também gera obrigação de pagar alimentos tanto para o pai biológico como para o afetivo e se este filho afetivo terá direito a herança. 12 2 FAMÍLIA O presente capítulo apresenta a temática acerca do instituto da família, abortando sua definição, apresentando as normas que disciplinam sobre assunto e os princípios que o norteiam, com a finalidade de explorar um melhor entendimento em relação ao conceito de família. 2.1 Evolução da concepção da família No decorrer dos últimos anos o conceito sobre família vem sofrendo várias modificações e ampliando os seus limites, saindo de um núcleo familiar restrito formado apenas pelo pai, mãe e filhos e passando a ter como limitador as relações de carinho e amor entres seus entes queridos, assim passando a ter como condição primordial na definição de parentescos não a ligação sanguínea e sim o afeto. Dessa forma, o que se ver é que não há mais um padrão do que seja família, pois como se sabe o direito vive em constante transformação e em relação ao direito de família não poderia ser diferente. Para melhor entendermos é preciso voltar a uns séculos e demostrar a evolução da definição de família para melhor compreensão do seu atual conceito. O conceito de família se estabeleceu em uma definição romana, que tinha como base uma relação familiar hierárquica, onde o pai (pater familias) exercia o papel de autoridade sobre a mãe e os filhos, tendo total poder sobre eles e até mesmo sobre os bens que possuíam ou sobre qualquer pessoa que vivia ao seu redor em sua casa como, por exemplo, os escravos. A figura do pai, além de possuir o papel de chefe sobre membros da família cumpria as funções políticas, sacerdotais e de autoridade julgadora castigando qualquer um dos membros de sua família como achasse ser necessário. Nesse sentido, Rosa (2013, p.24) em seu livro intitulado: um novo conceito de família? Explica como era caracterizada essa família hierarquizada: A família colonial era bem hierarquizada, estando o homem no topo da pirâmide. Ele era o pai, o marido, o chefe da empresa, o comandante da tropa, a quem todos os demais se subordinavam. O único interesse que 13 contava era o do pai. As demais vontades e interesses individuais eram desestimuladas. Nessa contextualização de família fica evidente a importância do homem como sendo o centro da entidade familiar, ressaltasse que nesse conceito de família a mulher exercia o mero papel de reprodutora e doméstica, cuidando apenas dos afazeres domésticos não tendo qualquer controle sobre sua própria vida, tendo que ser submetida às vontades do chefe da família, que no caso era o pai e sendo vista aos olhos dos seus maridos apenas como um objeto, não possuindo nenhum direito a opinar sobre a criação dos seus filhos ou exercer qualquer poder sobre eles. No entanto, essa ideia de família tradicional fundada sob a autoridade paternal em que ele poderia mandar em todos perde força e acaba sendo incorporado o novo conceito influenciado pelo direito canônico, que seria o de família conjugal restrita, que correspondia aos conjugues e aos filhos provenientes do casamento. De modo, que a família somente poderia ser formada pormeio do matrimônio, sendo reconhecido como o único meio legítimo de constituir família e tudo aquilo que for concebido fora do casamento não era reconhecido. É o que explica Madaleno (2013, p.8): O casamento identifica a relação formal consagrada pelo sacramento da Igreja, ao unir de forma indissolúvel um homem e uma mulher e cujos vínculos foram igualmente solenizados pelo Estado, que, durante largo tempo só reconheceu no matrimônio a constituição legítima de uma entidade familiar, marginalizando quaisquer outros vínculos informais. Ainda no século XX com a vigência do código civil de 1916 o direito canônico ainda exercia muita influência sobre as concepções sobre família. O código civil dessa época estava encharcado de preconceito em seus artigos em relação ao reconhecimento na formação da família fora do casamento, pois, somente era aceito o tipo de família gerada pelo matrimônio, esse tipo de constituição era considerada como a família legítima, pois era constituída pelos laços biológicos, sanguíneos tendo como formação os pais e os filhos. E aquele que era constituído fora do casamento era denominado como concubinato, essas não possuíam nenhum direito e eram excluídas pela sociedade. Nesse sentido, leciona Leite (2016, p.28): 14 A ocorrência ou não do casamento determinava a legitimidade da filiação e o status daí decorrente era de extrema importância, porque garantia as vantagens de ordem pessoal e patrimonial quanto à filiação “legítima”, já afiliação dita “ilegítima”, não usufruía na ordem civil. Diante dessa diferenciação na formação do que viria a ser família se gerou uma grande injustiça, pois aqueles que formavam família fora do casamento e tinham seus filhos e concubinas não seriam reconhecidos, de forma que eles não possuiriam nenhum direito igual àqueles que foram provenientes do casamento. Contudo, esse cenário precisou ser alterado, pois a concepção de família foi se ampliando, não sendo necessariamente formada apenas pela figura do pai, mãe e filhos, pois a sociedade com o passar dos anos evolui, a figura da mãe passou a ter voz e direitos, deixou de ser apenas vista como uma reprodutora e passou a ser vista como mulher, companheira do seu marido, adquiriram direitos e espaço na sociedade. A sociedade começou ater outro olhar sobre as relações familiares formada fora do casamento e com o passar do tempo essas mudanças obrigaram o reconhecimento dos direitos das pessoas, inclusive aos direitos das mulheres, ao reconhecimento daqueles que mesmo não tendo ligações matrimonias, formavam novas entidades familiares e precisavam ter seus direitos regimentados. O grande marco da conquista desses direitos foi a Constituição Federal de 1988, que deu adeus à família patriarcal e a matrimonial, dando um grande passo na conquista do direito de família criando novos tipos de família, até então nunca aceitos pela sociedade. Exemplo disso foi a redação dada pelo artigo 5°, inciso I, da Constituição Federal, que estabeleceu que homens e mulheres são iguais em direito e obrigações, dando um grande passo a quebra da constituição familiar patriarcal e se afastando da família matrimonial do código civil de 1916, que abortava a concepção de família de forma preconceituosa. De forma, que a legislação com o passar do tempo foi alterando lentamente para se adequar as necessidades e acompanhar as evoluções das relações pessoais (BRASIL, 1988). 2.2 Função da família Como visto no tópico anterior a família possuía uma função religiosa, econômica, política e procracional, exercida através de um poder patriarcal o que 15 com passar dos anos foi mudando. Hoje essa família hierárquica deu espaço para uma família solidaria e amorosa, que aceita a comunhão e a diversidade como meio para formarem uma família. Essa dicotomia do que era ser família e nos dias de hoje pode ser observada com o reconhecimento do filho que era gerado fora do casamento, que antes era visto pela sociedade como um bastardo, não reconhecido e não tendo nenhum direito como tal. O que passa a mudar com a nova concepção de família, em que para ser filho não precisa ser aquele gerado no casamento ou fora dele e sim àquele que possui uma relação de afeto. De forma que esses conceitos passam a ser aceitos pela sociedade como definidores para formação de família o que ganhou mais base com a Constituição Federal de 1988 que vedou qualquer discriminação entre filhos deixando para trás os preconceitos do código civil de 1916. Assim, a modificação dessa estrutura familiar que era fundada no poder marital passa a ter um condão mais afetivo deixando as funções econômicas e politicas em segundo plano e passando a expressar uma função mais afetiva e solidaria se preocupando em dar aos seus entes o desenvolvimento necessário para gerir as relações humanas a vivência em sociedade passando a ser um local de desenvolvimento da afetividade, onde buscam mutuamente o bem comum, buscam alcançar o desenvolvimento da personalidade dos seus membros familiares. É que Paulo Lôbo (2015, p. 18) esposa que: “A realização pessoal da afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções feneceram, desapareceram ou passaram a desempenhar papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua” Nesse mesmo sentido a autora Dias (2013, p. 43) assevera que a família agora esta fundada sobre os pilares da afetividade, dando um novo olhar ao direito de família e que o individuo agora é que deve ser levado em conta e não mais os bens. Diante do exposto fica claro que a família passou a ter uma função educadora, que almeja alcançar a felicidade individual, baseada no amor se preocupando com cada membro da família. Se desatrelando totalmente daquele 16 conceito romano de pater famílias fundado no poder patriarcal que exercia uma função econômica, política e religiosa. 2.3 Princípios que regem o direito de família Esse tópico tem como objetivo estudar os principais princípios que são aplicáveis ao direito de família e como devem ser abortados. Visa mostrar a necessidade da aplicabilidade desses princípios na garantia dos direitos e na formação dos novos tipos de família. 2.3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana A previsão legal do princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal é o princípio basilar do estado democrático de direito. Não se trata de um princípio específico do direito de família, mas deve serve como base para orientar no caso concreto, uma vez que tem como diretrizes a proteção dos direitos fundamentais, bem como a justiça social e os direitos humanos. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; Tal princípio tem como objetivo preservar a dignidade da pessoa humana de forma igualitária defendendo-a de qualquer situação degradante ou desumana, visualizando a pessoa com um ser possuidor de direitos e respeitando suas formas de interação em sociedade. É o que Valadares (2017, p.31) explica ao afirmar que para que se tenha dignidade humana se precisa respeitar primeiro a individualidade. Dessa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser levado em conta para interpretação de todo o direito, devido à importânciaque a Constituição Federal deu a este princípio na busca pela proteção da pessoa humana é de suma relevância a sua observância no direito de família. A família como um todo tem como função primordial exercer o desenvolvimento dos membros de sua família. É na família as primeiras interações 17 com a sociedade é nesse convívio familiar que se aprende as primeiras palavras, sentimentos e afetos. À vista disso, essas relações devem se basear no respeito da pessoa humana, por meio desse princípio, devendo ser observado por todos os membros da família, promovendo um convívio familiar harmonioso, de mútuo respeito. Ressalta-se que também é dever do Estado a proteção da família por ser o principal ambiente desenvolvimento da pessoa humana. Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser visto como um dos alicerces para a formação da família. Ele veio para quebrar as barreias do preconceito e dar um novo olhar sobre o ser humano e nas suas formas de interação. Desmitificando a conceituação rígida do que era família e mostrando que o que importa na formação de uma família é o respeito, o amor, o afeto que liga as pessoas não se permitindo mais as desigualdades entre filhos legítimos e ilegítimos, ou se a família é formada por dois pais ou mais, pois o que se leva em consideração é o respeito sobre o individuo. É o que ensina Maria Berenice Dias (2014, p. 63). O princípio da dignidade humana, em ultima análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às varias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição família, com o que se consegue visualizar a dimensão do aspectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos. Conforme as palavras da autora supracitada o ordenamento jurídico e a Constituição Federal ao reconhecer este princípio deu uma ampliada na construção da entidade familiar. Pois, há uma pluralidade de famílias sendo formada de forma diversificada, pois o que move as pessoas a formarem famílias hoje é simplesmente o afeto envolvido entre eles, independente dos laços sanguíneos, raça, cor ou o casamento. Essa diversidade de famílias se deve ao princípio da dignidade da pessoa humana 2.3.2 Princípio da Afetividade O princípio da afetividade não está expressamente previsto na Constituição Federal, porém este fato não impede a sua observância e até mesmo a sua constitucionalidade. Um exemplo disso é o reconhecimento pela Carta Magna 18 da união estável como entidade familiar, estabelecendo mesmo que de forma implícita a observância do princípio da afetividade. É o que Maurício Póvoas (2014, p.28) explica: Prova de que o afeto é albergado pela constituição da republica, ainda que de forma implícita, consiste no fato de reconhecer o constituinte na união estável como entidade familiar, dando-lhe proteção jurídica. Não é necessário fazer esforço para concluir que está se prestigiando a afetividade, na medida que a união estável nada mais é do que um consórcio afetivo entre duas pessoas sem os laços do casamento civil. Desse modo, mesmo que de forma implícita no ordenamento jurídico a sua importância não é reduzida tampouco retirado o seu caráter constitucional. Veja que as transformações sofridas ao logo do tempo na formação da entidade familiar, devido à valorização do afeto trouxeram mudanças importadíssimas, pois além da família formada pelo casamento foi possível reconhecer outros tipos de entidade familiar decorrentes de outras formas de interações humanas como, por exemplo a da união estável sejam elas homoafetivas ou heteroafetivas, ou a família formada por filhos adotivos, ou até mesmo famílias formadas por mais de um pai ou mãe. Nota-se que na formação dessas novas entidades familiares o afeto é a base para sua formação, de modo que a única coisa que importa é a vontade dos indivíduos em forma família e o desejo de conviver com seus entes queridos sejam eles de sangue ou não. É o que o autor Maurício Póvoas (2014, p. 26) explica define sobre a afetividade: O afeto deve ser reconhecido como uma relação de carinho, amor, cuidado e atenção mútuos entre pessoas, tenham ela relação parental ou conjugal, esta num sentido mais amplo da palavra, abrangendo, além do casamento civil nos moldes preconizados na legislação ordinária, também a união estável, seja ela entre pessoas do mesmo sexo ou de sexos diferentes. Assim, o afeto passou a ser elemento fundamental nas relações familiares sejam elas conjugais, de companheirismo ou até mesmo com os filhos. O que ocasionou o reconhecimento de diversos tipos de entidade familiar, além disso, o princípio da afetividade deu outro olhar a função desempenhada pela família, que passou de uma função patrimonialista para uma função solidaria com o objetivo em buscar a felicidade dos membros da família e sendo pautada no amor. 19 2.3.3 Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está fundado na teoria da proteção integral e tem como principal objetivo fazer a criança e o adolescente sujeito possuidores de direitos e não somente os adultos. Tal princípio vem como ferramenta de proteção aos direitos dessas crianças que se encontram em situação de fragilidade, pois estão no processo de formação da personalidade e começando a amadurecer. Esse princípio tem previsão legal tanto na Constituição Federal em seu artigo 227, caput, bem como no estatuto da criança e do adolescente em seus artigos 4º e 5º, respectivamente mencionados: Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Observa-se que por meio desses artigos e devido às alterações sofridas na estruturação familiar, em que o filho era dominado pelo pátrio poder e sua vida era decidida pelas vontades de seu pai, o princípio do melhor interesse da criança e adolescente buscou regularizar a nova figura de filho dada pela Constituição Federal e pelo estatuto da criança e adolescente. Com base nos artigos acima mencionados, podemos ver que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos dessas crianças, assegurando a eles a condição de ser um sujeito de direito e assim dentro do novo contexto a criança e o adolescente adquirem visibilidade e são reconhecidos como detentores de direitos. 20 Dessa forma, quebra-se aquele olhar em que somente os pais possuíam direitos e se deixava de lado o que viria a ser melhor para criança, o que a criança realmente queria. Para o escritor Paulo Lobô (2014. p, 75 e 76) por meio desse princípio a criança deixou de ser vista apenas comoum objeto e onde haja uma disputa familiar sobre a investigação de paternidade ou filiações socioafetivas o que o juiz deve levar em consideração é o melhor interesse da criança e não as vontades dos pais. O princípio do melhor interesse ilumina a investigação das paternidades e filiações socioafetivas. A criança é o protagonista principal, na atualidade. No passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era mobilizada para interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da decisão. O juiz deve sempre, na colisão da verdade socioafetiva, apurar qual delas contempla o melhor interesse dos filhos, em cada caso, tendo em conta a pessoa em formação. Assim sendo, com o advento das novas formas de família, que tem como fundamento a busca pela dignidade de cada membro da família, que além do laço sanguíneo pode ser unido pelo laço da afetividade, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente encontra guarida, pois a criança passa a ser vista, respeitada e escutada levando em consideração os sentimentos dela para a proteção dos seus direitos. Nesse diapasão, o poder judiciário ao se deparar com demandas envolvendo crianças e adolescentes, como no caso de investigação de paternidade ou filiação socioafetiva, deve levar em conta o melhor interesse da criança. Se aquele que almeja o reconhecimento como pai for capaz de proporcionar todos os cuidados necessários para o filho, tanto na formação educacional, moral, amorosa e profissional, independente dos laços que os une, seja sanguíneo ou afetivo. É nesse sentido que baseado no princípio do melhor interesse da criança e adolescente a paternidade socioafetiva tem prevalecido sobre a biológica, pois muitas vezes a criança possui laços mais fortes com o pai socioafetivo. 3 FILIAÇÃO Este capítulo tem como base para o estudo do conceito de filiação que passou por diversas modificações com o passar dos anos que passou de um modelo 21 de família baseada no pater poder, exercido pelo chefe da família e logo em seguida o modelo desenvolvido com base no código civil de 1916, que reconhecia apenas como filho aquele proveniente do casamento, não reconhecendo o que era gerado fora desde instituto matrimonial, vulgarmente conhecido como bastado. Desse modo, o objeto de analise desse capítulo será o conceito da atual estrutura do que é filiação e os tipos de filiação. 3.1 Evolução conceitual de filiação e seus critérios Como analisado anteriormente a entidade familiar era baseada no paternalismo, sua função se debruçava sobre a proteção do patrimônio da família, tinha como preocupação proteger seus bens daqueles que não integravam a família, como no caso de filhos que eram gerados fora do casamento. Diante do exposto o código civil de 1916, tinha em seu corpo um texto impregnado de preconceitos perante aqueles filhos que eram gerados fora do casamento, fazendo uma distinção entre os filhos gerados dentro da união matrimonial, que eram chamados de legítimos e os que eram gerados fora do casamento, conhecidos como ilegítimos, este por sua vez não eram reconhecidos como filhos, de modo, que devido a esta distinção essas crianças tinham seus direitos desconhecidos. Destaca-se que esses filhos ilegítimos ainda sofriam outra distinção, sendo divididos em três categorias: os naturais que eram gerados sem nenhum impedimento pelos seus genitores; o incestuoso que era quando os genitores eram ligados por um parentesco e os adulterinos quando um dos seus genitores fosse casado. Sobre esse tema a autora Suzana Marques (2014, p.50), explica como era feito essa divisão entre os filhos ilegítimos pelo código civil de 1906: O código civil de 1906 classificava os filhos em legítimos, legitimados, ilegítimos e adotivos. Filhos legítimos eram aqueles oriundos do casamento. Os legitimados oriundos do casamento dos pais posterior aos seus nascimentos, com os mesmo direitos dos filhos legítimos. Os ilegítimos, quando não havia relação matrimonial entre os genitores. Estes, por sua vez, se subdividiam em naturais, quando não houvesse impedimento conjugal entre os genitores. Os incestuosos quando os genitores estivessem ligados pelo laço de parentesco. Os adulterinos, quando um dos genitores fosse casado. E o filho adotivo, cujo o parentesco era civil, não decorrente da consanguinidade. 22 Essa distinção dos filhos tinha como objetivo proteger o patrimônio formado pelo casamento, de forma que qualquer filho que fosse proveniente de outras relações que não o casamento não era considerado filho legítimo. Nesse sentido estes filhos ilegítimos, incestuosos e adulterinos não poderiam ter seus diretos reconhecidos, conforme o código civil de 1916, no entanto, o que se observa é que diante do “erro” que era cometido por seus genitores, quem pagava o preço era o filho que não tinha nenhuma participação nas escolhas tomadas por seus pais, pois ele era prejudicado, uma vez que era visto pela sociedade como um bastado, renegado e sem poder exerce nenhum direito. Tudo passa a mudar com a promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como a carta cidadã, que estabeleceu a igualdade entre os filhos proibindo qualquer tipo de distinção feita entre eles independente de sua origem, seja por meio de adoção, relacionamentos extraconjugais ou durante o casamento, conforme o artigo 227, § 6º da Carta Magna. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.( grifo nosso). Dessa forma, foi por meio da constituição federal de 1988 regrada pelo princípio da dignidade da pessoa humana e no garantismo, que se pôs fim a função patriarcal e matrimonialista passando a se buscar nas relações familiares a realização pessoal de cada integrante e não mais aumentar o patrimônio familiar através de casamentos bem sucedidos, com bons dotes e a exclusão daquele filho que era gerado fora do casamento. É o que os autores De Farias e Rosenvald (2014, p.611), explicam como essa nova concepção de família mudou seu conceito e passou a ter um olhar mais humano, amoroso e afetivo nas relações familiares: A nova ordem filiatória, centrada no garantismo constitucional e nos valores fundantes da República (dignidade, solidariedade social, igualdade e 23 liberdade), implica em funcionalizar a filiação à realização plena das pessoas envolvidas (pais e filhos), além de despatrimonializar o conteúdo da relação jurídica (compreendida de forma muito mais ampla do que uma simples causa de transmissão de herança) e de proibir discriminações, como forma promocional do ser humano. Mais adiante em 1990 é criado o Estatuto da Criança e do Adolescente pela lei 8.609/90, que reforçou a igualdade entre irmãos contida na Constituição Federal ao estabelecer os direitos da criança e do adolescente. Como analisado anteriormente no primeiro capitulo o estatuto se baseia no princípio na proteção integral da criança e do adolescente e no melhor interesse da criança, de modo que agora o que interessa não são os laços sanguíneos para determinar se eles são pais e filhos e sim a relação que os uni,seja ela de afeto ou de sangue, o que importa é o é decidir de forma consciente e levando em consideração o melhor interesse da criança, se esse pai que será instituído como tal é capaz de dar a ela todas as condições essenciais para sua sobrevivência independente de laços sanguíneos. É o que autor Paulo Lobô (2015, p.200) retrata essa mudança: A norma retrata verdadeira mudança de paradigmas, envolvente da concepção de família. A desigualdade entre filhos, particularmente entre filhos legítimos, ilegítimos e adotivos, era a outra e dura face da família patriarcal que perdurou no direito brasileiro até praticamente os umbrais da Constituição de 1988, estruturada no casamento, na hierarquia, no chefe de família, na redução do papel da mulher, nos filhos legítimos, nas funções de procriação e de unidade econômica e religiosa. A repulsa aos filhos ilegítimos e a condição subalterna dos filhos adotivos decorriam dessa concepção. Assim, com base nessas mudanças o conceito de filiação passa a repulsar qualquer tipo de discriminação entre filhos e passa a adotar além do vinculo sanguíneo um vinculo afetivo, valorizando mais as relações de amor do que as funções de procriação, unidade econômica e religiosa da família. A vista disso, diante das evoluções sofridas pela família no decorrer do tempo o conceito de filiação sofreu diversas mutações para chegar ao que é hoje. Como demonstrado a mudança começou a surgir com a promulgação da carta magna em 1988, rompendo com as distinções entre irmãos e em 1990 com a lei de nº 8.609/90, conhecida como o estatuto da criança e adolescente que consolidou esse direito, bem como garantiu por meio de seus artigos que a criança e o adolescente não eram apenas um objeto e que eles eram também sujeitos de direito 24 e que por estarem em uma fase de amadurecimento deveria se ter uma maior atenção e cuidado com eles priorizando sempre o melhor interesse dessas crianças. Desta forma, pode se concluir que apesar da consanguinidade ser ainda um fator importante para estabelecer a relação de parentesco não o torna um fator absoluto, pois em muitos casos a consanguinidade é um critério insuficiente para determinação da filiação, fazendo necessário levar em conta o fator da afetividade para solucionar muitas vezes o caso em questão. 3.2 Espécie de filiação Esse tópico irá estudar quais são os tipos de filiação adotada pelo Brasil, explicando a denominação de cada um delas e como se dar o seu reconhecimento e por fim analisar quais os efeitos jurídicos causados pela aceitação desses tipos de filiação. 3.2.1 Filiação Biológica A filiação biológica acontece por meio da relação sexual entre seus genitores, em que haverá a transferência de material genético dos pais para os filhos, sendo esta a forma mais comum para gerar uma criança. No entanto, com a evolução cientifica este tipo de filiação não se realiza apenas por meio de relação sexual. Um exemplo de filiação biológica que não seja feita por meio do coito é a fertilização in vidro, que uni artificialmente o material genético dos genitores em uma proveta, sendo fecundados e implantados no útero da mãe para que gere a gravidez. Dessa forma, observa-se que a filiação biológica se dá por meio da ligação sanguínea ou genética entres pais e filhos, que embora seja comumente realizado por meio do coito progenitores hoje em dia se possui outros meio artificiais capazes de gerar um filho. É importante destaca que essa evolução não ciência que gera uma gestação sem a necessidade de se ter relações sexuais, também trouxe avanços no reconhecimento de paternidade. O exame de DNA que é capaz de identificar a origem genética dos filhos e dizer com exatidão se há uma relação genética entre 25 eles, removendo qualquer dúvida que exista sobre a paternidade. É o que a autora Dias (2014, p. 372) explica ao analisar os efeitos do surgimento do exame de DNA no mundo jurídico. O outro acontecimento que produziu reflexos significativos nos vínculos parentais foi o avanço científico, que culminou com a descoberta dos marcadores genéticos. A possibilidade de identificar a filiação biológica por meio de singelo exame do DNA desencadeou verdadeira corrida ao Judiciário, na busca da “verdade real”. Além do mais é importante mencionar que o nosso ordenamento jurídico valoriza o vínculo biológico entre pais e filhos ao disciplinar no Estatuto da Criança e Adolescente que o menor tem o direito de reedificar e perseguir o reconhecimento de filiação, sendo este um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, conforme o artigo 27 da Lei 8.069/90. Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça. No entanto, a doutrina tem entendido que o parentesco biológico não é suficiente para determinar a parentalidade, pois como estudado anteriormente a família atual baseia-se na busca pela felicidade de cada individuo, rompendo com os meros laços sanguíneos e se alicerçando pelo afeto na busca pela igualdade e dignidade entres os membros das famílias. Nesse sentido, diante da notória evolução a filiação biológica não é garantia de parentalidade, de dar aquele que gerou a figura de pai ou mãe, de modo que a filiação se dá muito além da semelhança genética. Diante desses fatos o provimento 52/2016 do CNJ em seu artigo 2º, § 4º, vem aludir que o conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento de vínculo de parentesco. Art. 2º. É indispensável, para fins de registro e da emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos: § 4º. O conhecimento da ascendência biológica não importará no reconhecimento de vínculo de parentesco e dos respectivos efeitos jurídicos entre o doador ou a doadora e o ser gerado por meio da reprodução assistida.(grifo nosso) 26 Contudo, como analisado no artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente, esse direito de buscar o reconhecimento da paternidade é um direito personalíssimo que procura respeitar ao princípio da dignidade da pessoa humana. É o que entende a jurisprudência, conforme o julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul ao decidir que o reconhecimento de paternidade é um direito personalíssimo e que pode ser reconhecimento desconstituído ate mesmo o liame registral existente. TJ-RS - Apelação Cível AC 70078484078 RS (TJ-RS) Data de publicação: 03/09/2018 Ementa: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ALTERAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. PROVA DO VÍNCULO BIOLÓGICO. PAI REGISTRAL FALECIDO. 1. Considerando o caráter vinculante da decisão do Supremo Tribunal Federal, que foi proferida no julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060/SC Tema nº 622 da Repercussão Geral, no qual foi declarado que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeito jurídicos próprios , impõe-se a revisão do posicionamento até aqui adotado por esta Câmara e pelo próprio Tribunal de Justiça, passando-se a admitir, então, como legítima a pretensão de investigação de filiação biológica. 2. O pedido de reconhecimento de filiação biológica constitui direito personalíssimo, sendo juridicamente viável também o pedido de desconstituição do liame registral. 3. Comprovado cabalmente que o investigado é o pai biológico do autor e não havendo oposição dos descendentes do pai registral, que é falecido, torna-se imperioso o juízode procedência da ação de investigação de paternidade para o fim de declarar a relação de filiação e retificar os assentos do registro civil. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70078484078, Sétima Câmara Cível, Tribunal... de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 29/08/2018). (grifo nosso) Encontrado em: Sétima Câmara Cível Diário da Justiça do dia 03/09/2018 - 3/9/2018 Apelação Cível AC 70078484078 RS (TJ-RS) Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves No entanto, não podemos confundir esse direito de buscar conhecer a ancestralidade com os novos conceitos dados a parentalidade, pois nos dias de hoje aquele que gera a criança necessariamente não tem o condão de pai ou mãe. O que geralmente acontece nessa busca pelo reconhecimento de paternidade é a necessidade de saber de onde se veio, de conhecer o passado e não necessariamente a busca por uma figura de pai que muitas vezes já esta ocupada por aquele que criou. É o que esclarece Maria Berenice Dias ( 2016, p.136): 27 Conhecer o vínculo biológico, ainda que não haja a mínima intenção de “trocar” de pai ou de mãe, vez ou outra corresponde a um simples desejo. Mera curiosidade, mas às vezes vai além. Por isso a busca da identidade da ascendência genética não pode ser negada nunca. Mesmo quando existem pais registrais ou pais afetivos Dessa forma, conclui-se que apesar da filiação biológica ainda possuir sua importância e ser um direito personalíssimo, imprescritível e indisponível não pode ser levada como absoluta, pois as relações familiares mudaram e se consubstanciam sobre o afeto, de modo que a carga genética teve relevância diminuída passando a ter uma papel em alguns casos um caráter de mera curiosidade, porém esse reconhecimento nunca pode ser negado mesmo que já se tenha pais registrados ou afetivos. 3.2.2 Filiação Adotiva A filiação por adoção é um espécie de filiação artificial que tem como objetivo substituir a filiação biológica de forma que prevaleçam os laços afetivos e assim as pessoas que pratiquem esses atos aceitem um estranho como filho, de modo a beneficiar os dois lados, tanto daquele que iram adotar como os que forem adotados. Esse tipo de filiação não é resultado de uma relação sexual entre seus genitores, mas sim de uma manifestação de vontade de um casal ou apenas um homem ou mulher que desejam ter um filho ou de sentença judicial. A filiação biológica se fundamenta sobre o vínculo sanguíneo enquanto que a filiação por adoção constitui exclusivamente por um ato jurídico, que se firma por meio de uma relação afetiva. Resumindo a adoção é um adoto jurídico que vai criar uma relação de parentesco entre duas pessoas desconhecidas por meio do afeto. A previsão legal da adoção se encontra no Estatuto da Criança e do Adolescente que é a lei 8.069/90 (ECA), em seus artigos 39 a 52 e pelo Código Civil nos artigos 1.618 a 1.629, devendo está sempre em consonância com os princípios estabelecidos pela Constituição Federal que proibiu qualquer distinção entres filhos, de modo que o vínculo afetivo preconizado pela adoção para que haja uma relação de parentalidade é igual ao vínculo biológico. Nesse sentido vejamos o artigo 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente: 28 Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. (grifo nosso) Como estabelece o ECA o filho adotado terá os mesmo direitos que o filho biológico não podendo existir quaisquer distinção até mesmo em relação a filiação, pois filho é filho independente se foi adotado ou não. Logo os filhos adotados terão os mesmo direitos a herança que os filhos biológicos. Com base nessa linha de raciocínio é importante analisar a jurisprudência diante do julgado do Supremo Tribunal de Justiça em que foi pedido a exclusão da filha adotiva do inventario, de forma que diante da decisão da Suprema Corte e com base na igualdade preconizada pela Constituição Federal em que proíbe a distinção entre filhos esse pedido foi negado. STJ - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgInt no AREsp 1013845 RJ 2016/0295266-4 (STJ) Data de publicação: 12/06/2018 Ementa: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ESCRITURA PÚBLICA DE INVENTÁRIO E PARTILHA. PROCEDÊNCIA. EXCLUSÃO DE FILHA NA DIVISÃO DO MONTANTE. PRETENSÃO DA PARTE RÉ DE ANULAÇÃO DE REGISTRO DE ADOÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS DE VONTADE. QUESTÃO ACOBERTADA PELA COISA JULGADA. SÚMULA 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Na hipótese em exame, verifica-se que os réus já ingressaram com duas ações visando revogar a adoção, sendo que ambas foram julgadas improcedentes, razão pela qual tal questão encontra-se acobertada pela coisa julgada. 2. Em decorrência do preconizado pelo art. 227 , § 6º , da CF , que não permite qualquer tipo de distinção ou discriminação relativas à natureza da filiação, há de se reconhecer a nulidade da escritura de inventário e partilha que excluiu a filha adotiva da sucessão. 3. Agravo interno não provido.(grifo nosso) Encontrado em: Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (Presidente) e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator. T4 - QUARTA TURMA DJe 12/06/2018 - 12/6/2018 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgInt no AREsp 1013845 RJ 2016/0295266-4 (STJ) Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) A adoção tem uma finalidade bem clara em dar aquelas pessoas que não possuem condições de gerarem filhos pelos meios naturais a realizarem seus 29 desejos de se tornarem pais por meio da adoção e dar a essas crianças ou adolescente que se encontram abandonadas pelos seus pais biológicos ou às vezes perderam seus pais estando em estado de desamparo em orfanatos a possibilidade de dar a eles uma família, um ambiente familiar confortável e acolhedor. No entanto, é importante mencionar que a adoção só será deferida quando apresentar reais vantagens ao adotando e se fundar em motivos legítimos como prevê o artigo 43 do ECA. Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. É necessário entender que não basta a vontade dos futuros pais em querer adotar, tem que analisar se eles serão capazes de dar todo o suporte, carinho e educação para o adotando. É por isso que a lei estabelece requisitos a serem seguidos no processo de adoção para que se leve sempre em consideração o melhor para a criança. Após os candidatos passarem por todo o processo e os pais adotivos constituíram em definitivo por meio de uma decisão judicial transitada em julgado que excluirá completamente o vinculo que a criança tinha com sua família biológica alterando o registro civil do adotado, conforme estabelece o artigo 47, § 7º do ECA. Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. (grifo nosso) [...] § 7º. A adoção produz seus efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva, exceto na hipótese prevista no § 6o do art. 42 desta Lei, caso em que terá força retroativa à data do óbito.(grifo nosso) Assim, com o processo de adoção deferido o vínculo com a famíliabiológica é rompido estabelecendo uma nova relação de parentesco entre a criança adotada e os que queriam adotar passando a serem pais e filhos. É o que explica o autor Madeleno (2013, p.670) ao refletir sobre os efeitos da adoção. A adoção rompe os vínculos parentais com a família natural, à exceção dos impedimentos para o casamento (ECA, art. 41) e se estabelece nova relação de parentesco entre o adotante e os descendentes do adotado, seus filhos e netos, que passam também a ser parentes do adotante, assim 30 como os irmãos biológicos do adotado deixam de ser seus parentes, embora mantida a vedação do incesto. Portanto, logo após a sentença transitada em julgado que defira a adoção o filho adotado passa a ter o mesmo status que um filho biológico e os mesmo direitos não podendo existir qualquer distinção que seja. A vista disso a filiação adotiva é um meio de filiação fundada no afeto e amor que irá unir essas pessoas que inicialmente são desconhecidas. 3.2.3 Filiação Socioafetiva Como foi analisado o conceito de família sofreu várias alterações saindo de um contexto histórico, em que a família era fundada pelo matrimônio e se estruturava sobre o poder patriarcal, em que o pai era considerado o chefe da família para uma entidade familiar calcada pela afetividade entre seus integrantes. De modo, que se deixou de lado a obrigatoriedade do casamento para formação de uma família, bem como a exigência do vínculo biológico para se tenha uma relação parental, de forma que esse vínculo biológico passou a não ser mais suficiente para estabelecer de forma absoluta a relação pai e filho devendo agora se ater também as relações afetivas que une as pessoas. Assim as famílias passaram a se reger pela afetividade de modo que a correlação sanguínea não é mais suficiente para formar uma família. Nota-se que a filiação socioafetiva decorre dessas alterações ocorridas na estruturação da família, sendo reconhecido o status de filho tanto no sentido biológico como afetivo não havendo qualquer tipo de distinção entre eles e ate mesmo a cumulação desses parentescos. Nesse sentido com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o status de filho seja ele consanguíneo ou afetivo não deve haver distinção entre eles, pois filho é filho independente dos meios de laços que os une. É importante mencionar que o artigo 1.593 do código civil estabelece os tipos de parentescos que podem resultar tanto da consanguinidade como também 31 outras origens e entre elas se encontra a filiação por socioafetividade, que é uma filiação que preserva os laços de afeto, amor, carinho, proteção, cuidado e a posse de estado de filho, possuindo o mesmo status da filiação biológica. Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem. O autor Paulo Lobô (2017, p.1) afirma que para se tenha a filiação socioafetiva não é necessário ter a filiação consanguínea. O ponto essencial é que a relação de paternidade não depende mais da exclusiva relação biológica entre pai e filho. Toda paternidade é necessariamente socioafetica, podendo ter origem biológica ou não biológica; em outras palavras, a paternidade socioafetiva é gênero do qual a são espécies a paternidade biológica e a paternidade não-biológica A filiação sócioafetiva se dá por meio de laços de amor que são criados por meio de pessoas desconhecidas que acabam tendo uma ligação intensa, que apesar de não possuírem laços sanguíneos e não terem a mesma genética se veem em uma relação de pai e filho pelo o amor que sentem uns pelos outros, fazendo com que esse sentimento seja visto por todos e assim a sociedade também os veem com parentes. Nesse sentido, destaca CASSETTARI, (2014, P. 17). [...] entendemos que a parentalidade socioafetiva pode ser definida como o vínculo de parentesco civil entre pessoas que não possuem entre si um vínculo biológico, mas que vivem como se parentes fossem, em decorrência do forte vínculo afetivo existente entre elas. Ainda, neste mesmo sentido o autor Bairros (2014, p.8). A paternidade socioafetiva surge então como sendo aquela emergente da construção afetiva, através da convivência diária, do carinho e cuidados dispensados à pessoa. Surge dentro do conceito mais atual de família, ou seja, de família sociológica, unida pelo amor, onde se busca mais a felicidade de seus integrantes (BAIRROS, 2007, p.8). É importante mencionar que o reconhecimento da filiação sócioafetiva possui requisitos que foram construídos doutrinariamente e entre eles está a posse de estado de filho, que também possuem requisitos intrínsecos que são 32 pressupostos básicos tais como nome, fama e tratamento. É da existência desses pressupostos que ira surge o vínculo filial para que se possa ser feito o reconhecimento é o que compreende a autora Maria Berenice Dias (2016, sem paginação) Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a doutrina atenta a três aspectos: (a) tractatus - quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio – usa o nome da família e assim se apresenta; e (c) reputatio – é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Confere-se à aparência os efeitos de verossimilhança que o direito considera satisfatória. Dessa forma é importante analisar cada um desses pressupostos de forma individual. Começando pelo nome que deve ser utilizado de forma pública através do sobrenome dos genitores pelo filho. O tratamento que é o modo como o pai trata o filho tratando como se filho fosse, assumindo seu papel de pai de forma integral e dando a ele toda a assistência necessária para sua criação. E por fim a fama que é o reconhecimento público pela sociedade, de modo que não é necessário que todos saibam, mas que pelo menos os mais próximos como amigos, vizinhos e familiares tenha conhecimento dessa relação. O reconhecimento de filiação socioafetiva será feito com a observância desses requisitos até mesmo após a morte dos interessados, conforme a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e por meio da atual jurisprudência e baseado no entendimento do Supremo Tribunal de Justiça o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva é juridicamente possível até mesmo após o falecimento, que dependerá apenas da prova cabal da posse do estado de filho. TJ-RS - Apelação Cível AC 70075882415 RS (TJ-RS) Data de publicação: 23/05/2018 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL E AGRAVO RETIDO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO PÓSTUMO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA. 1. Agravo retido: A atual orientação da jurisprudência deste Tribunal, alinhando-se ao entendimento do STJ, é no sentido de que o pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva é juridicamente possível. Seu acolhimento, ou não, constitui questão de mérito, a ser solvida ao final, após regular dilação probatória. 2. Mérito do apelo: A declaração da existência de paternidade ou maternidade socioafetiva depende de prova cabal da posse do estado de filho. No caso dos autos, a autora foi criada pelo falecido e com ele conviveu uma relação paterno-filial publicamente reconhecida. Inexigibilidade de manifestação expressa e oficial da intenção de adotar. Precedentes do STJ. Logo, mostra-se viável o reconhecimento da relação de filiação, ainda que 33 postumamente ao pai. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, UNÂNIME. NO MÉRITO, POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AOS APELOS, VENCIDO O RELATOR. (Apelação Cível Nº 70075882415, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Redator:Rui Portanova, Julgado em 10/05/2018). Encontrado em: Oitava Câmara Cível Diário da Justiça do dia 23/05/2018 - 23/5/2018 Apelação Cível AC 70075882415 RS (TJ-RS) Luiz Felipe Brasil Santos Por seguinte, além desses requisitos acima mencionados é essencial que se observe também a convivência afetiva, os cuidados com a educação, alimentação dentre outros. Destaca-se que uma vez reconhecido a parentalidade afetiva ela é irretratável é o que disciplina o enunciado 339 do CJF: Enunciado 339 CJF: a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho. Portanto, diante do exposto conclui que o reconhecimento da filiação socioafetiva é possível juridicamente, pois a entidade familiar diante das transformações sofridas não se exige mais que o filho legítimo seja apenas aquele concebido no casamento ou que seja o filho de sangue já que na atualidade a família se baseia pelo afeto, podendo ser reconhecido o filho apenas pelo amor que os une, de modo que para que haja este reconhecimento é necessário observa os requisitos, tais como a posse do estado de filho e uma vez reconhecido esse ato é irretratável. 34 4 MULTIPARENTALIDADE Neste capítulo será tratado o instituto da multiparentalidade no direito de família, os principais aspectos em relação ao seu reconhecimento, como o fenômeno se manifesta e em quais estruturas familiares com base nas doutrinas e jurisprudências. Inicialmente será estudado o conceito desse instituto e em seguida a análise de acordo com a doutrina majoritária e a jurisprudência sobre o seu reconhecimento em relação às novas estruturas familiares, e em sequência a estudo dos efeitos causados devido a este reconhecimento da multiparentalidade. 4.1 Conceitos e Aspectos Como estudado até o momento notou-se que o conceito de família sofreu uma transformação se tornando um conceito mais amplo abarcando não somente aquele conceito rígido em que apenas por meio do casamento era possível construir uma família, passando a ter uma nova concepção abrindo o leque para uma multiplicidade de formas na estrutura familiar. Diante dessa evolução no direito de família é nesse novo cenário vivido pela sociedade em que as relações pessoais não são mais definidas, padrões em que vivemos na era da diversidade se abre espaço para um ambiente mais plural na família e nas relações parentais. É nesse contexto que surge a ideia de dupla paternidade por meio das mudanças sofridas no conceito de família e é nesse contexto que se insere os novos modelos de constituição familiar como, por exemplo, a filiação socioafetiva e o instituto da multiparentalidade, pois a família ao rompe com sua formação tradicional se afasta daquele modelo patriarcal, em que a família tinha como função ser um núcleo econômico, religioso e de mera reprodução e passa a ser um núcleo de amor, carinho e afeto que almeja alcançar a felicidade individual de cada membro da família. Outro fator que ajudou no reconhecimento da multiparentalidade foi a promulgação da Constituição Federal de 1988 que estabeleceu a igualdade entre irmãos proibindo qualquer tipo de distinção entre filhos e o código civil de 2002 em seu artigo 1.593 que prever a possibilidade da parentalidade socioafetiva. 35 Nesse sentido, Valadares (2016, p.53) nos ensina: Nessa incessante busca de um direito mais humano, vários foram os paradigmas quebrados, com o fim da unicidade do casamento como exclusiva forma de família, a igualdade dos filhos, qualquer que seja a origem, o fim da discussão da culpa para o término da sociedade conjugal, a ausência de requisitos para a decretação do divórcio e o reconhecimento das uniões homoafetivas. Democráticas e solidária: assim é que se denomina a família de hoje. Como mencionada pela autora a família de hoje é totalmente diferente de anos atrás devido a essas modificações sofridas tanto no mundo jurídico como nas relações humanas, no qual o direito deve seguir, uma vez que sendo as relações humanas variáveis o direito não pode ser inerte e sim mutável. Ante o exposto o fenômeno da multiparentalidade surge com a possibilidade de múltiplos arranjos familiares para que assim o mundo jurídico seja capaz de acompanhar a evolução no direito de família e as necessidades da sociedade em ter um aparado jurídico em suas novas relações. A multiparentalidade é um fato jurídico que decorreu da alteração sofrida pela família brasileira, que passou a valorizar o laço afetivo ao invés de somente aceitar o biológico. Consiste no reconhecimento da dupla parentalidade dando pelo lado paterno ou materno, de modo que esteja acompanhado por um terceiro elo. É importante frisar que o reconhecimento da filiação socioafetiva pode se dar de forma concomitante ou sucessiva com a filiação biológica não havendo entre elas qualquer hierarquia. Esse tipo de situação é muito comum com as famílias recompostas, que são aquelas formadas após um divórcio em que a mãe ou o pai forma uma nova família por meio de um novo casamento ou união com outro companheiro, em que o padrasto ou madrasta cria o filho advindo da outro casamento como se seu fosse nascendo um laço muito forte com a criança, de modo que esta criança começa a considerar esta madrasta ou padrasto seu pai ou mãe de verdade. Nesta esteira de raciocínio Rodrigo da Cunha Pereira (2015, p. 20) conceitua multiparentalidade por meio dessas famílias recompostas: É a família que tem múltiplos pais/mães, isto é, mais de um pai e/ou mais de uma mãe. Geralmente a multiparentalidade se dá em razão de constituições de novos vínculos conjugais em que padrastos e madrastas assumem e exercem funções de pais biológicos e/ou registrais, ou em substituição a 36 eles e também em casos de inseminação artificial com material genético de terceiros. Sendo assim, o conceito de multiparentalidade consiste no reconhecimento do filho possuir dois pais ou duas mães tanto pelo vínculo biológico como afetivo, deve a valorização pela afetividade surgida pelo novo paradigma de família. Nesse liame a autora Maria Berenice Dias conceitua a multiparentalidade da seguinte forma: Para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar a presença do vínculo de filiação com mais de duas pessoas. A pluralidade é reconhecida sob o prisma da visão do filho, que passa a ter dois ou mais novos vínculos familiares. Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo o direito à afetividade. Na visão da autora o reconhecimento da multiparentalidade não é um mero direito e sim uma obrigação constitucional, de modo que havendo a presença de vinculo de filiação sendo ele afetivo ou biológico a pluralidade de parentesco sera reconhecida pela visão do filho. É importante mencionar que a multiparentalidade não tem regramento legal, tal instituto surge por meio de uma interpretação analógica, entendimentos doutrinários e jurisprudência, pois a omissão do legislativo não pode impor barreiras aos anseios da sociedade ou negar um estado de fato. Visto que muitas vezes pelo fato da sociedade ser evolutiva e dinâmica o direito acaba não acompanho o seu ritmo, mas isso não deve ser usado como desculpa. É nesse sentido que a autora Valadares (2016, p. 99), afirma que: Julgar pela impossibilidade jurídica do pedido de multiparentalidade em todo e qualquer caso concreto, sobo pretexto de de que uma pessoa só pode ter um pai ou uma mãe, não atende as expectativas de uma sociedade multifacetária. Mesmo porque não há nenhuma vedação no ordenamento jurídico brasileiro. Perante o exposto, clarividente que o fenômeno da multiparentalidade surgiu devido as modificações sofridas na constituição da família, de modo que hoje existe vários formas de entidade familiar, seja aquela formada pelo casamento, união, ou pela união homoafetiva ou o poliamor, pois o que importa é o amor e respeito entre os membros na formação de uma família, assim a multiparentalidade 37 surgiu com a possibilidade de reconhecer o parentesco de mais de um pai ou uma mãe devido aos vínculos de afeto entres eles, no entanto esse reconhecimento não possui hierarquia sobre a filiação biológica e tão pouco é menos importante. 4.2 Reconhecimento da Multiparentalidade Pelos Tribunais Atualmente tem ocorrido um aumento na quantidade de famílias recompostas, devido ao grande número de divórcios. São famílias em que muitas vezes os padrastos/madrastas acabam tendo uma relação de afeto muito forte com seu enteado, gerando uma relação fraterna realmente verdadeira de pai e filho. Neste sentido, Rodrigues leciona (2013, sem paginação): Uma vez desvinculada a função parental da ascendência biológica, sendo a paternidade e a maternidade atividades realizadas em prol do desenvolvimento dos filhos menores, a realidade social brasileira tem mostrado que essas funções podem ser exercidas por “mais de um pai“ ou “mais de uma mãe” simultaneamente, sobretudo, no que toca à dinâmica e ao funcionamento das relações interpessoais travadas em núcleos familiares recompostos, pois é inevitável a participação do pai/mãe afim nas tarefas inerentes ao poder parental, pois ele convive diariamente com a criança; participa dos conflitos familiares, dos momentos de alegria e de comemoração. Também simboliza a autoridade que, geralmente, é compartilhada com o genitor biológico. Por ser integrante da família, sua opinião é relevante, pois a família é funcionalizada à promoção da dignidade de seus membros. Diante desse novo cenário da família brasileira e a omissão do legislativo sobre este fato social a jurisprudência acabou tomando para si a obrigação na busca pela consolidação do entendimento desse fenômeno da multiparentalidade, pois essas famílias não poderiam ficar desamparadas. No entanto, no começo houve bastante divergência visto que alguns ministros possuíam muita consideração ao vínculo afetivo de modo que não admitiam estabelecer outro vínculo ainda que este fosse biológico. Já outros entendiam que o vínculo biológico poderia prevalecer já que em alguns casos o pai biológico teria mais condições de cuidar do filho do que o pai afetivo esse entendimento levava em conta o principio do melhor interesse da criança e do adolescente e dessa forma essas divergências acabavam levando a inadmissibilidade da multiparentalidade. 38 Em 2012 no Estado de Rondônia na comarca de Ariquemes a Juíza Deisy Cristhian Lorena de Oliveira Ferraz foi à pioneira ao prolatar a primeira sentença de 1º grau reconhecimento a multiparentalidade. Assim, eis o dispositivo da decisão in verbis: [...] a pretendida declaração de inexistência do vínculo parental entre a autora e o pai registro afetivo fatalmente prejudicará seu interesse, que diga-se, tem prioridade absoluta, e assim também afronta a dignidade da pessoa humana. Não há motivo para ignorar o liame socioafetivo estabelecido durante anos na vida de uma criança, que cresceu e manteve o estado de filha com outra pessoa que não o seu pai biológico, sem se atentar para a evolução do conceito jurídico de filiação, como muito bem ponderou a representante do Ministério Público em seu laborioso estudo (RONDÔNIA, 2012). Ainda sobre a decisão da Juiza Deisy levou em consideração a vontade da autora que no caso seria a filha. “(...) é mister considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que possui dois pais, aliado ao fato que o requerido M. não deseja negar a paternidade afetiva e o requerido E. pretende reconhecer a paternidade biológica, e acolher a proposta ministerial de reconhecimento da dupla paternidade registral da autora.”(RONDÔNIA, 2012) Tal sentença foi um pontapé inicial para que surgissem outras sentenças iguais a essa reconhecendo a possibilidade da dupla paternidade nos tribunais de primeiro grau, porém este entendimento não foi pacífico entre os tribunais estaduais havendo decisões contrárias a este posicionamento em que se baseava pela omissão legislativa para a negativa do reconhecimento. De modo que esta polêmica acabou chegando ao Superior Tribunal de Justiça que também não chegou a uma conclusão estável. O que ocasionou logo após o reconhecimento da repercussão geral da matéria o que levou o relator da Suprema Corte, Ministro Luiz Fux, julgar o recurso extraordinário 898.060/SC reconheceu expressamente o instituto da multiparentalidade, conforme destaca o trecho da decisão. A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. É imperioso o reconhecimento, para todos os fins de direito, dos vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos. (BRASIL, 2016). 39 Em face da decisão prolatada pelo Ministro Luiz Fux é nítido que o tribunal superior prolatou tal entendimento com interesse de tutelar a criança, evitando que a omissão do legislativo frente aos novos modelos de família possa limitar os seus direitos, bem como defendo a busca da felicidade pessoal de cada individuo e o respeito à dignidade da pessoa humana frente as suas relações pessoais. É o que demostra o trecho da decisão 898.060/SC (2016, BRASIL) Tanto a dignidade humana, quanto o devido processo legal, e assim também o direito à busca da felicidade, encartam um mandamento comum: o de que indivíduos são senhores dos seus próprios destinos, condutas e modos de vida, sendo vedado a quem quer que seja, incluindo-se legisladores e governantes, pretender submetê-los aos seus próprios projetos em nome de coletivos, tradições ou projetos de qualquer sorte. Diante da conceituação de multiparentalidade, Ricardo Calderón (2016 sem paginação) faz um breve comentário sobre o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal: Esta aceitação da possibilidade de concomitância de dois pais foi objeto de intenso debate na sessão plenária que cuidou do tema, face uma divergência do Min. Marco Aurélio, mas restou aprovada por ampla maioria. Com isso, inequívoco que a tese aprovada acolhe a possibilidade jurídica da multiparentalidade. Dessa forma a dupla filiação não é uma invenção que surgiu do nada e sim transcorreu pelas alterações vividas pela sociedade em que a norma jurídica deve que se adequar. Nessa mesma linha de raciocínio a decisão da repercussão geral de nº 622 do Supremo Tribunal Federal deixou claro que não há hierarquia entre os tipos de filiação, conforme transcrito a tese da decisão abaixo: A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Assim, deixando claro que as duas filiações podem ser reconhecidas de forma concomitante ou ate mesmo sucessiva produzindo todos os efeitos jurídicos pertinentes de uma filiação originária. Conforme demostrado o caminho percorrido para a unificação
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