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Tese de Doutorado versão 25.10

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
FACULDADE DE LETRAS 
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA 
 
 
 
ARTURO USLAR PIETRI E O ROMANCE HISTÓRICO CONTEMPORÂNEO: 
METÁFORAS DE UM NOVO HOMEM 
 
 
 
 
 
Por: 
GISELE REINALDO DA SILVA 
Curso de Doutorado em Letras Neolatinas 
(Estudos literários: Literaturas Hispânicas) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RIO DE JANEIRO 
2017 
2 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
FACULDADE DE LETRAS 
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA 
 
 
 
ARTURO USLAR PIETRI E O ROMANCE HISTÓRICO CONTEMPORÂNEO: 
METÁFORAS DE UM NOVO HOMEM 
 
 
 
 
 
Por: 
GISELE REINALDO DA SILVA 
Curso de Doutorado em Letras Neolatinas 
(Estudos literários: Literaturas Hispânicas) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
2017/1 
Tese de Doutorado apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Letras 
Neolatinas, Faculdade de Letras, 
Universidade Federal do Rio de Janeiro – 
UFRJ, como requisito parcial à obtenção 
do título de Doutor em Letras Neolatinas 
(Estudos Literários: Literaturas 
Hispânicas). 
Orientadora: Profª. Doutora Mariluci da 
Cunha Guberman 
 
 
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 Silva, Gisele Reinaldo da. 
U86csi Arturo Uslar Pietri e o romance histórico contemporâneo: metáforas de um 
novo homem. / Gisele Reinaldo da Silva. - Rio de Janeiro: UFRJ, 2017. 
 259f.; 30 cm. 
 
 Orientadora: Mariluci da Cunha Guberman. 
 Banca: Eduardo de Faria Coutinho. 
 Banca: Cláudia Heloísa I. Luna 
 Banca: Edna Maria dos Santos. 
 Banca: Debora Ribeiro Lopes Zoletti. 
 Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de 
Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, 2017. 
 Bibliografia: 254 - 259. 
 
 1. Uslar Pietri, Arturo, 1906 – 2001. El camino de El Dorado – Crítica e 
interpretação. 2. Uslar Pietri, Arturo, 1906 – 2001. El camino de El Dorado. – 
Personagens. 3. Romance histórico venezuelano – Séc. XX – História e crítica. 
4. Vanguarda (Estética) – América Latina. 5. Venezuela – História – Séc. XX. 6. 
Identidade cultural. 7. Imagem. 8. Poder (Filosofia). 9. Memória na literatura. 
10. Olhar (psicologia). I. Guberman, Mariluci da Cunha,1942- . II. 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras. III. Título. 
 
 CDD V863.6 
 
 
 
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
FACULDADE DE LETRAS 
COMISSÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA 
 
 
Título da Tese: Arturo Uslar Pietri e o Romance Histórico Contemporâneo: Metáforas 
de um Novo Homem. 
Orientadora: Professora Doutora Mariluci da Cunha Guberman. 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras 
Neolatinas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 
como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos 
Literários: Literaturas Hispânicas). 
 
 
Aprovada em: __/__/___ 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Mariluci da Cunha Guberman (Presidente) 
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (UFRJ) 
 
__________________________________________ 
Prof. Dr. Eduardo de Faria Coutinho 
Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura (UFRJ) 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Cláudia Heloísa I. Luna 
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (UFRJ) 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Edna Maria dos Santos 
Programa de Pós-Graduação em História (UERJ) 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Debora Ribeiro Lopes Zoletti (UFRRJ) 
 
__________________________________________ 
Prof. Dr. Antonio Ferreira da Silva Júnior 
Programa de Pós-graduação em Relações Etnicorraciais (CEFET) – Suplente 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Sônia Cristina Reis 
Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas (UFRJ) – Suplente 
 
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Ao Aba, por conceder o Espírito Santo como meu grande mestre... 
 
 
Ninguém explica Deus 
Nada é igual ao Seu redor 
Tudo se faz no Seu olhar 
Todo o universo se formou no Seu falar 
Teologia pra explicar ou big bang pra disfarçar 
Pode alguém até duvidar sei que há um Deus a me guardar 
 
E eu tão pequeno e frágil querendo Sua atenção 
No silêncio encontro resposta certa então 
Dono de toda ciência, sabedoria e poder 
Oh dá-me de beber da água da fonte da vida 
Antes que o haja houvesse Ele já era Deus 
Se revelou ao seus do crente ao ateu 
Ninguém explica Deus 
 
Nada é igual ao Seu redor 
tudo se faz no Seu olhar 
Todo o universo se formou no Seu falar 
Teologia pra explicar ou big bang pra disfarçar 
Pode alguém até duvidar sei que há um Deus a me guardar 
 
E eu tão pequeno e frágil querendo Sua atenção 
No silêncio encontro resposta certa então 
Dono de toda ciência, sabedoria e poder 
Oh dá-me de beber da água da fonte da vida 
Antes que o haja houvesse Ele já era Deus 
Se revelou ao seus do Gentio ao Judeu 
Ninguém explica Deus 
 
Ninguém explica 
Ninguém explica Deus 
Ninguém explica 
Ninguém explica Deus 
E se duvida ou se acredita 
Ninguém explica 
Ninguém explica Deus 
Ninguém explica 
Ninguém explica Deus 
Ninguém explica 
Ninguém explica Deus 
E se duvida ou se acredita 
Ninguém explica 
Ninguém explica Deus 
Dono de toda ciência, sabedoria e poder 
Oh dá-me de beber da água da fonte da vida 
Antes que o haja houvesse Ele já era Deus 
Se revelou ao seus do crente ao ateu 
Ninguém explica Deus 
Ninguém explica Deus 
 Preto no Branco (2015) 
 
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AGRADECIMENTOS 
 
Ao CNPq, pelo financiamento desta pesquisa, e ao Programa de Pós-
graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro por, 
desde o Mestrado, nomear DRE o espaço institucional aberto para que meus 
projetos de pesquisa pudessem tornar-se Dissertação e Tese: vini, vidi, vinci. 
À orientadora Profa. Doutora Mariluci Guberman, pelo respeito acadêmico às 
minhas pretensões enciclopédicas, pela competência criativa com a qual me brindou 
durante seis anos de orientação e, sobretudo, por ser autora de um dos currículos 
mais admiráveis que já vi, em sua robustez de realizações e esmero profissional. 
Além de uma carreira digna de reconhecimento, me sinto honrada por ser uma de 
suas últimas orientandas de doutorado e, em especial, por cada cafezinho, 
lanchinho e beijinho recebidos em sua casa, ao longo do tempo. Por ser maternal, 
ainda que orientadora, meu muito obrigada. 
À Profa. Doutora Edna dos Santos, em especial, por sua competente 
contribuição na ocasião da Qualificação de Doutorado, com indicações bibliográficas 
bastanterelevantes para a conclusão desta pesquisa. 
À Profa. Doutora Cláudia Luna por presentear seus alunos com um notável 
equilíbrio entre generosidade humana e diligência acadêmica. Por deixar-nos à 
vontade tanto quanto admirados a cada ocasião em que atua ofertando pertinentes 
contribuições teórico-críticas no âmbito da Pós-graduação. 
Ao Prof. Titular Doutor Eduardo Coutinho, à Profa. Doutora Cláudia Luna, à 
Profa. Doutora Edna dos Santos e à Profa. Doutora Debora Zoletti, pela honra do 
aceite em compor a banca de defesa desta Tese de Doutorado. 
À Profa. Emérita Doutora Bella Jozef, pelo legado de ter sido sua última 
orientanda, dos anos de Iniciação Científica às portas do Mestrado. Esta, 
irrefutavelmente, foi uma de minhas mais profícuas heranças acadêmicas. 
À minha mãe, de quem recebi a afeição mais próxima do amor ágape, divino 
na entrega e incondicionalidade. De mim, você arranca, diariamente, como resposta, 
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meu melhor amor: a mais pura e doadora estima que já pude experimentar. 
Agradeço, em específico, por me amar com altruísmo suficiente para desejar que eu 
sempre voe na vida – extraordinariamente – ainda que alguns voos representem, 
inevitavelmente, a sensação de ninho vazio. 
Ao meu pai, porque seu amor solidificou em mim uma base de segurança e 
proteção categóricas para o futuro. Acreditar na certeza de seu afeto modelou com 
solidez minhas respostas diante da vida, fazendo-me crer, com uma mentalidade sã, 
que nasci para vencer. Por ter sido sua princesa outrora, quando menina, aprendi a 
não aceitar nada menos do que este ser e estar no mundo, na vida adulta. Por tê-lo 
tido, posso amar com mais equilíbrio agora. 
Ao meu irmão, pelo privilégio de ser amigo, além de família. Que bom que a 
vida não nos tem afastado, mas aproximado, em seus desafios, risos e lágrimas. 
Amo você! 
À minha melhor amiga, Mylena, pelo aniversário de duas décadas de 
amizade. Meu tesouro peculiar, sempre e pra sempre. 
Ao meu Rodrigo, minha nova família, minha escolha de vida. A decisão mais 
séria e definitiva de minha história e, sincronicamente, a mais especial. Você se 
tornou meu maior investimento diário, minha prioridade e entrega, meu até que este 
o queira. No mais, a gente diz ao pé do ouvido, não é mesmo? 
A Deus, por me presentear com uma fé coerente, apesar de livre da 
escravidão da razão. Pelo privilégio de um relacionamento vívido, confortável em si 
mesmo, imprescindível em todo tempo, conquanto alheio à responsabilidade de ser 
lógico. Muito obrigada, em especial, pelo zelo de me presentear com o estudo da 
ciência, porém, preservar-me das perdas da autossuficiência humana. 
 
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SINOPSE 
 
 
Levantamento imagético do romance El camino de El Dorado de Arturo Uslar 
Pietri, publicado em 1947. Estudo analítico-crítico do processo de formação 
das identidades culturais da Venezuela no contexto da América Latina do 
século XX. Aprofundamento na contribuição dos aportes teóricos da pesquisa 
presente na análise crítico-interpretativa do romance. 
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RESUMO 
 
SILVA, Gisele Reinaldo. Arturo Uslar Pietri e o Romance Histórico Contemporâneo: 
Metáforas de um Novo Homem. Rio de Janeiro, 2017. Tese de Doutorado em Letras 
Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas) - Faculdade de Letras, 
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
 
Esta pesquisa de Doutorado discute a formação das identidades hispano-
americanas – mestiças, heterogêneas, porém, com características políticas e 
histórico-culturais afins – tendo como base o romance histórico contemporâneo El 
camino de El Dorado, do escritor venezuelano Arturo Uslar Pietri, publicado em 
1947. O estudo pauta-se na hipótese de que, ao construir poeticamente romances 
históricos, o autor visita o passado, em busca das origens de seu povo, como modo 
de questionamento do presente, no século XX, e projeção imagética do futuro, 
contribuindo, assim, para a construção da identidade cultural da Venezuela, 
remetendo, também, a outros países da América Latina. Em outras palavras, ao 
empreender um relato de viagem histórico e geográfico pelo rio Amazonas, 
projetando-se ao período da Conquista espanhola da América, Uslar Pietri funda, na 
verdade, uma viagem simbólica sobre a história da civilização do mundo ocidental. A 
representação narrativa dos acontecimentos de mais alta tensão do passado são 
imprescindíveis para o processo de formação dos nacionalismos americanos do 
século XX. Nesta pesquisa, buscamos, ainda, apresentar um estudo crítico sobre 
temas predominantes na obra de Uslar Pietri – poder, memória, olhar, Barroco 
estético – entendendo-os como mecanismos teóricos e estéticos decisivos para a 
análise posterior de sua criação literária. 
 
Palavras-chave: Arturo Uslar Pietri, El camino de El Dorado, Romance Histórico, 
Identidades Culturais, Mestiçagem Cultural, Modernidade. 
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ABSTRACT 
 
SILVA, Gisele Reinaldo. Arturo Uslar Pietri e o Romance Histórico Contemporâneo: 
Metáforas de um Novo Homem. Rio de Janeiro, 2017. Tese de Doutorado em Letras 
Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas) - Faculdade de Letras, 
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
 
This PhD research discusses the formation of Hispano-American identities - mestizo, 
heterogeneous, however with similar political and historical-cultural characteristics - 
based on the contemporary historical novel El camino de El Dorado written by the 
Venezuelan Arturo Uslar Pietri, published in 1947. The current study is based on the 
hypothesis that, when constructing poetically historical novels, the author visits the 
past, searching for the origins of his people, as a way of questioning the present, in 
the twentieth century, and imaginary projection of the future, contributing thus to the 
construction of the cultural identity of Venezuela, referring also to other countries in 
Latin America. In other words, by undertaking a historical and geographical travel 
report along the Amazon River, projecting himself to the period of the Spanish 
Conquest of America, Uslar Pietri creates, in fact, a symbolic journey on the history of 
the civilization of the Western world. The narrative representation of the tensest 
events in the past are essential for the process of formation of the American 
nationalisms of the 20th century. In this research, we also seek to present a critical 
study on prevailing themes in the Uslar Pietri’s work - power, memory, look, aesthetic 
baroque - Understanding them as decisive theoretical and aesthetic mechanisms for 
the later analysis of his literary creation. 
 
Key words: Arturo Uslar Pietri, El camino de El Dorado, Historical Romance, Cultural 
Identities, Culture Mongrelisation, Modernity. 
 
 
 
 
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RESUMEN 
 
SILVA, Gisele Reinaldo. Arturo Uslar Pietri e o Romance Histórico Contemporâneo: 
Metáforas de um Novo Homem. Rio de Janeiro, 2017. Tese de Doutorado em Letras 
Neolatinas (Estudos Literários: Literaturas Hispânicas) - Faculdade de Letras, 
Universidade Federal do Rio de Janeiro. 
 
Esta investigación de Doctorado discute la formación de identidades 
hispanoamericanas – mestizas, heterogéneas, pero, con características políticas e 
histórico-culturales afines – teniendo como base la novela histórica contemporánea 
El camino de El Dorado, del escritor venezolano Arturo Uslar Pietri, publicada en 
1947. El estudio se basa en la hipótesis de que, al construir poéticamente novelas 
históricas, el autor visita el pasado, en búsqueda de los orígenes de su pueblo, como 
modo de cuestionamiento del presente, en el siglo XX, y proyección imagética delfuturo, contribuyendo, así, para la construcción de la identidad cultural de Venezuela, 
remitiendo, también, a otros países de América Latina. En otras palabras, al 
emprender un relato de viaje histórico y geográfico por el río Amazonas, 
proyectándose al período de la Conquista española de América, Uslar Pietri funda, 
en verdad, un viaje simbólico sobre la historia de la civilización del mundo occidental. 
La representación narrativa de los hechos de más alta tensión del pasado son 
imprescindibles para el proceso de formación de los nacionalismos americanos del 
siglo XX. En esta investigación, buscamos, aún, presentar un estudio crítico sobre 
temas predominantes en la obra de Uslar Pietri – poder, memoria, mirada, Barroco 
estético – comprendiéndolos como mecanismos teóricos y estéticos decisivos para 
el análisis posterior de su creación literaria. 
 
Palabras-clave: Arturo Uslar Pietri, El camino de El Dorado, Novela Histórica, 
Identidades Culturales, Mestizaje Cultural, Modernidad. 
 
 
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“Casar assim o pensamento com 
o sentimento – o coração com o 
entendimento – a ideia com a 
paixão – cobrir tudo isto com a 
imaginação, fundir tudo isto com 
a vida e com a natureza, purificar 
tudo com o sentimento da 
religião e da divindade, eis a 
Poesia – a Poesia grande e 
santa – a Poesia como eu a 
compreendo sem a poder definir, 
como eu a sinto sem a poder 
traduzir. O esforço – ainda vão – 
para chegar a tal resultado é 
sempre digno de louvor; talvez 
seja este o só merecimento deste 
volume. O Público o julgará; 
tanto melhor se ele o despreza, 
porque o Autor interessa em 
acabar com essa vida 
desgraçada, que se diz de 
Poeta”. 
Gonçalves Dias (1847) 
 
 
 
 
 
Ai, palavras, ai, palavras, 
que estranha potência a vossa! 
Todo o sentido da vida 
principia a vossa porta: 
o mel do amor cristaliza 
seu perfume em vossa rosa; 
sois o sonho e sois a audácia, 
calúnia, fúria, derrota... 
A liberdade das almas, 
ai! com letras se elabora... 
E dos venenos humanos 
sois a mais fina retorta: 
frágil, frágil, como o vidro 
e mais que o aço poderosa! 
Reis, impérios, povos, tempos, 
pelo vosso impulso rodam [...]. 
 
Cecília Meireles (1985) 
13 
 
 
 
 
Latinoamérica 
Soy, soy lo que dejaron 
Soy toda la sobra de lo que se 
robaron 
Un pueblo escondido en la cima 
Mi piel es de cuero, por eso aguanta 
cualquier clima 
Soy una fábrica de humo 
Mano de obra campesina para tu 
consumo 
 
Frente de frío en el medio del verano 
El amor en los tiempos del cólera, 
¡mi hermano! 
Soy el sol que nace y el día que 
muere 
Con los mejores atardeceres 
Soy el desarrollo en carne viva 
Un discurso político sin saliva 
Las caras más bonitas que he 
conocido 
 
Soy la fotografía de un desaparecido 
La sangre dentro de tus venas 
Soy un pedazo de tierra que vale la 
pena 
Una canasta con frijoles, soy 
Maradona contra Inglaterra 
Anotándote dos goles 
 
Soy lo que sostiene mi bandera 
La espina dorsal del planeta, es mi 
cordillera 
Soy lo que me enseñó mi padre 
El que no quiere a su patría, no 
quiere a su madre 
Soy américa Latina, un pueblo sin 
piernas, pero que camina 
¡Oye! 
 
Totó La Momposina: 
Tú no puedes comprar el viento 
Tú no puedes comprar el sol 
Tú no puedes comprar la lluvia 
Tú no puedes comprar el calor 
 
María Rita: 
Tú no puedes comprar las nubes 
Tú no puedes comprar los colores 
Tú no puedes comprar mi alegría 
Tú no puedes comprar mis dolores 
 
Totó La Momposina: 
Tú no puedes comprar el viento 
Tú no puedes comprar el sol 
Tú no puedes comprar la lluvia 
Tú no puedes comprar el calor 
 
 
Susana Bacca: 
Tú no puedes comprar las nubes 
Tú no puedes comprar los colores 
Tú no puedes comprar mi alegría 
Tú no puedes comprar mis dolores 
 
Calle 13 
Tengo los lagos, tengo los ríos 
Tengo mis dientes pa' cuando me 
sonrio 
La nieve que maquilla mis montañas 
Tengo el sol que me seca y la lluvia 
que me baña 
Un desierto embriagado con peyote 
Un trago de pulque para cantar con 
los coyotes 
 
Todo lo que necesito, tengo a mis 
pulmones respirando azul clarito 
La altura que sofoca 
Soy las muelas de mi boca, 
mascando coca 
El otoño con sus hojas desmayadas 
Los versos escritos bajo la noches 
estrellada 
Una viña repleta de uvas 
Un cañaveral bajo el sol en Cuba 
Soy el mar Caribe que vigila las 
casitas 
 
Haciendo rituales de agua bendita 
El viento que peina mi cabellos 
Soy, todos los santos que cuelgan de 
mi cuello 
El jugo de mi lucha no es artificial 
Porque el abono de mi tierra es 
natural 
 
Totó La Momposina: 
Tú no puedes comprar el viento 
Tú no puedes comprar el sol 
Tú no puedes comprar la lluvia 
Tú no puedes comprar el calor 
 
Susana Bacca: 
Tú no puedes comprar las nubes 
Tú no puedes comprar los colores 
Tú no puedes comprar mi alegría 
Tú no puedes comprar mis dolores 
 
Maria Rita: 
Não se pode comprar o vento 
Não se pode comprar o sol 
Não se pode comprar a chuva 
Não se pode comprar o calor 
Não se pode comprar as nuvens 
Não se pode comprar as cores 
Não se pode comprar minha'legria 
Não se pode comprar minhas dores 
 
 
No puedes comprar el sol 
No puedes comprar la lluvia 
(Vamos caminando) 
No riso e no amor 
(Vamos caminando) 
No pranto e na dor 
(Vamos dibujando el camino) 
No puedes comprar mi vida 
(Vamos caminando) 
La tierra no se vende 
 
Trabajo bruto, pero con orgullo 
Aquí se comparte, lo mío es tuyo 
Este pueblo no se ahoga con 
marullo 
Y se derrumba yo lo reconstruyo 
Tampoco pestañeo cuando te miro 
Para que te recuerde de mi apellido 
La operación Condor invadiendo mi 
nido 
Perdono pero nunca olvido 
¡Oye! 
 
Vamos caminando 
Aquí se respira lucha 
Vamos caminando 
Yo canto porque se escucha 
Vamos dibujando el camino 
(Vozes de um só coração) 
Vamos caminando 
Aquí estamos de pie 
¡Que viva la América! 
No puedes comprar mi vida 
 Calle 13 (2010) 
 
14 
 
 
 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO...........................................................................................................16 
PRIMEIRA ETAPA 
I. ARTURO USLAR PIETRI E A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA DA 
AMÉRICA LATINA....................................................................................................30 
1.1 Modernismo hispano-americano: a resposta da América ao espírito 
moderno inaugural do século XIX....................................................................31 
1.2 Os projetos de modernidade artístico-literários de José Carlos 
Mariátegui, José Lezama Lima, Arturo Uslar Pietri e Ángel Rama..................42 
 
II. A VENEZUELA DO SÉCULO XX E A REVOLUÇÃO DE ARTURO USLAR 
PIETRI........................................................................................................................57 
2.1 O contexto literário venezuelano e o legado da primeira metade do século 
XX na leitura de Uslar Pietri............................................................58 
2.2 O Eldorado: élan poético e revolucionário de Uslar Pietri 
transmudado às Letras....................................................................................63 
III. APORTES TEÓRICO-CRÍTICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA 
PESQUISA.................................................................................................................72 
3.1 Michel Foucault: linguagem e poder..........................................................74 
3.2 História, memória e olhar: descoberta, invenção e mutação da 
realidade..........................................................................................................903.2.1 Da Conquista aos nacionalismos americanos: imbricações 
entre história e literatura.......................................................................90 
3.2.2 Memória e olhar como mecanismos de (re)leitura da 
história.................................................................................................107 
3.3 O romance moderno e a “Epopeia da era burguesa”: o caso do 
romance histórico contemporâneo................................................................117 
3.4 Barroco estético e o redescobrimento da mestiçagem hispano-
americana......................................................................................................136 
3.5 O mundo da imagem: transformação de ideias icônicas e construção 
de uma poética..............................................................................................151 
15 
 
 
 
SEGUNDA ETAPA 
 
1ª PARTE 
IV. DA CIDADE PARA A SELVA AMAZÔNICA: A NATUREZA EM 
SEU PROTAGONISMO...........................................................................................162 
4.1 O Reino do Peru: terra de índios.............................................................164 
4.2 Terra de Santa Cruz: chuva e sangre......................................................168 
4.3 Da terra firme ao rio Amazonas...............................................................175 
 
2ª PARTE 
V. ENTRE O RIO E A SELVA: A CENTRALIDADE DE LOPE DE AGUIRRE.......195 
5.1 O golpe traidor.........................................................................................196 
5.2 Novo rei, novo propósito..........................................................................209 
5.3 A grande matança...................................................................................220 
 
3ª PARTE 
VI. DA NOVA TERRA PARA O DESERTO............................................................225 
6.1 A Ilha Margarida......................................................................................226 
6.2 O discurso de Aguirre..............................................................................230 
6.3 O navio do prior.......................................................................................234 
6.4 A experiência de Valencia.......................................................................240 
6.5 O desfecho dos acontecimentos.............................................................245 
 
 
CONCLUSÃO....................................................................................................................251 
REFERÊNCIAS.................................................................................................................254 
 
 
16 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Cumpre salientar que, sendo a literatura um fenômeno muito complexo e a 
pesquisa literária uma ciência muito jovem, não se pode valorizar uma 
metodologia qualquer que seja um remédio milagroso. A diversidade dos 
procedimentos é justificada, até mesmo indispensável, contanto que tais 
procedimentos deem provas de seriedade e descubram novos aspectos no 
fenômeno literário, contanto que contribuam para aprofundar sua 
compreensão. 
Mikhail Bakhtin (1997) 
sta Tese de Doutorado discute a formação das identidades 
hispano-americanas – mestiças, heterogêneas, porém, com 
características políticas e histórico-culturais afins – tendo 
como base o romance histórico contemporâneo El camino de El Dorado1, do escritor 
venezuelano Arturo Uslar Pietri, publicado em 1947. O estudo pauta-se na hipótese 
de que, ao construir poeticamente romances históricos, o autor visita o passado, em 
busca das origens de seu povo, como modo de questionamento do presente, no 
século XX, e projeção imagética do futuro, contribuindo, assim, para a construção da 
identidade cultural da Venezuela, remetendo, também, a outros países da América 
Latina. 
Em outras palavras, ao empreender um relato de viagem histórico e 
geográfico pelo rio Amazonas, projetando-se ao período da Conquista espanhola da 
América, Uslar Pietri funda, na verdade, uma viagem simbólica sobre a história da 
civilização do mundo ocidental. A representação narrativa dos acontecimentos de 
mais alta tensão do passado são imprescindíveis para o processo de formação dos 
nacionalismos latino-americanos do século XX. Nesse sentido, o acontecimento 
histórico retomado no romance El camino de El Dorado (1947) refere-se à Conquista 
da América pelo rio Amazonas, no século XVI, através da expedição de espanhóis, 
índios e negros sob o comando do conquistador espanhol Pedro de Ursúa sucedido 
por Lope de Aguirre, após sua morte. 
Uslar Pietri defende, exaustivamente, em sua obra, a problemática de que a 
autenticidade do processo de formação histórico-cultural americana, delineadora de 
 
1 Todas as citações da obra de Arturo Uslar Pietri nesta pesquisa foram mantidas em língua 
espanhola, no original correspondente à edição. Não obstante, todas as demais citações teórico-
críticas vêm acompanhadas de tradução nossa (Tradução Nossa), com a indicação do número de 
página correspondente junto ao original em rodapé. 
E 
17 
 
 
 
suas identidades culturais, não constitui uma discussão resolvida, ainda no final do 
século XX. O autor denuncia a ineficiência de uma visão binária – restritiva e 
arquetípica – definidora das lendas branca e negra representadas por 
conquistadores e conquistados, no que diz respeito à simbiose histórico-cultural, 
econômica, política e étnica entre brancos, índios e negros na América. Entre 
conflitos e contradições, as identidades culturais do ser americano moderno se 
formam a partir de uma evolução histórica em que nem tudo foi crime, tanto quanto 
nem tudo foi paradisíaco, pleno de perfeição e bondade, como disseminado por 
relatos históricos e míticos. 
Ao eximir-se do catastrofismo dos mais dogmáticos, bem como do relativismo 
dos mais niilistas, Uslar Pietri recorre à palavra escrita a fim de recriar e agregar, 
através do redescobrimento da mestiçagem cultural, seletas colaborações da cultura 
em língua espanhola ao debate das culturas universais, como veremos na análise 
crítico-interpretativa do romance El camino de El Dorado (1947). 
Como objetivos da pesquisa, visamos a levantar o sistema imagético do 
romance histórico El camino de El Dorado (1947), o que implicará, assim, na 
apresentação de um estudo teórico-crítico sobre a conceituação de imagem, além 
de um estudo sobre o papel do romance moderno na literatura hispano-americana e, 
em especial, as características do romance histórico contemporâneo, já discerníveis 
na narrativa de Uslar Pietri. Neste propósito, apresentaremos, ainda, um estudo 
sobre temas predominantes na obra do escritor – poder, memória, olhar, Barroco 
estético – entendendo-os como mecanismos teóricos e estéticos decisivos para o 
aprofundamento examinador de sua criação literária. 
A metodologia comparatista proposta para o desenvolvimento da pesquisa 
qualitativa segue as seguintes estratégias: seleção, leitura, interpretação e debate 
de textos literários e ensaísticos da produção intelectual latino-americana; isto é, a 
pesquisa emprega métodos de análise textual e hermenêutica literária com métodos 
procedentes da crítica cultural, dos estudos comparados e da historiografia literária. 
Para contemplar essa metodologia, a pesquisa dividiu-se em duas etapas. A 
Primeira Etapa da pesquisa engloba três capítulos, da página 30 à 161. O primeiro 
capítulo da Tese denomina-se “Arturo Uslar Pietri e a historiografia literária da 
América Latina” e subdivide-se em dois subcapítulos: “Modernismo hispano-americano: a resposta da América ao espírito moderno inaugural do século XIX” e 
18 
 
 
 
“Os projetos de modernidade artístico-literários de José Carlos Mariátegui, José 
Lezama Lima, Arturo Uslar Pietri e Ángel Rama”. 
Inicialmente, partimos de uma reflexão sobre a modernidade inaugural na 
Europa e o Modernismo Hispano-americano, com base no pensamento teórico-
crítico, principalmente, de Charles Baudelaire (1996), Jorge Ruffinelli (1995) e 
Richard Sennett (1997), considerando o Modernismo latino-americano como a 
resposta da América ao processo de ruptura, reorganização cultural no mundo 
ocidental, iniciado a partir do século XIX na Europa, com a modernidade. 
Em seguida, avançamos para o projeto das Vanguardas hispano-americanas 
pós-modernistas, centrando na criação literária de Uslar Pietri, em sua trajetória no 
mundo das letras, ao enfatizarmos o engajamento intelectual e político do escritor, 
comprometido com a realidade histórica de seu tempo. 
Embasamo-nos, ainda, nas ideias de Jose Martí (1983), precursor de Uslar 
Pietri, no tocante ao labor intelectual de reflexão sobre a formação das identidades 
culturais da América Latina, prosseguindo, em seguida, para as contribuições 
suscitadas por outros escritores considerados referência do pensamento intelectual 
latino-americano no século XX: José Carlos Mariátegui (2010), José Lezama Lima 
(1988), Roberto Fernández Retamar (2006) e Ángel Rama (2008). 
Com isso, demonstramos as influências culturais, intelectuais e literárias 
absorvidas por Uslar Pietri, as quais serão determinantes para a construção de sua 
identidade como porta-voz de seu tempo. Tais escritores latino-americanos 
mencionados coincidem na medida em que, em seu tempo, promovem uma reforma 
intelectual e moral precursora da criação de novos modelos artísticos. As reformas 
intelectuais do continente percebem-se dotadas de um saber científico, cuja ambição 
heroica desperta na geração correspondente a função de realizar uma obra 
histórico-crítica. 
O discurso americanista busca resolver seu problema crucial de complexo de 
inferioridade assumindo a heterogeneidade de sua formação histórico-social, sem 
renunciar ao ambicionado universalismo. Focalizar a América como unidade cultural 
e continuidade histórica constitui, possivelmente, o reto fundamental dos grandes 
escritores do século XX, conforme abordado nesta etapa da pesquisa. 
O segundo capítulo intitula-se “A Venezuela do século XX e a revolução de 
Arturo Uslar Pietri” e subdivide-se em dois subcapítulos: “O contexto literário 
19 
 
 
 
venezuelano e o legado da primeira metade do século XX na leitura de Uslar Pietri” 
e “O Eldorado: élan poético e revolucionário de Uslar Pietri transmudado às Letras”. 
No primeiro subcapítulo, apresentamos o contexto literário da Venezuela do século 
XX, com base no livro Letras y Hombres de Venezuela, do próprio Uslar Pietri 
(1956). Entendemos que Uslar Pietri, ao início do século XX, com o regresso de sua 
temporada em Paris, na França, acaba por instaurar um processo de Vanguarda no 
território venezuelano, a despeito de toda a estagnação em que se encontrava o 
país. 
Neste subcapítulo, veremos, em especial, a visão de Uslar Pietri (1956) sobre 
o romance venezuelano, enquanto propósito mais sistemático e profundo, o qual 
empreendeu a análise e a revelação da alma do povo, de acordo com o escritor. 
Com perguntas cultas e propósitos ulteriores, o romance nacional interpreta as 
sibilinas respostas oferecidas pela existência do venezuelano e sua condição. Os 
mitos e lendas presentes nos textos transmitem não apenas a concepção 
venezuelana de mundo, seu espírito, sua vida, sua moral, mas também seus ideais 
de sociedade, de justiça, de bem e mal, de belo, de sobrenatural. 
O segundo subcapítulo, ainda nesta etapa, realiza, de certa maneira, a 
trajetória do escritor no mundo das Letras, desde suas primeiras irrupções literárias 
à maturidade de suas últimas colaborações escritas. Para cumprir este objetivo, 
privilegiamos, sobretudo, seus livros de ensaios, como apoio teórico-crítico: Letras y 
Hombres de Venezuela (1956), De una a otra Venezuela (1956), En busca del nuevo 
mundo (1969), La creación del nuevo mundo (1991), Ensayos sobre el nuevo 
mundo: antología de textos políticos (2002). 
A relevância deste subcapítulo justifica-se pela oportunidade dada ao leitor 
desta Tese de um mergulho rumo ao entendimento da visão intelectual de Uslar 
Pietri, cuja trajetória manteve uma coerência de pensamento reflexivo, perceptível 
desde suas primeiras publicações ensaísticas às últimas, com difusão recente, na 
década de 90, do século XX. 
 O terceiro capítulo, de fundamentação teórica, nomeado “Aportes teórico-
críticos para o desenvolvimento da pesquisa” apresenta o aprofundamento, como 
apontado no título, desses aportes que sedimentam a pesquisa, os quais 
estruturarão a leitura crítico-analítica posterior do romance El camino de El Dorado 
(1947). 
20 
 
 
 
O primeiro subcapítulo “Michel Foucault: linguagem e poder”, baseado em As 
Palavras e as Coisas, de Michel Foucault (1995), propõe uma profunda análise 
sobre o papel da linguagem, a partir da modernidade, a qual abandona sua 
interdependência com o mundo, torna-se um caso de significação, passando a 
representar a si mesma. 
Na Era Clássica, a semelhança conduzia a arte e tornava o invisível, visível. 
O mundo organizava-se em torno de si e a semelhança impunha vizinhanças que, 
por sua vez, asseguravam semelhanças. O lugar e a similitude se imbricavam e a 
linguagem era uma espécie de teatro da vida ou espelho do mundo. O direito de 
falar da linguagem consistia em decifrar um mundo que se constituía pela 
conveniência universal das coisas. 
Se, por um lado, o saber da Era Clássica esteve limitado a conhecer sempre 
a mesma coisa, ainda que por caminhos ilimitados, por outro, na modernidade do 
século XIX, o homem é uma invenção recente, uma figura antropológica, uma 
simples obra de nosso saber. Trata-se de uma nova experiência da linguagem e das 
coisas, em que as palavras encontram ininterruptamente seu poder de estranheza e 
o recurso de sua contestação. O fim do pensamento clássico provoca um recuo da 
representação à liberação da linguagem e, por conseguinte, à possibilidade de ser 
duplicada, limitada, guarnecida, mitificada e, possivelmente, regida pelo enorme 
impulso exterior da liberdade, ou de um desejo, ou de uma vontade, no 
esclarecimento de Foucault (1995). 
Com base, ainda, na perspectiva de Michel Foucault (1985, 2002), em seus 
livros Microfísica do poder e A arqueologia do saber, refletimos sobre os discursos 
de verdade que a noção de poder implica, especialmente na modernidade ocidental. 
São estes mesmos discursos, gerados pelo poder, que acabam por gerir e organizar 
a rigidez das hierarquias sociais, a qual a literatura cumpre o papel de colocar em 
suspenso. A pertinência deste entendimento centra-se na necessidade de leitura 
futura do romance com nitidez de visão quanto às implicações ocasionadas pelos 
jogos de poder nas relações humanas. 
O segundo subcapítulo, por sua vez, denominado “História, memória e olhar: 
descoberta, invenção e mutação da realidade” subdivide-se em “Da Conquista aos 
nacionalismos americanos: imbricações entre história e literatura” e “Memória e olhar 
como mecanismos de (re)leitura da história”. Neste, conjugaremos a memória e o 
21 
 
 
 
olhar como instrumentos estéticos decisivos para a criação poética de Uslar Pietri, 
em seu romance, o qual retorna às memórias históricas passadas, através de um 
olhar imagético que pretende despir ao máximo as influências de julgamento pré-
concebidas,a fim de promover um mergulho nas origens de seu povo. 
Nesse sentido, mostramos que a memória e o esquecimento são 
fundamentais para as hierarquias de poder entre as classes, grupos e indivíduos que 
dominaram ou dominam as sociedades históricas. Por instituírem mecanismos de 
manipulação da memória coletiva, tornam-se imprescindíveis no conhecimento da 
memória social, tendo em vista que, nos problemas do tempo e da história, a 
memória está ora em retraimento, ora em transbordamento. Para norteamento das 
discussões propostas nesta etapa, utilizamos o livro História: novos problemas, 
organizado por Jacques Le Goff e Pierre Nora (1995) e História e memória, Le Goff 
(1990). Além destes, tomamos, também, as considerações de Harald Weinrich 
(2001), no livro Lete: arte e crítica do esquecimento. 
Já no livro O Olhar, organizado por Adauto Novaes (1988), o pesquisador 
José Moura Gonçalves Filho, em seu texto “Olhar e memória”, aborda a relação 
entre as duas experiências – olhar e memória – a despeito da tendência moderna de 
considerá-las desacordes. Na visão do autor, o olhar contemporâneo está focado no 
imediato sem interioridade, assim como a memória está subjugada a uma função 
supérflua esterilizante. Seu propósito é reunir os dois temas a partir de uma 
postulação da psicologia social brasileira, cujo incentivo aposta em que os trabalhos 
de memória despertem um olhar mais zeloso, tanto em direção ao futuro, quanto a 
respeito das simbologias e esperanças históricas passadas. 
No estudo sobre o olhar, observamos que o olhar, ao despertar em direção ao 
passado, instaura um desequilíbrio a respeito do presente, na medida em que 
denuncia o fetichismo moderno, absorvido como progresso, da mesma forma que 
anuncia o desequilíbrio a respeito do futuro, pressuposto como curado, onde a 
história estaria solucionada e controlada por um poder irrepreensível, cujo papel 
seria de uma profilaxia social. 
Após essa discussão, o terceiro subcapítulo “O romance moderno e a 
“epopeia da era burguesa”: o caso do romance histórico contemporâneo” aprofunda-
se, a princípio, na abertura do mundo americano ao romance, o qual começa a 
brotar como planta espontânea para expressar as novas condições da vida no 
22 
 
 
 
continente. Seu nascimento não se origina de um propósito retórico de imitação de 
um modelo famoso, senão como consequência viva de uma necessidade individual 
e histórica, passado o primeiro século de inexpressão do gênero na América. 
Aberto ao futuro, o romance contemporâneo exige, para sê-lo plenamente, 
uma idêntica abertura ao passado. Não há, em sua lógica, futuro vivo com um 
passado morto, inclusive, porque este não configura a tradição rígida, sagrada, 
intocável, ao contrário, a tradição e o passado só são reais quando são tocados e, 
às vezes, avassalados pela imaginação poética do presente. 
O filósofo húngaro Georg Lukács (2000), cujas considerações foram utilizadas 
em nossa reflexão, em sua obra A teoria do romance: um ensaio histórico-filosófico, 
concebe a era moderna como a era da epopeia, em que o homem e suas ações 
estão voltadas às exigências intrínsecas da alma: à grandeza, ao desdobramento, à 
plenitude. Isso porque, no Novo Mundo, ser homem significa ser solitário. Já não há 
luz interna que ilumine o mundo dos acontecimentos, ao contrário, o sujeito tornou-
se aparência, objeto para si mesmo, na medida em que sua essência mais 
intrínseca lhe serve apenas como contraponto ao dever-ser. 
Além de Lukács (2000), aprofundamo-nos nas contribuições do próprio Uslar 
Pietri (1955), em seu livro Breve Historia de la Novela Hispanoamericana e Donald 
Shaw (1985), em seu livro Nueva Narrativa Hispanoamericana, pelos quais 
apresentamos as etapas de evolução do romance na América, a partir do 
esclarecimento de que a situação americana desnaturaliza o espírito de imitação e 
solicita, implacavelmente, a atenção do romancista para a peculiaridade de sua 
humanidade e paisagem. O romance contemporâneo americano se caracteriza, 
precisamente, por seu tom de revelação e de descobrimento, tratando-se de uma 
emoção épica, embora fragmentária, do mundo americano e sua gente. 
Finalmente, para a conceituação do novo romance histórico, cujas 
características foram pré-anunciadas no romance El camino de El Dorado, publicado 
nos anos 40, apoiamo-nos em Mikhail Bakhtin (1998), no livro Questões de literatura 
e de estética: a teoria do romance; Georg Lukács (1966), em sua obra La novela 
histórica, e Seymour Menton (1993), em seu livro La nueva novela histórica de la 
América Latina. 
O subcapítulo “Barroco estético e o redescobrimento da mestiçagem hispano-
americana” objetiva apresentar o Barroco como um estado de ânimo, um modo de 
23 
 
 
 
ser, um atributo do espírito que pode ocorrer em qualquer época, em qualquer lugar 
e, sendo assim, no interior de qualquer cultura. Trata-se de uma constante do 
espírito que floresce em circunstâncias quaisquer, independente de que, em 
determinadas épocas, em virtude de certos fatores bem dissimiles, alcance um maior 
auge e um tipo de manifestação mais esplendorosa. Há, no Barroco, uma sorte de 
pulsão criadora que retorna ciclicamente através de toda a história nas 
manifestações da arte, tanto literárias como plásticas, arquitetônicas ou musicais. O 
instrumento fundamental do Barroco literário é, naturalmente, a linguagem. 
A singularidade deste estudo para o propósito desta pesquisa centra-se no 
fato de o romance El camino de El Dorado (1947) absorver este espírito barroco não 
enrijecido por um período de “escola” literária, possuindo características que 
remetem ao Barroco estético, conforme veremos na etapa de aprofundamento na 
obra. Alexis Márquez Rodríguez (1984), no texto “Concepto y definición del Barroco”, 
do livro Lo barroco y lo real-maravilloso en la obra de Alejo Carpentier, não apenas 
enumera algumas destas características, como também elucida sobre o porquê de a 
América Latina nomear-se como a terra de eleição do Barroco. 
No esclarecimento de Márquez Rodríguez (1984), toda simbiose, toda 
mestiçagem cultural engendra um barroquismo. Nesta perspectiva, o barroquismo 
americano cresce com o sentido do crioulo, a partir da consciência que emerge no 
homem americano, seja filho de negro africano, seja filho de branco vindo da 
Europa, seja filho de índio nascido no continente. Trata-se, como diria Simón 
Rodríguez, da consciência de ser outra coisa, de ser uma coisa nova, de ser uma 
simbiose, de ser um crioulo. O espírito crioulo, em si mesmo, configura um espírito 
barroco. 
O continente americano é essencialmente barroco, tanto por sua geografia 
como por sua realidade histórico-cultural, o que torna natural que seja esta e não 
outra a mais autêntica forma da expressão americana. A América é barroca por sua 
arquitetura, pela complexidade de sua natureza e vegetação, por sua arte, desde a 
esplêndida escultura pré-colombiana ao melhor romance moderno americano, 
passando, ainda, pelas catedrais e monastérios coloniais do continente. 
José Lezama Lima (1988:78), no texto “A curiosidade barroca”, presente na 
obra A expressão americana, igualmente, traz uma importante contribuição à 
reflexão proposta neste subcapítulo, além de Omar Calabrese (1992), com seu texto 
24 
 
 
 
“Neobarroco” publicado em seu livro 2 Barroco y Neobarroco e Severo Sarduy 
(1999), em sua obra completa sobre o Neobarroco. O subcapítulo encerra-se, por 
fim, com as conclusões do próprio Uslar Pietri (2002) no tocante ao tema do Barroco 
em sua relação com a mestiçagem cultural, através de seus ensaios publicados no 
supracitado livro Ensayos sobre el nuevo mundo: antología de textos políticos. 
O quintosubcapítulo “O mundo da imagem: transformação de ideias icônicas 
e construção de uma poética” aborda o tema da imagem como faculdade icônica do 
homem e elemento estético de fundamental relevância para a construção de uma 
poética, pautado nas contribuições teórico-críticas de Lezama Lima (1968), Carlos 
Rincón (2002) e Justo Villafañe (2002), bem como nas considerações da 
pesquisadora Diana de Araújo Pereira (2006), além da ensaística do escritor 
argentino Julio Cortázar (1999). A importância do estudo da imagem se justifica pela 
necessidade de se fazer o levantamento imagético da obra de Arturo Uslar Pietri, 
considerando que é de inegável significância o papel da literatura na construção de 
imaginários individuais e coletivos. 
 A modernidade atribui nova visão concernente ao papel da imagem, a qual 
passa a ser um fato temático e uma realização estilística. Constitui, ainda, a 
faculdade icônica do homem, haja vista que tudo que este testemunha o faz 
enquanto imagem. Tanto o imaginário visual quanto o coletivo são compostos por 
metáforas. É papel deste tensionar as metáforas que conduzem o pensamento 
comum, criadas a partir da insistência em uma determinada imagem simbólica 
repetitiva, fruto da rigidez das máscaras sociais fixas, hierarquizadas e engendradas 
pelo senso comum. Percebe-se, portanto, que o imaginário tanto estabiliza quanto 
desestabiliza as forças sociais, a depender de as imagens que logrem constituí-lo. 
Trata-se da imagem como construção discursiva e é justamente nesta 
proposta de levantamento imagético que se enquadram os escritores que, de 
alguma forma, sentem pulsar a necessidade de relativizar todas as verdades 
tomadas como “oficiais”, em princípio, solidificadoras das raízes históricas e sociais 
das quais surge o indivíduo latino-americano contemporâneo. 
Nesta conjuntura, apresenta-se a Segunda Etapa da pesquisa, da página 162 
à 250 a qual cumpre o principal propósito deste estudo de realizar o levantamento 
imagético do romance El camino de El Dorado (1947). Tal etapa se compartimentará 
em três partes, semelhantes à estrutura formal do próprio romance de Arturo Uslar 
25 
 
 
 
Pietri, porém, redistribuídas, conforme à fluidez da análise crítico-interpretativa a que 
nos propomos. 
A Primeira Parte da Segunda Etapa, intitulada “Da cidade para a selva 
amazônica: a natureza em seu protagonismo”, desmembra-se em “O Reino do Peru: 
terra de índios”, “Terra de Santa Cruz: chuva e sangre” e “Da terra firme ao rio 
Amazonas”, cujo foco centra-se em comprovar a importância fulcral da natureza 
como a grande personagem desta primeira fase do romance. 
Há uma variedade de elementos míticos representantes do poderio da 
natureza, diante da qual o homem encontra-se impotente e vulnerável, tanto quanto 
atraído por sua majestosa imensidão. Tempestade inesperada, vento voador, mar 
rugidor, infinita selva, pesados rios, imensidão do dia e noite são elementos 
construtores da riqueza simbólica da natureza, criando e transmitindo efeitos de 
poder, semelhante ao que veremos no estudo com as contribuições de Michel 
Foucault (1985). 
Nesta primeira fase, utilizamos também o subcapítulo “O mundo da imagem: 
transformação de ideias icônicas e construção de uma poética”, em que 
estudaremos que a mente anseia por uma nova forma de aproximação com o 
mundo e o conhecimento, e a imagem se constrói a partir do acesso a uma espécie 
de interregno, no qual a imaginação criadora atua. Uslar Pietri (1947), em El camino 
de El Dorado, comprova esta premissa ao representar imageticamente os 
detalhamentos do imaginário coletivo daquela tropa de humanos a respeito do 
Eldorado. Trata-se do lugar da plenitude de todas as coisas, real no imaginário 
humano, ainda que ilógico ou inverossímil para o pensamento racional. 
Como veremos na reflexão proposta neste subcapítulo, para a efetivação do 
pensamento e linguagem metafórica, faz-se mister uma inevitável abstração e 
relativização conceitual, de modo que tanto o imaginário visual quanto o coletivo 
sejam compostos por metáforas. O Eldorado tensiona as metáforas que conduzem o 
pensamento comum europeu, na medida em que constitui nova(s) metáfora(s) 
concernente(s) à realidade do imaginário no Novo Mundo. Ainda que os espanhóis 
da expedição busquem em sua memória referências imagéticas da cidade de 
Sevilha, na Espanha, como âncora de expectativa do porvir, o Eldorado não está a 
serviço do senso comum, não constitui uma imagem simbólica preexistente, e sim 
26 
 
 
 
configura a abertura às novas simbologias, desestabilizadoras da previsibilidade, 
rumo ao desconhecido. 
Há, na escrita de Uslar Pietri, representada pela voz do narrador, a 
exageração no uso de uma linguagem imagética repleta de metáforas e alegorias, 
com o propósito de criar uma impressão ilusória de beleza e abundância de 
elementos sensoriais (cor, som etc.). A exuberância da selva é apresentada de 
maneira idealizada e cruel, sincronicamente. Veremos tais características em nosso 
estudo supracitado sobre o Barroco estético, também, intitulado “Barroco estético e 
o redescobrimento da mestiçagem hispano-americana”, as quais são cultivadas por 
Uslar Pietri em seu intuito de expressão da realidade americana, alcançado na obra. 
O som das águas dos rios, da chuva e da tempestade, por exemplo, garantem 
esta riqueza sensorial ao leitor, assim como a abundância de metáforas na 
descrição da natureza demonstram este espírito barroco nas artes desenvolvidas na 
América do século XX. Tal como veremos no capítulo de fundamentação teórica, o 
léxico, cuja intensidade semântica e a capacidade sugestiva acabam por impor-se 
como linguagem barroca, como o caso dos adjetivos, por exemplo, tão fundamentais 
para essa estética, constitui um dos principais recursos utilizados por Uslar Pietri na 
criação do romance. 
O aspecto animalesco do humano, em sua manifestação selvática, 
igualmente, ocupa lugar de destaque na narrativa, tanto pelo uso de adjetivações 
constantes, enriquecendo as reações, os sentimentos, as ações espontâneas dos 
personagens, quanto pela capacidade do autor de expressar seus sentimentos mais 
profundos da alma, ora em suas angústias e agonias, ora em suas expectativas. 
A Segunda Parte da análise crítico-interpretativa nomeia-se “Entre o rio e a 
selva: a centralidade de Lope de Aguirre”, segmentada em “O golpe traidor”, “Novo 
rei, novo propósito” e “A grande matança”. Trataremos, nesta fase, de demonstrar o 
deslocamento da centralidade da narrativa do poderio da natureza para a jurisdição 
do personagem Lope de Aguirre. 
Para nortear nossa reflexão, pautamo-nos, principalmente, nos subcapítulos 
“História, memória e olhar: descoberta, invenção e mutação da realidade”, em “Da 
Conquista aos nacionalismos americanos: imbricações entre história e literatura” e 
“Memória e olhar como mecanismos de (re)leitura da história” e, por fim, “O mundo 
da imagem: transformação de ideias icônicas e construção de uma poética”. 
27 
 
 
 
Se o olhar que se desperta em direção ao passado instaura um desequilíbrio 
a respeito do presente, o desequilíbrio presente denota-se, claramente, nas 
extremas ações dos personagens – ora de fuga, ora de violência, ora de embriaguez 
– sendo todas elas fruto do temor quanto ao que os olhos enxergam no que tange à 
tirania de Lope de Aguirre. O olhar atual enxerga uma realidade intransigente, 
arriscada, com atmosfera impiedosa e perversa. 
Faz-se fundamental salientar o esclarecimento de Gonçalves Filho (NOVAES, 
1988), quanto à memória, em sua capacidade de invocar nossas experiências em 
sua ambivalência, seja no que possuem de belo ou feio, de íntegro ou incoerente, de 
comum ou incomum,de êxito ou fracasso, de amor ou medo, de luta ou preguiça, de 
vida ou morte. Certamente, a efervescência de ações dos personagens, postas em 
relevo na voz do narrador, conduzem o leitor do romance ao entendimento desta 
habilidade da memória em evocar experiências ambíguas, vacilantes, mas que se 
conjugam nas emoções humanas, em paralelo, ainda que esta confluência pareça 
ilógica do ponto de vista racional. 
Cabe destacar, na obra de Uslar Pietri (1947), tanto o prisma espanhol quanto 
a reação indígena do processo da Conquista. As fortes personalidades europeias 
querem ver neste “Novo Mundo” a segurança que não encontraram na Europa, 
apesar dos perigos de uma natureza tão desconhecida e indómita. Neste contexto, 
antecipamos o ponto de vista de Picón Salas (1978), ao esclarecer-nos que o debate 
teológico e jurídico daquele tempo não dá conta de definir o grau de justiça ou 
injustiça das guerras de Conquista, sobretudo, porque esta teria que harmonizar – 
sob a fórmula cristã – o que parece inconciliável: desejo de riqueza, império e 
propagação da fé. 
O índio, por sua vez, não está de acordo com a visão europeia de domínio 
geográfico e cultural. Há aldeias em que os índios atuam imediatamente contrários à 
presença de estranhos, rechaçando-os e buscando defender-se com suas armas e, 
em outras, por não mensurarem a magnitude das consequências daquela 
inesperada visita, reagem pacificamente, embora com pouca compreensão da nova 
realidade, tal como atestaremos no romance. 
A Terceira Parte da análise crítico-interpretativa chamada “Da nova terra para 
o deserto”, fragmenta-se em “A Ilha Margarida”, “O discurso de Aguirre”, “O navio do 
prior”, “A experiência de Valença” e “O desfecho dos acontecimentos”. Acreditamos 
28 
 
 
 
que esta fase do romance apresentará a plenitude dos acontecimentos, culminantes 
no desfecho estético da obra. Abordaremos, em nossa reflexão, principalmente, o 
subcapítulo “O romance moderno e a “Epopeia da era burguesa”: o caso do 
romance histórico contemporâneo”. 
Proporemos, nesta fase, um cotejamento entre a maneira como os eventos 
são narrados na obra e as características do romance histórico contemporâneo, 
definidas por Seymour Menton (1993) e pré-anunciadas por Uslar Pietri, em 1947. 
Demonstraremos, principalmente, a presença das seguintes características: a 
subordinação, em distintos graus, da reprodução mimética de certo período histórico 
à apresentação de algumas ideias filosóficas; a distorção consciente da história 
mediante omissões, exageros e anacronismos; a ficcionalização de personagens 
históricos; a intertextualidade; os conceitos bakhtinianos como o dialógico e a 
heteroglossia presentes na obra. 
Dessa maneira, buscamos evidenciar como a obra El camino de El Dorado 
(1947) enquadra-se no propósito do romance moderno de atestar a premissa de que 
quando um escritor muda de ponto de vista, há que se modificar, também, de 
procedimento. Em outras palavras, todo intento válido de renovação formal deriva de 
uma alteração na cosmovisão do escritor. 
Em um estilo que não se confunde com o europeu, poderia até ser 
discriminado como barbárie, torpeza ou ignorância, em uma leitura enrijecida, mas 
não é nada além de um americanismo, cheio de vocação mestiça, concebido como 
epopeia primitiva da luta do bem e do mal. A natureza interage como um de seus 
grandes personagens, o que o difere dos romances europeus e está dominado por 
uma tendência reformista e educadora, cujos valores de estilo, forma e conteúdo 
lhes são primordiais. 
O romance contemporâneo americano se caracteriza, precisamente, por seu 
tom de revelação e de descobrimento, pela passagem do Realismo documental ao 
impressionismo poético e intenção indagadora. Trata-se de uma emoção épica, 
embora fragmentária, do mundo americano e sua gente. 
O romance El camino de El Dorado (1947) regressa ao fato histórico da 
Conquista da América a fim de revelar, por meio dos recursos literários, o caráter 
inacabado do drama de identidades na América, apontando, em seguida, para a 
necessidade de absorção intelectiva da mestiçagem cultural como a matriz diluidora 
29 
 
 
 
de preconceitos no que tange à pluralidade e idiossincrasia das identidades culturais 
da América Latina. 
30 
 
 
 
PRIMEIRA ETAPA 
I. ARTURO USLAR PIETRI E A HISTORIOGRAFIA LITERÁRIA DA AMÉRICA 
LATINA 
 
ste primeiro capítulo tem por objetivo apresentar o contexto 
histórico e cultural em que se insere Arturo Uslar Pietri e a 
produção de seu romance El camino de El Dorado (1947), no 
século XX. Para tanto, partiremos do entendimento da modernidade, na segunda 
metade do século XIX, na Europa, focando em suas influências histórico-culturais 
para a constituição das tendências literárias do século XX, na América. Para tanto, 
abordaremos o lugar do Modernismo como a resposta da América ao espírito 
moderno do século XIX, seguido das Vanguardas em seu ideal de ruptura e 
reconstrução simbólica por uma renovação da arte em que a literatura latino-
americana ecloda buscando a autenticidade do ser americano em seu fazer artístico-
literário. Veremos que a escrita, neste contexto, está inserida em um processo de 
autoafirmação, de anseio por expressão das identidades histórico-culturais locais, 
sempre inseridas num contexto global. 
Em seguida, nos debruçaremos nas contribuições de escritores precursores 
ou contemporâneos de Arturo Uslar Pietri, como José Martí, José Carlos Mariátegui, 
José Lezama Lima, Ángel Rama, além do próprio autor, a fim de parear as 
influências intelectuais e estéticas do século XX, no entendimento da especificidade 
da realidade latino-americana, em sua formação histórica e, por conseguinte, 
literária. O pensamento social moderno americano entende a América não como 
extensão da Europa, mas, a partir de uma interpretação crítica de sua realidade 
histórica, como um continente em que o construto ideológico nasce de suas próprias 
entranhas, de seus países, de seus problemas, de seu afã revolucionário. 
Trata-se de um esforço de descolonização espiritual de um continente cuja 
marca inventiva é fértil e a luta por integrar-se como uma das ricas fontes culturais 
do universo é pertinente. Durante o século XX, a América Latina experimenta uma 
profunda revolução no âmbito dos debates ideológicos, da cultura e da arte porque 
enxerga a realidade de forma nova, sendo este o foco de discussão que cumprir-se-
á nesta etapa. 
E 
31 
 
 
 
1.1 Modernismo hispano-americano: a resposta da América ao espírito 
moderno inaugural do século XIX 
La literatura cuenta la historia que la historia que escriben los historiadores 
no sabe ni puede contar.2 
Mario Vargas Llosa (2003) 
 
A história-processo é como as águas de Heráclito, sempre cambiantes, mas 
a história-texto é uma formação geológica de pedras sedimentares. Eis aí o 
grande paradoxo: como reduzir a falsificação necessária ao converter a 
corrente de água em pedra? 
Antonio Cornejo Polar (2000) 
 modernidade, na segunda metade do século XIX, está 
selada por um comprometimento com a evolução da técnica, 
da comunicação, da ciência e das artes. Firma-se em uma 
nova forma de relacionamento do homem com a natureza, em novos moldes de 
fazer e pensar as artes plásticas e, indubitavelmente, estabelece forma e finalidade 
inaugurais à literatura. Inaugura-se, ainda, como uma crítica à religião, filosofia, 
moral e história. Já não era permitido à arte deter-se no passado porque a 
velocidade de mudança, o incentivo à crítica e o anseio pelo progresso afastavam o 
foco do homem em si mesmo e na natureza, projetando-o às questões da cidade, da 
industrialização. 
MarshallBerman (1985:67), no artigo “Brindis por la modernidad”, 
compreende a modernidade como “uma forma de experiência vital – experiência do 
espaço e do tempo, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e dos perigos da 
vida3”, que é compartilhada por homens e mulheres em todo o mundo. Já o pioneiro 
Charles Baudelaire (1996:21-22), anteriormente, em seu livro Sobre a Modernidade: 
o pintor da vida moderna, entende a modernidade como o transitório, o efêmero, “a 
metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável”. Com o surgimento da 
fotografia e do cinema, no século XIX, a linguagem passa a representar-se a si 
mesma, divergindo de seu papel reduplicador da natureza e/ou dos modelos da 
antiguidade, como no período clássico. 
 
2 “A literatura conta a história que a história que escrevem os historiadores não sabe nem pode 
contar.” VARGAS LLOSA (2003) p. 26. 
3 “una forma de experiencia vital – experiencia de tiempo y espacio, de sí mismo y de los otros, de las 
posibilidades y los perigos de la vida”. [Tradução nossa] 
A 
32 
 
 
 
O controle capitalista sobre a natureza humana e social predomina tanto na 
vida cotidiana quanto na esfera pública e, ainda, nos discursos da psicanálise e nos 
estudos do capital. Trata-se de um discurso cultural que garante suas pretensões 
utópicas de evolução no rumo individual e coletivo. Surge, ainda, uma nova classe 
no seio da sociedade ocidental: a burguesia industrial. 
No desenho urbano moderno, a preocupação pelo consumo sobrepõe-se 
diante de qualquer outro propósito mais complexo, político ou comunitário e o 
individualismo promove o isolamento citadino e a perda da noção de destino 
compartilhado. O cidadão urbano vive apressado, quase histérico. A tecnologia da 
comodidade e eficiência, a geografia da velocidade e a procura por conforto 
fomentam este individualismo. 
O sociólogo e historiador estadunidense Richard Sennett (1997), em seu livro 
Carne e Pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental, explica que a experiência 
da velocidade, em que o espaço se fundamenta como um lugar de passagem, acaba 
por exigir pouco esforço físico do indivíduo para navegar pela geografia da 
sociedade moderna e, com isso, quase nenhuma vinculação com o que se encontra 
ao redor. O medo do contato predomina, conforme as palavras de Sennett 
(1997:289): 
O individualismo moderno sedimentou o silêncio dos cidadãos na cidade. A 
rua, o café, os magazines, o trem, o ônibus e o metrô são lugares para se 
passar a vista, mais do que cenários destinados a conversações. A 
dificuldade de os estrangeiros manterem diálogo entre si acentua a 
transitoriedade dos impulsos individuais de simpatia pela paisagem ao redor 
– centelhas de vida não merecem mais que um lampejo de atenção. 
No século XIX, menos excitação e mais comodidade são fontes de consumo 
justificadas pela necessidade de “lidar com as sensações perturbadoras e 
potencialmente ameaçadoras de uma comunidade multicultural”, nas palavras de 
Sennett (1997:295). Confrontado com a diferença do outro, o ser humano ocidental 
assume uma atitude passiva, embasada pelos poderes classificatórios das 
estereotipias sociais, criadoras de um repertório de imagens quanto às diferenças 
históricas, culturais, étnicas, raciais, etc., cujo contato leva o indivíduo a 
ensimesmar-se completamente. De acordo com a explicação de Sennet (1997:296): 
Assim, é possível reduzir-se a complexidade da experiência urbana – 
afastando-se dos outros, mediante um conjunto de clichês, o cidadão sente-
se mais à vontade; ele pressente a realidade e desloca o que lhe parece 
confuso ou ambíguo. 
33 
 
 
 
Instaura-se, na modernidade, uma tríade de velocidade, fuga e passividade. O 
fado da vida humana está vinculado ao futuro da cidade: 
No mundo moderno, a crença em um destino comum dividiu-se de forma 
curiosa. Segundo as ideologias nacionalistas e revolucionárias, o povo tinha 
um só destino; a cidade, porém, tornou falsas essas afirmações. Ao longo 
do século XIX, o desenvolvimento urbano valeu-se das tecnologias de 
locomoção, de saúde pública e de conforto privado, do mercado, do 
planejamento de ruas, parques e praças, para resistir à demanda das 
massas e privilegiar os clamores individuais. Como observa Tocqueville, “as 
pessoas compartilham de um sentimento de estranheza geral”; o progresso 
do individualismo está profundamente atado a um “materialismo virtuoso 
que não corromperia, mas enfraqueceria a alma, relaxando seus impulsos, 
silenciosamente”. Aqueles que abdicam da vida em comum perdem a vida. 
(SENNETT, 1997:299) 
O senso comum contemporâneo julga negativa a instabilidade social ou 
insuficiência pessoal. O individualismo moderno cultua a autossuficiência, quer dizer, 
o desenvolvimento de seres mais tendenciosos à completude, não à falta, ausência. 
A psicologia, por exemplo, constrói a linguagem de seres humanos bem centrados, 
os quais lograram integração e inteireza em si próprios. Os movimentos sociais, por 
sua vez, buscam a integridade individual de comunidades inteiras, como uma 
espécie de linguagem individual-comunitária. 
O interesse no outro esmaece e as contradições recrudescem, de acordo com 
tal perspectiva. A contradição civil a que se faz referência é a da civilização, ora 
proporcionando-nos experiências de afastamento, ora fazendo-nos sentirmo-nos 
cada vez mais truncados enquanto seres humanos. Nesta conjuntura, Sennett 
(1997:302) esclarece o seguinte: “A história da cidade ocidental registra uma 
infinidade de batalhas entre essa possibilidade civilizada e o esforço de criar poder e 
prazer através de imagens idealizadas da plenitude”. 
De acordo, ainda, com a defesa do autor (SENNETT, 1997:303-304): 
Em nossa história, as complexas relações entre carne e pedra têm 
conduzido para além do princípio do prazer, corpos perturbados, 
despertados por distúrbios e exaustos. Quanta dissonância e desconforto 
podem as pessoas suportar? Por dois mil anos, em lugares a que estiveram 
passionalmente ligadas, elas aturaram muito. O registro de suas vidas 
ativas, em ambientes sobre os quais não tinham nenhum controle, pode 
servir de parâmetro para nossa situação atual. Afinal, diante dessa tensão 
histórica entre dominação e civilização, resta uma pergunta que devemos 
fazer a nós mesmos. Como escapar da passividade corporal – quais as 
brechas de nosso próprio sistema –, a liberdade, de onde virá? Tenho 
insistido na premência desse quesito, especialmente no que diz respeito à 
cidade multicultural. [...] o que estimulará a maioria de nós a voltar-se para 
fora em direção ao próximo, para vivenciar o Outro? 
34 
 
 
 
Charles Baudelaire (1996:21-22), mencionando-o uma vez mais, exprimira 
com maestria as intenções desta busca corpórea do sujeito contemporâneo pelo 
moderno, circunscrito na cidade multicultural: 
Assim ele vai, corre, procura. O quê? Certamente esse homem, tal como o 
descrevi, esse solitário dotado de uma imaginação ativa, sempre viajando 
através do grande deserto de homens, tem um objetivo mais elevado do 
que o de um simples flâneur, um objetivo mais geral, diverso do prazer 
efêmero da circunstância. Ele busca esse algo, ao qual se permitirá chamar 
de Modernidade; pois não me ocorre melhor palavra para exprimir a idéia 
em questão. 
O entendimento é que cada época tem seu gesto, seu olhar, seu porte. Com 
base neste contexto, o espírito artístico do século XIX se revela como um mergulho 
na condição humana, em uma tentativa de destituir a máscara de sua condição 
trágica, pela tomada de consciência de seu tempo. No entanto, faltava aos hispano-
americanos, até este momento, o cultivo dos elementos nacionais que atribuíssem a 
essespovos uma expressão própria. 
Por volta de 1880, surge o Modernismo, na América Hispânica, 
correspondente ao Simbolismo e ao Parnasianismo francês. De acordo com a crítica 
literária brasileira Bella Jozef (2005), em seu livro História da Literatura Hispano-
Americana, o Modernismo configurou uma orientação geral dos espíritos, uma 
tendência cultural e intelectual de um mundo em transformação, como síntese das 
inquietações e ideais de uma classe que atinge seu apogeu no século XIX e entra 
em declínio no século XX. 
O movimento configurou uma forma estética de reação, no mundo hispânico, 
à crise da cultura ocidental e ao Positivismo. O subjetivismo, o afã da liberdade 
individual e a vontade de inovação eram suas pirâmides ideológicas. O Modernismo 
Hispano-americano constituiu uma resposta ao processo de modernização do 
mundo ocidental, pela celebração de sua cultura, como forma de contrabalancear o 
materialismo e a exaltação aristocrática da vida. 
Há, na visão de Bella Jozef (2005:91), o surgimento de “um novo tipo social 
de artista que se sente alienado ante uma cultura burguesa que o converte em 
instrumento”. Ao unir elementos de estilos de época anteriores – Romantismo, 
Realismo, Parnasianismo, Simbolismo –, o Modernismo cria novos elementos 
estéticos. Como características do movimento, podemos citar a emoção, a 
concepção de arte oposta à objetividade didática e social, o refinamento de 
35 
 
 
 
sensações, o efeito novo de som, luz e cor, a existência de ritmos diferentes e 
exóticos, de um mundo original de imagens e, por fim, de um virtuosismo formal. 
Vale destacar a assertiva de Octavio Paz, sobre o movimento modernista4: 
[...] os modernistas não queriam ser franceses: queriam ser modernos. O 
progresso técnico havia suprimido parcialmente a distância geográfica entre 
América e Europa. Esta aproximação tornou mais vivo e sensível nosso 
distanciamento histórico. Ir a Paris ou a Londres não era visitar outro 
continente, mas saltar a outro século. Considerou-se que o modernismo foi 
uma evasão da realidade americana. Mais certo seria dizer que foi uma fuga 
da realidade local […]. Nos lábios de Ruben Darío e seus amigos, 
modernidade e cosmopolitismo eram termos sinônimos. Não foram 
antiamericanos, queriam uma América contemporânea de Paris e Londres. 
O Modernismo contribuiu bastante para o processo de formação da literatura 
hispano-americana. O próprio poeta nicaraguense Rubén Darío, precursor na 
interpretação das inquietações continentais, aconselhava cada escritor a encontrar 
sua expressão particular, dentro dos padrões da estética geral, logrando tornar o 
idioma capaz de expressar a nova complexidade do presente histórico ocidental. 
Conforme Bella Jozef (2005), há, nos países hispano-americanos, neste período de 
transição do século XIX para o século XX, um processo literário de justaposição de 
correntes estéticas, em simetria com a sucessão europeia. 
A partir do Modernismo, há a efetivação de um processo de independência da 
literatura hispano-americana, de modo a revitalizar a poesia e a prosa em língua 
espanhola. A América encontra sua expressão, já não limitada à visão local ou a um 
encanto exótico, mas enquanto voz produtora de uma literatura ocupada pela 
indagação vivencial, cuja maturidade criadora é inquestionável. É assim que se dá a 
expansão da literatura hispano-americana e a contribuição do Novo Mundo para a 
cultura universal. 
Não obstante, em 1905, o Modernismo começa a entrar em crise, devido à 
crítica desembocada pelos intelectuais quanto a seus excessos. A partir dos anos 
20, conforme salienta a pesquisadora Mariluci Guberman (2009:27), em seu livro 
Poesia e revolução na América Hispânica, a respeito da Vanguarda hispano-
americana pós-modernista: 
 
4 “[…] los modernistas no querían ser franceses: querían ser modernos. El progreso técnico había 
suprimido parcialmente la distancia geográfica entre América y Europa. Esa cercanía hizo más viva y 
sensible nuestra lejanía histórica. Ir a Paris y Londres no era visitar otro continente sino saltar a otro 
siglo. Se ha dicho que el Modernismo fue una evasión de la realidad americana. Más cierto sería 
decir que fue una fuga de la actualidad local […] En los labios de Rubén Darío y sus amigos, 
modernidad y cosmopolitismo eran términos sinónimos. No fueron antiamericanos; querían una 
América contemporánea de París y Londres.” In: JOZEF (2005) p. 92. [Tradução nossa] 
36 
 
 
 
[...] verifica-se a divergência entre duas tendências literárias: uma no grupo 
dos pós-modernistas, que buscava a simplicidade lírica e condenava o 
prosaísmo sentimental; outra, em que se encontravam os mais audazes que 
lutavam radicalmente pela liberdade artística, culminando com a estética de 
Vanguarda, partidária da ruptura e da renovação da arte até suas últimas 
possibilidades. 
Na América Hispânica, as poéticas de Vanguarda surgem de forma 
praticamente simultânea em seus diferentes países e, embora com nomenclaturas e 
fases diversas – do Cubismo ao Surrealismo – abrem-se ao subterrâneo do 
desconhecido e iniciam seu processo de diluição como crítica a toda experiência 
estética anterior. Com o Modernismo, seguido pela Vanguarda e a pós-Vanguarda, 
há uma tendência pelos discursos radicais e iconoclastas, bem como uma apologia 
ao pluralismo estético. 
A condição evasiva e múltipla do moderno projeta uma dimensão de 
abandono das cronologias, uma tentativa de recriação dos elementos da tradição. 
Bella Jozef (2005) explica que a modernidade implica nova escritura e nova visão de 
mundo, redimensionando o repertório global do homem, pautando-se, 
fundamentalmente, no princípio da invenção. A esta expansão da invenção, 
solidificada no privilégio do sujeito, corresponde o recuo da arte mimética. 
Com base, ainda, na perspectiva de Jozef (2005), a modernidade não 
configurou apenas um projeto europeu, mas um processo de homogeneização e 
hibridização, de tradicionalismo e inovação, pela afirmação da diferença local diante 
do desafio da assimilação, em um processo no qual o global e o local se 
determinam, concomitantemente. 
 No século XX, a partir das Vanguardas artístico-literárias, a América Latina 
inicia uma escrita inserida em um processo de autoafirmação, manifestando uma 
transformação evidente na expressão dos imaginários sociais, tendo a Revolução 
Mexicana, destaque bastante emblemático, no sentido de, por um lado, suscitar o 
que se devia fazer, e por outro, o que não se deveria continuar permitindo de forma 
alguma. Há uma alteração, na América Latina, da sensibilidade, bem como de 
formações e práticas discursivas. 
Surgem, então, obras de transcendência universal que logram modelar o que 
há de mais recorrente na problemática do homem e sua circunstância, revelando 
uma busca contínua por afirmar o caráter de ser humano. Na visão de Carlos 
37 
 
 
 
Fuentes, “o escritor latino-americano deixa de ser um ente pitoresco e regional para 
situar-se ante a condição humana”5. 
Há, a partir de então, uma massificação das cidades, a qual gera uma vida 
cultural intensa: centros de difusão, jornais e revistas de ampla circulação, salas de 
exposições e indústria editorial operam na formação de um mercado de bens 
culturais no âmbito nacional e no exterior, sobretudo com Paris. Longe de provocar 
homogeneização no âmbito cultural, as Vanguardas artístico-literárias propõem a 
ruptura com seu discurso e, nela, estimulam o urbanismo desenfreado, cosmopolita, 
sonho de modernidade, que aparece como linguagem poética privilegiada. Com 
estas, ocorre, ainda, a eclosão de uma literatura que busca as raízes autênticas e a 
verdadeira identidade,