Buscar

Conceitos Básicos de Ciência Política

Prévia do material em texto

CONCEITOS BÁSICOS DE CIÊNCIA POLÍTICA
PODER E AUTORIDADE
Segundo Max Weber (apud DREIFUSS, 1993), o conceito de poder diz respeito à capacidade de imposição da própria vontade, a despeito da resistência do outro, visando à consecução de um determinado objetivo ou fim estipulado pelo sujeito que impõe.
O poder como fenômeno relacional
Trata-se, portanto, de um fenômeno relacional, ou seja, de um fenômeno que não ocorre no vazio, uma vez que se origina do confronto de vontades e/ou interesses diversos e potencialmente antagônicos. O conceito weberiano de poder abrange, portanto, as noções de conflito e coerção. Para que a vontade de um prevaleça sobre a vontade de outro, deve haver uma expectativa de severas sanções em caso de desobediência ou rebeldia.
Entendido em sua acepção política, o poder é a capacidade de impor a própria vontade a outrem, mesmo contra a vontade dessa outra pessoa. Sua característica é, portanto, a de um fenômeno relacional, que pressupõe ao lado do indivíduo ou grupo que o exerce, outro indivíduo ou grupo que é obrigado a comportar-se como aquele deseja.
Isso posto, o poder não é uma substância, algo que se possa ter como um objeto, mas uma relação que se estabelece entre sujeitos ou grupos, que não depende para ser caracterizado apenas dos recursos materiais ou simbólicos ou da habilidade de quem pretenda utilizar esses recursos para exercer poder, mas sim de que efetivamente o sujeito ativo possa impor sua vontade ao sujeito passivo.
A tipologia moderna das formas de poder
As formas modernas de classificação do poder se baseiam nos recursos por meio dos quais o sujeito ativo da relação pode determinar o comportamento do sujeito passivo. Com base nesse critério, BOBBIO (1992) diferencia três grandes classes na esfera do poder, quais sejam: o poder econômico, o poder ideológico e o poder político.
O poder econômico é aquele que se vale da posse de certos bens, necessários ou considerados como tais, numa situação de escassez, para induzir aqueles que não os possuem mas deles necessitam a manter um certo comportamento, consistente sobretudo na realização de um certo tipo de trabalho. Em princípio, sustenta o autor, todo aquele que possua abundância de bens necessários é capaz de determinar o comportamento de quem se encontra em condições de penúria, mediante a promessa de provisão desses recursos, ou a ameaça de interditá-los.
O poder ideológico fundamenta-se na influência, ou seja, na capacidade que possuem certas idéias, formuladas de certo modo, expressas em certas circunstâncias, por pessoas com certo prestígio e difundidas mediante certos processos, de determinar a conduta de terceiros. Trata-se de um poder simbólico, associado à capacidade de produzir o conhecimento e difundir os valores que consubstanciam o processo de socialização necessário a coesão e integração do grupo. 
O poder político. Sustenta o autor que o poder político é aquele que se baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a força física (as armas de toda a espécie e potência): seria o poder coator no sentido estrito do termo. O sujeito ativo é aquele que monopoliza os meios de violência (instrumentos, técnica e organização) e é capaz de usá-los para impor sua vontade ao sujeito passivo, sendo a ameaça do emprego da violência – e sua possibilidade real e latente -, a base do poder.
Finalmente, o autor contextualiza a classificação, ao afirmar que todas estas três formas de poder fundamentam e mantêm uma sociedade de desiguais, isto é, dividida em ricos e pobres (poder econômico), sábios e ignorantes (poder ideológico), fortes e fracos (poder político), isto é, em superiores e inferiores.
De fato, as três formas de poder acima referidas, embora possam ser visualizadas nas relações entre dois indivíduos, interessam à ciência política na medida em que se expressam no contexto de um processo social, como poder de um grupo sobre outro, sejam quais forem os critérios adicionais que balizam a distinção entre esses grupos. 
Essa relação de desigualdade e oposição de interesses entre grupos promove um antagonismo permanente, cujo desfecho violento é sempre uma possibilidade real, eis que a força é o recurso a que recorrem todos os grupos sociais antagônicos para se defenderem dos ataques externos, ou para impedirem, com a desagregação do grupo, de serem eliminados.
Na medida em que o antagonismo é constante, o poder político, como poder cujo meio específico é a força, de longe o instrumento mais eficaz para condicionar os comportamentos, é o poder supremo em qualquer sociedade, assim como as relações baseadas no antagonismo que estão balizadas pela ameaça do emprego da violência – ainda que em última instância -, são o núcleo da política.
CONFLITO E CONSENSO
Trata-se de uma relação social que envolve interação intensiva entre atores sociais (tanto individuais quanto coletivos), podendo apresentar comportamento violento ou não, incidindo sobre desavenças quanto ao acesso e/ou distribuição de recursos estratégicos em determina do espaço social (poder, riqueza, prestígio).
Podemos identificar diferentes tipos de atores envolvidos no conflito, conforme sua densidade, agregação e complexidade. O conflito pode ser protagonizado por indivíduos, grupos (consumidores, minorias etc.), organizações (partidos, empresas, sindicatos etc.) ou mesmo coletividades inteiras (Estados, raça etc.). Os conflitos podem envolver atores de diferentes níveis (indivíduo x grupo; organizações x coletividade).
Ao analisar as características objetivas do conflito, três dimensões salientam-se prontamente: o número de participantes, que pode se relativo e absoluto, sendo referente a quantidade de elementos envolvidos na confrontação; a intensidade do conflito, que pode gerar em torno de fins negociáveis, onde a regra é a barganha até obtenção do consenso, ou em torno de fins não-negociáveis, quando então os impasses tendem a ser mais prolongados e o desfecho assume uma configuração de soma-zero; e os objetivos perseguidos pelos atores, que podem implicar em mudanças no sistema, de cunho incrementalista e/ou setorial, ou podem implicar em mudanças do sistema, implicando uma radicalização de posições e a ruptura com as instituições dominantes.
Em que pese o conflito ser uma constante ao longo da história, podemos identificar duas teses dominantes e mutuamente excludentes acerca da natureza do conflito em sociedade: a tese da harmonia ou equilíbrio, que sustenta o caráter disfuncional e eventual do conflito; e a tese da coerção, segundo a qual o conflito é inerente à sociedade, que a partir dele organiza seu funcionamento e distribui seus papéis sociais.
Solucionar o conflito seria, então, um dos grandes dilemas da sociedade moderna. Para ser suprimido, teríamos que bloquear sua expressão ou mesmo destruir os atores envolvidos no processo. Para resolver o conflito, seria necessário oferecer aos atores envolvidos a satisfação plena de suas necessidades, eliminando as causas da insatisfação. Usualmente, a saída encontrada passa por regular o conflito, institucionalizando os confrontos mediante regras aceitas por todos, mais ou menos estáveis, passíveis de modificação tão-somente com a anuência de todos os interessados.
A solução do conflito, portanto, passaria pela busca e criação do consenso, entendido enquanto um acordo (ou convergência de valores e interesses), tácito ou expresso, sobre os princípios gerais de um determinado sistema social, o qual poderia garantir a coesão social pelo compartilhamento mínimo de regras e valores.
Naturalmente, não existe um consenso absoluto em nenhuma sociedade atualmente conhecida, nem absoluto conflito, mas graus variados e variáveis de consenso e conflito. Para aqueles que preocupam-se com a governança democrática, o consenso principal, imprescindível para o funcionamento das democracias, dá-se pela adesão às regras do jogo que sustentam o sistema representativo e suas práticas eletivas regulares e pluralistas(alternância no exercício dos cargos públicos decisórios, por exemplo). O consenso acessório, sobre objetivos específicos a serem alcançados (políticas setoriais, por exemplo), poderia ser construído por barganhas realizadas no quadro do consenso principal.
Por outro lado, quanto mais firmemente estabelecido o consenso principal e mais numerosos os consensos acessórios, tanto menor a necessidade de recorrer aos mecanismos coercitivos de imposição das decisões públicas, menos fragmentada tende a ser o funcionamento do sistema político e menores os riscos de uma ruptura institucional. No sentido oposto, a perda do consenso tende a requer um incremente no uso da coerção, com os desgastes decorrentes, o estilhaçamento da ação política e a ruptura institucional.
POLÍTICA
Significado e definições clássicas
Classicamente, a palavra política é originária do grego pólis (politikós), e se refere ao que é urbano, civil, público, enfim, ao que é da cidade (da pólis). Indica tratar-se, portanto, de uma atividade humana relacionada ao exercício do poder, eis que a cidade era o centro da vida política, e cidadão era um termo restritivo empregado para classificar os membros de uma elite que se dedicava aos assuntos de governo, filosofia, arte e guerra.
As instituições ou espaços sociais da política: Estado, Governo e partidos
A definição clássica do século XIX, considerando a política como a “arte e a ciência do Estado ou do governo”. Mesmo essa visão, todavia, aceita a importância de incluir algumas organizações ou fenômenos que se ligam ao Estado na condição de pré-estatais ou supra-estatais. Tradicionalmente incluem o estudo dos partidos, grupos de pressão, círculos militares e grupos informais que atuam próximos ao Estado, sobre ele exercendo ou tentando exercer influência (SCHMITTER, 1984).
Essas primeiras abordagens em ciência política concentravam sua análise no Estado ou no Governo, enfatizando sua estrutura, funcionamento, modelo jurídico-formal, composição de seus membros titulares, mecanismos de interferência na sociedade, permeabilidade aos grupos externo e instituições associadas.
Embora a preocupação com o Estado seja uma constante no pensamento político contemporâneo, as primeiras abordagens que enfatizavam o Estado e seus aparelhos eram usualmente restritivas, enfatizando os aspectos jurídico-formais do fenômeno político, fortemente influenciada por um viés jurídico – com desdobramentos de direito constitucional, teoria geral do Estado e de filosofia jurídica.
A partir dos Recursos: ênfase na capacidade de impor comportamentos
A definição da política a partir dos recursos enfatiza os meios utilizados pelos atores para imporem sua vontade aos antagonistas num contexto de conflito. Tende a buscar a especificidade da política em relação a outros fenômenos sociais a partir do suo de conceitos como poder, influência e autoridade (SCHMITTER, 1984).
Poder
Conceitualmente fundamentado pela teoria weberiana, segundo a qual o “meio decisivo da política é a violência” (WEBER, 1994), enfatiza a coerção e a monopolização da violência ou força física, bem como as lutas para obter, reter e exercer o poder ou resistir a seu exercício.
Maquiavel (apud BOBBIO, 1987), considerado o fundador da ciência política moderna, foi o primeiro a exprimir com clareza a política como instância autônoma da moral, filosofia, direito ou religião, definindo-a exatamente como “a arte de conquistar, manter, expandir ou reaver o poder”, associando a figura do príncipe, como condutor do Estado moderno, ao político no sentido estrito. Essa concepção da política como instrumento de poder vai caracterizar o pensamento absolutista e permanece até hoje presente em abordagens moderna do conflito político.
A concepção da política associada ao poder tende a dicotomizar as facções em luta em dois campos opostos e mutuamente excludentes. Caracteriza as abordagens clássica de Maquiavel e Weber, sendo modernamente utilizada, dentro de seus respectivos paradigmas, pelos marxistas e behavioristas.
Autoridade
Nessa segunda subcategoria, o foco do estudo da política estaria situado na disciplina, entendida como característica condicionadora e formadora de hábito, “de obediência de massa acrítica e não resistente”, possuindo traços de comportamento regrado, treinado e internalizado (DREIFUSS, 1993).
Tipo específico de relação social. Trata-se do poder legítimo, isto é, revestido de consentimento, que, segundo Weber (apud DREIFUSS, 1993), se faz obedecer voluntariamente.
Portanto, essa abordagem está optando por um tipo específico de relação social que combina ambos: o estudo da política seria o estudo das relações de autoridade entre indivíduos e os grupos, da hierarquia de forças que se estabelecem entre eles, e principalmente a capacidade de criar e manter a crença de que as repartições de poder e influência existentes são as mais apropriadas.
Embora não enfatize as instituições, esse entendimento reconhece que, modernamente, o Estado ou governo ocupariam o ápice da estrutura social e autoridade, cabendo à ciência política explicar toda essa estrutura e as forças e influências respectivas que a compõem.
O processo de tomada das decisões públicas ou alocação imperativa de valores
Essa abordagem considera a política como um processo social, cuja especificidade estaria no uso dos recursos antes mencionados – poder, autoridade, influência – para formulação de linhas de conduta coletivas adotadas pelos atores.
Essa abordagem se propõe a explicar porque uma determinada linha de conduta foi adotada (formulação, participantes, determinantes, resultados e impacto), num contexto de conflito envolvendo disputadas sobre a administração de bens escassos na sociedade.
Para os autores que adotam essa aporte teórico, a ciência política deve compreender “o estudo da alocação autoritária ou imperiosa dos valores, de maneira que essa alocação seja influenciada pela distribuição e utilização do poder” (David Easton apud Schmitter, 1984).
Ela fixa os limites do sistema político como todas as ações mais ou menos relacionadas com a formulação de decisões autoritárias ou imperiosas para uma sociedade. Se entendermos decisões “autoritárias ou imperiosas” como aquelas fundamentadas no poder extroverso do Estado, então a política volta a ser definida em termos de Estado, agora entendido como processo e não como instituição (SCHMMITER, 1984).
Alguns teóricos que utilizam o decision-making approach, todavia, consideravam que o estudo do processo de tomada de decisões enquanto delimitação da política ultrapassa os limites da esfera pública, podendo ser também aplicada às decisões que tem reflexos indiretos sobre o Estado e a sociedade (CHILCOTE, 1997).
Inspiradas pela análise sistêmica (CHILCOTE, 1997), essas abordagens consideram a existência de um sistema integrado de decisões, tanto públicas quanto privadas, que se influenciam reciprocamente e que dão origem aquilo que denominamos de política, a partir de uma dinâmica de estímulo-resposta, onde o Estado é o núcleo de tomada das decisões coletivamente relevantes, onde são processadas as demandas e formuladas as políticas públicas.
As funções da política: lidando com o conflito e criando consensos
Em sentido amplo, definir algo pela sua função quer dizer considerá-lo sob o aspecto da sua conseqüência ou conseqüências no sistema global do qual faz parte. O modelo funcionalista investiga o fenômeno político tendo como objeto de análise as conseqüências da atividade política para a sociedade global (CHILCOTE, 1997).
No entendimento funcionalista, a política pode ser compreendida tanto como requisito do sistema, isto é, uma atividade necessária ao bom funcionamento do sistema global, quanto como uma tarefa, isto é, padrão de atividade geralmente encontrado em qualquer sociedade (SCHMITTER, 1984).
O sociólogo americano Talcott Parsons (apud SCHMITTER, 1984) sugeriu que o subsistema político é responsável por processar as demandasdos vários grupos de interesses existentes no sistema global, de forma a realizar os objetivos coletivos, e a teoria funcionalista do equilíbrio sustentada por Robert Dahl (apud CHILCOTE, 1997), baseada na autonomia dos subsistemas e no pluralismo organizacional, considera que o desafio da política por uma classe ou grupo leva à busca de um novo equilíbrio, de maneira que a política funcione para manter a paz entre os interesses conflitantes.
Assim temos que a função da política é resolver os conflitos entre indivíduos e grupos, sem que este conflito destrua uma das partes. Admite o caráter precário da resolução política, eis que a mesma não põe fim ao conflito, mas apenas o canaliza, o transforma em formas não destrutivas para os partidos e coletividade, de forma a garantir a manutenção do sistema.
Condições de para definir um fenômeno como político
Condição necessária: caráter controverso, conflituoso, envolvendo antagonismo de interesses ou atitudes entre diferentes indivíduos ou grupos. A questão das necessidades ilimitadas versus escassez de recursos. Qualquer fenômeno ou ato social é potencialmente político nesse sentido (COTTA, 1998).
Condição suficiente: reconhecimento recíproco pelos atores de um quadro de restrições mútuas, o que existe um certo grau de integração e cooperação entre indivíduos e grupos. Este reconhecimento pode estar baseado em crenças comuns (estrutura de autoridade) ou na simples prudência (antecipação do poder de retaliação do oponente), que leva os atores a respeitarem as regras do jogo (COTTA, 1998).
O estudo da política pode enfatizar os conflitos e a ruptura com a ordem estabelecida tanto quando pode enfatizar a integração e a assimilação dos conflitos para a manutenção do sistema estabelecido. Assim, temos (COTTA, 1998):
Conflito: tipos, fontes, padrões e intensidade.
Integração: autoridade, estrutura, formulação de decisões e crenças comuns.
Por exemplo, pode-se estudar o Estado, poder institucionalizado da sociedade, como um instrumento de dominação (de uma elite dirigente, de uma classe economicamente dominante etc.) e como um meio de assegurar a manutenção da ordem social, a integração e o alcance do bem comum. Pode-se ainda enfatizar os processos de decisão que nele ocorrem, ou antes examinar sua estrutura e funções.
DOMÍNIO
Para Weber, toda as formas de poder devem repousar sobre um princípio de legitimidade ou autoridade que forneça a base legal e moral para o seu exercício. A legitimidade resulta, portanto, da convicção de que o poder deriva do compartilhamento de valores e metas coletivas. Historicamente, haveria três formas de exercer, legitimamente, o poder político (WEBER, 1994): a dominação tradicional, a dominação racional-legal e a dominação carismática.
Ao tratar da liderança e da ação política, fica claro que Weber pensa, em primeiro lugar, em “direção” e “comando”, o que envolve a extração de “obediência”. A obediência, por sua vez, pode ser obtida de várias formas. Pode ocorrer enquanto obtenção de um “consentimento passivo” (por imposição carismática) ou enquanto “subordinação” (por imposição tradicional).
Porém, o fundamental para a política numa situação de dominação racional-legal e, portanto, essencial para a relação de autoridade (racionalmente e legalmente legitimada), é. que a obediência ocorra enquanto disciplina.
Disciplina é “a probabilidade de que, em virtude do hábito, um comando receba obediência pronta e automática, de forma estereotipada, por parte de um grupo dado de pessoas”. A disciplina, para Weber supera as formas de obediência baseadas na tradição e no carisma e prepara o terreno para a emergência de um sistema representativo e de uma política racional e impessoal. A disciplina é constituinte necessária do consentimento ativo que um governo precisa obter, por medidas e meios legais e racionais.
O conceito de dominação se refere a uma relação de poder em que a vontade do dominador não precisa ser cotidianamente imposta, mas flui naturalmente sobre os atos do dominado, sendo esta situação percebida por ambos como “normal”. Trata-se de uma relação essencial de comando e obediência, geralmente duradoura e historicamente constituída.
Segundo Max Weber, a legitimidade, ou reconhecimento da autoridade, que é o poder revestido de consentimento, é elemento da dominação que busca prolongar-se, podendo ter como fundamento a tradição, o carisma ou a legalidade. Assim temos (LEVI, 1992; WEBER, 1994):
Dominação carismática
Legitimação baseada no extraordinário e pessoal dom da graça, ou carisma. Nesse caso a autoridade é estritamente pessoal, não podendo ser herdada, doada ou transmitida normativamente, pois e considerada uma qualidade intrínseca ao dominador.
Autoridade pessoal, exercida por um líder nato, herói, santo ou gênio. Geralmente, quando reivindica o uso do poder, pode encontrar-se em conflito com as bases de legitimidade da sociedade em questão, sendo um revolucionário; assim, seu campo de ação é a conversão e o uso da força:
No modelo weberiano.original, o líder carismático e concebido em termos de messianismo religioso, razão pela qual ele possui senso de missão sagrada e reivindica autoridade moral, conformidade e obediência de seus seguidores. Atualmente pode se aplicar a qualquer líder, de massas. ou não, que reivindique com êxito o direito de se fazer obedecer com base em alguma qualidade extraordinária que seja considerada única e intrínseca à pessoa dele.
São características típicas da dominação carismática:
• obediência é devida à pessoa do líder
• essa obediência não se baseia na tradição ou em considerações de competência racional para ocupação de um cargo, mas é afetiva e devida ao carisma do líder
• cabe ao líder carismático mandar e ao seguidor obedecer
• o quadro de funcionários é escolhido pelo carisma, vocação pessoal ou devoção ao líder, não por capacidade técnica ou posição tradicional
• não existem regras de competência técnica nem privilégios estamentais 
• inexistem regras para a administração, sejam elas racionais ou tradicionais
Exemplo: Subcomandante Marcos (líder zapatista mexicano); Lênin durante o período da Revolução Bolchevista; Moisés ao conduzir o êxodo do povo hebreu para fora do Egito.
Dominação tradicional
Nessa forma de dominação a legitimação que se baseia na autoridade do “eterno ontem”, ou seja, dos hábitos arraigados, consolidados geração após geração a ponto de serem “naturalizados” pelo uso e excluírem outros comportamentos do horizonte de possibilidades.
Trata-se de uma ordem social que é percebida pelos seus membros como tendo sempre existido, estando portanto revestida de uma força obrigatória.
A autoridade do governante é pessoal, fundamentada nesses usos e costumes sedimentados pelas gerações; as obrigações e direitos dos legisladores não são claramente especificados, sendo o status normalmente atribuído pelo nascimento, assim como o conjunto de funções que devem ser desempenhadas na sociedade por cada indivíduo.
Exemplo: direito divino dos reis, poder de um chefe tribal, poder de um patriarca. A dominação tradicional, assim como a racional-legal, é característica de ordens sociais estabelecidas.
São características típicas da dominação tradicional:
• obediência é devida à pessoa do governante, não ao cargo que ele ocupa
• essa obediência se sustenta na tradição que ele encarna, não nas suas características pessoais, derivando do costume e da linhagem
• as normas não são racionais, mas se baseiam .na tradição
• a vontade do governante é a lei, exceto quando conflitante com a tradição
• os funcionários são ligados ao governante por laços de :parentesco ou fidelidade pessoal, não necessitando ter competência técnica e sendo seus poderes e atribuições dependentes da confiança do governante
Dominação racional-legal
A dominação é exercida em virtude da crença na validade do estatuto legal e da competência funcional baseada em regras racionalmentecriadas.
Nesse tipo de dominação, temos o predomínio das regras generalizadas, que conferem uma autoridade impessoal decorrente de um cargo particular, sem vinculação com pessoas.
Os homens aceitam o exercício do poder como legítimo porque a formulação das ordens ou da política obedece a regras aceitas por todos, formal e claramente expressas, que visam a atingir finalidades compartilhadas, ou pelo menos, que assim se apresentam.
Se baseia na crença de que são legais e racionais as normas do regime. Compreende o triunfa da racionalidade como princípio ordenador do poder e da convivência social. Como modelo de dominação, está associado ao processo de racionalização que acompanha a formação dos modernos Estados Nacionais, calcados em burocracias profissionais, vivendo em sociedades cada vez mais laicas e operando dentro de um modo de produção capitalista. .
São características típicas da dominação racional-legal:
• a obediência é devida ao ordenamento jurídico, não às pessoas
• o governante é obedecido em decorrência do cargo que ocupa, não por tradição ou por qualidades carismáticas
• as pessoas que ordenam estão obrigadas a obedecer ao estatuto
• os funcionários são profissionais selecionados por competência técnica, sem vinculação tradicional ou afetiva com os governantes
• esses funcionários seguem urna hierarquia de cargos e um conjunto de atribuições (direitos e deveres) legalmente fixados
• a vontade do governante somente é acatada quando embasada em atribuições legais, que são caiadas ou modificadas por mudanças no estatuto.
Exemplos: Diretoria de grandes empresas; Presidente dos Estados Unidos; Reitor de Universidade; Chefe de Repartição Pública; Delegado de Polícia.
TEMAS CENTRAIS DA TEORIA POLÍTICA CLÁSSICA
O ESTADO MODERNO E A CONSTRUÇÃO DA ORDEM POLÍTICA
Antecedentes históricos
O Estado como ordem política da sociedade é conhecido desde a Antigüidade aos nossos dias. Todavia nem sempre teve essa denominação, nem tampouco encobriu a mesma realidade.
A polis dos gregos ou a civitas e a respublica dos romanos eram fozes que traduziam a idéia de Estado, principalmente pelo aspecto de personificação do vínculo comunitário, de aderência imediata à ordem política ou de participação na cidadania.
No Império Romano, durante o apogeu da expansão, e mais tarde entre os germânicos invasores, os vocábulos Imperium e Regnum, então de uso corrente, passaram a exprimir a idéia de Estado, nomeado como organização de domínio e de poder.
O emprego moderno do termo .Estado remonta a Maquiavel, quando este inaugurou O Príncipe com a frase famosa: “Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados”.
Atualmente, aqueles que adotam uma abordagem jurídica tendem a considerar o Estado representa uma manifestação específica da Sociedade, caracterizada por um ordenamento jurídico carregado de imperatividade. Chega-se ao Estado moderno por uma operação jurídica de institucionalização do poder.
Segundo essa concepção, o Estado se forma quando o poder assenta numa instituição e não numa pessoa, pelo que esse Estado representa uma sujeição do poder ao direito, somente existindo onde for concebido como um poder independente da pessoa dos governantes (BONAVIDES, 1978).
A relação íntima entre poder .e Estado se encontra claramente expressa no pensamento de Max Weber, segundo a qual todas as formações políticas são formações de força, de tal maneira que se existissem somente agregações sociais sem meios coercitivos não mais haveria lugar para o Estado, e nem mesmo para a política (WEBER, 1994).
Com base nesse entendimento, Weber concebeu o Estado como sendo aquela comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si, de maneira bem sucedida, o monopólio da violência física legítima (WEBER, 1994).
Todavia, o mesmo autor, embora afirmando que o Estado é tanto base e ápice quanto continente e conteúdo de dominação, independente do nome específico com que, seja conhecido a partir de sua configuração histórico-legal própria, diferencia o Estado moderno que se constrói a partir dos Estados absolutistas de outras formações sócio-econômicas e político-militar que lhe antecederam. ou que com. ele coexistiram, considerando que o, “gênero”, Estado pode apresentar inúmeras “espécies” diferentes.
Idade Média e o feudalismo
Durante a Idade Média, consolida-se o feudalismo, sistema de produção e de organização do poder baseado nos feudos, grandes propriedades territoriais relativamente auto-suficientes que, num contexto de economia essencialmente agrária e natural, são controlados por uma aristocracia de proprietários guerreiros (os senhores feudais) que detêm o controle dos meios de gestão coletiva (cobrança de tributos, produção jurídica e prerrogativa de manter exércitos) e possuem hereditariamente o direito de governar, o qual é transmitido juntamente com a propriedade do feudo.
1. Economia agrária por basear-se essencialmente na produção agrícola e na criação de gado, girando a sociedade em torno do meio rural e sendo a terra a principal fonte de riqueza; natural na medida em que essencialmente não-monetária, havendo a auto-suficiência do feudo e uma troca complementar entre feudos de uma mercadoria por outra.
As relações sociais são essencialmente didáticas, isto é, calcadas no relacionamento pessoal entre os agentes sociais. Entre os nobres a autoridade: se distribuí por meio das práticas de suserania e vassalagem, um pacto em que um senhor feudal entrega parte de seu feudo a outro nobre em troca do pagamento de tributos periódicos em gêneros ou em espécie, bem como em troca do cumprimento de certas obrigações políticas e, principalmente, militares. Esses nobres, além de proprietários de terra e administradores da justiça,,agora privatizada, detém a função de guerreiros, tendo o privilégio de portar armas e de constituir exércitos privados2, controlando o aparato coativo e respondendo pela defesa do feudo.
A produção da riqueza, por outro lado, é atribuição dos servos de gleba, camponeses que por diversos caminhos ficaram dependentes das terras e dos instrumentos de produção3 do senhor feudal, devendo trabalhar um certo número de dias diretamente para o senhor, pagar-lhe tributos em moeda ou gêneros, e ainda prestar-lhe serviços domésticos.
O clero, por derradeiro, constituí o corpo sacerdotal da Igreja Católica Romana, detentora do dito poder espiritual, ou seja, portadora de urna verdade revelada que deveria servir para explicar a natureza do mundo e definir comportamentos, detendo assim o monopólio ideológico que permitia unificar a Europa em torno de uma visão cristã de mundo.
Essa posição era ao decorrente do processo de ruralização desencadeado pelas invasões bárbaras, que provocou o colapso da educação escolar, onde apenas o clero permaneceu letrado. Isso porque, junto aos mosteiros e catedrais, surgiram escolas para a formação religiosa, bem como bibliotecas, onde ficaram guardados os tesouros culturais do mundo grego-latino, interpretado e adaptado aos ideais cristãos.
Devido ao monopólio sobre o conhecimento exercido pela Igreja, associado ao crescente poder político oriundo da posse de terras e de sua capacidade de legitimar ou não o poder exercido pelos reis e seniores feudais, todas as atividades são percebidas como fundamentadas em algum princípio religioso, e a política considerada urna faceta da existência subordinada aos ditames teológicos e morais do cristianismo.
Isso posto, podemos caracterizar o feudalismo por:
• policentrismo, ou seja, multiplicidade de centros de poder, implicando na fragmentação do exercício da autoridade política, aplicada de forma autônoma e não-coordenada por cada senhor feudal, eis que decorrente da propriedade do respectivo feudo.
• posse e isso privado dos instrumentos de gestão pública, ou seja, a faculdade de cunhar moedas, de cobrar tributos, de dizer o direitoe de impor normas de conduta aos seus dependentes (vassalos e servos), sustentados pela posse de exércitos privados.
• economia rural, natural e fechada, com a riqueza concentrada na terra e o predomínio da produção agrícola voltada para a subsistência da unidade feudal.
• relações de domínio essencialmente pessoais, baseadas no pacto de suserania e vassalagem (mediante o qual o suserano concedia ao vassalo,uma parte do seu feudo, em troca de homenagem, tributos e prestação de serviços, principalmente militares) e na relação de dependência e subordinação que prendia o servo de gleba à terra do senhor feudal.	.
• predomínio do religioso sobre o secular, ou seja, o poder espiritual da Igreja interfere na política e, muitas vezes, subordina a atuação do poder político aos interesses religiosos. A autoridade política é exercida em nome de princípios morais e religiosos.
A revolução comercial
A partir do século XIV, o feudalismo entra em crise. Desde o século XII muitos servos abandonam os campos, compram a liberdade e se ocupam com atividades artesanais e mercantis nos burgos, agrupamentos surgidos fora dos domínios feudais que vão produzir um renascimento urbano, ou seja, o renascimento das cidades. Caberá aos artesãos e comerciantes concentrados nesses núcleos urbanos’ em lenta mas constante expansão, a ação transformadora que gradualmente substituirá o feudalismo pelo capitalismo (ARANHA, 1993).
2. Na Idade Média, somente os nobres tem tempo e dinheiro para fazer frente ao longo treinamento e a aquisição de armas, cavalos e trajes que eram imprescindíveis para o exercício das funções militares.
3. O uso de arados, de pastagens para o gado de subsistência, de moinhos e outros instrumentos que pertenciam ao senhor feudal e eram utilizados pelos servos mediante o pagamento de tributos em parte da produção ou em dias de serviço nas terras de uso exclusivo do nobre.
A monetarização da economia, a ampliação quantitativa e qualitativa do comércio, o surgimento de um incipiente sistema bancário, são fatores que, ao lado da expansão da vida urbana, marcam a chamada Revolução Comercial. Com a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453 (marco cronológico para o início da Idade Moderna), a circulação de mercadorias vindas do Oriente é dificultada, dando início ao Ciclo das Grandes Navegações, seja pelo contorno do continente africano, seja pela travessia do Atlântico em direção às terras americanas. Significa o surgimento de novos mercados fornecedores de mão-de-obra e matéria-prima. Todos esses fatores implicam na ascensão da burguesia (essa classe de comerciantes, banqueiros e artesãos que viviam nas cidades) e no enfraquecimento social e econômico da nobreza, cuja riqueza depende de rendas fixas oriundas da propriedade territorial e da agricultura.
Surgimento e evolução do Estado moderno
Pode-se estudar o Estado sob a perspectiva diacrônica, cuja preocupação é analisar suas transformações ao longo da história da civilização ocidental, ou sob a perspectiva sincrônica, de cunho estrutural-funcionalista, que se interessa pelos elementos constitutivos do Estado a despeito do período histórico considerado. O estudo do Estado Moderno, a nova forma de organização política que emergiu na Europa entre os séculos XIII e XIX, faz parte da primeira abordagem. A formação desta estrutura se deve a três processos resultantes da dissolução do feudalismo, a saber . (COTIA, 1998):
• a progressiva concentração e centralização do poder político
• a afirmação do principio da territorialidade
• a despersonalização da relação de mando político
O Estado Moderno surgiu, portanto, da crise e transformação das sociedades medievais. A expansão das relações capitalistas de produção gerou uma demanda pela racionalização das funções de. Governo, criando condições para a unificação dos múltiplos centros de poder então existentes. Paralelamente, enfraquecia-se o poder secular da Igreja, impulsionando a formação daquilo que hoje conhecimento como Estado Nacional laico. Trata-se de uma forma de organização política cujas principais características são (COTTA, 1998):
• a existência de um único centro de poder, que monopoliza a produção do direito, a emissão de moeda, a cobrança de tributos e o controle do aparato coativo, não respondendo perante qualquer outro poder, de forma a caracterizar-se.como soberano; 
• a.demarcação de limites territoriais para o exercício desse poder;
• o caráter impessoal das relações governante-governado; em contraposição às relações pessoais de vassalagem do período medieval.
As noções de concentração, centralização e despersonalização (ou configuração do espaço público) do poder é constante no entendimento moderno de Estado.
O já citado Max Weber (apud DREIFUSS, 1993) considera que, de um ponto específico de análise, a formação do Estado moderno é a história da ampliação do espaço público, com a conseqüente separação dos possuidores individuais ou grupais de seus instrumentos privados de força; da neutralização ou erradicação da administração particular da justiça; e do cerceamento da gerência autônoma e arbitrária da emergente “coisa pública”, isto é, da desprivatização dos assuntos de interesse geral, junto com a ampliação de seu âmbito e abrangência.
De outro ângulo, BOBBIO (1987) trata a formação do Estado moderno como processo de concentração de meios gerenciais, militares e legais, acima dos agrupamentos sociais diversos, o que acontece entrelaçado com o processo de expropriação histórica. Ambos os processos são descritos por Weber numa linguagem que evoca a análise e terminologia de Marx ao retratar a expropriação dos meios de produção que levam à formação do capitalismo moderno.
A emergência simultânea destes processos, a seqüência de acontecimentos que deles se desdobram e a sua específica interação são um fenômeno distintamente ocidental. Esses fenômenos são os alicerces e viabilizadores do Estado moderno que, por uma vez constituído e aceito como tal, os perpetua.
Em outras palavras, no século XIX, época que serve de contextualização à produção intelectual de Weber, o Estado culmina seu processo de infra estruturação material (os meios, agentes, recursos:, instituições), jurídico-político (procedimentos, normas, práticas regulatórias) e ideológico (crenças, representações coletivas, imagens que associam o Estado à Nação).
Weber (apud DREIFUSS, 1993) aponta para o processo “estatuinte” do Estado (e para a sua reprodução enquanto entidade e ,instância per se e para si), marcado por diversas “expropriações históricas” concomitantes e acumulativas: dos possuidores de meios de força para. benefício pessoal; dos donos de recursos de exercício legal personalizado; dos proprietários de mecanismos de administração do social para fins privados. Todos eles são separados de seus instrumentos particulares de violência, normatização e gestão, os quais se tomam “públicos”, isto é, estatizados, enquanto seu emprego, por agentes, servidores públicos e funcionários do Estado (não mais por donos de função ou recurso), fica sujeito a normas socialmente inclusivas e despersonalizadas. A gestão política é desprivatizada.
Ao sublinhar, por sua vez, a relação dos possuídos pelas armas, pela, lei ou pelo poder econômico, como instrumentos e súditos dos possuidores, e a transformação destas relações e posições dos dominados e dominadores para novas formas e situações, agora intermediados e legitimados pelo Estado enquanto instância impessoal e pública, Weber traça um paralelo de imagens e até de terminologia com Marx e Engels (apud DREIFUSS, 1993) para marcar o processo “estatuinte” do capitalismo moderno e de sua reprodução.
A formação do Estado moderno, portanto, compreende a história da. expropriação dos meios de violência, administração dos recursos coletivos e codificação ou normatização legal, de seus detentores privados, paralelamente à expropriação dos artesãos e camponeses de seus recursos e instrumentos de produção.
A formaçãodo capitalismo e do Estado moderno seriam concomitantes, representando a emergência do público frente ao privado, da cidadania em relação à condição de súdito, dos códigos gerais contra os regimentos estamentais, das relações impessoais de mercado em substituição -às relações pessoais de troca e clientelismo.
Elementos constituintes do Estado moderno
Território
Constituindo .a base geográfica do poder, o território do Estado é definido de maneira mais ou menos uniforme pelos autores examinados. De acordo com os conceitos presentemente trabalhados, poderíamos definir como território de um Estado aquele espaço geográfico em que esse Estado exerce sua soberania com a exclusão da soberania de qualquer outro Estado.
Povo
Por população podemos entender aquele conjunto, de pessoas presentes no território do Estado e, portanto; em princípio, sujeitas a sua soberania. E um dado essencialmente quantitativo, incluindo turistas estrangeiros ou imigrantes ilegais.
Já a noção de povo pressupõe que os que vivem no território do Estado e lhe_ estão sujeitos possuem com esse Estado um vinculo a ele através da nacionalidade ou cidadania. Trata-se de um dado qualitativo, podendo ser estabelecido do ponto de vista político, jurídico e sociológico.
Na Antigüidade já se formulavam conceitos a esse respeito, como bem demonstram as colocações de Cícero, onde o povo é a reunião da multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade, e não simplesmente qualquer conjunto de indivíduos agregados de alguma maneira.
Assim, temos que a Soberania pode ser entendida, em termos de combinar os conceitos trabalhados, como a racionalização jurídica do poder político (BOBBIO, 1992) e da dominação (WEBER,1994), associando a legalidade com a legitimidade.
Assim que temos um conceito jurídico de povo como aquele grupo humano presente no território do Estado e a ele vinculado pela cidadania, ou seja, pela. capacidade pública desses indivíduos; traduzida por um conjunto correlato de direitos e deveres que os torna aptos a participar da vida política daquela sociedade.
Já um conceito mais sociológico, esse mesmo povo, como conjunto de indivíduos ligados ao Estado por vinculo de obrigações e direitos que lhes permite participar da vida pública, é colocado numa dimensão ética, que o caracteriza como uma comunidade histórica, compartilhando valores e interesses que sedimentam uma identidade coletiva. Trata-se de um conceito que aproxima povo, de dimensão jurídica, de nacionalidade, cuja ênfase é no aspecto histórico-político.
Governo e soberania
MATTEUCCI (1992) define soberania como sendo o poder de mando de última instância, numa sociedade política e, consequentemente, a diferença entre esta e as demais associações humanas em cuja organização não se encontra este poder supremo, exclusivo e não derivado.
De fato, a Soberania pretende ser a racionalização jurídica do poder político, no sentido em que o poder consentido, portanto autoridade, impõe a uma coletividade um conjunto de atribuições de comando e obediência que são regularmente aceitos como devidos e naturais, portanto legítimos.
Embora essa condição de instância última do poder institucionalizado esteja presente em várias formas de organização ao longo da história humana, o termo Soberania como entendido hoje é contemporâneo do Estado moderno, surgindo no final do século XVI precisamente para designar esse poder estatal, sujeito único e exclusivo da política.
Essa Soberania, enquanto faculdade de mando de última instância, acha-se intimamente relacionada com a realidade primordial e essencial da política: a paz e a guerra. Na Idade Moderna, com a formação dos grandes Estados territoriais, fundamentados na unificação e concentração do poder político, cabia exclusivamente ao soberano, único centro de poder, a tarefa de garantir a paz entre os súditos de seu reino e a de uni-los para a defesa e o ataque contra o inimigo estrangeiro; por isso no novo Estado territorial, são permitidas unicamente forças armadas que dependam diretamente do soberano.
Dessa colocação podemos inferir a dupla face da Soberania: a interna e a externa.
• Soberania interna: internamente o Soberano moderno procede à eliminação dos poderes feudais, dos privilégios estamentais, das autonomias locais, eliminando principalmente todas as formas de organização militar não-estatal, de forma a concentrar sua atenção na luta externa contra outros Estados.
• Soberania externa: externamente, cada soberano deve decidir sobre a guerra e a paz, uma vez que os Estados não tem acima deles qualquer poder maior que possa arbitrar os conflitos; que terminam sendo resolvidos essencialmente através da guerra ou da ameaça de guerra, malgrado o surgimento e desenvolvimento de um sistema de tratados e convenções internacionais.
Assim temos que a Soberania pode ser entendida, em termos de combinar os conceitos trabalhados, como a racionalização jurídica do poder político (BOBBIO, 1992) e da dominação (WEBER, 1994), associando a legalidade com a legitimidade.
• Por legalidade entendemos um conceito jurídico, que significa proceder de conformidade com o ordenamento jurídico vigente ou, no caso em tela, de conformidade com o ordenamento jurídico estabelecido pela Constituição do Estado, sendo as relações hierárquicas de poder sancionadas pela lei.
• Por legitimidade, todavia, compreendemos um conceito político, de dominação como uma relação de poder em que a vontade do dominador não precisa ser cotidianamente imposta, mas flui naturalmente sobre os atos do dominado, sendo esta situação percebida por ambos como devida.
Karl Deutsch, em “Política e Governo”, explica que “um sistema político é um conjunto de unidades reconhecíveis que se caracterizam pela coesão e pela covariação”. Da coesão resulta a. capacidade dos sistemas de constituírem um conjunto de diversas partes que se influenciam mutuamente. A covariação, por sua vez, .é a qualidade que propicia às partes componentes de qualquer sistema mudarem em conjunto. “Se uma unidade muda, a outra muda também”, ressalta Deutsch. Governo, portanto, é um conjunto de unidade especializadas mediante as quais o poder extroverso do Estado se manifesta,
Teoria da separação dos Poderes
A teoria da tripartição de poderes consiste em propor, como meio de prevenção contra a tendência natural que tem os homens de abusar de qualquer parcela de poder que lhe seja confiada, que os poderes ou funções que são inerentes ao exercício da Soberania estatal sejam exercidos por três órgãos distintos.
Para Montesquieu, essas funções ou poderes seriam três, a saber:
• o Poder Legislativo, mediante o qual o príncipe ou magistrado faz leis para algum tempo ou para sempre, e corrige ou ab-roga as que estão feitas;
• o Poder Executivo das coisas que dependem do direito das gentes, mediante o qual ele faz a paz ou a guerra, envia e recebe embaixadas, estabelece a ordem, prevê as invasões (seria o Poder Executivo em sentido estrito, o Governo ou Administração Pública);
• o Poder Executivo das coisas que dependem do direito civil, mediante o qual pune os crimes e julga os dissídios dos particulares, ou seja, o poder de julgar e de dizer o direito (poder jurisdicional do Estado, ou Poder Judiciário).
Assim, o autor considera que o exercício dos três poderes, o de fazer as leis, o de executar as resoluções e o de julgar os dissídios, pela mesma pessoa pode facilmente conduzir à opressão, motivo pelo qual as funções devem ser confiadas à pessoas distintas, de forma que um poder controle e sirva de freio ao outro.
Essa organização, como a separação dos Poderes, com suas faculdades de estatuir e de impedir (le pouvoir arrête le pouvoir), poderia também evitar a tirania.
CONTRATO SOCIAL: HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU
Delimitação conceitual
Em sentido amplo, compreende todas aquelas teorias políticas que vêem a origem da sociedade e o fundamento do poder político (chamado de imperium, Governo, soberania,Estado, potestas) num contrato, isto é, num acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo que assinalaria o fim do estado natural e o início do estado social e político, (MATTEUCCI, 1992a).
Num sentido mais estrito, por tal termo entendemos uma escola que floresceu na Europa entre o começo do século XVII .e os fins do século XVIII, e teve seus máximos expoentes em Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Por escola compreendemos não uma comum orientação política, mas o comum uso de uma mesma sintaxe ou de uma mesma estrutura conceitual para racionalizar a força e alicerçar o poder no consenso.
Sua característica comum e a unidade metodológica (BOBBIO & BOVERO, 1994). Não possuem as mesmas bases ontológicas, metafísicos ou ideológicas, mas sim um princípio metodológico fundamentado na racionalidade, que supõe permitir a redução do direito, da moral e dá: política a uma ciência demonstrativa, ancoradas m premissas gerais indutivamente formulada com base na experiência concreta, ou empirismo4.
Nesse aspecto, todos os três autores, à semelhança de Maquiavel, buscam a construção de uma ética racional, separada da teologia e capaz por si mesma, precisamente porque fundada numa análise e numa critica racional dos fundamentos do poder, de garantir a legitimação universal dos princípios da conduta humana na comunidade política.
A busca dessa ética racional e universal implica na adoção das premissas da escola jusnaturalista, a qual sustenta precisamente a existência de um conjunto de direitos que, inerentes ao ser humano e anteriores à constituição da comunidade política ou da sociedade, seriam naturais e, portanto, ensejariam o Estado como um produto da vontade racional dos homens.	
4. Empirismo pede ser entendido como a abordagem filosófica que considera que o único conhecimento válido é aquele oriundo da experiência, aferido pelo sujeito a partir das impressões sensoriais provocadas pelo ambiente e da reflexão sobre essas experiências, negando tanto o valor da especulação puramente racional quanto a base instintiva do comportamento.
Em termos de modelo que explica o surgimento e a organização do Estado em sua época, a abordagem contratualista faz uso de dois conceitos fundamentais, presentes em todos os autores abordados, ainda que com interpretações conflitantes: o estado de natureza e o estado civil. 
Essa concepção contratualista é construída no momento em que a cultura política sofre profundas modificações, impactada pelas concepções científicas da época, onde o Estado passa a ser cada vez mais concebido como máquina, isto é, como algo que pode e deve ser artificialmente construído, em oposição à concepção orgânica própria da Idade Média.
Tal concepção orgânica, oriunda de Aristóteles e amplamente recepcionada e desenvolvida pelos doutores da Igreja5’, naturalizava o Estado, negando qualquer dicotomia entre a sociedade natural e a sociedade civil, visto que a última era o desdobramento lógico e necessário da primeira, pela ampliação sucessiva dos laços familiares. O Estado era visto como o ápice de uma longa escala de grupos intermediários naturais (família, corporação, comuna), onde a associação era natural e a autoridade surge no pai (ou rei) e se delega aos escalões inferiores, tendo como fonte de legitimação a ordem natural das coisas estabelecida pela vontade divina.	
Três foram as condições para a consolidação do pensamento político das teorias contratualistas, no âmbito de um debate mais amplo sobre o fundamento do poder político (MATTEUCCI, 1992):
Em primeiro lugar, que um processo bastante rápido de desenvolvimento político tirasse de sua base a sociedade tradicional - a sociedade que sempre existiu e que recebe, por conseguinte, sua legitimidade do peso do passado - e instaurasse novas formas e novos processos de Governo, representado na Europa pela consolidação do Estado Moderno sobre a sociedade feudal, baseada em estamentos e na gestão privada da autoridade política.
Em segundo lugar, que houvesse uma cultura política secular, isto é, disposta a discutir racionalmente a origem e os fins do Governo, não o aceitando passivamente por ser um dado da. tradição ou de origem divida.
Em terceiro lugar, que á sociedade não só conhecesse o instituto privado do contrato, mas soubesse usá-lo de forma analógica: entre os gregos, por exemplo, a palavra koinonía indicava tanto uma associação econômica como política. Supõe que possa haver uma proximidade associativa entre a.natureza das atividades produtivas e a natureza das relações de comando e obediência em que se fundamenta a distribuição de poder ria comunidade. 
Em todo o caso, a finalidade é sempre dar uma legitimação racional às.ordens do poder, mostrando que ele se fundamenta, em última instancia, no consenso entre os indivíduos. 
O estado de natureza
Elemento essencial da estrutura da doutrina contratualista é o estado de natureza, que seria justamente aquela condição da qual o homem teria saído, ao associar-se, mediante um pacto, com os outros homens. Normalmente é apresentado como hipótese lógica negativa sobre como seria o homem fora do contexto social e político, para poder assentar as premissas do fundamento racional do poder. Trata-se, portanto, de contrapor, como dois momentos distintos ou como dois modelos antitéticos de representação das relações humanas, o conceito de estado natural e o conceito de estado civil.
Segundo BOBBIO & BOVERO (1994), esses dois termos são de uso sistemático, servindo para compreender toda a vida social do homem. O uso histórico permite interpretar o curso da história como o processo de passagem do estado de natureza para o estado civil - e eventual recaída do segundo para o primeiro -, enquanto uso axiológico se faz na medida que a cada um dos termos é atribuído um valor antitético em relação ao outro, podendo ser o estado de natureza visto como negativo face ao estrado civil, e vice-versa.
5. Teólogos e filósofos ligados à Igreja Católica Romana, membros do clero ou não, que desenvolveram a escolástica, escola de pensamento medieval que baseava-se na interpretação do direito romano e dá filosofia grega clássica segundo os textos bíblicos, as encíclicas papais e a especulação metafísica.
Ainda segundo BOBBIO & BOVERO (1994), o uso diverso e muitas vezes contraditório do termo “estado de natureza”, referente ao momento anterior à constituição do Estado e englobando aquele conjunto de direitos imanentes ao ser humano (portanto naturais a ele), implica no surgimento de três problemas conceituais que vão receber respostas diversas dos autores contratualistas, a saber:
• se o estado de natureza é uma realidade histórica ou hipotética
• se esse estado de natureza é pacífico ou belicoso
• se nesse estado de natureza o indivíduo se apresenta isolado ou já desenvolve formas de convivência social
Para responder ao primeiro, problema, é necessário fazer um.a distinção analítica entre três possíveis níveis explicativos (MATTEUCCI, 1992a):
• há os que sustentam que a passagem do estado de natureza .ao estado social é um fato histórico realmente acontecido, isto é, estão dominados pelo problema antropológico da origem do homem civilizado (Rousseau seria um desses);
• outros, pelo contrário; fazem do estado de natureza mera hipótese lógica, a fim de ressaltar a idéia racional ou jurídica do Estado, do Estado tal qual deve ser, e de colocar assim o fundamento da obrigação política no consenso expresso ou tácito dos indivíduos a uma autoridade que os representa e encarna (caso de Locke e, até certo ponto, Hobbes);
• outro ainda, prescindindo totalmente do problema antropológico da origem do homem civilizado e do problema filosófico e jurídico do Estado racional, vêem no contrato um instrumento de ação política capaz de impar limites a quem detém o poder.
Desses três níveis explicativos, todos eles presentes nos autores a serem abordados, o segundo reflete a predominânciado elemento jurídico como categoria essencial da sintaxe explicativa: trata-se de reconhecer no direito a única forma possível de racionalização das relações sociais ou de sublimação jurídica da força. Isso se explica com base numa tríplice ordem de considerações (MATTEUCCI, 1992a):
• a influência contemporânea da escola do direito natural (jusnaturalismo), com a qual o Contralualismo está estreitamente aparentado;
• a.necessidade de legitimar o Estado, seja suas imposições (as leis), num período em que o direito criado pela soberano tende a substituir o direito consuetudinário, seja, seu aparelho repressivo, num período em que o exercício da força era por ele monopolizado;
• finalmente, uma exigência sistemática, a de construir todo o sistema jurídico - aí compreendido o público e o internacional - usando uma categoria tipicamente privada que evidencia a autonomia dos sujeitos, como é o Contrato, e colocando assim como base de toda a juridicidade o pacta sunt servanda.
Quanto ao segundo problema, se o estado de natureza e pacífico ou hostil, os autores divergem quanto à avaliação da situação do homem antes da instauração do estado civil. Podemos basicamente indicar três abordagens:
• hostil, em guerra efetiva, segundo Hobbes, para. quem a vida do homem no estado de natureza é “(...) solitária, mísera, repugnante; brutal, breve”, dado que nesse estado “o domino das paixões, a guerra, o medo, a pobreza, a desídia, o isolamento, a barbárie, a ignorância e a bestialidade” são os elementos que governam a relação entre os indivíduos.
• pacifico, mas em guerra potencial, para.Locke, que considera que em princípio o estado de natureza pode ser pacífico, mas que nele os direitos dos homens são sempre precários è a harmonia tende a perder-se, se nenhum poder superior assiste e regulamenta esses direitos.
• pacífico, segundo Rousseau, para quem o estado de natureza é um estado pacífico e harmônico, onde inexiste o conflito ou a escassez; todavia, deve-se observar que Rousseau tem uma concepção triádica, onde um momento positivo (estado de natureza, caracterizado pela igualdade e harmonia) é seguido por um momento negativo (estado civil, calcado na propriedade privada e no conflito), por sua vez sucedido por um positivo (república, fundamentado no contrato social instituído e instituidor da vontade geral), este último sendo assimilado ao Estado da razão.
Quanto ao terceiro problema, os contratualistas concordam em considerar que não há uma tendência natural para a vida em sociedade, mas tão somente a necessidade dessa vida, decorrente da impossibilidade de cada um atender sozinho seus próprios interesses, razão pela qual a vida em comum em suas múltiplas associações se dá em torno do indivíduo e não da coletividade.
BOBBIO & BOVERO (1994) sustentam que a concepção contratualista não exclui o direito natural das sociedades naturais, como a família, mas não admite a sociedade política como extensão daquela, mas tão somente como criação dos indivíduos, visto que nem o vínculo doméstico nem o vínculo senhorial oferecem um modelo válido para a sociedade política.
Malgrado essas diferentes interpretações, os contratualistas querem legitimar o estado de sociedade (a civilização) ou modificá-lo com base nos princípios racionais onde o poder não assenta no consenso, opondo-se às visões regressivas de uma idade de ouro baseada na harmonia e na abundância que seria anterior ao surgimento da família, da propriedade privada e do Estado; dado que vêem no contrato a única forma de progresso: mesmo Rousseau, que tende a considerar como degenerativa a sociedade de seu tempo em relação à felicidade inicial do estado de natureza, considera que o pacto social é inevitavelmente necessário após ter surgido a linguagem, a família e a propriedade privada (ROSS, 1983).
Isso posto, todos os contratualistas vêem no contrato um instrumento de emancipação do homem, emancipação política apenas, que deixa inalterada e até garante a estrutura social, baseada precisamente na família e na propriedade privada, mantendo uma clara distinção entre poder. político e poder social, entre o Governo e a sociedade civil (MATTEUCCI, 1992a).
A doutrina jusnaturalista
O modelo contratualista parte da premissa, comum a todos os autores, de que o princípio de legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o consenso. Esse consenso por sua vez, decorre de contrato, expresso ou tácito, firmado pelos homens entre si, no sentido.de concederem à um deles, ou a uma assembléia deles, a capacidade de fazer as leis ode impor o seu cumprimento a todos os membros da comunidade.
Para melhor compreender esse liame obrigacional que une os indivíduos na constituição da sociedade civil e legitima o exercício do poder pelo Estado, faz-se necessário conhecer antes abordar o jusnaturalismo, um conjunto de escolas.de direito que sustentava duas premissas básicas, a saber (BOBBIO & BOVERO, 1994):
• que havia um conjunto de direitos naturais, ou seja, que não eram oriundos do Estado nem de urna instância divina, cuja fonte exclusiva de validade estava na sua conformidade com a razão humana
• que o Estado como forma de comunidade humana politicamente organizada surge de um contrato entre os indivíduos, a fim de melhor garantir e tutelar os seus direitos naturais.
O Jusnaturalismo sustentava que não apenas o Estado, mas a própria sociedade era constituída por. um pacto entre os indivíduos, sendo assim o contrato social desdobrado em dois tipos, referentes a dois momentos sucessivos (BOBBIO & BOVERO, 1994):
• pacto de união, ou pacto societatis, mediante o qual os indivíduos decidem de comum acordo viverem em sociedade, sendo a base que constituí a sociedade civil;
• pacto de submissão, que sucede ao primeiro, mediante o qual os indivíduos assim reunidos decidem, de comum acordo, se submeterem a um poder comum.
Assim, o Jusnaturalismo não ignora os três fundamentos clássicos das obrigações6, cada um disciplinador do exercício do poder em um. tipo diferente de associação (BOBBIO & BOVERO, 1994):
• sociedade doméstica: baseado no ex generatione, que é .a obrigação mediante a qual o filho obedece os pais por ter sido por eles gerado;
• sociedade senhorial: baseada na ex delicto, ou seja, a obrigação do escravo obedecer ao seu dono decorre de um delito cometido, ao qual era cominada a condição de escravo; 
• sociedade política: ex contractu, onde a obrigação do súdito de obedecer ao soberano nasce do contrato, oriundo este do pacto entre vontades livres e iguais, o qual dá origem à sociedade civil.
Todavia, o Jusnaturalismo busca ultrapassar os limites do pensamento jurídico medieval sem, contudo, romper completamente com os conceitos jurídicos romanos que regulamentam a própria noção de contrato. Os limites da autoridade do poder soberano, por exemplo, são analisados a partir dos conceitos oriundos do contratualismo medieval, que se baseava na lex imperium, onde o populus conferiu ao Príncipe o poder que originalmente somente o povo era titular. Esse pacto de submissão, todavia, sempre permitiu duas interpretações antagônicas, a saber (BOBBIO & BOVERO):
• translatio imperii, onde a autoridade do Príncipe resulta de uma alienação total, que compreende tanto o exercício quanto a titularidade do poder soberano; 
• concessio imperii, onde se entende que o pacto implica tão somente na concessão limitada do poder soberano, tanto no tempo quanto no. objeto, motivo pelo qual o Príncipe recebe tão somente o exercício, mas não a titularidade desse poder.
Esses fundamentos são resgatados pelo jusnaturalismo, eis que ele busca formular precisamente uma teoria racional, do Estado, prescindindo de argumentos teológicos, dentro do processo de’contínua cisão entre a Igreja e o Estado, ao mesmo tempo que aponta a existência de direitos anteriores e eticamente superiores ao direito positivo, que deveriam servir-lhe de referência e limites.
Segundo BOBBIO & BOVERO (1994), a doutrina jusnaturalista considerao Estado racionalmente concebido como a única entidade na qual o homem realiza plenamente sua própria natureza racional. A saída do estado de natureza para o estado social não se faz por utilidade, mas antes é um imperativo categórico. O Estado tem o valor intrínseco absoluto, pois é um ente moral, ainda que não dependente de razões teológicas, já que o indivíduo não é livre senão no reino do Direito, ondeio direito privado (natural) é submetido ao ,direito público (positivo).
Segundo os mesmos autores, esse abordagens jusnaturalistaa permite compreender a lei como sendo o ato específico mediante o qual se explicita a racionalidade do Estado. A lei, enquanto geral e abstrata, emana do Legislativo, representante da vontade geral (conceito muito trabalhado por Rousseau), distinto do decreto do Príncipe, pois o que caracteriza o Estado, dentro da concepção jusnaturalista, é precisamente o poder exclusivo de fazer leis.
WEBER (1994), considera a racionalização do Estado, ou seja, das formas de dominação, característica fundamental da formação do Estado Moderno, passando pela redução de toda a forma de direito ao direito estatal, a ponto de restar tão somente o direito natural do indivíduo (reconhecido e tutelado pelo Estado) inserido no direito estatal, que é direito positivado.
Assim, se o Estado Moderno, segundo WEBER (1994), tende a optar por um modelo de dominação racional-legal, o jusnaturalismo fundamenta juridicamente essa autoridade racional, pelas seguintes características:
• primado da lei sobre os costumes e a jurisprudência
• relações impessoais entre o Príncipe e os funcionários, característica da forma burocrática de organização do Estado
• relações impessoais entre funcionários e os súditos, e depois entre funcionários e cidadãos, características do Estado de Direito
• laicização do Estado e subordinação do soberano às leis naturais que são as leis da razão
• concepção antipaternalista do poder, cuja meta não é a de fazer os súditos felizes, mas sim de fazê-los livres, dentro dos limites do Direito
Esse modelo de Estado. proposto pelo jusnaturalismo tem como bases duas concepções essenciais, quais sejam:
• uma concepção individualista do Estado, que passa a ser considerado como a somatória 	de cada indivíduo que o compõe;
• uma concepção estatista da sociedade, que a partir do jusnaturalismo passa a ser entendida como artificialmente criada a partir da racionalidade do Estado.
6. Esses conceitos são oriundos do direito romano, tendo sido largarmente adotados na Idade Média. 
7. Oriundo da filosofia de Emmanuel Kant, significa, de forma simplificada, um dever moral que se impõe por si mesmo, independentemente das preferências do sujeito ou de sua utilidade para o bem-estar público ou privado.
A natureza do contrato: divergências e convergências
Conforme anteriormente afirmado, o modelo contratualista parte da premissa, comum a todos :os autores, de que o princípio de legitimação das sociedades políticas é exclusivamente o consenso. Esse consenso por sua vez, decorre do contrato, expresso ou tácito, firmado pelos homens entre si, no sentido de concederem a um deles, ou a uma assembléia deles, a capacidade de fazer as leis e de impor o seu cumprimento a todos os membros da comunidade.
O contratualismo moderno, aquele desenvolvido por, Hobbes, Locke e Rousseau, apresenta divergências quanto ao modelo de realização e quanto ao conteúdo do pacto. A historicidade do ato, ou seja, se a transição entre o estado de, natureza e o estado civil ocorreu factualmente, num momento específico do tempo, é secundária, tendo em vista que o contrato é concebido como uma necessidade da razão, eis que o contrato original é o único princípio de legitimação válido para o exercício racional do poder, não precisando derivar de um fato realmente ocorrido para ser válido (MATTEUCCI, 1992a).
Assim, no que se refere à modalidade do pacto, nós temos duas posições, a saber (MATTEUCCI, 1992a):
• dupla modalidade, seguindo as premissas do jusnaturalismo, mediante as quais temos a constituição primeiro da sociedade civil, mediante um pacto de associação. ente: indivíduos iguais e livres, portadores dos mesmos direitos naturais, seguido da constituição do Estado, mediante um pacto de submissão pelo qual os indivíduos assim reunidos se submetem a um poder comum;
• modalidade única, sendo uma inovação de Hobbes, que eliminou o pacto societal, pois para esse autor o pacto de união supõe que cada um dos indivíduos que compõe a . multidão cede o direito de autogoverno a um terceiro (príncipe ou assembléia), desde que todos os outros façam simultaneamente a mesma coisa, motivo pelo qual o contrato é a um só tempo um pacto de sociedade e de submissão.
No que diz respeito ao objeto do contrato, este é sempre concebido como sendo a transferência de direitos naturais, que são inerentes ao homem no estado de natureza, para a sociedade ou Estado. A extensão dessa alienação é, todavia, percebida de forma diversa pelos autores, a saber (BOBBIO & BOVERO, 1994; ROSS, l983):
• Hobbes: Para esse autor, a titularidade dos direitos naturais, e não apenas o exercício destes, é transferido para o Soberano; todavia, não defende uma alienação total, visto que toda a renúncia que sustenta o contrato social tem por finalidade garantir a segurança da Própria vida, sendo este o único bem inalienável, que quando ameaçado ou não suficientemente protegido ilide o pacto e confere ao indivíduo a prerrogativa de se defender como bem entender, a margem ou mesmo contra o Soberano.
• Locke: concebe uma alienação muito parcial dos direitos naturais do indivíduo em favor do Soberano, eis que a única falta que impede a perfeição no estado de natureza é a de um juiz imparcial que possa julgar sobre a razão e o erro sem ser parte envolvida; na medida em que o autor considera o estado civil instituído para tutelar a propriedade, que engloba também a liberdade pessoal, os indivíduos conservariam todos os direitos naturais menos um, que é.o de fazerem justiça por si mesmos.
• Rousseau: Paradoxalmente, esse autor é o que concebe urna alienação mais total, pois entende que o contrato social não aliena os direitos naturais para os outros, roas para si mesmo; a transferência total de direitos naturais ao corpo político tem a finalidade de fazer com que sejam dados a todos os membros desse corpo leis que cada um reconheça que teria imposto si próprio no estado de natureza, se nesse estado pudesse exercer a razão.
Assim, se anteriormente observamos divergências dos autores acerca do estado de natureza, agora podemos observar essas divergências no que diz respeito ao conteúdo da sociedade civil. Essas divergências se dão a partir de três problemas acerca da natureza do poder soberano e de suas relações com os indivíduos, a saber:
• se o poder soberano é absoluto ou limitado;
• se o poder soberano é indivisível ou divisível;
• se o poder soberano é irresistível ou resistível.
Poder soberano absoluto ou limitado
Hobbes e Rousseau defendem o caráter absoluto do poder, visto que os três consideram que o Soberano não é obrigado a respeitar as. leis civis por ele criadas nem pode ser submetido a julgamento por seus súditos.
Essa colocação não permite inferir que o Soberano exerce poder ilimitado, mas que está acima das leis civis (aquelas consagradas pelo direito positivo), sendo limitado somente pelo direito natural, que é o fundamento último de sua autoridade. Tampouco permite falar em despotismo, visto que o Estado deve permanecer fiel aos princípios racionais que orientaram sua criação, sob pena de ruptura com o contrato e retorno ao estado de natureza.
Locke é mais abrangente, defendendo abertamente o direito de insurreição quando as leis civis são violadas pelo Soberano, visto considerar, em primeiro lugar, que o contrato não consiste na. alienação dos direitos naturais em favor do poder assim constituído; e, em segundo lugar, que não admite que o Soberano possa estar acimadas leis civis, pois isso o colocaria em estado de natureza.
Poder indivisível ou divisível
Nenhum dos três autores admite a. divisão da soberania. O que eles admitem é tão somente o exercício das funções soberanas do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) por organismos diversos. Particularmente Locke e Rousseau consideram o Poder Legislativo superior aos demais, enquanto Hobbes tende a concentrar a soberania no Poder Executivo. Todavia, nenhum dos três admite o Governo misto8.
Poder soberano irresistível ou resistível
Nesse aspecto em particular, duas posições surgem, conforme se considera como mal extremo a ser evita, ou a tirania (exacerbação do poder exercido pelo Soberano em detrimento dos direitos dos indivíduos) ou a anarquia (ampliação exacerbada da esfera de liberdade privada em detrimento do bem comum e da autoridade do Soberano):
• o contra a tirania: Locke considera a tirania o primeiro mal, devendo os súditos desconhecer e resistir ao Soberano quando ele, extravasa os limites do contrato social ou desrespeita os direitos naturais dos indivíduos; para Locke, o mau governo é passível de resistência, dado que trata seus súditos não como homens racionais, mas como escravos. 
• contra a anarquia: Hobbes sustenta a obediência incondicional; admite, contudo, que o usurpador não merece obediência e, deve ser combatido como inimigo; considera mau governo aquele que não é capaz de proteger os seus súditos, cuja obrigação perante o Soberano dura enquanto durar o poder deste de proteger os súditos.
A posição de Rousseau é mais ambígua. Posto diante do dilema fundamental para qualquer teoria racional do Estado, qual seja, equacionar dois bens fundamentais aparentemente contraditórios, a obediência ao poder soberano e a liberdade dos súditos, o autor reafirma a liberdade como bem prioritário, mas ao mesmo tempo defende o dever de obediência absoluta, na medida em que entende por obediência a submissão à lei que cada um prescreve para si mesmo, o que consistiria, paradoxalmente, na liberdade (BOBBIO & BOVERO, 1994).
8. Governo misto e tripartição de poderes soberanos do Estado são duas coisas diferentes: no Governo misto temos a divisão da soberania que repousa em entes distintos, geralmente representando diferentes categorias de cidadãos, cada um dotado de soberania própria e distinta dos demais; na tripartição de poderes, temos um só ente soberano, cujas funções típicas, de fazer leis, executar as leis e dizer o direito são exercidas mediante delegação por organismos independentes e harmônicos entre si.
DISTINÇÃO PÚBLICO E PRIVADO, CULTURA POLÍTICA, PARTICIPAÇÃO
É o público uma esfera? Uma esfera pública? Sobre qual conceito se constitui essa esfera? Podemos pensar na idéia neutra de um espaço? Se é um espaço, sob que regras constitui a sua ocupação? Estas regras dizem respeito a que atores? Exclui-se alguns? Poucos? Muitos? Quase todos? Que público participa do público? Quais meios tecnológicos são utilizados na sua constituição? Tratam-se de algumas perguntas, outras ainda poderiam ser feitas e respondê-las não é uma tarefa tão fácil.
Vamos imaginar uma metáfora associando a idéia de público a um espetáculo teatral. Veremos que num espetáculo de um lado existe os atores e de outro o público. O enredo, o roteiro deste espetáculo pôde ter um ou mais de um autor.. O público,, de modo geral, não é obrigado compulsoriamente a assistir ao espetáculo, é? Geralmente para se ter acesso como público a um espetáculo, temos muitas vezes que pagar ingresso; raramente um bom espetáculo, com bons atores é de graça.
Nessa pequena metáfora, já podemos detectar alguns problemas. O primeiro é o de existir de um lado atores e de outro público. Aqui, o público movido por um determinado interesse pode ser no máximo um bom espectador, atento mas espectador mais ou menos passivo em relação a trama que engendra o espetáculo? Os atores expressam um roteiro que podem possuir um ou mais autores. Nessa metáfora há claramente uma dissociação entre autor e ator. Nesse espetáculo específico, o autor sé comunica com o público indiretamente através dos atores que traduzem a sua criação.
Para dar lógica e beleza ao espetáculo, existem vários suplementos (luzes, cenários, etc.). Há, também, toda uma organização que dá suporte ao espetáculo. Temos a figura do diretor, como um gerente capaz de dar eficácia na relação da criação, do autor com o público através da trama desenvolvida pelos atores. Também temos a, figura, dos semi-artistas (maquiadores, estilistas, elaboradores de cenários e de figurinos); ainda temos os trabalhadores braçais, construtores de cenários, carregadores, responsáveis pela limpeza, pela portaria, pela bilheteria, etc. Isso demonstra que na construção de um espetáculo existe uma rede diferenciada de interesses e uma intrincada divisão de trabalho.
A partir dessas indagações, podemos agora penetrar um pouco mais nos estudos clássicos já realizados sobre essa complicada problemática e a heterogênea rede de relações entre a esfera pública e a esfera privada.
Uma posição geralmente muito utilizada nos estudos clássicos é a abordagem de contraposição, ou seja, a idéia de público só tem sentido em contraste com a idéia de privado e vice-versa. Assim, segundo esses autores, temos de um lado o privado, que.está sob a minha inteira governabilidade individual, o que é meu, do tipo: “minha” família, “minhas” propriedades, “meus e minhas” amigas, minha corporação2,.., para esses autores, essa governabilidade não pode estar implicada mima extensão ilimitada do eu. Por exemplo, se sou um grande proprietário de terras, o público não poderá se reduzir a construção de um poder comum entre todos os proprietários de terras que tenha apenas por objetivo garantir que as minhas propriedades continuem sendo minhas.
Nesta perspectiva, numa sociedade com vários e diferentes privados, o poder público não poderá atender apenas uma pequena parcela privada de interesses. A construção de um poder público se expressa numa rede complexa de interesses privados, bem mais abrangente, por exemplo, do que uma espécie de sindicato de proprietários de terras. E essa questão que encontramos em Duarte (1965) quando esse autor constata a privatização da organização política nacional, independente de que venhamos ou não a concordar com algumas suas conclusões.
Dentro dessa . mesma abordagem, quando uma determinada parcela de atores buscam associar seus interesses particulares com o interesse público, universalizando para todos dá valores, a cultura e os interesses particulares que são apenas seus, temos, para esses autores, uma absoluta substituição do público pelo privado, ou mais especificamente, uma privatização do público. Assim, utilizando nossa metáfora do espetáculo, o público é um espaço onde o ator se apropria do espaço do público, sendo ao mesmo tempo ator e público.
Outros autores se perguntam sobre quem dará o suporte organizacional e os meios para realização deste espaço público? A não ser que não exista mais a esfera privada e que toda ela tenha se fundido na esfera pública, onde o público como um não-privado deixou de existir, não necessitaríamos de um suporte organizacional para sua realização?
Aqui podemos inserir a preocupação teórica de Raimundo Faoro (1991) quando este afirma que, por decorrências históricas e culturais que se originam na especificidade da formação social portuguesa colonizadora, um estamento burocrático no Brasil privatizou o poder e determina as regras, convida quem quer para os espetáculos, ele é o dono do poder público. Em suma, foram os responsáveis a darem suporte ao espetáculo que acabaram por privatizar o espaço público.
E possível um espaço público neutro capaz de possibilitar o trânsito de todos os interesses particulares e conflituosos? Os responsáveis pela construção e execução desta esfera pública não estão também sujeitos a interesses particulares e, neste sentido, não teria Faoro uma boa dose de razão?
Um outro

Continue navegando