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CENTRO UNIVERSITÁRIO – CATÓLICA DE SANTA CATARINA CURSO DE DIREITO PESQUISA EM CIÊNCIA JURÍDICA –TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO EVELIN NOVAK DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA JARAGUÁ DO SUL 2018 EVELIN NOVAK DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA Monografia apresentada como requisito parcial para aprovação na disciplina Pesquisa em Ciência Jurídica – Trabalho de Conclusão de Curso, e obtenção do grau de bacharel em Direito no Centro Universitário – Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul (SC). Orientadora: Profª. Simone Kelly Cetolin Wackerhagen. JARAGUÁ DO SUL 2018 EVELIN NOVAK DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA: UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA Monografia apresentada ao Curso de Direito do Centro Universitário - Católica de Santa Catarina em Jaraguá do Sul, como requisito a obtenção do título de Bacharel. COMISSAO EXAMINADORA: _______________________________________ Prof. MSc. Simone Kelly Cetolin Wackerhagen. Centro Universitário – Católica de Santa Catarina _______________________________________ Prof. MSc. Luiza Landerdahl Christmann Centro Universitário – Católica de Santa Catarina _______________________________________ Prof. Centro Universitário – Católica de Santa Catarina Jaraguá do Sul (SC), ____de ____ de 2018. AGRADECIMENTOS Sou grata, primeiramente a Deus, que mesmo sem eu merecer, guiou-me e sustentou-me até aqui. Ao meu marido, que me apoia a cada dia, e que acredita no meu potencial tanto quanto eu, além de ser uma pessoa adorável que faz meus dias muito mais felizes. A minha família, por que sem eles não estaria realizando este sonho. Agradeço tanto pelas incansáveis vezes que precisei financeiramente, quanto pelo carinho e amor que desempenharam. Ao meu opa, que apesar de não estar mais entre nós, está muito presente no meu coração, agradeço por ter conhecido a pessoa maravilhosa que foi, todas as história que me contava só pra me ver sorrir. Aos meus amigos, todos os quais sei que posso contar nas horas boas e ruins, que me fazem conhecer mais do que o mundo realmente é, além de me proporcionarem momentos maravilhosos de convívio. Por fim, mas não menos importante, e colegas de trabalho e professores, pois com eles pude adquirir o conhecimento sobre diversas coisas, e sem dúvida o conhecimento é a melhor riqueza que podemos carregar. “Você não sabe o quanto eu caminhei Pra chegar até aqui Percorri milhas e milhas antes de dormir Eu não cochilei Os mais belos montes escalei Nas noites escuras de frio eu chorei” Cidade Negra (A estrada) RESUMO O objetivo da presente pesquisa foi uma análise doutrinária acerca do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça de 2017 que diz respeito sobre o reconhecimento da paternidade socioafeiva mediante oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais, e o fato da desburocratização abre possibilidade do ferimento do princípio constitucional da segurança jurídica, visto a facilitação para fraude, simulação ou até vicio de vontade. A hipótese levantada foi de que o reconhecimento extrajudicial da paternidade fere o princípio da segurança jurídica, em razão da facilitação, pela qual não há necessidade da comprovação da posse de estado de filho, visto que a falta de limitação para o reconhecimento extrajudicial da paternidade abre espaço para a carência de conhecimento reflexivo das consequências quanto ao poder/dever familiar. Usou-se como marco teórico, o exposto nas seguintes obras: COÊLHO, Marcos Vinicius Furtado. Garantias constitucionais e segurança jurídica. Belo Horizonte: Fórum, 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. São Paulo: Saraiva, 2010. MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2017. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo; São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1998. O método científico que melhor se amoldou à intenção da pesquisa foi o método hipotético-dedutivo, pelo procedimento monográfico e utilizada a técnica de pesquisa bibliográfica e documental. No primeiro capítulo abordou-se um breve histórico sobre as famílias no Brasil, assim como as formas de aquisição de filiação; no segundo capítulo, procurou-se discorrer sobre os princípios que embasam o tema da presente pesquisa; por fim, no terceiro capítulo, abordou-se as modalidades de reconhecimento da paternidade ou maternidade, além dos efeitos do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça. Ao final, considerou-se que a hipótese levantada inicialmente não foi confirmada, na medida em que o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva traz mais benefícios que malefícios. Apesar de “facilitar” a fraude, os casos seriam mínimos perante a quantidade de processos que movimentam o judiciário na tentativa de reconhecimento da paternidade socioafetiva, e a admissão da multiparentalidade. Palavras-chave: Paternidade socioafetiva. Extrajudicial. Reconhecimento de filiação. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................... 8 2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FAMÍLIAS NO BRASIL E AS FORMAS DE AQUISIÇÃO DE FILIAÇÃO.............................................................................................. 11 2.1 FORMAS DE AQUISIÇÃO DE FILIAÇÃO............................................. 13 2.1.1 Critério Registral................................................................................. 14 2.1.2 Critério Biológico................................................................................ 16 2.1.3 Critério Afetivo..................................................................................... 18 2.1.3.1 Posse De Estado De Filho.................................................................... 23 3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA.............................................................................................. 28 3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA........................... 30 3.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE................................................................ 32 3.3 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR...................................... 34 3.4 PRINCÍPIO DA LIBERDADE................................................................. 35 3.5 PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA......................... 36 3.6 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.............................................................. 37 3.7 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA............................................. 39 4 DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA E SEUS EFEITOS..................................................... 43 4.1 DO RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DA PATERNIDADE............. 44 4.2 DO RECONHECIMENTO FORÇADO DA PATERNIDADE.................. 46 4.3 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO PROVIMENTO Nº 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA................................................. 49 4.4 MECANISMOS DO PROVIMENTO Nº 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA...................................................................... 51 4.5 QUAIS OS EFEITOS DO RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIALDA PATENIDADE SOCIOAFETIVA............................................................ 53 4.6 DA POSSIBILIDADE DO FERIMENTO DO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA PELO PROVIMENTO Nº 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.................................................. 55 5 CONSIDERAÇÕES............................................................................... 59 REFERÊNCIAS..................................................................................... 62 8 1 INTRODUÇÃO O Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça foi instituído em 14 de novembro de 2017, permitindo o reconhecimento voluntário da paternidade e maternidade socioafetiva diante dos oficiais de Registro Civil das Pessoas Naturais, ainda que preexista reconhecimento da paternidade ou da maternidade no registro de nascimento do filho. Em razão da inovação trazida, foi analisado o conteúdo disposto no Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça, tendo em vista que o dispositivo desburocratizou o reconhecimento da paternidade socioafetiva, assim como permitiu a multiparentalidade sem o impulso do sistema judiciário, frente ao princípio constitucional da segurança jurídica. Anteriormente à Constituição Federal de 1988, não havia a possibilidade do reconhecimento da filiação extramatrimonial, ou seja, filhos havidos fora do casamento, sendo a filiação legítima a única com proteção estatal. Posteriormente, a Constituição Federal de 1988 e seguidamente o Código Civil de 2002, trouxeram uma nova perspectiva ao Direito de Família e as relações familiares, de modo que foi proibido qualquer discriminação entre filhos, os havidos da relação do casamento ou de qualquer outra relação. Com a visão de que a paternidade não é exclusivamente biológica, ao longo do tempo foi se reconhecendo diversos tipos de filiação, sendo elas a filiação registral, a reprodução assistida, a homóloga, a heteróloga, a gestação por substituição e a filiação socioafetiva, a qual interessa a presente pesquisa. A filiação socioafetiva é a qual decorre da posse de estado de filho e corresponde à verdade aparente, baseando-se na crença da condição de filho fundada pelo afeto. O pai afetivo é aquele que desempenha e preenche o papel de pai na vida do filho, dados pela convivência familiar que gera os laços de amor, carinho, além das obrigações da relação de pai no dever de dar educação, abrigo, por exemplo. Sobretudo, detém a posse de estado de filho, a pessoa que atribui os deveres da paternidade, principalmente os constantes no art. 227 da Constituição Federal de 1988, assim como também o filho é titular do estado de filiação. Destarte, havendo paternidade comprovada haverá estado de filiação, esta presumida em 9 relação ao pai registral. O estado de filiação é derivado da relação jurídica da paternidade socioafetiva (LÔBO, 2006). Antes do advento do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça, o reconhecimento da paternidade socioafetiva era possível apenas pela via judicial, com exceção de alguns Estados que adotaram normas específicas para o reconhecimento mediante oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais, como por exemplo o Estado do Pernambuco e Ceará, que autorizaram o reconhecimento da paternidade socioafetiva desde que não preexistisse paternidade estabelecida no registro de nascimento do filho. Diante disso, foi necessário analisar se a facilitação do reconhecimento da paternidade socioafetiva não abre oportunidade para o surgimento de fraude no ato registral e com isso o ferimento ao princípio da segurança jurídica. Assim o problema de pesquisa deste trabalho foi analisar em que medida a aplicação do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça de 2017, pelo qual objetiva o reconhecimento da paternidade e maternidade socioafetiva diante do oficial de registro civil de pessoas naturais, considerando a possibilidade de multiparentalidade, fere o princípio constitucional da segurança jurídica, que visa garantir a estabilidade a todos os cidadãos. A hipótese levantada, foi no sentido de afirmar que o Provimento poderia ferir o princípio constitucional da segurança jurídica, em razão da facilitação ao reconhecimento da paternidade socioafetiva, pela qual não há necessidade da comprovação do estado de filiação, visto que a falta de limitação para o reconhecimento extrajudicial da paternidade abre espaço para a falta de conhecimento reflexivo das consequências quanto ao poder/dever familiar. Dessa forma, foram utilizadas como marco teórico as seguintes obras: COÊLHO, Marcos Vinicius Furtado. Garantias constitucionais e segurança jurídica. 1 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 11.º ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Civil: famílias. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MADALENO, Rolf. Direito de família. 7 ed. ver., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo; 16 ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 1998. Especificamente, foram levantados os seguintes objetivos: verificar o fundamento e os princípios que embasaram a criação do Provimento nº 63 do 10 Conselho Nacional de Justiça, a fim identificar a razão pela qual foi adotado a tal medida de aplicação do Provimento em análise; classificar e distinguir os conceitos de filiação, abordando suas ramificações bem com as possíveis formas de aquisição do título de filiação, no intuito de identificar os diversos tipos de filiação e seu emprego dentro do direito de família; explorar a definição de posse de estado de filho e sua necessidade ou não para aplicação no reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva, abordando um quadro comparativo para chegar a tal resultado; examinar a Seção II do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça, que institui o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva em cartório de registro civil de pessoas naturais, e; analisar os artigos do Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça e a doutrina sobre o tema, a fim de verificar a possibilidade do ferimento ou não do princípio constitucional da segurança jurídica. Para o desenvolvimento desse trabalho, utilizou-se o método científico hipotético-dedutivo, bem como o método de procedimento monográfico. Para a coleta de dados no decorrer da pesquisa, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica, considerando a análise doutrinária, e também a técnica de pesquisa documental, tendo em vista a necessidade de estudo e aprofundamento de legislação pertinente ao tema que foi desenvolvido. O presente estudo dividiu-se em três capítulos, sendo que no primeiro trouxe um breve comentário sobre a evolução histórica das famílias no Brasil, bem como foram analisadas as formas de aquisição de filiação, através dos critérios registral, biológico e afetivo, contextualizando por fim, a posse de estado de filho. O objetivo deste capitulo foi abordar como a base histórica tem importância ao atual conceito de família, assim como o reconhecimento das novas famílias pelo ordenamento jurídico. O segundo capítulo faz menção aos princípios necessários para o embasamento da pesquisa do presente trabalho, sendo eles: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da igualda, o princípio da solidariedade familiar, o princípio da liberdade, o princípio do melhor interesse da criança, o princípio da afetividade e por fim o princípio da segurança jurídica. O terceiro e último capítulo diz respeito às modalidades de reconhecimento da paternidade, qual seja, reconhecimento voluntário e reconhecimento judicial da paternidade ou maternidade, além de embasar os princípios e fundamentos do 11Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, considerando seus efeitos frente ao princípio da segurança jurídica. 2 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS FAMÍLIAS NO BRASIL E AS FORMAS DE AQUISIÇÃO DE FILIAÇÃO. Para adentrar no conteúdo em relação aos critérios identificadores da filiação, importante indagar o conceito de família, desde o aspecto histórico até a sua aplicação no direito brasileiro. Até achegada da Constituição Federal de 1988, o direito de família era regido pelo Código Civil de 1916, o qual dividia seu conteúdo em três partes: o direito matrimonial, o direito parental e o direito assistencial (LÔBO, 2010). Dessa forma, o direito matrimonial tratava das relações pessoais e patrimoniais entre cônjuges, bem como o casamento, a dissolução da sociedade conjugal, os regimes de bens e os deveres comuns de cada um. Ademais, predominava-se o instituto do matrimônio, diante do fato de ser reconhecida legitima, apenas a família constituída pelo casamento, destinando as demais entidades para o âmbito do direito de obrigações, por equipararem a sociedade de fato (LÔBO, 2010). Ainda, o direito parental se referia as relações entre parentes de diversos graus, principalmente entre pais e filhos, os tipos de filiação, legítimos ou ilegítimos, e a adoção. Por fim, o direito assistencial disciplinava o pátrio poder, dos alimentos, da tutela, da curatela e da ausência (LÔBO, 2010). Com o advento da Constituição Federal de 1988, o casamento não mais era o centro da legitimidade de família, sendo que as matérias relacionadas perderam consistência, promovendo profundas modificações e abrangendo as matérias (LÔBO, 2010). Para o direito de família moderno, considera-se membros da família, as pessoas ligadas por relação conjugal ou de parentesco. Desse modo, o direito de família estuda as relações consoantes das pessoas unidas pelo matrimonio, bem como as derivadas de uniões sem o casamento. Estuda ainda, as relações de pais e filhos e suas proteções por meio da tutela e da curatela (VENOSA, 2015). Nesse ramo, portanto, é que se trata das relações pessoais entre os familiares, além de questões patrimoniais e assistenciais entre os membros da família. Ainda que, as uniões havidas sem a constância do casamento tenham 12 recebido parcela importante dos julgados nos tribunais, as relações do direito de família são dependentes da compreensão moral e ética, sendo o casamento o centro do direito de família (VENOSA, 2015). Para Sílvio de Salvo Venosa (2015), em conceito amplo, família é “o conjunto de pessoas unidas por vinculo jurídico de natureza familiar”. Sendo assim, inclui-se os ascendentes, descendentes, e colaterais do cônjuge, compreendidos como parentes por afinidade ou afins. Por outro lado, em seu conceito restrito, família seria composta somente da relação entre pais e filhos, viventes sobre o pátrio poder ou poder familiar. Ressalta que no âmbito sociológico, família é “integrada pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular”. Reconhecida pelo legislador e denominada pater famílias pelo Direito Romano. A Constituição Federal de 1988 trouxe o fim para a desigualdade jurídicas das famílias brasileiras, de modo a não mais discriminar as entidades familiares não matrimonializadas, passando a receber igual tutela às que foram constituídas pelo casamento. Contudo, o Código Civil de 2002 não adotou o mesmo paradigma da Constituição Federal, deixando resíduos da família patriarcal, de modo que após a sua entrada em vigor, recebeu diversos projetos de lei a fim de corrigi-lo (LÔBO, 2010). Diante disso, a cédula familiar não foi muito alterada com a sociedade urbana, permanecendo basicamente a formação por pais e filhos. Por outro lado, diferente das famílias antigas, o papel de cada membro passou por transformações (VENOSA, 2015). Na atualidade, a escola, o esporte e a recreação ocupam as atividades dos filhos que antes era de responsabilidade dos genitores. Assim como a educação é pressuposto do Estado ou instituições privadas de ensino e a religião, por vezes, não mais é ministrada em casa (VENOSA, 2015). Outro fator de mudança foi o início da economia industrial, de modo que reduziu drasticamente a composição da família, onde antes muitos filhos ajudavam na produção agrícola, hoje o pai de família sai para trabalhar na fábrica e a esposa lança-se ao mercado de trabalho (VENOSA, 2015). A sociedade evolui a cada dia, de modo que o legislador não consegue acompanhar tantas mudanças das famílias contemporâneas. A chamada globalização interfere na constante alteração legislativa, porém para o direito das 13 famílias, não é tão simples essas mudanças, visto os possíveis reflexos negativos para com a sociedade em geral. Delicado é o direito de família pois é o que diz respeito as vidas das pessoas e seus sentimentos. Assim também, o direito de família não pode estacionar no tempo e ignorar as transformações culturais e científicas, pois então não terá eficácia alguma (DIAS, 2016). 2.1 FORMAS DE AQUISIÇÃO DE FILIAÇÃO Por meio do vínculo jurídico de filiação que se pode ligar uma pessoa a seus pais, fundamental para o direito de família, assim como em relação aos cuidados e com a responsabilidade civil do menor (OLIVEIRA; MUNIZ, 2001). A filiação consiste no parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, diante do relacionamento de ligação entre uma pessoa e outra que a gerou geneticamente ou com outra que a recebeu como se tivesse gerado (GONÇALVES, 2007). Historicamente, via-se a necessidade de preservar o núcleo familiar e seus patrimônios, de modo que os filhos foram cruelmente categorizados, sendo classificados como legítimos, legitimados e ilegítimos, este último ainda era dividido em naturais ou espúrios. Os espúrios se subdividiam em incestuoso e adulterinos. A necessidade da classificação era para identificar se os filhos foram gerados pela constância do casamento ou não, de modo que acometia aos filhos e à família, a desonra e a indignidade pelo fato do incesto e do adultério (DIAS, 2016). O fato do nascimento de filho fora do casamento era marginalizado no intuito de garantir a paz social do lar formado pelo casamento, impondo a instituição do matrimônio, já que sem ele a filiação nem poderia existir. As consequências eram sentidas apenas pelos filhos a quer era negado o reconhecimento excluindo-os dos direitos, enquanto o pai podia se safar do ônus do poder familiar. Diante da atual legislação, não há distinção entre filhos legítimos ou ilegítimos, todos possuem o mesmo tratamento, pelo que rege o art. 227, § 6º da Constituição Federal: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988). Do mesmo modo, preconiza o art. 1.603 do Código Civil de 2002, que a certidão de nascimento registrada no Ofício Civil é prova da filiação, sendo que, 14 conforme Rolf Madaleno (2009), oportuniza a paternidade socioafetiva tendo em vista a presunção absoluta registrada e não o eventual vínculo sanguíneo. Assim, segundo Maria Berenice Dias (2016), a filiação é estabelecida pelo nascimento, não importando se a concepção foi lícita, se decorreu de relacionamento ético ou não, pois mesmo o filho concebido de relação incestuosa, é filho para todos os efeitos legais. Em linhas gerais, a nova estrutura familiar brasileira, da maior importância aos laços afetivos e não apenas a descendência genética ou jurídica, sendo fundamental o sentimento de afeição entre pais e filhos para a família atual (MADALENO, 2017). Ainda, segundo Maria Berenice Dias (2016), existem três tipos de critérios para identificação de vínculo parental, quais sejam, critério jurídico, critério biológico e o critériosocioafetivo. 2.1.1 Critério Registral Diante da dificuldade em atribuir a paternidade ou a maternidade de alguém, a presunção sempre foi utilizada na matéria de filiação, tendo finalidade de definir a filiação e certificar a paternidade e consequentemente, assumindo os direitos e deveres (LÔBO, 2010). Em decorrência disso, Paulo Luiz Neto Lôbo (2010), faz menção a tipos de presunções admitidas em nosso ordenamento jurídico: a) a presunção pater is est quem nuptiademonstrant, impedindo que se discuta a origem da filiação se o marido da mãe não a negar;b) a presunção matersemper certa est, impedindo a investigação de maternidade contra mulher casada. A maternidade manifesta-se por sinais físicos inequívocos, que são a gravidez e o parto, malgrado a manipulação genética se tenha encarregado de pôr dúvidas quanto à origem biológica;c) a presunção de paternidade atribuída ao que teve relações sexuais com a mãe, no período da concepção;d) a presunção de exceptiopluriumconcubentium, que se opõe à presunção anterior, quando a mãe tiver relações com mais de um homem no período provável da concepção;No art. 1.597 o Código Civil prevê expressamente as seguintes presunções tradicionais:e) a presunção da paternidade do marido, para os filhos concebidos cento e oitenta dias após o início da convivência conjugal. O prazo não se conta a partir da celebração do casamento ou do início da união estável; mas a partir do efetivo início da convivência entre cônjuges e companheiros. Na hipótese do casamento, pode um dos cônjuges ter sido representado na celebração por procurador, pois se encontrava ausente;f) a presunção de paternidade, para os filhos concebidos até trezentos dias após a dissolução da sociedade conjugal (LÔBO, 2010, p. 216). 15 A presunção possibilita a apenas um dos cônjuges proceder o registro de nascimento do filho, sem a autorização do outro, pelo privilégio da presunção da paternidade na constância do casamento. Obedecendo apenas à apresentação da certidão de casamento e pelo prazo mínimo para a concepção do filho (MADALENO, 2017). Conforme art. 1.603 do Código Civil, a paternidade e a maternidade, juridicamente falando, é comprovada pelo registro de nascimento: “A filiação prova- se pela certidão do termo de nascimento registrada no Registro Civil”. Porém, não é o único meio de reconhecimento voluntário da paternidade, podendo ser reconhecido através de escritura pública, escrito particular, testamento ou declaração expressa diante de um juiz (DIAS, 2016). Assim, a Lei 8.560 de 1992 objetivou simplificar o reconhecimento dos filhos, de modo a garantir a devida assistência pelos pais e demais responsabilidades a eles imputadas, possibilitando o reconhecimento voluntário da paternidade (GRUNWALD, 2003). Ademais, outra maneira de facilitação do registro de nascimento, nesse caso sem a voluntariedade, se dá pela averiguação oficiosa, também prevista na Lei 8.560 de 1992, quando no registro de nascimento consta apenas a origem materna, cabe ao oficial remeter ao Juiz de Direito a certidão contendo os dados do suposto pai para que assim seja identificado. Caso o mesmo seja notificado, mas não apresente resposta, os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público para que ingresse com ação de investigação de paternidade (GRUNWALD, 2003). Rege o art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça” (BRASIL, 1990). Ou seja, a qualquer tempo se pode buscar o reconhecimento da paternidade e nem mesmo a existência de filiação no registro de nascimento pode impedir. Contudo, as presunções de paternidade bem como as facilidades no reconhecimento da paternidade, têm sido desafiadas com o avanço da biotecnologia, em que se pode provar a paternidade ou a maternidade através do teste de DNA, nesse caso, considerando apenas a paternidade biológica (LÔBO, 2010). 16 Entretanto, deve ser considerado essencial os laços de afeto no reconhecimento da paternidade, e não a simples identificação biológica (GRUNWALD, 2003). 2.1.2 Critério Biológico Segundo Silvio de Saulo Venosa (2015), a filiação derivada da natureza subentende uma ligação biológica ou genética entre pai e filho, de modo que identificada a origem biológica, a paternidade ou a maternidade será certa. Tal fator, busca assegurar a verdade biológica para identificação pessoal, apesar de nem sempre a identidade genética ser a mesma identidade jurídica. Destarte, o conhecimento da origem genética não necessariamente está associado a origem da maternidade ou da paternidade, visto a importância da filiação afetiva, porém, pode ser visto como o direito de personalidade, em que todos são titulares, em uma espécie de direito à vida. Além do direito de saber e investigar a sua ancestralidade biológica, diante dos avanços das ciências, o saber da origem biológica pode ser uma medida preventiva de saúde e ocorrência de doenças de parentes próximos (LÔBO, 2010). Outra evolução da ciência importante para as relações de família, é a fertilização assistida, para casais que sofrem de infertilidade. Destarte, a inseminação artificial é um processo de fecundação, em que se une o sêmen ao óvulo de forma não natural, em que diversos métodos podem ser utilizados (VENOSA, 2015). Como exemplo, a inseminação homóloga, na qual presume-se que a mulher seja casada ou convivente em união estável e utiliza-se o sêmen do marido ou companheiro para a inseminação. Esse procedimento é utilizado quando ambos os cônjuges são férteis, porém não é possível a fertilização por ato sexual (VENOSA, 2015). Outro exemplo seria a inseminação heteróloga, em que o sêmen do doador não provém do marido, utilizado nos casosde esterilidade do marido, doenças transmissíveis pelo marido, entre outros. Assim, utiliza-se os chamados bancos de esperma, no qual o doador não pode ser conhecido (VENOSA, 2015). 17 Nessa perspectiva, quando da inseminação homóloga a paternidade biológica é presumida, já que a impossibilidade de relação carnal não exclui a paternidade no matrimônio, com fulcro noart. 1.597 do Código Civil de 2002. Em relação a inseminação heteróloga, quando se deu sem o consentimento do marido, este pode contestar a paternidade, porém quando com sua ciência, não poderá impugnar, já que a lei brasileira expressamente regula esta questão (VENOSA, 2015). Ao doador anônimo de sêmen, é resguardada sua identidade, possibilitando a origem genética da pessoa através dos gametas do doador, estabelecendo as clinicas, centros ou serviços de doação o dever de manter, permanentemente, os dados clínicos, características e amostras de matéria celular do doador (LÔBO, 2010). Em relação a adoção, ao completar maioridade, o adotado pode obter acesso ao processo de adoção, bem como conhecer sua origem biológica, consoante o art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma a assegurar o direito de personalidade do adotado, sem prejuízo na relação de parentesco. Assim como a inseminação heteróloga como a homóloga, a gestação por substituição também tem seu lugar no que toca ao critério biológico. A maternidade por substituição ou sub-rogação são expressões formais para a popularmente conhecida como barriga de aluguel. Apesar do conhecido nome vulgar, a Constituição Federal de 1988 veda qualquer comércio de órgão, tecido ou substância, assim como é proibido gestar uma criança em troca de pagamento (DIAS, 2016). A Resolução do Conselho Federal de Medicina regulamenta a prática da gestação por substituição, admitindo a cessão temporária do útero, obrigatoriamente por uma parente até o segundo grau, ou seja, um útero emprestado pela mãe, avó, irmã, sograou cunhada, necessariamente de pessoas que não teriam interesse econômico em fornecer o útero. Elimina, portanto, a presunção da maternidade sempre certa, já que nesse caso a mãe não é a pessoa que gera o filho, e este não possui a carga biológica da mãe. Nesse caso, o registro de nascimento correto dever ser requerido em juízo antes mesmo do nascimento (DIAS, 2016). Ver resolução atualizada De acordo com Paulo Luiz Neto Lôbo (2010), a filiação apenas pela ordem genética não é suficiente, tendo em vista outros valores importantes para as 18 relações humanas. O fato do desenvolvimento científico ter alcançado cada vez mais a certeza genética, não contribui para relação entre pai e filho, razão de que a imputação da paternidade biológica não determina o estado de filiação. Em síntese, a origem genética não se compara com a identidade de filiação, a qual está mais ligada a relação de afeto do que simplesmente os laços sanguíneos, assegurado pela Constituição Federal inclusive, no que diz respeito ao direito de convivência familiar, este construído pelo convívio diário e não pela origem biológica (LÔBO, 2010). 2.1.3 Critério Afetivo No Brasil, grande foi o desenvolvimento da matéria ligada a paternidade socioafetiva, baseada na convivência familiar independente da origem do filho. Partindo da primazia da integração permanente da pessoa no grupo social familiar e relação afetiva formada pela relação entre a pessoa investida do papel de pai com o filho. O que antes se mantinha apenas no mundo dos fatos, sem nenhum significado jurídico, passou a ter uma categoria própria no ramo do direito. Em detrimento da Constituição Federal de 1988, sendo possível a relação jurídica da paternidade socioafetiva, cujas premissas projetaram-se no Código Civil de 2002(LÔBO, 2006). A nova estrutura familiar brasileira, da maior importância aos laços afetivos e não apenas a descendência genética ou jurídica, sendo fundamental o sentimento de afeição entre pais e filhos para a família atual. Nessa nova estrutura familiar, a paternidade e a maternidade possui um significado muito maior do que a verdade biológica, mas uma realidade baseada no zelo, no amor, no carinho, nos verdadeiros cuidados para com o filho, formando verdadeiros laços de afeto, que por vezes não persiste na filiação biológica, fato que a filiação real não é biológica e sim cultural, baseada nos vínculos e nas relações de sentimento enquanto convivência de pais e filhos (MADALENO, 2017). Para Paulo Lôbo (2015), a afetividade a ser adotada pelo direito de família brasileiro, difere das demais relações afetivas, tais como a amizade, que não possui o intuito de constituir família ou grupo social; ou o amor não correspondido, pelo qual não configura relação nem continuidade; a affectiosocietatis, existente entre sócios de uma sociedade; ou relações para familiares, proveniente de crenças religiosas e costumes. 19 Apesar de a codificação em vigor não mencionar expressamente a filiação socioafetiva, inegável a sua menção a cada dia mais na jurisprudência dos tribunais brasileiros, tendo sido sustentada na relação pela posse do estado de filho, estabelecendo vínculo transparente da verdadeira e real filiação (MADALENO, 2017). Assim, a filiação afetiva decorre da posse do estado de filho, constante da relação entre pais e filhos, da filiação real, e não decorrente da origem biologia ou pela presunção legal. Mais importante que a verdade biológica é o cumprimento da função social, a necessidade em manter a estabilidade familiar, pois a filiação sociafetiva decorre da verdade aparente (DIAS, 2016). Importante salientar que a relação de paternidade não mais é dependente da relação consanguínea entre pai e filho. De origem biológica ou não, a paternidade deve ser obrigatoriamente socioafetiva, ou seja, paternidade socioafetiva é gênero, na qual a paternidade biológica e a paternidade não biológica são espécies derivadas. Lamentavelmente, é cediço presumir que a criança é nascida biologicamente dos pais que vivem juntos (LÔBO, 2006). O vínculo de afeto deve existir juntamente com o a filiação biológica, pois unidas representam uma relação parental. Também, não é possível aceitar uma relação de filiação apenas biológica e sem a presença de afeto, movida apenas pelo exercício puro do poder familiar. Uma pessoa não pode ser considerada genitora pelo simples fator biológico, quando colaborou apenas na concepção do filho, mas nunca o desejou criar ou pelo qual nunca zelou (MADALENO, 2017). O real valor jurídico está na verdade afetiva e jamais sustentada na ascendência genética, porque essa quando desligada do afeto e da convivência apenas representa um efeito da natureza, quase sempre fruto de um indesejado acaso, obra de um indesejado descuido da pronta rejeição. Não podem ser considerados genitores pessoas que nunca quiseram exerce funções de pai ou de mãe e sob todos os modos e ações se desvinculam dos efeitos sociais, morais, pessoais e materiais da relação natural de filiação (MADALENO, 2017, p. 498). A paternidade não está relacionada apenas a obrigação alimentar ou a partilha de bens hereditários. Muito além disso, a paternidade compreende a constituição de valores, a individualidade da pessoa e a sua dignidade humana, contribuindo para o desenvolvimento do caráter, percebidos principalmente na 20 infância e adolescência. É poder/dever do pai, construir uma relação afetiva, devendo garantir os direitos fundamentais em prol do filho (LÔBO, 2006). Por outro lado, para Paulo Lôbo (2015), a afetividade na relação parental, não implica na existência real de afeto, sendo assim, a afetividade pode ser presumida pelos deveres imputados aos pais em relação aos filhos, na criação, na educação, mesmo que não exista expressamente o afeto será considerado pai por ser presente na vida do filho (LÔBO,2015). Segundo Paulo Lobo (2015), os pressupostos da socioafetividade são a inclusão da pessoa no grupo familiar, a admição de papel parental e a convivência duradoura. Diferente pois, da paternidade de origem biológica, pois não é atribuída pelo direito e sim reconhecida pelos fatos consolidados pelo convívio familiar. Nesse viés, importante de lembrar uma pratica chamada de adoção à brasileira, em que voluntariamente uma pessoa registra como seu filho, mesmo sabendo não ser filho biológico, consagrando assim a filiação socioafetiva (MADALENO, 2017). A expressão adoção à brasileira é dada por uma declaração falsa e consciente da paternidade ou da maternidade de filho não consanguíneo, sem respeitar as regras de adoção. Movidos pela vontade de integrar a criança a sua família, o declarante ou os declarantes registram o filho como se o tivesse gerado (LÔBO, 2010). O reconhecimento registral de filho não biológico, caracteriza procedimento irregular, tipificado como crime de falsidade ideológica, previsto no art. 299 do Código Penal: Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. (BRASIL, 1940) Apesar de a lei reprovar, a sociedade não repele tal conduta, por entender que a falsificação do registro de nascimento é um ato generoso e solidário para com a criança. Não se aplica para a intenção dolosa, como exemplo o rapto de criança, pois nesse caso não se trata de um gesto solidário, mas sim um ato egoísta (LÔBO, 2010). 21 Ainda que ilegal, a adoção à brasileira obedece ao princípio existente na Constituição Federal, no sentido de que assegura à criança o convívio familiar em absoluta prioridade. Assim, não pode ser anulado o registro por falsidade quando existente o estado de filiação, nem mesmo quando o pedidofor feito pelo próprio declarante (LÔBO, 2010). A adoção à brasileira é considerada uma espécie da filiação socioafetiva, em razão de promover os laços de afeto manifestados entre quem efetivamente registrou filho que não era seu e a pessoa registrada, ainda que não tenha a ciência da veracidade ou da falsidade do registro, persiste a filiação socioafetiva, pois esta depende da conexão de afeto (MADALENO, 2017). Entretanto, caso a pessoa fosse induzida ao erro, acreditando ser seu filho biológico quando na verdade não era, mas também não obteve nenhum vínculo de afeto com o filho, não se pode falar em filiação socioafetiva, nem mesmo biológica ou registral, sendo admissível a anulação de registro de nascimento (MADALENO, 2017). A adoção simples também é fruto da paternidade socioafetiva. Explica Maria Helena Diniz (2017), que a filiação pode decorrer de um fato, o nascimento ou de um ato jurídico, como a adoção, ato este que depende de uma decisão judicial para que se concretize. De início a adoção cria um vínculo fictício de parentesco entre pessoas desconhecidas, parecido com a filiação biológica quando do nascimento. Mas decorrente da adoção, a paternidade baseia-se no fator sociológico e consequentemente socioafetivo. A filiação natural ou biológica repousa sobre o vínculo de sangue, genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção contemporânea é portanto, um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico (VENOSA, 2015, p. 301). A filiação socioafetiva resulta da posse de estado de filho, em que a paternidade é caracterizada não pelo simples fato biológico ou por força da presunção legal, mas sim pela relação parental afetiva e duradoura (DIAS, 2016). Sobretudo, detém a posse de estado de filho, a pessoa que atribui os deveres da paternidade, principalmente os constantes no art. 227 da Constituição Federal de 1988, assim como também o filho é titular do estado de filiação. Destarte, 22 havendo paternidade comprovada haverá estado de filiação, esta presumida em relação ao pai registral. O estado de filiação é derivado da relação jurídica da paternidade socioafetiva (LÔBO, 2006). Nesse sentido, a investigação da paternidade biológica é incabível para contestar a paternidade socioafetiva pré-existente, pois não se baseia nas questões naturais e sim na dignidade da pessoa humana. A propósito, visível a contradição quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana, quando para assegurar direito à herança deixada pelo pretenso genitor, pois não há como atribuir preço a dignidade da pessoa (LÔBO, 2006). Conforme já vimos, o Código Civil de 2002 adotou as linhas fundamentais da Constituição Federal de 1988, com relação as origens da filiação, não discriminando se a filiação é de origem biológica ou não, ou se proveniente do casamento. Isso em razão de que antes da Constituição Federal de 1988, era diferenciado o tratamento entre filhos legítimos e ilegítimos. Assim, com o desenvolvimento do entendimento de filiação, foi estabelecido que não existe diferença entre filiação de qualquer origem, pois todos têm igualdade de direitos, sendo conflitante o novo paradigma com o predomínio da realidade biológica (LÔBO, 2006). Diante disso, Paulo Lôbo (2006) destaca referências da paternidade socioafetiva no Código Civil de 2002, nos seguintes artigos: a) art. 1.593, admite o parentesco natural ou civil, ou seja, por consanguinidade ou outra origem, inclusive o Supremo Tribunal de Justiça não atribui primazia a paternidade biológica, entendendo que há igualdade entre as origens; b) art. 1.596, atribui igualdade entre os filhos, havidos ou nado da relação de casamento, ou por adoção; c) art. 1.597, v, reconhece a possibilidade de filiação por inseminação artificial heteróloga, qual seja, através de utilização de sêmen de outro homem, mediante prévia autorização do marido da mãe, nesta relação, a mãe é biológica, porém o pai é socioafetivo; d) art. 1.605, diz respeito a posse de estado de filiação, visto que a filiação pode ser provada quando há fortes presunções de fatos já certos, ou seja, quando é os pais tratam como filho mas juridicamente não é; e) art. 1.614, admite a possibilidade do filho de rejeitar a filiação quando completar maioridade, ou de não consentir o reconhecimento da paternidade quando for maior. Por conseguinte, tendo em vista esses marcos conceituais e legais, presentes no ordenamento jurídico brasileiro, não há de se falar em exclusividade de origem biológica para determinar a paternidade, que nada mais é do que um fator 23 natural. Em contrapartida, a paternidade real sustenta-se no cumprimento dos direitos e deveres atribuídos em razão da filiação biológica ou não (LÔBO, 2006). A filiação socioafetiva possui significado mais profundo que a verdade biológica, em que o zelo, o amor e a natural dedicação ao filho revelam a verdade afetiva, o que nem sempre se encontra na relação biológica (MADALENO, 2017). O fato de dar abrigo, carinho, educação, amor ao filho é o que caracteriza a filiação socioafetiva, refletindo assim, os sentimentos inerentes da relação real entre pai e filho (DIAS, 2016). Portanto, a paternidade regida pela afetividade, expressa a condição da união de duas pessoas com o intuito de constituir uma relação de parentesco. É distinta do vínculo obrigacional, patrimonial ou societário, pois não tem intenção econômica. Para o direito, a afetividade tem a intenção de imputar o dever e a obrigação aos membros da família, aqueles fundamentos com base na Constituição Federal de 1988, além do dever de solidariedade, que deve estar presente na relação da paternidade socioafetiva (LÔBO, 2006). 2.1.3.1 Posse de Estado de Filho Como já expressado, a Constituição Federal de 1988 trouxe novo paradigma ao direito de família, no sentido de extinguir a desigualdade jurídica entre entidades familiares, adotando um conceito amplo da paternidade, não podendo haver confusão entre genitor e pai, ou a existência da prevalência da paternidade biológica. Lado outro, persiste os desvios doutrinários e jurisprudenciais, no sentido de determinar a filiação pela certeza da paternidade biológica, assim possível através do exame de DNA (LÔBO, 2006). Com base nisso, em análise a Constituição Federal de 1988, é possível identificar diversos fundamentos do estado de filiação, não baseado na filiação biológica, quais sejam, o art. 227, §6º, que diz respeito a igualdade dos filhos, independente da origem; o art. 227, §§ 5º e 6º, a adoção, obtendo o mesmo grau de igualdade, proibido as discriminações; o art. 226, §4º que trata da entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes; e o art. 227, caput, que preconiza o direito à convivência familiar, como prioridade da criança conviver com os pais, não por origem biológica (LÔBO, 2006). 24 A expressão posse de estado de filho, tem recebido abrigo pelas novas reformas do direito comparado, pelo qual não restringe a identificação do parentesco apenas pelo nascimento, mas pela vontade de estabelecer vinculo de parentesco, no desejo de exercer o papel de pai ou de mãe, fundamentado pela afetividade em contrapartida com a verdade jurídica como a certeza científica da filiação (MADALENO, 2017). A chamada posse de estado de filho é denominada a aquelas pessoas de detém uma situação jurídica que não coincide com a verdade. O fato de a aparência presumir uma questão verdadeira quando não é, no presente caso não implica na sua desconsideração, pelo contrário, é regido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Dessa maneira, o que é apenas aparência,acaba por gerar manifestações de exteriores de um fato que na verdade não existe. Com relação a paternidade, a teoria da aparência é aplicada no sentido de ajustar os vínculos, não apenas como mais um dado, mas no intuito de se deixar construir, assim refletindo a uma aparente relação entre pai e filho (DIAS, 2016) Refere-se a filiação fática, onde independentemente da situação real, a pessoa desfruta da aparência de filho. É composta pela cumulação de fatos que determinam o vínculo de parentesco entre uma pessoa e sua família. Quando inexiste registro público, a filiação pode ser comprovada com a convivência familiar permanente, como por exemplo, na ausência ou falecimento dos pais, sem a realização do registro de nascimento dos filhos. Daí a razão de existir do art. 1.605 do Código Civil de 2002, para garantir o registro dos filhos havendo provas proveniente dos pais. A posse de estado de filiação é uma situação de fato que indica a relação de parentesco e para constituí-la deve ser contínua e notória (LÔBO, 2010). Lado outro, novamente a expressão posse de estado de filho não está presente expressamente em nosso sistema jurídico, apesar de ser o termo utilizado para denominar a filiação socioafetiva. De fato, o conceito de posse de estado de filho não é gerado pelo nascimento, mas na vontade de exercer a paternidade, consolidada pelo vinculo da afetividade, confrontando tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica na declaração de filiação (DIAS, 2016). É com a premissa da filiação socioafetiva que deriva o reconhecimento da posse de estado de filho, fundada no relacionamento baseado em laços de afeto, sendo a expressão mais completa do parentesco psicológico, da filiação afetiva. 25 Muito mais vale o vínculo afetivo do que a paternidade ou a maternidade biológica, no sentido de que a criança receberá cuidado, amor e participação daquele que a tem como filho afetiva. A afeição possui valor jurídico, pois a paternidade se constitui pelo fato, de modo que a posse de estado de filho pode conflitar com a presunção da paternidade, lembrando que deve prevalecer o princípio da afetividadesobre qualquer outro regulamento (DIAS, 2016). O reconhecimento da paternidade socioafetiva pode ser comprovado pela posse de estado de filho, já que detém os parâmetros necessários para isso, e pelo fato de que e demonstra a verdade socioafetiva. A posse de estado de filho tem a flexibilidade para demonstrar verdadeiramente a intenção da família socioafetiva, em querer defender o seu valor social e os interesses do filho (LÔBO, 2010). Ademais, o estado de filiação envolve diversos fatores que determinam a presunção da existência de relação entre pais e filhos, suficiente para suprir a inexistência de certidão de nascimento. Ou seja, como prova da filiação pode ser a certidão de nascimento como também a situação de fato, é o caso de analisar se a situação aparente é de vínculo afetivo, com base no que se considera satisfatório para o direito (LÔBO, 2010). Segundo Silvio de Salvo Venosa (2015), a posse de estado de filho é o forte elemento para a comprovação da paternidade socioafetiva. A pessoa que em seu meio social trata outra pessoa como seu filho, ou que faz acreditar que seja seu filho, durante tempo indeterminado, detém a posse de estado de filho, pela qual descreve uma situação fática que pode não corresponder a verdade. Compreende o efetivo exercício da posse de estado de filho, a convivência familiar, assim entendido pelo real cumprimento dos deveres da guarda, garantindo a educação, sustento e afeto, tomando como exemplo os comportamentos dos demais pais que na comunidade vivem. Em síntese, a doutrina elenca ao estado de filiação as seguintes premissas: o comportamento aparente de filiação, quando o pai trata o filho como tal e assim respectivamente o filho o trata como pai; quando a pessoa é identificada pelo nome da família dos pais; e possui a reputação, ou é conhecida pela sociedade como filha daquela família. Porém não há necessidade do conjunto dessas características para demonstrar a posse de estado de filho, já que não existe presunção legal de como deve ser comprovada (LÔBO, 2010). No mesmo sentido, em relação aos critérios identificadores para o reconhecimento da posse de estado de filho, entende Maria Berenice Dias (2016): 26 Para o reconhecimento da posse do estado de filho, a dou-trina atenta a três aspectos: (a) tractatus - quando o filho é tratado como tal, criado, educado e apresentado como filho pelo pai e pela mãe; (b) nominatio - usa o nome da família e assim se apresenta e (c) reputatio - é conhecido pela opinião pública como pertencente à família de seus pais. Trata-se de conferir à aparência os efeitos de verossimilhança que o Direito considera satisfatória (DIAS, 2016, p. 401). Toda e qualquer meio de prova em direito admitidos, podem ser utilizados para o convencimento do juiz para a comprovação da paternidade de fato, tendo em vista que a lei não restringe, nem mesmo regulamenta. É possível a utilização de provas documentais, testemunhais, periciais entre outras, porém, são provas essenciais a existência de começo de prova escrita originário dos pais ou presunções da filiação por fatos já certos. Assim, entende-se que para cumprir os requisitos da Constituição Federal de 1988, a prioridade é da comprovação da convivência familiar afetiva. Considera-se começo de prova por escrito, documentos como cartas, autorização para o filho, declaração de filho para o imposto de renda ou para a Previdência Social, anotações, entre outros (LÔBO, 2010). Complementa Jose Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz (2001), que o elemento nominativo, quase não tem utilidade, pois por vezes o filho possui apenas o nome da família da mãe ou também apenas o nome da família do marido. Agora, os demais elementos têm maior importância, em particular o tractio, pois revela a existência ou não do vínculo afetivo e social resultante da paternidade socioafetiva e a relação vivida. Nesse viés, a posse de estado de filho pode enquadrar os chamados filhos de criação, pois se encaixam na filiação socioafetiva e presumem fatos certos. Pai também é aquele que se revela no comportamento cotidiano, de forma sólida e duradoura, capaz de estreitar os laços de paternidade numa relação socioafetiva, aquele, enfim, que, além de empestar o nome de família, o trata como sendo verdadeiramente seu filho perante o ambiente social. (FACHIN, apud LÔBO, 2010, p. 234). Quando consolidada a posse de estado de filiação, não há que se falar em investigação de paternidade fundamentada na prova da paternidade biológica. Como já dito, prevalece o afeto sobre a verdade biológica, de modo que a posse de estado de filho consolida vínculos não dependentes da filiação natural, fato que impede o 27 exercício da impugnação, pois predomina a posse de estado de filiação e o intuito de garantir o interesse do filho. Por sua vez, constituído a posse de estado de filho, através da convivência familiar duradoura e consequentemente a paternidade socioafetiva comprovada, não é cabível a sua impugnação, pois a investigação a paternidade só deve ser arguida quando da não existência da paternidade, mas não para desfaze-la (LÔBO, 2006). Trata Rolf Madaleno (2017), a posse de estado de filiação, como sendo a representante em essência da verdadeira e única filiação, firmada no amor e na vontade de exercer o papel de pai ou de mãe, estabelecendo em suma, os vínculos da cristalina relação filial. A posse de estado se dá em razão do desfrute da situação jurídica que não corresponde à verdade, sendo que na relação de filiação, a posse de estado de filho considera assim quem desfruta do vínculo de filiação por aparência (DIAS, 2016). Segundo Maria Berenice Dias (2016), não é com o nascimento que se estabelecea posse do estado de filho, mas sim na vontade de tratar como se filho fosse assim fundada em laços de afeto. Portanto, sustenta-se a chamada posse de estado de filho, na entendida verdadeira filiação, baseada no convívio, no amor e no desejo de ser pai ou mãe, na vontade de criar vínculo espontâneo de relação filial (MADALENO, 2017). 28 3 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA E DA SEGURANÇA JURÍDICA Com o advento da Constituição Federal, diversos princípios surgiram, de modo que instituíram eficácia às normas definidoras de direitos e garantias fundamentais. Os princípios constitucionais passaram a ser entendidos como a base de sustentação do sistema jurídico constitucional, fazendo uma mudança na forma de interpretação da lei (DIAS, 2016). Para Alexandre Cortez Fernandes (2015, p. 69), o direito é constituído de regras e princípios. O direito civil, assim como os outros ramos do direito, são derivados de um sistema normativo, este sendo influenciado pelo positivismo normativista. Apesar das diversas interpretações dos princípios, apenas uma expressão deve ter valor da ordem jurídica, isso de acordo com a Constituição Federal. Os princípios constitucionais deixaram de ser apoio apenas do sistema jurídico infraconstitucional, mas passou a tal importância que Maria Berenice Dias (2016) os considera como lei das leis. É imprescindível para o alcance do ideal de justiça. Os princípios gerais de Direito integram a maioria dos sistemas jurídicos e no Brasil sua reafirmação tem sido constantemente observada diante da tendência de constitucionalização do Direito Civil e, notadamente, do Direito de Família. Os princípios podem ser expressos ou não, podendo ser extraídos do contexto da norma jurídica. Observa Suzana Oliveira Marques 29 serem os princípios fontes primárias do Direito, estando ao lado da lei e tendo vinculação obrigatória. (MADALENO, 2017, p. 44). Não apenas as regras jurídicas gerais são fundamentadas por princípios, mas também em ramos específicos, e pelo que nos interessa saber, no direito de família. Em razão de este direito girar em torno das relações pessoais de membros da família, ademais, por ser um ramo do direito privado autônomo e de relevância social, possui princípios que o identificam e o sustentam (FERNANDES, 2015). Segundo Maria Berenice Dias (2016), os princípios e as regras são o que compõe as normas no ordenamento jurídico, de modo que se pode diferenciar os princípios e as regras a começar pelo grau de importância. Os princípios são superiores hierarquicamente das regras legais, isso em razão de que existem princípios que integram os requisitos de justiça e de valores éticos, atribuindo uma estrutura harmônica a todo o sistema jurídico. Assim, na falta de princípios e com a existência apenas de regras, o judiciário poderia ser dirigido por máquinas, pois assim não haveria a flexibilização dada pelos princípios. Sendo assim, a argumentação principiológica interessará para essa mobilidade em relação ao direito de família, de modo que se adapte à realidade social, principalmente para os casos de maior relevância como sua aplicação na área da infância, juventude e aos idosos (FERNANDES, 2015). De acordo com a Constituição Federal, atribui-se ao Estado, a sociedade e a família, deveres fundamentais para com as relações familiares. Tendo estes três grupos para proteção dos direitos fundamentais, um integrante da família é titular desse direito, podendo buscá-lo perante esses grupos que são devedores dos direitos fundamentais, direito este de proteção da personalidade humana (DIAS, 2016). Conforme Rolf Madaleno (2017), todos são titulares de direitos fundamentais, visto que trata-se de direitos humanos não determinado a apenas uma parcela de cidadãos. Todo e qualquer humano possui a garantia de direitos fundamentais, pelo qual atua como pilar da ordem jurídica democrática. Além de não ser possível o seu esgotamento, os direitos fundamentais possuem uma coligação com a natureza 19humana, de modo que evolui juntamente com as gerações da humanidade, levando também a sua carga cultural. Em linhas gerais, existem diversos princípios que norteiam o direito de família. Entre eles, existem princípios que não constam expressamente em leis, 30 porém possuem fundamentação ética no sentido de complementar o ordenamento na medida de sua necessidade para com a vida em sociedade. Diante disso, não há um número exato de princípios, dependendo de cada autor,a luz de sua interpretação, determinar quais os princípios mais prestigiados. (DIAS, 2016). Menciona Francisco Amaral, apud Maria Berenice Dias (2016), uma série de princípios inerentes à organização e à proteção da família, da criança, do adolescente e do idoso, sendo eles, o reconhecimento da família como instituição básica da sociedade com garantia de proteção pelo Estado; igualdade jurídica dos cônjuges; reconhecimento das diversas entidades familiares; possibilidade de dissolução do vínculo matrimonial pelo divórcio; direito de constituição e planejamento familiar; igualdade jurídica dos filhos; proteção aos direitos fundamentais a criança e ao adolescente; atribuição aos pais do dever de assistência, criação e educação dos filhos; e a proteção do idoso. Entre entes princípios, cabe destacar alguns de maior relevância para o direito de família e importantes ao presente caso, na medida em que serão analisados. 3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Entre os princípios norteadores do direito, destaca-se o princípio da dignidade da pessoa humana como o mais importante para o ordenamento jurídico. Expresso no art. 1º e inciso III da Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana assegura que a cada sujeito sejam atribuídos direitos, no sentido de integrá-lo no seio social com base na dignidade da pessoa. (BRASIL, 1988). Nas palavras de Maria Berenice Dias (2016), é do princípio da dignidade da pessoa humana que se deriva os demais princípios, tendo a ideia de ser o mais universal diante dos demais. Dele ainda, irradia os demais princípios, quais sejam, o princípio da liberdade, da autonomia privada, da cidadania, da igualdade e da solidariedade, entre outros princípios éticos. Reflete sobre todo o ordenamento jurídico limitando os atos estatais, bem como todas a infinidade de relações privadas existentes no seio da sociedade. Nesse viés, a Constituição Federal de 1988, expressa em seus art. 226, § 7º e art. 227, o fundamento da dignidade da pessoa humana para com o direito de família, de modo que garante a proteção da família pelo Estado, no sentido de 31 promover recursos educacionais e científicos para a efetividade do direito, igualmente assegurando a devida proteção através de garantias e fundamentos mínimos da vida. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). O princípio da dignidade da pessoa humana garante a proteção da família como instituição, em um complexo entre os valores éticos, culturais e religiosos. De formaefetiva, a dignidade da pessoa humana é respeitada quando atende o indivíduo com valor intrínseco, tratado igualmente em seu meio. (FERNANDES, 2015). Além de impor um limite de atuação do estado, o princípio da dignidade da pessoa humana indica uma direção para a sua ação positiva. O Estado atua na medida em que não fere o princípio da dignidade humana, do mesmo modo em que promove condições para que seja possível essa dignidade, garantindo o mínimo existencial a todos em seu território. (DIAS, 2016). Ademais, não há como falar em proteção a dignidade da pessoa humana sem mencionar o direito de família. A Constituição Federal de 1988, passou a cuidar do instituto familiar para garantir a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, isso porque, impacta diretamente na formação do homem. De fato, o direito constitucional é responsável por presidir as questões inerentes as relações pessoais, entre elas as relações familiares, de modo que tem o dever de garantir a saudável vivência da melhor forma possível. (MADALENO, 2017). Há uma relação entre o direito de família e os direitos humanos, relação esta interligada pelo princípio da dignidade da pessoa humana. A igualdade de tratamento entre todas as entidades familiares é um dos aspectos deste princípio, não sendo possível diferenciar as diversas formas de filiação ou das formas de 32 constituição de família, tendo como consequência a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. (DIAS, 2016). O princípio da dignidade humana é o alicerce para as relações familiares, de maneira que deve garantir o pleno desenvolvimento da comunidade familiar, essencialmente no que tange à criança e ao adolescente, garantindo-lhes os direitos básicos para uma vida digna, resguardando de toda e qualquer negligência ou violência. (FERNANDES, 2015). Feliz foi a afirmação de Maria Berenice Dias (2016), quando expressa que o princípio da dignidade da pessoa humana encontra no direito de família terreno fértil para florescer. Isso significa que a Constituição Federal prioriza a proteção às famílias, sem distinção de sua origem. Assim como obedece ao princípio da dignidade humana quando do direito de constituir um núcleo familiar, também é respeitado o direito do indivíduo em não ser membro de nenhuma entidade. De acordo com Alexandre Cortez Fernandes (2015) “pensar direito de família a partir da dignidade da pessoa humana é avançar para além do egocentrismo do indivíduo, é compreender o sujeito em dimensão plúrima”, ou seja, a visão do princípio da dignidade da pessoa humana é muito mais ampla que uma realidade limitada de um indivíduo, abrange toda e qualquer diversidade. 3.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE Conforme Paulo Lôbo (2010), não houve outro princípio se não o da igualdade, que provocou tamanha transformação para o direito de família. Os fundamentos jurídicos da família tradicional caíram por terra com o princípio da igualdade entre homens e mulheres, entre filhos e entre entidades familiares. A Constituição Federal além de expressar que todos são iguais diante da lei, em seu art. 5º, enfatiza a igualdade entre homens e mulheres, dizendo que são iguais em seus direitos e obrigações, além de manifestar que ambos possuem os mesmos direitos e deveres para com a sociedade conjugal. Sendo assim, a Constituição é a principal carta que promove o princípio da igualdade (DIAS, 2016). Com o advento da Constituição Federal de 1988, não restou mais o caráter autoritário de preferência masculina, deixando para trás a subordinação presente nas entidades familiares. Passa a aplicar um novo modelo ao direito de família, 33 modelo este que apesar das diversas formas de constituição de famílias, se mostra um modelo único de moral familiar. (MADALENO, 2017). A necessidade de uma interpretação mais adequada aos valores constitucionais e adaptada ao mundo contemporâneo fez com que a Constituição Federal trouxesse o conceito de igualdade, de forma que moldou o ordenamento jurídico visando novos horizontes. Essa ideia considera todos os membros da família de forma igualitária, em relação a direitos, observadas as suas individualidades e resguardando os seus direitos fundamentais. (FERNANDES, 2015). Um dos pontos atingidos pelo princípio da igualdade é em relação aos vínculos de filiação. É vedada qualquer designação discriminatória para com os filhos, estes havidos do casamento ou por adoção. Fazendo com que os efeitos da filiação fossem os mesmos, independentemente da sua forma de concepção (DIAS,2016). Sendo assim, não há mais a possibilidade de tratamento distinto entre filhos, seja por ordem biológica, vinculo jurídico entre os genitores ou qualquer outro motivo. Os filhos são todos iguais perante o ordenamento jurídico. (FERNANDES, 2015). Além da Constituição Federal, o Código Civil de 2002 também expressa o princípio da igualdade em alguns artigos. Em linhas gerais, explica que o princípio da igualdade não deve ser pautado na pura e simples igualdade entre iguais, mas deve adotar a solidariedade entre seus membros. Repousa o princípio da igualdade no que diz respeito a própria organização familiar, na divisão dos direitos e deveres dos cônjuges, assim como a ambos compete a direção da sociedade conjugal atribuídos deveres igualitariamente. Do mesmo modo, dos deveres com os filhos e eventuais bens desses filhos, pai e mãe são igualmente responsáveis, e em caso de desacordo devem socorrer ao judiciário. (DIAS, 2016). Apesar do importante papel da legislação em impor a igualdade, é verdade que a sociedade ainda diferencia os direitos de homens e de mulheres. Exemplo disso é o mercado de trabalho, em que muitas vezes inferioriza a mulher, ainda que tenha a mesma experiência que outro homem. Isso significa que apesar de a lei expressar a igualdade entre gêneros, a cultura ainda inferioriza as mulheres, independente de evolução. (FERNANDES, 2015). 34 Contudo, ainda que a evolução do moderno Direito acenasse caminhar para a igualdade das pessoas, a organização social e jurídica da família que, longe de ser uma coordenação entre sujeitos iguais, é de indisfarçável subordinação entre sujeitos hierarquicamente ordenados. Trata-se, a seu turno, da estarrecedora advertência feita por Sérgio Gischkow Pereira quando evoca os deploráveis dados sociológicos das estatísticas nacionais denunciando que: “a maior parte das mulheres brasileiras ainda vive em estado de subordinação aos maridos e não apresenta condições mínimas de conhecimento e flexibilização negocial e segue sendo confinada no seu serviço doméstico, sendo agredida moralmente e fisicamente por seus maridos. (MADALENO, 2017, p. 47). O tratamento igualitário está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, não apenas indica igualdade entre cônjuges, mas entre pessoas, já que as relações afetivas devem receber o mesmo tratamento que o casamento. Para Rolf Madaleno (2017), constitui uma isonomia ostentada, com base no supremo Estado Democrático de Direito, o princípio da igualdade traduz pela solidariedade entre cônjuges, em que ambos contribuem economicamente para as necessidades do grupo familiar, cada qual com o seu trabalho. Lembrando que lamentavelmente existe uma distância gigantesca na realidade para a desejada paridade entre os cônjuges. A igualdade não significa tratar a todos igualmente. Leva-se em conta as diferenças naturais e culturais de cada pessoa ou entidade, assim como são diferentes, homem e mulher, pais e filhos, criança e adulto ou idoso, e os diferentes tipos de família. A Constituição Federal traz uma ideia não discriminadora, principalmente entre as famílias tradicionais para com as demais, justamente porque não deve haver discriminação. Porém o tratamento pode ser diferenciado a depender de cada caso, visto que não se pode provar a união estável com as mesmas documentaçõesque em um casamento. Em linhas gerais, de fato é democracia, não quando relaciona de forma genérica, mas quando é cuidado individualmente. (LÔBO, 2010). 3.3 PRINCIPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR O princípio da solidariedade tem origem pelo art. 3º inciso I da Constituição Federal, em que prega ser objetivo da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária. No que se trata à família, o princípio da solidariedade é tutelado a proteção do grupo familiar, à criança e ao adolescente e a pessoas idosas, e empregado a sua obrigação pela sociedade, ao Estado e à 35 família. Este princípio teve essa aplicabilidade após o advento da Constituição em 1988, em razão de que antes era apenas um dever moral, ou uma expressão de piedade. (LÔBO, 2010). Segundo Maria Berenice Dias (2016), o princípio da solidariedade é protegido principalmente pela família, dado que o Estado será o último a ser acionado na proteção dos direitos. Analisando que em relação a crianças, adolescentes e idosos, a família é a primeira responsável em garantir os direitos e no dever de assistência, em seguida a sociedade e por último o Estado será obrigado a suprir essa necessidade. O princípio da solidariedade consiste em gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar; entre cônjuges e companheiros, em se tratando de assistência moral e matéria; e em relação aos filhos, no cuidado, na educação e demais obrigações até que este atinja a idade adulta. (LÔBO, 2010). A solidariedade é o princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário. (MADALENO, 2017, p. 89). O Código Civil de 2002 trouxe alguns exemplos da aplicação do princípio da solidariedade, são eles: o art. 1.513 em que diz que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”, priorizando assim, a comunhão de seus membros; o art. 1.618 em que “a adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei”, sendo explicita solidariedade movida pelo sentimento; o art. 1.630, “os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”, não apenas o poder familiar, mas o dever em garantir o interesse dos filhos; o art. 1.567, “a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos”, fala sobre a solidariedade recíproca entre cônjuges e companheiros; o art. 1.694, “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”, em que os alimentos também são identificados pela imposição da solidariedade entre o grupo familiar. (BRASIL, 2002). 36 Em termos gerais, o princípio da solidariedade está ligado com o cuidado recíproco entre membros da família, cuidado este que passa a ter um valor jurídico em detrimento do princípio. Merece atenção pois tutela sobre pessoas vulneráveis como criança, adolescente e idoso. (LÔBO, 2010). 3.4 PRINCIPIO DA LIBERDADE A liberdade é uma necessidade do homem, para que possa desenvolver em todos os aspectos conforme a sua vontade, respeitando o limite de direito alheio, pois se não respeitado este limite, haverá abuso, arbitrariedade e prepotência. (MADALENO, 2017). O princípio da liberdade corresponde ao direito de poder escolher as formas em que pretende constituir a entidade familiar, bem como a sua manutenção, sem interferência externa de parentes, sociedade ou do legislador. É livre para administrar o patrimônio familiar, para planejar a família, para a criação dos filhos e para agir como bem entender, desde que respeite a dignidade da pessoa humana. (LÔBO, 2010). A liberdade é reconhecida como um dos direitos humanos fundamentais, assim como o princípio da igualdade. Ainda que o próprio nome do princípio em assunto seja autoexplicativo, é importante destacar que o direito também tem o papel de limitar essa liberdade, no sentido de garantir os direitos do indivíduo. É necessário um equilíbrio entre liberdade e limitação, de modo que não se sobreponha a liberdade, nesse caso haveria dominação e sujeição, mas não liberdade. (DIAS, 2016). Sabe-se que antes à Constituição Federal de 1988, o direito era muito mais limitado e rígido, não havendo liberdade aos seus membros. A começar pelas mulheres, que eram totalmente dependentes de seus maridos, e os filhos submetidos ao poder familiar, não havendo liberdade alguma para constituir entidade familiar fora do matrimônio, e mesmo se ocorresse não era juridicamente possível o seu reconhecimento. Era impossível a dissolução do matrimônio, ainda que o convívio comum do casal fosse intolerável. Apenas com a Constituição Federal em 1988 que foi possível a noção do princípio da liberdade em sua totalidade, sendo permitido entidades não matrimoniais, filhos ilegítimos, entre outros, dando espaço para o exercício de escolhas afetivas. (LÔBO, 2010). 37 A liberdade se realiza na constituição, manutenção e extinção da entidade familiar; no planejamento familiar; na garantia contra a violência, exploração e opressão no seio familiar; na organização familiar mais democrática, participativa e solidária. A comunhão de vida familiar se estabelece sem qualquer tipo de imposição ou interposição de pessoa jurídica. (FERNANDES. 2015, p. 79). Sendo assim, o livre-arbítrio se faz presente no direito de família na medida em que todos devem ter a liberdade de escolher na constituição de uma unidade familiar, entre o casamento e a união estável, sem interferência externa de pessoa pública ou privada. O Estado só pode intervir para proporcionar recursos para a educação e informações científicas. (MADALENO, 2017). 3.5 PRINCIPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA Rege o art. 227 da Constituição Federal de 1988, que cabe ao Estado, à sociedade e à família, garantir à criança e ao adolescente “direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade”, ou seja, direitos fundamentais e principalmente observa-se a aplicação do melhor interesse da criança. (BRASIL, 1988). O princípio do melhor interesse diz respeito a responsabilidade do Estado, da sociedade e da família em relação aos interesses da criança e do adolescente, garantindo os direitos que lhes diz respeito. Antes, nas separações dos pais, o interesse do filho era secundário, agora toda e qualquer decisão tem por prioridade o interesse da criança, visto que é o mais frágil da relação. Esta visão leva em consideração o fato de a criança e adolescente serem sujeitos de direitos, devendo ser assegurados a plena confirmação desses direitos. (LÔBO, 2010). No mesmo sentido, como forma de implementar os direitos e garantias, o Estatuto da Criança e do Adolescente, traz com mais detalhes todas as normas de proteção às crianças e adolescentes, desde o sentido material e processual, até no sentido da natureza civil e penal, reconhecendo-os como sujeitos de direitos. Todo o Estatuto tem por base o princípio do melhor interesse, fazendo efetivo os direitos fundamentais. (DIAS, 2016). O princípio do melhor interesse ilumina a investigação das paternidades e filiações socioafetivas. A criança é protagonista principal, na atualidade. No 38 passado recente, em havendo conflito, a aplicação do direito era mobilizada para os interesses dos pais, sendo a criança mero objeto da decisão. O juiz deve sempre, na colisão da verdade biológica com a verdade socioafetiva, apurar qual delas contempla o melhor interesse dos filhos, em cada caso, tendo
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