Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 1/10
Este texto foi publicado no site Jus Navigandi no endereço
http://jus.com.br/artigos/18553
Para  ver  outras  publicações  como  esta,  acesse
http://jus.com.br
Hermenêutica e aplicação do Direito.
Breves apontamentos sobre a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo
Ari Timóteo dos Reis Júnior
Publicado em 02/2011. Elaborado em 01/2011.
SUMÁRIO: 1. Introdução ­ 2. Hermenêutica clássica e positivismo ­ 3. Direito, Moral e pós­positivismo ­ 4. Nova dogmática
de interpretação jurídica ­ 5. Conclusão ­ 6. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
No presente estudo objetivamos analisar a questão da  interpretação  jurídica em face dos paradigmas que se erigiram ao
longo do tempo, especialmente o positivista e o chamado pós­positivista. A reconstrução dos sistemas de Direito é possível,
exatamente, a partir da noção de paradigma, sobre o que CARVALHO NETO traz importante lição acerca de seu papel na
construção científica, fazendo­o nos seguintes termos:
"O  conceito  de  paradigma  vem  da  filosofia  da  ciência  de Thomas
Kuhn  (A  estrutura  das  revoluções  científicas.  São  Paulo,
Perspectiva,  1994,  p.  128  a  232).  Tal  noção  apresenta  um  duplo
aspecto.  Por  um  lado,  possibilita  explicar  o  desenvolvimento
científico  como  um  processo  que  se  verifica  mediante  rupturas,
através  da  tematização  e  explicitação  dos  aspectos  centrais  dos
grandes esquemas gerais de pré­compreensões e visões de mundo,
consubstanciados,  no  pano  de  fundo  naturalizado  de  silêncio
assentado  na  gramática  das  práticas  sociais,  que  a  um  só  tempo
tornam  possível  a  linguagem,  a  comunicação,  e  limitam  ou
condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do
mundo. Por outro, também padece de óbvias simplificações, que só
são  validas  à medida que permitem que  se  apresente  essas  grades
seletivas  gerais  pressupostas  nas  visões  de  mundo  prevalentes  e
tendencialmente  hegemrminônicas  em  determinadas  sociedades
por  certos  períodos  de  tempo  e  em  contextos  determinados."
(CARVALHO NETO, 1986, p. 127)
Não podemos fincar nossa compreensão de mundo em um modelo que somente reproduz o que foi dito, numa constante
reinvenção  da  roda,  repousado  em  uma  razão  preguiçosa  que  se  nega  a  pensar  ou  evoluir,  contentando­nos  com  uma
repetição sem fim. Por outro lado, é, sim, importante e útil termos um suporte em ideias alheias já consolidadas, posto que
somente nos concebemos enquanto  incluídos num contexto  social,  cultural,  ético,  científico etc.,  contudo,  isto não pode
implicar na castração a inovações e ousadias positivas, que permitam, talvez, um progresso no modo de viver e de enxergar a
sociedade. Neste sentido, a transição paradigmática abre grande espaço para a inovação, a criatividade e a opção moral, o
que permite um novo conhecimento que, como nos diz Souza Santos (2001, p. 186) se "assenta num des­pensar do velho
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 2/10
conhecimento ainda hegemônico, do  conhecimento que não admite a  existência de uma crise paradigmática porque  se
recusa  a  ver  que  todas  as  soluções  progressistas  e  auspiciosas  por  ele  pensadas  foram  rejeitadas  ou  tornaram­se
inexequíveis."
No ordenamento jurídico brasileiro e na cultura jurídica nacional existe um forte apego à ideias de um passado já superado,
talvez, fruto da praxis jurídica ou da tímida maturação das ideias contemporâneas entre os profissionais do Direito. Dentre
esses "fantasmas" do passado destacamos apenas um: a hermenêutica e aplicação do Direito. Certamente esses são temas
centrais  de  todo  o  pensamento  jurídico,  influenciando  a  própria maneira  de  conceber  e  operar  o Direito.  Tais  assuntos
encontram, por vezes, disciplina legal incompatível com o paradigma jurídico contemporâneo, existindo verdadeiras peças
de museu em nossa legislação que tratam do tema como se vivêssemos no século passado, o que tem sido obstáculo para que
fossem assentadas novas premissas que por vezes passam despercebidas aos mais incautos.
Visando trazer à luz esse tema que nos instiga permanentemente, procedemos ao seu estudo em face do paradigma positivista
e do atual paradigma chamado pós­positivista, valendo­nos de uma revisão bibliográfica sobre o tema em relação a aspectos
que  consideramos  essenciais,  sem  ignorar  que  outras  nuances  são  tão  imprescindíveis  e merecedoras  de  igual  atenção.
Todavia,  não  é  nosso  intento  uma  abordagem  exaustiva  nem  definitiva,  cujo  transcurso  excederia  em muito  o modesto
alcance desse trabalho, mas apenas trazer uma de tantas soluções para a questão, com alguns dos argumentos que sirvam
para deixar em foco esse assunto e que permitam, essencialmente, que seja suscitada a problemática que cerca o  tema.
Sabedores de nossas limitações e de que ainda resta muito a pesquisar sobre hermenêutica e aplicação do Direito, segue
nossa humilde contribuição.
2) HERMENÊUTICA CLÁSSICA E POSITIVISMO
O positivismo jurídico abebera­se no positivismo filosófico que, segundo nos ensina Barroso:
"foi  fruto  de  uma  idealização  do  conhecimento  científico,  uma
crença  romântica  e  onipotente  de  que  os  múltiplos  domínios  da
indagação  e  da  atividade  intelectual  pudessem  ser  regidos por  leis
naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana.
O homem  chegara  à  sua maioridade  racional  e  tudo  passara  a  ser
ciência:  o único  conhecimento válido,  a única moral,  até mesmo a
única  religião.  O  universo,  conforme  divulgado  por  Galileu,  teria
uma  linguagem matemática,  integrando­se  a  um  sistema  de  leis  a
serem  descobertas,  e  os métodos  válidos  nas  ciências  da  natureza
deviam ser estendidos às ciência sociais."(BARROSO, p. 239)
O  positivismo  filosófico  tem  como  principais  expoentes  Comte  (1798­1857)  e  Lithé  (1801­1881),  em  cuja  doutrina
encontraramos a chamada lei dos três estados, pela qual se explica a evolução do conhecimento filosófico. Partindo de uma
visão causualística da vida social e influenciado pelas teorias da evolução orgânica de Lamark e Darwin, Comte entendeu que
existiria uma lei fundamental da evolução, pela qual a sociedade caminharia por uma linha progressiva do conhecimento. O
autor afirmava que o progresso humano seria permanente, indo sempre de um estágio inferior para outro superior e que,
então, a humanidade alcançaria a sua etapa mais elevada, qual seja, a positiva.
De acordo com a lei de Comte, a evolução da humanidade teria passado por três estágios: a) teológico, no qual os fenômenos
possuem  uma  explicação  sobrenatural  e  divina;  b)  metafísica,  em  que  o  pensamento  recorre  a  princípios  que  são
considerados como existentes além da superfície das coisas e como constitutivos das forças reais que atuam na evolução da
humanidade;  c)  o  positivo,  que  seria  o  estágio mais  avançado  dessa  evolução,  pelo  qual  não  são  admitidas  suposições
hipotéticas  não  demonstráveis,  mas  somente  observações  empíricas  e  relativas  à  conexão  de  fatos,  seguindo  métodos
utilizados nas ciências da natureza.
Neste contexto, os postulados do positivismo filosófico são: a) a ciência é o único conhecimento verdadeiro, depurado de
indagações teológicas ou metafísicas, que especulam acerca de causas e princípios abstratos, insuscetíveis de demonstração;
b) o conhecimento científico é objetivo, fundando­se na distinção entre sujeito e objeto e no método descritivo, com o que
objetiva ser preservado de opiniões, preferências ou preconceitos; c) ométodo científico empregado nas ciências naturais,
baseado na observação e  experimentação, deve  ser  estendido a  todos os  campos de  conhecimento,  inclusive às  ciências
sociais.
Na migração do jusnaturalismo para o positivismo jurídico, estava­se trocando o ideal racionalista de justiça pela ambição
positivista de certeza jurídica e da cientificidade que se esperava de uma ciência jurídica. Com a ascensão do positivismo
jurídico o Direito alcança sua perspectiva clássica, alicerçada nas seguintes características: a) caráter científico; b) emprego
da lógica formal; c) pretensão de completude; d) pureza científica; e) racionalidade da lei e neutralidade do intérprete. A
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 3/10
aplicação do Direito  consistiria  em um processo  lógico­dedutivo de  submissão à  lei  (premissa maior) da  relação de  fato
(premissa  menor),  produzindo  uma  conclusão  natural  e  óbvia,  meramente  declarada  pelo  intérprete,  que  não
desempenharia  qualquer  papel  criativo,  mas  apenas  cognoscivo.  Nessa  perspectiva,  a  decisão  judicial  era  jungida  aos
termos  legais,  exatamente  porque  todo  o  Direito  se  encontrava  nas  previsões  do  direito  positivo,  e,  por  outro  lado,  era
inadmissível qualquer subjetividade judicial, sendo o julgamento concebido como ato politicamente neutro. A metáfora da
justiça pela mulher vendada ilustra bem o quadro, pois a justiça deveria ser cega/neutra, ou seja, sem vontade própria.
A hermenêutica jurídica também se encontrava envolta nessa mesma perspectiva científico­cartesiana de correção, certeza e
demonstração  matemática.  Assim,  foram  concebidos  critério/regras/métodos  objetivos  para  compreensão  do  Direito,
forjados  primordialmente  pela  Escola  Exegética,  pelo  historicismo  de  Savigny,  pela  "Jurisprudência  de  Conceitos"  de
Puchta e pela "Jurisprudência de Interesses" de Ihering e Heck.
A Escola da Exegese surgiu na França no início do século XIX, logo após a publicação do Código Civil Napoleônico, em 1804.
Tal escola propunha uma hermenêutica que garantisse objetividade na interpretação e permitisse uma leitura racional dos
textos normativos para que o julgamento fosse realizado sem interferências da subjetividade do magistrado, ou seja, sem que
o julgamento fosse afetado por valores e interesses pessoais do julgador. Sobre esse assunto, as palavras de Álvaro Ricardo de
Souza Cruz são elucidativas:
"a  hermenêutica  exegética  deveria  limitar­se  ao  exame  dogmático
dos  textos  normativos,  priorizando  sensivelmente  a  interpretação
literal dos mesmos. Estava presente o  "otimismo" cartesiano de  se
encontrar na lei a resposta para todos os conflitos.
Por  conseguinte,  a  Escola  da  Exegese  lançou  as  bases  de  uma
hermenêutica absolutamente cognoscitiva, lastreada exclusivamente
no exame dos textos legislativos.
A  aplicação  do Direito  se  daria  por  um  formalismo  silogístico,  no
qual a premissa maior seria o texto normativo e a premissa menor o
fato  material.  Logo,  fundava­se  numa  concepção  dedutiva  de
incidência  do  elementos  abstrato  ao  elemento  concreto.  O  estudo
das  regras  de  pontuação,  da  estrutura  de  orações,  ou  seja,  os
elementos  sintáticos  ou  semânticos  da  língua  seriam  o  centro  de
suas preocupações." (CRUZ, 2004, p. 75)
Portanto, para a Escola da Exegese, Direito e Política estavam separados como que por uma incisão com precisão cirúrgica,
por conseguinte, o ato  legislativo, que  teria natureza volitiva,  tinha campo completamente demarcado do ato  judicial de
feição cognitiva.
Por sua vez, a Escola Histórica do Direito (Friedrich Carl Von Savigny), ao contrário da Escola da Exegese que tinha uma
concepção de razão sem considerações históricas, preceituava que as legislações eram fruto da história de cada nação, sendo
imprescindível a visão dos costumes e  tradições de um povo (wolksgeist) na compreensão do Direito. Por esse motivo, o
intérprete deveria deixar­se inspirar pelo "espírito de seu povo" no momento da aplicação do Direito. Contudo, o historicismo
de Savigny é celibatário daquela concepção de racionalismo cartesiano apontada acima, em que se busca uma precisão
científica do Direito, com correção e certeza compatíveis com a matemática. Sua proposta de hermenêutica concebe um
sistema jurídico fechado a valorações éticas e morais, enxergando o Direito como um sistema coerente de regras jurídicas de
aplicação dedutiva  através da  subsunção do  fato  ao  texto da norma. Para alcançar  seu objetivo,  a  interpretação  jurídica
deveria  se  valer  de  técnicas  próprias,  correspondentes  ao  elemento  gramatical,  lógico,  histórico  e  sistemático,  pois,
justamente  por  meio  delas,  o  intérprete  poderia  alcançar  a  "verdadeira  interpretação",  ou  seja,  atingir  o  ideal  da
precisão/correção das ciências naturais. A tudo isso agregue­se o fato de que a Escola Histórica concebia que somente os
doutores em Direito seriam capazes de percebê­lo, mesmo sendo produto da cultura e tradição do povo, o que fecha o campo
dos intérpretes à um círculo erudito restrito, formando o que se chamou de "direito dos professores".
A denominada "Jurisprudência de Conceitos", de Georg Friedrich Puchta, também acreditava que a interpretação jurídica
seria  exclusiva  de  juristas.  Por  meio  de  um  método  dedutivo  objetivava  desenvolver  conceitos  puros,  unívocos,
unisignificativos, dos signos/expressões dos textos jurídicos, de modo a permitir uma interpretação clara e exata dos textos
normativos. Estes conceitos eram hierarquizados de um plano mais amplo até chegar­se a obtenção de normas  jurídicas
particulares nas decisões judiciais, o que gera uma verdadeira pirâmide conceitual.
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 4/10
A "Jurisprudência de interesses" (Rudolph Von Ihering, Philipp Heck), se somaria, já no final do séc. XIX e início do séc.
XX, a  toda plêiade sustentatória do  formalismo  jurídico. Segundo seus postulados, o Direito deveria ser concebido como
forma  de  vivência,  devendo  haver  uma  preocupação  com  os  interesses  subjacentes  à  normatização  jurídica,  cuja
concretização se buscaria através dela. Tal doutrina, embora tivesse propiciado uma certa abertura, permaneceu adstrita à
uma visão positivista do fenômeno jurídico, uma vez que continuava supondo a existência de valores comuns próprios de
uma comunidade e que estariam inscritos em lei, de modo que o juiz continuaria adstrito a obedecê­la sem espaço para
valorações subjetivas (CRUZ, 2004, p. 105).
Ora,  fácil perceber que cada uma destas  concepções hermenêuticas geraram uma variável do positivismo. De  fato, pelo
positivismo legalista, positivo era apenas a lei, ao passo que para o positivismo histórico, positivo era o direito plasmado na
vida,  nas  instituições  ou  num  espírito  do  povo.  Já  para  o  positivismo  conceitual,  positivos  eram  os  conceitos  jurídicos
genéricos e abstratos, rigorosamente construídos e concatenados, válidos independentemente de variabilidade da legislação
positiva e, por fim, o positivismo sociológico, para o qual positivo era o estudo consentâneo com as regras das novas ciências
da sociedade, surgidas na segunda metade do séc. XIX (HESPANHA, 1998, p. 174­175).
Todas essas concepções são correspondentes à uma hermenêutica clássica, com a sua pretensão de precisão de cientificidade
e  certeza  cartesianas,  juntamente  com  a  repulsa  à metafísica,  o  que  as  tornam  compatíveis  com  a  premissa  da  decisão
judicial neutra e silogística. A autonomia do Direito cingia­o à suas estruturas, sendo apartado das esferassocial, política e
moral da sociedade, do mesmo modo que havia uma separação intransponível entre Estado e sociedade, com conseqüente
distanciamento entre Direito e realidade. Assim, podemos concluir, da mesma forma que Cruz (2004, p. 96), que "A visão
hermenêutica do positivismo implica exame exclusivo do texto normativo empregando­se, de modo geral, os métodos de
Savigny (1949), acrescidos da interpretação teleológica da "Jurisprudência de Interesses".
2) Hermenêutica contemporânea
2.1) Direito, moral e pós­positivismo
A análise histórica do Direito nos mostra que em um primeiro momento da evolução da  sociedade havia um amálgama
incindível entre moral, Direito e religião. Na modernidade essa coalizão viria a desaparecer diante das novas concepções
científicas de índole cartesiana e próprias do iluminismo. Podemos apontar o trabalho de Descartes e Kant na superação
deste amálgama, como exposto por Cruz:
"Kant terminaria o trabalho de Descartes. O mundo antigo concebia
um amálgama entre Direito, Moral e Religião. Descartes começou a
apartação da religião. Kant distinguiu o Direito da Moral e concebeu
uma sociedade pautada por princípios universais."(CRUZ, 2004, p.
62)
Contudo,  Kant  não  concebia  o  Direito  como  um  sistema  fechado  em  si  próprio.  Ao  contrário,  enxergava  um  contacto
subordinativo  dos  discursos  morais  em  relação  ao  Direito  Positivo.  Assim,  a  legitimidade  do  Direito  se  daria  pela
permeabilidade do mesmo com a dimensão moral. Essa dimensão moral só poderia ser deduzida pela razão, pois somente
ela  poderia  impor  regras  à  conduta  humana,  através  de  um  critério  de  universalização  denominado  por  Kant  como
"imperativos categóricos". Para o filósofo, o Direito justificava­se como mecanismo social de garantia do livre arbítrio humano
com liberdade, definida a partir de uma lei universal, o que plasmava o caráter ético da correção do Direito. Harmonizava as
liberdades individuais e viabilizava a vida na sociedade civil, enquanto sua falta privava o homem de sua liberdade. 
Portanto, embora reconhecendo autonomia ao Direito, havia condicionantes, uma ponte entre Direito e Moral.
Como dito acima, esta ligação entre Direito e Moral veio a desaparecer quando houve a assunção do positivismo e de sua ideia
de autoreferência e autopoiética, que lhe conferiu um perfil completamente dissociado da Moral e da Religião, com o que
buscava o status de ciência exatamente no sentido trilhado pelo positivismo filosófico. No entanto, esse divórcio substantivo
entre Direito e Moral desmoronaria ante a  constatação de que o ordenamento pode assumir  contornos cruéis  totalmente
contrários à ideia de Justiça que se espera da regulação jurídica das condutas, idéia essa que se compreende, enfim, ser a
função precípua do Direito: Justiça.
A tragédia humanitária e a imagem ignóbil do holocausto tiveram impacto avassalador no pensamento jurídico hegemônico
da época. É uma imagem que fala por si mesma, que arrebata e dispensa qualquer arrazoado. Tornou­se fator de propulsão
para uma nova demanda ética sobre o direito. O fato de Hitler ter alcançado o poder por meios democráticos e reformado a
Constituição  de  Weimar  sem  violação  formal  do  ordenamento  jurídico  positivo  é,  para  constitucionalistas,  chocante  e
constrangedor, pois difícil admitir que essa construção institucional pensada para limitar o poder e resguardar a liberdade
tenha sido tão facilmente fraudada para fins opostos.
Assim foi que, ao fim da Segunda Guerra Mundial, a ética e os valores começam a retornar ao Direito, eis que o formalismo e
a teoria positivista se mostraram insuficientes para construção de uma ordem jurídica aceitável, porquanto serviram como
uma  luva para a  roupagem legal de regimes autoritários e bárbaros,  justificando  juridicamente a barbárie empreendida
[01]
[02]
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 5/10
legalmente  .  Com essas  premissas,  passou  a  ser  defendido uma  aproximação  entre Direito  e Moral,  estreitando­se  os
vínculos entre política e Direito. Nesse aspecto, o neoconstitucionalismo se  identifica com o moralismo  jurídico  (leitura
moral da Constituição), exatamente como ressaltado por Ronald Dworkin, quando diz que a própria estrutura das normas
constitucionais,  frequentemente vazadas em  linguagem altamente abstrata, que contém apelo direito a  ideais políticos e
filosóficos, convida o intérprete a proceder uma "leitura moral" do texto Magno (DWORKIN, 1996, p. 1­39).
O  retorno  aos  valores  é  circunstância  que  representa  o  rompimento  com  o  positivismo  jurídico,  através  do  que  se
convencionou denominar "virada kantiana", isto é, a volta à influência da filosofia de Kant, que justifica a reaproximação
entre ética e Direito, com a fundamentação moral dos direitos humanos e com a busca da justiça fundada no imperativo
categórico. O livro A Theory of Justice de John Rawls, publicado em 1971, constitui a certidão de renascimento dessas ideias.
Luís  Roberto  Barroso  (2009,  p.  250),  em  lição  magistral,  ensina  que  os  valores  morais  compartilhados  por  toda  a
comunidade, em dado momento e lugar, migram para o mundo jurídico materializando­se mediante princípios jurídicos,
que passam a estar abrigados pela constituição de forma expressa ou implícita. Daniel Sarmento reconhece esta abertura
constitucional  ao  mundo  dos  valores,  atribuindo  aos  princípios  um  papel  primordial,  exatamente  na  esteira  do  pós­
positivismo, consoante as seguintes palavras:
"Sendo os princípios constitucionais a sede normativa dos
valores morais, a adoção de uma perspectiva principialista
da Constituição conduz, necessariamente, a uma abertura
da argumentação constitucional para a dimensão moral."
(SARMENTO, 2003, p. 275)
Com efeito, a invasão dos princípios maca o horizonte de mudanças do Direito, que se abre à moral, à política, à filosofia, os
quais, antes, habitavam a terra do extrajurídico. Neste sentido, os princípios são porta de entrada dos valores, que passam do
plano ético para o mundo jurídico. A seu turno, a dignidade da pessoa humana passa a ser o núcleo axiológico da tutela
jurídica,  localizada  na  posição  central  da  compreensão  neoconstitucionalista  como  epicentro  de  todo  o  ordenamento
jurídico.
O pós­positivismo surge como marco filosófico desse novo paradigma, exigindo que além da validade formal e eficácia social,
também esteja presente a correção substancial do Direito, trazendo a preocupação com valores, com o conteúdo ético do
Direito. Como ensina Luiz Roberto Barroso:
"A  superação  histórica  do  jusnaturalismo  e  o  fracasso  político  do
positivismo  abriram  caminho  para  um  conjunto  amplo  e  ainda
inacabado  de  reflexões  acerca  do  Direito,  sua  função  social  e  sua
interpretação. O pós­positivismo busca ir além da legalidade estrita,
mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura
moral  do  Direito,  mas  sem  recorrer  a  categorias  metafísicas.  A
interpretação  e  aplicação  do  ordenamento  jurídico  hão  de  ser
inspiradas  por  uma  teoria  de  justiça,  mas  não  podem  comportar
voluntarismos  ou  personalismos,  sobretudo  os  judiciais.  No
conjunto de idéias ricas e heterogêneas que procuram abrigo neste
paradigma em construção incluem­se a atribuição de normatividade
aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a
reabilitação da razão prática e argumentação jurídica; a formação de
uma  nova  hermenêutica  constitucional;  e  o  desenvolvimento  de
uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento
da  dignidade  humana.  Nesse  ambiente,  promove­se  uma
reaproximação entre o Direito e a filosofia."(BARROSO, 2005)
Destarte, toda essa guinada acerca dacompreensão jurídica traz mais do que apenas ruídos ao que se deva entender por
interpretação, aplicação e hermenêutica  jurídica,  colocando em xeque a  sua visão positivista, mecanicista e de precisão
científica já delineada acima, exigindo, por outro lado, que sejam redimensionadas as concepções sobre criação, aplicação e
interpretação do Direito.
[02]
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 6/10
2.2) Nova dogmática de interpretação jurídica
A origem mais conhecida da palavra hermenêutica dá­se pela conexão semântica com o deus da mitologia grega chamado
Hermes, que é compreendido como o deus responsável pela publicidade/tradução das mensagens divinas aos mortais, ao
passo  que  a  função  da  hermenêutica  seria  trazer  à  luz  as  mensagens  legisladas,  traduzindo  os  comandos  jurídicos,  as
mensagens  por  traz  do  texto  legislado.  Numa  concepção  clássica,  hermenêutica  jurídica  é  a  ciência  que  trata  da
sistematização dos processos de interpretação do Direito, que estuda as principais técnicas de interpretação e elabora regras
para a compreensão de textos jurídicos, de modo a ordenar e sistematizar as técnicas e métodos interpretativos.
Os novos marcos do constitucionalismo, mormente a expansão da jurisdição constitucional e a adoção do pós­positivismo,
causam uma transfiguração da hermenêutica. Há uma guinada acerca de como o direito constitucional deve ser pensado e
praticado,  o que atinge as premissas  teóricas,  filosóficas  e  ideológicas  até  então adotadas. Álvaro Ricardo de Souza Cruz
ressalta que, no contexto de um novo quadro teórico, e clássica visão de hermenêutica deve ser superada, dizendo que ela
"não se limita ao exame de um catálogo de técnicas interpretativas" (2004, p. 30) aptas a revelar o significado/conteúdo de
uma norma  jurídica. Desta  forma,  devemos  ter  em mente que,  com o neoconstitucionalismo,  o  papel  da norma geral  e
abstrata e do juiz evoluiu, juntamente com a superação do positivismo e da concepção de atividade de aplicação do Direito
como um mero silogismo solipsista que toma por base a lei e o caso concreto através de um processo de mera subsunção
automática.
O entendimento de que o juiz seria mera boca da lei (la bouche de la loi), detentor de um poder nulo, para usar as palavra de
Montesquieu  (2008),  incumbido  de  revelar  verdades  constantes  da  legislação  e  resolver  o  caso  trazido  à  apreciação  do
Judiciário  através  de  um  silogismo  automático,  sem  qualquer  papel  criativo,  ficou  superado.  A  sentença  que  devia  se
subsumir direta e automaticamente à lei, sem quaisquer considerações constitucionais, passa a ser instrumento de controle
de  constitucionalidade,  de  filtragem  constitucional,  de  realização  da  vontade  constitucional,  de  aplicação  dos  direitos
fundamentais, trazendo à tona um papel criativo do aplicador do Direito.
Norma e preceito normativo não se confundem. Para a regulação do caso concreto exige­se uma interpretação que construa o
sentido  da  imposição  jurídica,  interpretação  esta  criativa,  que  exige  que  sejam  observados  os  vetores  do  ordenamento
jurídico,  nos  quais  se  inserem  os  princípios  constitucionais,  que  ora  vão  negar  validade  à  lei  (controle  de
constitucionalidade), compor o espírito da própria lei, ou mesmo serem aplicados diretamente. Ao juiz não cabe apenas uma
função de conhecimento técnico, ele possui coparticipação no processo de criação do Direito, completando o trabalho do
legislador ao fazer valorações de sentido para as cláusulas abertas e ao realizar escolhas entre soluções possíveis. O percurso
da normas geral e abstrata, com sua compatibilização constitucional, até o caso concreto a ser solucionado, indubitavelmente
necessita desta criação. Vejamos as palavras de Eduardo Cambi:
"Como  última  barreira  à  atuação  do  Poder  Judiciário,  impõe­se  o
mito  do  legislador  positivo,  pelo  qual  o  juiz  pode,  nos moldes  do
pensamento  iluminista,  apenas  declarar  a  vontade  concreta  da  lei
ou,  no  máximo,  atuar  como  legislador  negativo  declarando  a
inconstitucionalidade de uma lei contrária à Constituição, não tendo
ampla  liberdade para a concretização de direitos. Tal compreensão
se dirigia  ao Estado Liberal,  quando  se  impunha  ao  agente  estatal
apenas  deveres  negativos  (de  não­fazer),  não  se  compatibilizando
com  o  modelo  de  Estado  previsto  na  Constituição  Brasileira  de
1988, que requer, além das prestações negativas para a garantia dos
direitos  de  liberdade,  também  prestações  positivas  inerentes  à
implementação  de  direitos  fundamentais  à  subsistência,  à
alimentação, ao trabalho, à educação, à saúde e à moradia." (CAMBI
apud DIDIER, 2009, p. 215)
Com isto, os métodos clássicos de hermenêutica jurídica desenvolvidos por Savigny (literal, lógico, histórico e sistemático),
conquanto não devam ser abandonados, revelam­se insuficientes sob a perspectiva pós­positivista, não sendo bastantes para
propiciar  a  concretização  dos  comandos  jurídicos  aos  casos  sob  apreciação  do  aplicador  do  Direito.  Nesta  nova  fase
paradigmática  aparecem métodos  de  interpretação  que  ressaltam  o  papel  criativo  do  intérprete,  como  os  princípios  da
unidade, efeito integrador, máxima efetividade, conformidade funcional, harmonização força normativa, além de postulados
normativos em resposta à complexa e imprescindível aplicação da constituição, a exemplo do método tópico­problemático,
hermenêutico­concretizador, científico­espiritual etc. A doutrina passa a problematizar todo o panorama de interpretação e
aplicação do Direito. A justificação da aplicação do Direito, ao invés de pautar­se em uma subsunção automática de conceitos
em um processo meramente cognoscivo procedido por um aplicador neutro, passa a ter a alternativa de fundamentar­se em
uma argumentação racional em um quadro que admite juízo de valor do próprio hermeneuta. Alexy (2001) inicia sua obra
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 7/10
Teoria da Argumentação Jurídica com a constatação de que osilogismo não esgota toda a operação inerente ao raciocínio
jurídico, de forma que nem toda decisão jurídica é uma questão de mera subsunção do caso particular a uma norma geral.
Segundo o autor:
""Ninguém mais  pode  afirmar  seriamente  que  a  aplicação  das  leis
nada  mais  envolva  do  que  uma  inclusão  lógica  sob  conceitos
superiores abstratamente formulados."
Essa  constatação de Karl Larez  caracteriza um dos poucos pontos  em que há unanimidade dos  juristas na discussão da
metodologia contemporânea. Em um grande número de casos, a afirmação normativa singular que expressa um julgamento
envolvendo uma questão legal não é uma conclusão lógica derivada de formulações de normas pressupostamente válidas,
tomadas junto com afirmações de fatos comprovada ou pressupostamente verdadeiros.
...
Há casos em que a decisão de um caso  isolado não segue  logicamente quer de afirmações empíricas tomadas  junto com
normas  pressupostas  ou  proposições  estritamente  fundamentadas  de  algum  sistema  de  raciocínio  (juntamente  com
proposições empíricas), nem pode essa decisão ser totalmente justificada com a ajuda das regras de metodologia jurídica;
nesses casos deve­se concluir que quem decide tem de ser discreto, na medida emque o caso não seja completamente regido
por normas  jurídicas, regras do método  jurídico e doutrinas de dogmática  jurídica. Então ele pode escolher entre várias
soluções" (ALEXY, 2001, p. 17­19)
Aliás, nem precisávamos chegar à este ponto para reconhecer a atividade criativa do intérprete. Kelsen,sempre apontado
como doutrinador central do positivismo já reconhecia que todo ato de aplicação do Direito é também um ato de criação.
Kelsen via o Direito em seu aspecto dinâmico como um conjunto de autorizações aptas a conferir competências a pessoas
investidas em cargos públicos ligados à aplicação/criação normativa (CRUZ, 2004, p. 117). As normas jurídicas não teriam
completude necessária para  regrar  o  surgimento de  toda  e qualquer norma  jurídica,  geral  ou  individual,  havendo uma
atividade volitiva no ato decisional, enxergando, assim, uma liberdade concedida ao aplicador do Direito. Para ele, a ciência
do Direito teria seu objeto limitado ao fornecimento das molduras das possíveis interpretações, contudo, existiriam situações
nas quais somente a discricionariedade poderia solucionar a questão. Logo, em determinadas questões não haveria uma
única solução, mas sim uma das soluções possíveis para o caso.
Para Dworkin (DWORKIN, 1999, apud CRUZ, 2003, p. 29) as  formas de  interpretação podem ser  classificadas em  três
espécies: a conversacional, a científica e a criativa. De acordo com a primeira, para se descobrir o significado do que outra
pessoa disse, é indispensável a análise dos sons ou de signos gráficos que ela faz. Tal espécie é intencional, no sentido de que
o intérprete se esforça para desvendar os motivos e as intenções do orador. A segunda se voltaria para a descrição do princípio
da  causalidade  nos  eventos  naturais.  Já  a  interpretação  criativa  se  propõe  à  análise  de  um objeto,  não  sendo  adstrita  à
elucidação da vontade do autor do objeto interpretado, mas deve ela mesma pôr em prática uma intenção, qual seja, a do
intérprete  . Cruz (2003, p. 30) nos diz que a interpretação criativa de Dworkin se aproximaria do conceito de fusão de
horizontes de Hans­Georg Gadamer. Segundo Gadamer, o significado de um texto resulta de uma experiência dialógica que
ocorre quando o horizonte de significados e suposições históricas no intérprete se funde com o horizonte dentro do qual o
próprio texto está situado, chegando a uma compreensão do texto situado na compreensão do intérprete. Isso quer dizer que,
no redespertar do sentido do texto já se encontram sempre implicados os pensamentos próprios do intérprete, de modo que o
próprio horizonte do intérprete é determinante na compreensão do texto. Compreender é um processo onde o intérprete se
inclui e onde ocorre essa fusão de horizontes, sendo esse compreender e interpretar um processo produtivo.
Ademais, as circunstâncias de fato realmente possuem implicações nas prescrições jurídicas, motivo pelo qual Hesse (2001)
reconheceu influência recíproca entre a Constituição jurídica e a Constituição real de Ferdinand Lassale, não separando­as
em compartimentos estanques como  fez esse último ao chamar a primeira de mera  folha de papel, mas, pelo contrário,
concebendo  interferências  recíprocas,  sem  desconectar  as  normas  da  realidade  e,  ao  mesmo  tempo,  sem  que  os  fatos
ignorem a regulamentação jurídica  . Barroso (2009, p. 270­287) aponta que na dogmática contemporânea não há cisão
entre  interpretação  e  aplicação  ,  pois  a  atribuição  de  sentidos  se  faz  em  conexão  com  os  fatos  relevantes  e  a  realidade
subjacente, de modo que a norma jurídica não é o objeto da interpretação, mas seu produto final. Tratando da interpretação
constitucional, o autor expõe que o intérprete desempenha uma atuação criativa, que o intérprete, em alguns casos (hard
cases), tem papel de destaque, pois sua pré­compreensão do mundo, do Direito e da realidade imediata irá afetar o modo
como ele irá apreender os valores da comunidade e solucionar o caso. Suas palavras merecem transcrição:
"A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da
difusão  de  uma  constatação  que,  além de  singela,  nem  sequer  era
original: não é verdadeira a  crença de que as normas  jurídicas em
geral – e as constitucionais em particular – tragam sempre em si um
sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais
incida."(BARROSO, 2009, p. 307)
[03]
[04]
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 8/10
Realmente, na atualidade, mudaram o papel do sistema normativo, do problema a ser resolvido e do intérprete. A norma
jurídica não se confunde com o texto legislativo (enunciado normativo), sendo a conclusão construída diante dos fatos, pelo
intérprete, para resolução do caso sob sua apreciação, sendo, pois, resultado da aplicação da norma, o que substitui a visão
mecanicista e cartesiana erigida pelo positivismo pela concepção que compreende que a atividade de aplicação do direito
comporta escolhas valorativas com espeque no eixo axiológico constitucionalmente previsto.
3. CONCLUSÃO
A interpretação tradicional punha ênfase quase integral no sistema jurídico, na norma jurídica que deveria ser interpretada
e aplicada ao  caso  concreto. Nela  encontraríamos,  em proposições genéricas  e  abstratas,  a prescrição para  resolução do
problema que, por sua vez, forneceria os elementos fáticos sobre os quais a norma incidiria, ou seja, o material fático que nela
se subsumiria. O intérprete, por fim, teria uma função meramente técnica de identificar a norma aplicável, revelando seu
sentido para aplicá­la ao caso concreto, de forma neutra e objetivamente alcançada, tudo de acordo com uma visão liberal­
positivista.
Tal visão não é adequada ao paradigma contemporâneo, em que se reconhece uma atividade criativa do aplicador do direito,
entendendo­se a interpretação e aplicação do Direito como faces de uma mesma moeda, como conceitos em simbiose. A
norma jurídica, por sua vez, não se confunde com o enunciado normativo (texto), sendo produto da interação entre texto e
realidade, de modo que somente poderíamos falar em norma concretizada. Nesse cenário, o problema deixa de ser apenas
um conjunto de fatos sobre os quais incide a norma, para se transformar em parte dos elementos que irão produzir o Direito.
Nesse contexto, não se mostra cabível a separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel
do intérprete não se reduz, invariavelmente, a uma função de conhecimento técnico, voltado para revelar a solução contida
no enunciado normativo, tornando­se co­autor ao fazer valorações de sentido ao realizar escolhas entre as soluções possíveis.
4. BIBLIOGRAFIA
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
BARROSO, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do
novo modelo. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
_______________________. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. P. 23.
_______________________. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.
_______________________.Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil (http://jus.com.br/artigos/7547) . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 851, 1 nov. 2005.
Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7547. Acesso em: 10 set. 2009.
BULLOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
CARVALHO  NETO,  Menelick  de.  Da  responsabilidade  da  administração  pela  situação  falimentar  da  empresa  privada
economicamente viável pro inadimplência ou retardo indevido da satisfação dos valores contratados como contraprestação
por obras realizadas – ilícito do Estado – igualdade de todos diante dos encargos públicos – princípio da continuidade da
empresa – Estado democrático de direito. 1996. Revista da Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília, p. 127, jul/dez, 1986.
COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. Trad. José Arthur Giannottie Miguel Lemos. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
____________________________; et  al. O Supremo Tribunal Federal  revisitado:  o  ano  judiciário  de  2002. Coord.
Álvaro Ricardo de Souza Cruz. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 1996
DWORKIN, Ronald. Freedom’s law:  the moral  reading  of  the  American  Constitution.  Cambridge: Harvard University
Press, 1996
________________. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
________________. O império do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GADAMER, Hans­Georg. Verdade e método. Trad. Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes, 1997.
GOMES, Alexandre Travessoni. O fundamento de validade do direito: Kant e Kelsen. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000
HESPANHA, Antônio Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. Sintra: Europa­América, 1998.
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 9/10
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar F. Mendes. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris, Editor,
1991.
IHERING, Rudolf von. O espírito do direito romano. Rio de Janeiro: Alba, 1943.
__________________. A evolução do direito. Salvador: Livraria Progresso. 1953.
CAMBI, Eduardo.  "Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo".  In: Leituras Complementares de Processo Civil.  7  ed.
Salvador: JusPODIVM, 2009
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2004.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
_____________. Teoria Geral do direito e do Estado. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis: as formas de governo, a federação, a divisão dos
poderes – introdução, tradução e notas de Pedro Vieira Mota. 9 ed., São Paulo: Saraiva, 2008
RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge: Harvard University Press, 1999.
SARMENTO,  Daniel.  "A  dimensão  objetiva  dos  direitos  fundamentais:  fragmentos  de  uma  teoria".  In:  Jurisdição
Constitucional e Direitos Fundamentais. coord José Adécio Leite Sampaio. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
SAVIGNY, Friedrich. Carl von. Sistema del drecho romano actual. Trad. Jacinto Mesia e Manuel Poley. 2 ed. Madrid:
Centro Editorial de Gôngora, 1933, t. I.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. Um discurso sobre as ciências. 12 ed. Porto: Afrontamento, 2001.
NOTAS
"Art.  1º  São  proibidos  os  casamentos  entre  judeus  e  cidadãos  de  sangue  alemão  ou  aparentado.  Os  casamentos
celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido contraídos no estrangeiro para
iludir a aplicação desta lei.
Art. 2º As relações extra­matrimoniais entre Judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado são proibidas.
Art. 3º Os Judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou aparentado com
menos de 45 anos.
Art. 4º Os Judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do Reich. Mas são
autorizados a engalanarem­se com as cores judaicas. O exercício desta autorização é protegido pelo Estado.
Art. 5º Quem infrigir o artigo 1º será condenado a trabalhos forçados. 3) Quem infrigir os arts. 3º e 4º será condenado á
prisão que poderá ir até um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas.
Art.  6º  O Ministro  do  Interior  do  Reich,  com  o  assentimento  do  representante  do  Führer  e  do Ministro  da  Justiça,
publicarão as disposições jurídicas e administrativas necessárias à aplicação desta lei."
1.  Segundo Gomes: "O fundamento do direito em Kant é a liberdade, entendida enquanto autonomia da razão. (...) A
liberdade fundamenta a existência de leis internas, que criam deveres internos, na forma de imperativos
categóricos. Mas a mesma liberdade interna fundamenta a existência de leis exteriores, que tornam possível o
convívio das liberdades individuais (arbítrio). O direito, é, portanto, a liberdade exteriorizada. (...) Como somente
no Estado Civil há direito positive, isto e, há garantia do convívio das liberdades individuais mediante uma lei
universal de liberdade, o homem tem o dever de sair do estado de natureza e a ele nunca voltar."(GOMES, 2000, p.
79­80)
2.  Exemplo disso são as Leis de Nuremberg (1935), com clara índole discriminatória. Tendo como base a origem dos
quatro avós de um indivíduo, se estabelecia se este era alemão (os quatro avós alemães), judeu (os quatro avós
judeus) e mestiço se descendia de um ou dois judeus. Baseados nesta distinção, os nazistas
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Nazistas/oNazistas) determinaram leis de segregação racial, que proibiam a união
matrimonial, coabitação e relações sexuais entre judeus e alemães, além de estabelecer uma divisão social que
relegava os judeus a cidadãos de segunda categoria. Veja­se os termos da lei:
3.  O teatro nos oferece m exemplo elucidativo. Alguém que atualmente resolva produzir "O Mercador de Veneza" deve
encontrar uma concepção de Shylock que possa evocar, para o público contemporâneo, o complexo significado que
a figura de um judeu tinha para Shakespeare e seu público, e por esse motivo sua interpretação deve, de alguma
maneira, unir dois períodos de "consciência" ao transpor as intenções de Shakespeare para uma cultura muito
diferente. (DWORKIN, 1999, p. 68).
4.  "O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas – ordenação
e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento
recíproco. Uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em
10/04/2015 Hermenêutica e aplicação do direito: a interpretação jurídica no paradigma contemporâneo ­ Jus Navigandi
http://jus.com.br/imprimir/18553/hermeneutica­e­aplicacao­do­direito 10/10
condições de fornecer resposta adequada à questão." (HESSE, 1991, p. 13)
Autor
Ari Timóteo dos Reis Júnior
Especialista em Direito Tributário pelo  IBET. Ex­Procurador do Estado de Minas Gerais.
Procurador da Fazenda Nacional.
Informações sobre o texto
Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT)
REIS  JÚNIOR,  Ari  Timóteo  dos.  Hermenêutica  e  aplicação  do  direito:  a  interpretação  jurídica  no  paradigma
contemporâneo.  Revista  Jus  Navigandi,  Teresina,  ano  16,  n.  2794,  24  fev.  2011.  Disponível  em:
<http://jus.com.br/artigos/18553>. Acesso em: 10 abr. 2015.

Mais conteúdos dessa disciplina