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CAP. 7 O CANAL ECONOMICO AUDIVEL

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Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
Universidade Paulista – UNIP (Campus Rangel). Santos-SP 
Disciplina de Conforto Acústico do curso de Arquitetura e Urbanismo. 
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CAPÍTULO 7: O CANAL ECONÔMICO DO AUDÍVEL 
 
1. INTRODUÇÃO 
 A audição noz traz informações muito compactas sobre o ambiente. Ao 
telefone, reconhecemos pessoas pela voz, quase imediatamente. Nomes curtos, de 
memorização fácil, designam quase tudo quanto conhecemos bem e usamos com 
frequência. Mas a influência da audição não é apenas objetiva. Se ouvirmos atentos 
a entonação de quem fala, sabemos seu estado de espírito: é como se tivéssemos 
visto sua expressão facial. É mais fácil descrever, enfatizando impressões, que 
desenhar. E ouvimos dormindo – se fosse diferente, não teria utilidade o 
despertador. 
 Os sons revelam ideias sem que tenhamos de nos mexer para conhecê-las. O 
ruído do motor anuncia alguém chegando; o gotejar de água, que alguém ainda esta 
no banho; o silêncio numa casa onde moram crianças, que as mesmas dormem, ou 
estão entretidas com alguma novidade, dando aos pais o que pensar. 
 A acústica é provavelmente o aspecto físico de maior complexidade do 
ambiente construído. O Som num ambiente fechado é um efeito que se distribui 
pelo volume todo. Se os olhos enxergam cada superfície e de longe avaliam suas 
condições de iluminação, os ouvidos não têm a mesma acuidade com relação à 
direção; é mais fácil percebermos com os olhos a cor dos objetos que condicionam 
a luz, do que com os ouvidos a maneira como os objetos absorvem ou refletem sons 
graves, médios e agudos. Os ouvidos percebem um som mesmo depois de ele ter 
sido refletido de parede em parede, como num labirinto. No silêncio da noite, da 
porta da frente da casa, escuto alguém estalar os dedos no quarto mais retirado; 
porém, se esta pessoa acender uma lanterna, eu provavelmente nada irei ver. Os 
olhos não conseguem identificar esta luz residual. Primeiro, porque sua 
sensibilidade aos sinais ínfimos não é tão grande quanto na audição. Depois, porque 
a luz difusa – aquela que não revela imagens – não possui a mesma individualidade 
do som. Se me aproximo do cômodo onde alguém assiste a um filme de portas 
fechadas, enxergo o rastro de luz debaixo da porta, mas não saberei identificar o 
filme. Entretanto, posso prestar atenção no som e poderei até mesmo dispensar as 
imagens. 
 No século XX, a acústica teve importante desenvolvimento. Em um teatro ou 
auditório tornou-se um fator de projeto de primeira ordem. Richard Neutra comenta 
a respeito que em muitos casos, as intenções de que se pode chamar um arquiteto 
platônico ou euclidiano são anuladas pelo especialista em acústica, para quem as 
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paredes paralelas ou circulares, domos e outros elementos formais habituais são 
ofensivos. 
 O domo, citado expressamente, pode vir a provocar a focalização do som de 
retorno, devolvendo-o ampiflicado sobre a sua fonte. Não serve para um auditório. 
Entretanto, construído sobre uma banheira para reforçar o canto diletante, será de 
notável efeito. Já o auditório em forma de leque resolve questões visuais; todavia, 
permite que a potência do som se disperse espacialmente, não favorecendo os 
ouvintes à acústica. E o auditório em forma de caixa de sapato, este sim tem sido 
consagrado com o passar das décadas. 
Neutra descreve a visita a uma igreja – um tipo de edificação valorizado 
visualmente – como uma experiência sonora única: quando caminhamos através da 
nave de uma catedral medieval, o impacto de nossos passos no pavimento de pedra, 
ou a reverberação de uma pequena tosse torna possível, ou mesmo se torna em si 
própria, uma impressão essencial, vital do espaço arquitetônico. Tais sons, 
acusticamente, elucidam o material do invólucro. Paredes de pedra podem ter eco, 
mas peças de veludo quase não reverberam e não sinalizam nada ao ouvido. E 
procura destacar a importância da acústica na caracterização dos ambientes: como a 
luz, o som traz à mostra os corpos arquitetônicos e os espaços, e deixa porções dos 
mesmos em sombra. Como em uma apresentação em auditório, o ritual durante a 
missa, na verdade, nos revela o interior da igreja. É errado pensar que a catedral 
somente contenha velas, cantores, um órgão eloquente. As modulações do coral, a 
força dos baixos, os pianíssimos e diminuendos iluminam o grande interior 
acusticamente assim como as velas o fazem visualmente. 
 O espaço arquitetônico, devido principalmente à presença da vida, também é 
um espaço sonoro. Condiciona o som tanto pelo seu volume confinado, como pelo 
caráter de sua superfície. Conhecer o espaço dá à música novo sentido, nova 
profundidade. 
 Neutra reclama a atenção que teria faltado aos fenômenos acústicos na época 
do Classicismo, nos séculos XVI e XVII. Período tido como apolíneo, nele era mais 
importante a harmonia visual: a excitação dos estímulos audíveis produzidos pela 
vida na nossa concha construída é um fator que o arquiteto clássico ignorou para a 
glorificação de um ambiente construído concebido fisiologicamente não pode mais 
ignorar isto. A arquitetura, para ele, é um palco para a dinâmica que afeta o 
ouvido como reverberação do som, o olho como luz refletida, e outros sentidos sem 
muitas formas. 
 Felizmente, os efeitos acústicos dos espaços não eram desconhecidos de 
Mozart, Haydn e Beethoven, os principais compositores do período clássico da 
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música – de meados do século XVIII ao início do século XIX. Tal período deixou 
algumas marcas na música posterior, que perduraram até a música contemporânea. 
O concerto passou a ter, cada vez mais caráter popular. No final do período, a 
escrita musical foi deixando o rigor formal da época das salas em que tudo - até a 
respiração – se ouvia com clareza. Depois de Beethoven, ganhou terreno e pratica 
de grandes blocos sonoros – grandes na estrutura da harmonia, na sua duração e 
também na intensidade sonora. Auditórios cada vez maiores, para o público cada 
vez mais numeroso, forneceram as condições acústicas para esta evolução da 
música Romantismo adentro. Afirmava-se o espaço como extensão da orquestra. A 
reverberação modificava o colorido sonoro, produzindo novos e característicos 
timbres e com eles novas possibilidades expressivas. 
 A influência da acústica é tal que, numa mesma obra, deveria variar para 
realçar os efeitos. Neutra lembra o último movimento da nona Sinfonia de 
Beethoven como um dos exemplos mais evidentes de que a acústica de um 
ambiente, se mantida constante, impede o desfrute musical. Beethoven colocou 
nesta última grande obra sinfônica todo um desenvolvimento que conduz a um coral 
de efeito avassalador. Quando inicia o grande coral, ressoando sobra a orquestra, 
ainda restrita ao padrão do século XIX, sentimos que o teto deveria ser elevado e 
as paredes deveriam recuar. O regente do futuro deve ser capaz de comandar tal 
operação. Hoje, tal operação é possível nas salas de concerto com volume variável, 
a exemplo da Sala São Paulo, na capital paulista. 
 
2. MECANISMOS FÍSICOS E FISIOLÓGICOS 
 
 O som é definido como a vibração mecânica do meio em frequência e 
intensidadetais que possam sensibilizar o aparelho auditivo humano. Esta definição 
reúne alguns conceitos que devem ser compreendidos. 
 Inicialmente, o meio é aquilo que nos envolve. Normalmente ouvimos as 
vibrações no ar, mas também podemos ouvir alguma coisa quando estamos 
mergulhados numa piscina, ou com a orelha apertada contra uma parede como se 
fosse uma ventosa. 
 Para vibrar, o meio deve ser elástico. Uma mola é capaz de esticar e encolher 
numa direção. Uma placa de metal deforma-se nas duas direções, e um edifício nas 
três. É necessária uma força externa para deformar o meio – seja ele o volume de ar 
de um tubo, a pele de um tambor ou uma corda esticada. Cessada a força, a 
deformação tende a se reverter. 
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 Ocorre que tanto a corda, como a pele do tambor ou o volume do ar, depois 
que se deformam, voltam à forma inicial embalados. Assim, não param 
imediatamente na forma inicial, mas se deformam em direção ao outro extremo. Se 
tinham sido esticados e depois soltos, se contraem, e se estavam contraídos, se 
expandem. Permanecem em vai-e-vem. Neste movimento, convertem repetidas 
vezes energia de deformação em energia de movimento e vice-versa. Ao jogar um 
pesado saco de farinha sobre uma laje de cimentos, esta irá vibrar sonoramente. Já 
um pontapé no mesmo saco, não, pois não se trata de um meio elástico. 
 A frequência da vibração é o número de ciclos de vai-e-vem por unidade de 
tempo. Uma medida de frequência é ciclos por segundo (também chamada de Herz 
ou Hz). 
 A intensidade da vibração indica quanta energia está envolvida na 
transformação repetida entre movimento e deformação. É relacionada à amplitude 
da deformação: quanto mais esticarmos uma corda de violão, maior a amplitude, e 
maior a intensidade. Quando o som atravessa o ar, é possível medir quanta energia 
viaja por unidade de área, e por unidade de tempo. A medida mais usada é Watt por 
metro quadrado (W/m²). 
 O ouvido humano compreende internamente diversos elementos: a 
membrana do tímpano; os ossos chamados de estribo, martelo e bigorna (os 
menores membros do corpo); uma peça em forma de caracol chamada cóclea, em 
que a vibração aérea se converte na vibração de um liquido, e o nervo auditivo que 
transmite ao cérebro um impulso elétrico. 
 Ouviremos as vibrações no ar se sua frequência for entre aproximadamente 
20 e 20.000 ciclos por segundo (20 a 20.000 Hertz). Ainda, a vibração do ar deverá 
ter uma intensidade de, no mínimo, 0,000000000001 W/m² (ou 10-12 W/m²) para ser 
ouvida. É o chamado limiar da percepção auditiva. 
 Há leis da física e características do corpo humano na definição: não vale 
necessariamente para outros animais. Aqui, mais dois conceitos de caráter físico e 
um de caráter fisiológico serão apresentados com o intuito de um melhor 
entendimento do som. 
 Inicialmente, o conceito de modo de vibração. Deformados de certo modo e 
soltos, os corpos elásticos vibram com frequência pré-determinada. A cada um 
destes pares peculiares de organização do movimento e frequência se chama um 
modo natural de vibração. É como o som de uma taça de cristal que recebe um 
estalo. Sob um estímulo adequado, os corpos permanecem vibrando à frequência 
natural correspondente a cada modo. É o que ocorre quando, em velocidade 
constante, passamos a ponta do dedo em círculo sobre a borda da taça (é necessário 
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molhar a ponta do dedo). Assim também é o atrito do arco do violino (um feixe de 
cabelos equinos esticados) com a corda do instrumento (metálica ou de tripa animal 
ou sintético). A corda de um instrumento musical pode vibrar ao longo do seu 
comprimento todo, formando um só ventre. É o chamado modo de vibração. Pode 
ainda vibrar formando vários ventres menores, a ½ do comprimento, ¼, etc. São 
outros modos. As placas possuem mais modos, pois podem vibrar em diferentes 
direções. Um murro sobre uma porta de madeira fechada provoca sons diferentes 
que sobre a mesma porta aberta. Já um objeto tridimensional apresenta ainda mais 
modos de vibração. Isto depende de sua forma e de suas dimensões, e também de 
propriedades como sua massa, elasticidade e amortecimento. Vibrações em dois, 
três, ou muitos mais modos diferentes podem ocorrer ao mesmo tempo. 
 Também é necessário apresentar o conceito de transmissão, reflexão e 
absorção do som. Quando a frente de onda originária de um determinado material 
encontra outro, pode fazê-lo também vibrar. Trata-se da transmissão da vibração. 
Também pode dele receber uma reação e retornar pelo material original, com outra 
direção de propagação. Trata-se da reflexão. O novo meio pode, ainda, absorver a 
vibração, transformando sua energia em calor. Trata-se da absorção. Normalmente, 
nas transições entre diferentes meios, existe uma combinação dos três componentes, 
em proporções que variam de acordo com a compatibilidade entre a vibração e as 
características do novo meio. Para a acústica arquitetônica, isto significa que cada 
espaço fechado mantém certa categoria de som aprisionado, promovendo, de 
maneira peculiar, sua amplificação natural. É por isso que cada recinto desempenha 
como uma caixa acústica. Dois ambientes distintos fazem a mesma música soar de 
forma diferente. É como acontece ao ouvir o mesmo disco ampiflicado por caixas 
acústicas de diferentes tamanhos. 
 Compreendidos estes conceitos, é possível comentar uma particularidade do 
ouvido humano. Temos maior tolerância a sons graves: podemos dizer que nosso 
ouvido não lhes dá uma resposta plena. Já os sons agudos nos incomodam mais. 
Para a mesma intensidade que os sons graves, sons agudos são menos tolerados. 
Isto sugere a predominância de narradores do sexo masculino no rádio e como na 
televisão. Se forem mulheres, há a preferência pelas vozes aveludadas às mais 
estridentes. Havendo superposição de sons agudos e graves, os primeiros tendem a 
absorver mais nossa atenção. É como se os agudos tivessem contornos mais nítidos, 
incisivos, enquanto que os graves fossem percebidos de modo mais nebulosos. É 
por este motivo que, ao pedirmos que alguém repita o que falou, esta pessoa contrai 
a musculatura do rosto procurando enfatizar as consoantes, e dá às vogais um tom 
mais agudo. 
 A explicação envolve os dois conceitos físicos apresentados anteriormente. 
O ouvido funciona como qualquer microfone: tem uma faixa de sensibilidade, 
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associada a suas propriedades de transmissão do som. Para transmitir o som até a 
cóclea, de onde surge o sinal elétrico, o ouvido deve ser capaz de vibrar de acordo 
com o som recebido. Isto significa que deve ter modos de vibração suficientes para 
cobrir toda a faixa de frequência presentes no som. Ocorre que o ouvido vibra com 
mais facilidade nos sons agudos que graves. Isto faz com que percebamos os sons 
agudos como se fossem mais intensos, daí toleramos melhor os graves. 
 
3. COMODIDADE E ADEQUAÇÃO 
 
 O que vem a ser comodidade e adequação para o conforto acústico? Para 
dormir, comodidadesignifica silencio. Ou ainda, constância: por exemplo, o som 
do relógio não perturba o sono; chega, pois, a facilitá-lo; tranquiliza bebês e 
filhotes de cães, provavelmente pela semelhança aos batimentos cardíacos da mãe. 
O ruído da geladeira ou do trânsito em condições de normalidade também não 
deveria incomodar. Já as frenagens bruscas de um automóvel na rua interrompe esta 
sensação de normalidade com seu tom agudo e aspecto alarmante. A comodidade 
acústica esta associada à conveniência de se ouvir; às vezes, ouvir ainda é uma 
necessidade, ou um desejo. 
 Prefiro adormecer ainda ouvindo funcionar meu relógio. A mãe quer ouvir a 
respiração do filho no berço ao seu lado, e o camponês quer ouvir sua roda d`água 
girando. A vontade de ouvir é seletiva. 
 Buscamos ouvir aquilo que não causa dor nem estresse, nem distrai a 
atenção necessária à tarefa que porventura nos ocupe. Mas meu desempenho pode 
depender da audição de alguns sons, e estes queremos ouvir adequadamente. Se 
formos ouvir música, há implícito um ideal objetivo que nem sempre é reconhecido: 
ouvir na qualidade estética pretendida pelo compositor e interpretada pelo músico. 
 Os sons se organizam em uma dimensão principal: a do tempo. É diferente 
de uma pintura, onde as pinceladas se organizam em largura e altura, ou de uma 
escultura, que tem ainda a profundidade. Os ouvidos discriminam as informações 
no tempo com muito maior precisão que a informação espacial (de onde vem o 
som). Por exemplo: pouco importa que um toca-discos, em um ambiente, esteja mal 
posicionado; mas o disco não girar na velocidade correta, haverá um sério prejuízo 
da recepção. Desta velocidade dependem as frequências dos sons e também o ritmo. 
 As frequências são, para a audição, como as cores para a visão – aliás, as 
cores também são frequências. A música sem tons, reduzida ao ritmo, poderia ser 
comparada à visão em preto e branco. Percebemos a variação entre duas notas 
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encadeadas e também entre duas notas superpostas. No caso de frequências muito 
próximas, se encadeadas, percebemos uma inflexão e, se superpostas, o batimento, 
que é uma oscilação temporal da intensidade. No caso de frequências afastadas, é 
mais fácil identificarmos tanto notas encadeadas como superpostas. Os intervalos 
musicais correspondem a notas em proporções exatas de frequência e a harmonia 
estabelece regras de combinação para três ou mais frequências sobrepostas. Um 
treinamento musical médio nos permite diferenciar quaisquer três notas tocadas, ao 
mesmo tempo, em um piano. Um maior treinamento permite a identificação de 
quatro, cinco ou mais notas. Há, porém, um limite. E o fenômeno do mascaramento, 
pelo qual as frequências menores (sons mais graves) são abafadas pelas maiores 
(sons mais agudos), faz com que seja mais difícil perceber as notas mais graves. Na 
música, da combinação das frequências sucessivas depende a melodia; da 
combinação de frequências simultâneas, a harmonia. 
 Como os objetos vibram simultaneamente em mais de um modo de vibração, 
eles possuem timbres, que são suas sonoridades específicas. São como fórmulas 
para a constituição de acordes naturais, em que há uma nota mais evidente, 
correspondendo ao modo de vibração principal, e outras notas associadas. Suas 
frequências são múltiplas ou divisores entre si, dentro da chamada série harmônica. 
O timbre do som individualiza sua fonte: permite a distinção entre duas pessoas que 
cantam ao mesmo tom, ou dois instrumentos que tocam a mesma nota. 
 Todavia, a capacidade de diferenciar partes simultâneas do todo é muito 
menor na audição que na visão. Numa foto de grupo, seja da classe na escola, do 
grupo de trabalho ou da família, reconhecemos de imediato todos os rostos. Mas a 
gravação de todos cantando “parabéns” não me permite identificar as vozes uma a 
uma. Mas isto não implica a completa incapacidade de identificar características 
das misturas sonoras. O organista os combina até obter os timbres desejados para 
cada trecho da música. Assim também trabalha o orquestrador, aquele que traduz 
uma música escrita sem indicação de instrumentos (normalmente, na dupla clave do 
piano) para a linguagem de toda a orquestra. Sem descaracterizar a música, procura 
distribuir as notas da música entre os diferentes instrumentos – cordas, metais, 
madeiras e percussão – até obter a expressividade que considera adequada. 
 Um regente, sem ver, pode não saber qual de seus violinos cometeu um erro. 
Os timbres são parecidos, e a localização também. Mas prontamente reconhece se o 
instrumento que errou foi um clarinete ou um oboé. Aqui um, lá outro timbre 
funcionam como marcos, entre si inconfundíveis. Sem ver, distinguimos o som de 
umas duas dezenas de instrumentos. Vários acontecimentos nos são familiares 
apenas auditivamente: o vento soprando pelas frestas, uma gaveta fechando, uma 
porta batendo, água pingando, um interruptor de iluminação sendo acionado, passos 
sobre a tábua, uma janela sendo aberta, uma mesa sendo arrastada, a televisão, o 
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rádio, os passos no piso superior, a campainha, a vassoura, o liquidificador, a 
enceradeira, o aspirador de pó, a máquina de lavar, a batedeira elétrica, panelas. 
Não se trata de um reconhecimento apenas pelo timbre, mas também por 
características de duração, intensidade e progressão típicas de cada objeto. Se 
considerarmos timbre e a entonação peculiar, é imensa a quantidade de pessoas que 
somos capazes de identificar somente pela voz – mesmo se a pessoa estiver falando 
um idioma diferente do habitual. 
 A audição se revela, sim, um dispositivo de razoável sensibilidade. É um 
importante complemento da visão, pois muitos dos sons que nos interessa ouvir são 
provocados fora de nosso campo visual. Geralmente, não vemos a tempestade 
começar: ouvimos. Não vemos um acidente na calçada: ouvimos. 
 Muitos sons se mostram, ao mesmo tempo, incômodos e úteis. Aqui surge a 
diferença entre a comodidade e a adequação. 
 Diferenças de entonação nos permitem interpretar que a intenção existe num 
sussurro ou num berro, num comentário ou em uma advertência. Além disto, cada 
ideia que conseguimos decodificar é fonte de tensão, remete-nos a outras ideias, 
mantém o cérebro em ação. Uma reunião de um grupo pequeno, reservado de 
pessoas pode transcorrer em calma mesmo defronte a uma rua movimentada e 
ruidosa. O som de frenagem súbita é estridente e alarma as pessoas que, por um 
instante, perdem sua concentração. Todavia, mesmo o som de passos se 
aproximando no corredor as convida a calar e a ouvir. A tensão não está 
necessariamente associada à intensidade, ou ao contraste. Já a repetição (da história 
que as crianças querem ouvir antes de dormir, ou das orações recitadas dezenas de 
vezes) predispõe à sonolência, pois no som já não há novidades. A ausência de 
estímulos é necessária em um local destinado ao sono. Mas não significa a ausência 
dos sons. 
 Em geral, se a música não é aceita como arte, se enquadra como 
entretenimento. Mas para o conforto ambiental, a música não tem seu efeito restrito 
à expressividade. Existe, pois, a audição cômoda, ou ainda utilitária da música, e 
dela o ambiente também participa. 
 Quem repousa quer ausência de tensão, ausência de dor. Isto é comodidade. 
Mas se ouvemúsica, provavelmente estará exposto à tensão, que é um elemento 
básico da composição musical. Normalmente, faz parte de uma ordem maior, pois 
depois dela vem a resolução. A ópera e os concertos barrocos utilizam com 
frequência os trinados1 dissonantes com resoluções harmônicas logo depois. Nas 
 
1 Alternância muito rápida e repetida entre duas notas vizinhas, imitando o canto de um 
pássaro. 
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serenatas de Mozart, notamos tensão entre os diferentes temas. Nas sonatas de 
Beethoven, tensão provocada pelos ataques súbitos. Na música impressionista, 
Debussy2 insiste em alguns timbres frios, agudos e límpidos, criando a expectativa 
do contraste. Sinfonias do romantismo tardio usam na forma de intensidade sonora, 
com as explosões do naipe de percussão. E o rock’n roll, em que em geral 
contrastam a homogeneidade no ritmo e na harmonia com uma amplificação 
agressiva – de poucas surpresas – parece estar associado ao silêncio que vem depois 
da música; soa como reação à ordem social que impõe a obediência, simbolizada 
pelo silêncio. No cinema, o som é comumente fonte de tensão, auxiliar às margens, 
ou mesmo principal. E independendo de se tratar de uma forma de arte (a “sétima 
arte”), o cinema pressupõe que as pessoas estejam acordadas. Enfim, não é feito 
para se cômodo, mas expressivo. 
 Mas também se faz música com recurso muito menos frequente à tensão. É o 
caso do canto gregoriano, a música vocal dos mosteiros da Idade Média, tida por 
Otto Maria Carpeaux3 como a mais antiga forma de música ainda hoje cultivada. No 
canto gregoriano, os recursos expressivos são menos numerosos; a monotonia é um 
traço característico; é através dela, e de uma rica melodia, que se transmite a 
mensagem artística. Já a música ambiente contém uma limitação proposital, pois 
convida mais á indiferença que à reação. O pintor Ferdinand Léger se mostrou 
entusiasmado com uma ideia de Eric Satie a respeito: era atormentado pelo desejo 
de realizar uma música de acompanhamento, música sem intenção, que desliza sem 
peso, que a gente ouve, mas não escuta. Segundo Léger, Satie dizia que as relações 
sociais seriam consideravelmente melhoradas, se soubéssemos realizar esse 
problema de acústica médio, por exemplo, em uma sala de restaurante, em um 
lugar público, em um lar. Duas pessoas estão sentadas à mesa; conversam, mas 
não o tempo todo. Não vieram a esse café para ouvir música. Então, devemos tratar 
de preencher o silêncio delas, impedir que ele se torne incômodo, evitar que elas 
rompam o silêncio quando não estão com vontade. Música de acompanhamento 
inteligente e fugitiva, que roda em torno de você sem se impor, que deixa você 
conversar ou se calar numa atmosfera não intencional. Música de 
acompanhamento que a gente não escuta, mas que apesar disso, está presente e é 
encarregada de preencher os silêncios incômodos. Satie tinha razão. 
 Também em acústica, nem sempre se requer máxima comodidade, mas a 
melhor combinação entre esta e a adequação. E não se confundam, ainda, estas duas 
com expressividade. O som da TV pode ser ajustado para que tenha volume e altura 
adequados para ouvir, por exemplo, a transmissão de um concerto de beleza 
 
2 Claude Debussy (1862-1918), compositor francês. 
3 Otto Maria Carpeaux, Uma nova história da música, Ediouro, Rio de Janeiro-RJ. 2009. 
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inquestionável. Entretanto, para algumas pessoas, poderá ser inadequado para 
dormir. 
 A adequação requer que o ambiente sonoro seja coerente com a atividade 
desenvolvida. Quando esta envolve a comunicação sonora, o ambiente não deve 
impedir a transmissão da mensagem. No caso da fala, é importante a ausência de 
mascaramento. Tal fenômeno consiste na presença de ruídos mais agudos que o 
som sendo transmitido, dificultando sua audição. Já no caso da música, as 
exigências que se impõem ao ambiente são mais específicas. É desejável não 
somente o silêncio, mas ainda que o ambiente se some à atuação dos músicos e seus 
instrumentos, a serviço da expressão artística. 
 E o próprio ambiente construído, com sua função básica de abrigo e pelo 
fato de se apresentar hermético, delimitado por materiais rígidos, constitui muitas 
vezes a causa primária das dificuldades de acústica. Um recinto de pequeno 
volume, de superfícies lisas e duras e despojado de objetos, amplifica demais o 
som, tornando-o ensurdecedor. À medida que aumenta de volume sem acréscimo de 
superfícies absorvedoras, o som vai tornando-se confuso, perdendo em clareza. Isto 
é devido ao fenômeno da reverberação: é o som que, nos ambientes, ainda se ouve 
instantes depois que sua produção já cessou. Mas mediante a inclusão de objetos e 
superfícies absorvedoras, recupera-se a clareza e perde-se em amplificação. 
Auditórios para convenções, com abundantes estofados, carpetes e cortinas 
permitem audição muito clara do palestrante, desde que prevaleça rigoroso silêncio 
entre os ouvintes. Daí a importância, em tais locais, da amplificação eletrônica: 
mesmo entre conversas paralelas, a mensagem oficial é compreendida. 
 As observações acima não consideram, ainda, que diferentes direções 
requerem uma diferente propagação do som. Em grandes auditórios, a distinção 
entre palco e plateia permite definir direções e sentido predominantes de 
propagação do som: são principalmente do palco para a plateia, e entre diferentes 
locais do palco (permitindo aos artistas ouvir-se reciprocamente e assim melhorar 
sua sincronia). Assim, é possível, sem amplificação eletrônica, conciliar 
intensidade, reverberação e clareza. Já nos refeitórios, interessa limitar ao máximo 
a propagação do som ao espaço. Os convivas de uma mesa querem ouvir-se entre si, 
sem serem perturbados pelas conversas, ou pelas batitas de talheres e louças das 
outras mesas. 
 Ruídos originados na própria edificação como vozes, passos, movimentação 
de objetos e o funcionamento de máquinas ou sistemas podem se apresentar 
incômodos ou inadequados. Estes ruídos se transmitem pelo ar em um mesmo 
recinto. Através de frestas de portas e janelas ou ainda imperfeições das divisórias 
entre recintos diferentes, ou através dos sólidos. No último caso se incluem os 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
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passos ouvidos através das lajes. Um especial desafio é imposto aos projetistas e 
construtores pelas instalações sanitárias, em que movimentos percussivos e 
vibratórios da água geram ruídos que se propagam pelas paredes e dutos. Seu 
isolamento depende de um cuidadoso detalhamento da instalação. Alguns ambientes 
podem ser propositadamente ruídos: é o caso de auditórios, cinemas, danceterias, 
igrejas e academias de ginástica. 
 O transporte provoca um ruído de fundo mais ou menos constante, a que se 
somam acontecimentos pontuais como a passagem de trens e aeronaves, mais 
conscientemente perceptíveis. Em geral, a poluição sonora advinda do transporte 
impõe dificuldade à ventilação das moradias: traz como consequênciaa necessidade 
de soluções baseadas em grandes volumes renovados de modo intermitente, ou 
ainda à ventilação mecânica associada à filtragem do ar, com eliminação do barulho 
e ainda suas impurezas macroscópicas. Ambas as formas de poluição do ar (sonora 
e química) são comuns em cidades em situação de saturação4. Tal contexto torna 
cada vez mais difícil a tarefa de planejar uma edificação ambientalmente 
confortável. 
 
4. EXPRESSIVIDADE 
 
 O som pode ser condicionado de modo a não incomodar (comodidade) e 
ainda permitir a realização de uma atividade (adequação). Além disto, participa da 
maneira como identificamos, lembramos e julgamos os ambientes. Estes têm aqui 
sua expressividade audível, chamada expressividade sonora ou acústica. 
 A arquitetura pode ser ouvida? Para Rasmussem, recebemos uma impressão 
total da coisa para a qual estamos olhando e não prestamos atenção aos vários 
sentidos que contribuíram para essa impressão. Ao afirmar que uma sala é fria e 
formal, raramente nos referimos à temperatura em si, mas a outros aspectos 
percebidos como antipáticos, como as cores, ou uma acústica áspera, de modo que 
o som – especialmente os tons altos – reverbera nele: portanto, tal impressão é 
provavelmente de algo que ouvimos. 
 A seguir, será comentada a influencia da transmissividade acústica sobre a 
percepção do espaço, especialmente da habitação. Ainda, algumas propriedades 
acústicas dos espaços enclausurados serão apresentadas. 
 
4 E.Odum, Ecologia, é uma obra que aborda cidades como ecossistemas. O autor propõe 
como tamanho máximo de uma cidade de 500 mil habitantes, medida a partir da qual as 
economias de escala desaparecem e se tornam deseconomias de escala: a partir daquele 
tamanho, é melhor para cada habitante da cidade que a população não aumente. 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
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 Há uma categoria de sons que é característica do mundo fora de casa, o 
espaço da ação, dos acontecimentos. São sons que, pela sua intensidade, tendem a 
ser transmitidos para dentro das edificações. Dentro delas podemos preferir o 
silêncio, mas quando estamos fora, sem a proteção do lar, privar-se da audição 
causa mais inquietude que serenidade, pois é alheamento forçado do mundo real. 
Nossos olhos enxergam somente um hemisfério, ou menos ainda, e somente em 
linha reta – não veem o que se esconde atrás de algum anteparo. Mas os ouvidos 
nos permitem monitorar todo o espaço ao nosso redor, e o som, a nosso favor, 
contorna objetos para nos alertar de acontecimentos que não perceberíamos nem 
pela imagem, nem pelo odor. O som também incita à reação, a uma nova atitude, 
seja ela de nos imobilizar, fugir, ou ainda fechar os olhos. E se for música de ritmo 
convidativo, nos causará a reação de sair dançando. 
 O ruído, dependendo de suas características físicas e de seu teor de 
informação, nos sujeita a certo estado de tensão que não conseguimos evitar. A 
fogueira de um acampamento não seria tão cativante se fosse silenciosa. Tem 
suspense o momento em que estoura a pipoca, e também quando a orquestra se 
afina no palco, minutos antes do inicio de um concerto. O relâmpago carrega tensão 
acústica, pois à sua vista já esperamos pelo trovão, que mesmo assim nos 
surpreende quando chega. São situações diversas em que o som quebra a 
monotonia. 
 Quando conseguimos deixar fora de um recinto sons que nos atormentam 
muitas horas do dia, como o ruído nervoso do transito, sobrevém uma sensação de 
paz. A construção de ambientes herméticos em ralação aos sons externos seria, 
então, uma forma de disfarçar a realidade. Dentro de um quarto protegido por 
vidraça dupla e espessa cortina, desfrutamos desta paz. No fundo, porém, sabemos 
que é frágil como o vidro da janela. Uma situação aparentemente semelhante mas 
conceitualmente oposta é a de uma casa retirada da cidade, distante dos 
agrupamentos de pessoas e vias de trafego intenso. Esta casa podemos manter 
aberta, ventilada, exposta aos sons do entorno. Alguns são sons agradáveis. De 
manha cedo, cantos de galos ajudam as pessoas a despertar. Vão seguindo cantos de 
pássaros. O som da água corrente por perto, assim como o barulho do mar 
quebrando na rocha, é sentido permanentemente, sem nunca se tornar monótono. O 
vento balançando a vegetação, tanto a folhagem rasteira como copas de árvores, 
traz variedade. Cigarras alertam o morador distraído, que não percebeu a hora, que 
o final do dia se aproxima, e principalmente à noite, a passagem de uma pessoa 
caminhando próximo a casa é facilmente percebida. Se ninguém é esperado e o fato 
em si amedronta, tal clareza no fundo conforta o morador, pois sabe que quase nada 
passa despercebido. Nem o silêncio no mato, revelado pelo crepitar do fogo, como a 
aproximação de um intruso, pelo ranger do arame na cerca. 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
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 Na morada rural, tanto pela ausência de outras fontes de ruído como pela 
relativa simplicidade da construção, as chuvas são sentidas de maneira única: dos 
pingos no telhado até o aguaceiro acompanhado de trovoadas, a sensação de 
acolhimento dentro de casa se intensifica. A chuva parece até aumentar sua 
proteção, pois ninguém virá; a vida terá uma lacuna mais contemplativa. Em 
Bachelard, citado anteriormente, o abrigo fornecido pela casa aparece em imagens 
poéticas do trovão assustando o morador de uma casa no campo e o morador de um 
prédio na cidade: mas treme conosco e por nós. Em nossas casas, apertadas umas 
contra as outras, temos menos medo. A tempestade em Paris não tem a mesma ira 
ofensiva contra o adormecido que contra uma casa solitária. (...) Quando o passar 
dos caminhões me induz a maldizer meu destino citadino, encontro paz vivendo as 
metáforas do oceano (...) é saudável naturalizar os ruídos para fazê-los menos 
hostis. 
 Assim também o vento nos dias secos: a depender da forma de 
movimentação das copas de árvores, se percebe a manutenção ou alteração das 
condições climáticas. As frentes frias no sul do Brasil são sentidas acústica e 
termicamente no campo, mais que na cidade. As copas das árvores altas se 
movimentam de modo tranquilo, mas constante, como um guizo. Alguns estalos de 
madeira seca também se ouvem, enquanto sob o céu azul se renova a massa se ar 
seco, que mantém a paisagem ensolarada. Sol e lenha sugerem que será fácil manter 
aquecida a casa. No meio urbano, o ruído de fundo oculta estes sinais. 
 Diferente da direcionalidade estrita da luz, o som também ocupa o vazio, 
tornando o espaço mais presente ao corpo – não reduzido aos olhos. Bachelard 
observa que os ruídos colorem a extensão e lhes dão uma espécie de corpo sonoro. 
E o silêncio no lar, especialmente na residência isolada, além de cômodo, será 
especialmente expressivo. 
 Há outra categoria de sons que são característicos da intimidade, do meio 
imediatamente próximo, e sua presença nos conforta. É como ouvir a voz de alguém 
conhecido. Acima foi observado que o pulsar do relógio lembraria os bebês do 
coração da mãe. Diane Ackerman vai mais longe: ao começar a falar, a criança 
repete o som familiar do espaço onde viveu por meses: ma-ma, pa-pa. Na poesia, 
este é o som dos versos jâmbicos5. Mas não somente a natureza conhecida dos sons 
nos conforta: eles devem ser oportunos, ao menos, nos aspectos temporal e social.O relógio cuco é um som que trazemos para dentro de casa: tem um ruído 
uniforme, e o canto do cuco, embora previsível, surpreende. E assim também é, na 
manhã, o despertador que programamos na noite anterior. Soa todos os dias no 
 
5 Na poesia grega e latina, chamava-se jambo o verso composto de duas sílabas, a 
primeira breve e a segunda, longa. 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
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mesmo horário, e assusta. Sons comuns podem assumir um tom amendrotador, 
especialmente quando imprevistos. Ao ouvir sons temos certeza de que houve uma 
ação e tentamos identificá-la. Existem formas de alucinação em que as pessoas 
ouvem vozes, ou mesmo canções, e precisam ser tratadas. O mesmo não ocorre com 
as sensações visuais. A estas podemos associar mais facilmente uma causa, 
podemos processá-las. 
 Dentro de casa existe uma hierarquia social dos sons: alguns são públicos e 
outros são mantidos audíveis somente dentro de recintos específicos. O arquiteto 
Richard Neutra faz observações bastante originais a respeito da acústica do 
ambiente construído ao descrever a arquitetura residencial japonesa. Nela, a 
privacidade depende de vozes sussurradas em ambientes que podem ser fechados 
temporariamente por painéis deslizantes – quartos não isolados acusticamente. 
Trata-se do shoji, uma esquadria em quadriculado de madeira de madeira recoberto 
por uma única folha de papel de seda. Conversas secretas são mantidas, de 
preferência, visualmente, como numa peça de Nakaruma: alguns ideogramas 
rapidamente traçados são, de maneira misteriosa, mostrados a um conspirador e 
então rapidamente atirados ao hibashi, o brasileiro de carvão. O lar japonês, com 
suas propriedades específicas, acústicas e outras, é o núcleo de uma larga cultura, 
com modos de vida intrinsecamente dependentes da arquitetura e de suas diversas 
realidades sensoriais. 
 O som é associado a processos naturais, como respirar, e culturais, como 
falar. A voz é um canal de transmissão de ideias e também de sentimentos. Mas 
minha expressão sonora não depende unicamente da fala. A maneira como coloco o 
telefone no gancho, ou fecho uma porta e deixo um recinto é muitas vezes o 
verdadeiro desfecho da conversa que acabei de mater. Logo, o som expressa mais 
que seu conteúdo objetivo e imediato, seja ele a linguagem codificada ou a 
sinalização de um fato, como uma campainha que soa. A própria maneira de tocar a 
campainha pode refletir o estado de espírito do visitante: discreto, apressado, 
insistente, etc. 
 O som no ambiente incorpora traços deste; torna-se também parte de sua 
realidade. O condicionamento que o ambiente dá ao som nele produzido possui 
mais de uma dezena de atributos, de maneira que, quase tanto como a fonte 
emissora – voz ou instrumentos – o ambiente também é responsável pela qualidade 
estética do que se ouve. 
 A expressividade acústica não-musical do espaço é descrita por Rasmussen 
no trecho em que trata a estética sonora dos palácios rococós, com interiores muito 
mais confortáveis do que os das mansões do período barroco. Os aposentos nas 
novas casas variavam não só em dimensões e formatos, mas também no efeito 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
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acústico. Da entrada coberta para as carruagens, o visitante ingressava num hall 
de mármore que ressoava com o estrépito de sua espada à ilharga e dos sapatos de 
salto alto, enquanto seguia o mordomo pelo piso de pedra até a porta que era 
aberta para ele. Estava agora no limiar de uma série de salas com sons mais 
íntimos e musicais – uma espaçosa sala de jantar acusticamente adaptada para 
música de câmara, um salão com paredes revestidas de painéis de seda ou damasco 
que absorviam o som e as reverberações encurtadas, e lambris de madeira que 
propiciavam a ressonância certa para esse gênero de música. Seguia-se uma sala 
menos em que se podia desfrutar os sons frágeis de uma espineta e, finalmente, o 
boudoir de madame, como uma caixa de joias revestidas interiormente de cetim, 
onde os amigos íntimos podiam reunir-se para conversar, cochichando entre si os 
mais recentes escândalos da sociedade. 
 Assim, não são poucas as implicações das características acústicas sobre o 
uso social do espaço. Num recinto cheio de pessoas, se muito ruidoso, sentimo-nos 
em certo anonimato. Já se for cheio, mas muito silencioso, sentimo-nos expostos: 
até a própria respiração pode ser ouvida, quanto mais à voz. Para falar de um palco 
diante de uma plateia calada, precisamos nos preparar para não perder a 
autoconfiança: sentimo-nos claramente como quem está sendo ouvido. 
 Christopher Alexander recomenda que os espaços dentro de um edifício 
tenham o teto em alturas variáveis para que a sociabilidade que neles ocorre possa 
se adaptar. Para falar com pessoas próximas procuramos um espaço onde o teto seja 
mais baixo com maior intimidade acústica. Para falar com pessoas estranhas, 
procuramos um ambiente de teto mais alto. As condições dentro de uma loja de 
carpetes, entre rolos do produto postos em pé, são de muita intimidade acústica, que 
chega a incomodar. Dois clientes opinando sobre um produto têm a sensação de 
serem ouvidos com clareza pelo vendedor. 
 A proximidade entre duas pessoas que se comunicam oralmente é percebida 
pelos olhos, pelo tato e também pela audição. Se o ambiente não contiver ruído em 
excesso, uma pessoa irá ouvir a outra com clareza. Entretanto, se estiverem 
afastadas, o ambiente terá de contribuir com a amplificação natural para que ambas 
ouçam. Em tais circunstâncias, se estiverem muito distantes, será provável que o 
ambiente distorça a comunicação. Isto não ocorreria se o espaço entre elas tivesse a 
forma de um corredor ou de um túnel. É isto que se chama, na acústica musical, de 
intimidade. As pessoas que se comunicam estão próximas entre si, ou o ambiente é 
tal que elas se sintam próximas. Já se as pessoas estivessem distantes entre si, numa 
ampla sala, ou em amplas salas contíguas, não seria o caso. E a chance de outras 
fontes sonoras atrapalharem a comunicação seria maior. 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
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Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
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 Quem tem um piano em casa pode tocá-lo todos os dias; quem visita um 
auditório de concertos e, no palco, digita seu grande piano de concerto, experimenta 
uma sensação singular, não apenas pelo instrumento precioso que toca como pela 
acústica pomposa, que dá a certeza de se tratar de um ambiente especial. 
 Mas uma musicalidade intrínseca não é privilégio de grandes recintos, como 
teatros e salas de palácios. Muitas obras musicais classificadas como música de 
câmara têm sua origem na sala de visitas de uma residência. Logo, é necessário que 
a apresentação de tais obras ao público recrie tais condições. A proximidade física é 
uma condição natural da intimidade acústica. Outra condição é a predominância do 
som direto (que viaja diretamente do músico para o ouvinte) sobre o som refletido 
(que sofre no caminho uma ou mais reflexões). A intimidade pode ser prejudicada 
pela reverberação em excesso: ouvindo desde poucos metros de distânciaum recital 
de instrumento no centro de uma igreja gótica, a intimidade pode desaparecer. Para 
ouvir uma flauta doce em sua individualidade – instrumento frágil, de timbre 
delicado é expressão muito associada à respiração do músico – é desejável a 
intimidade. 
 Não é raro que sonatas para piano sejam apresentadas em auditórios médios 
e grandes. No entanto, é comum tratar-se de música escrita para sala de estar. 
Beethoven e Schubert dedicaram sonatas para pianos às alunas suas, para o seu 
consumo individual, como quem lê uma carta de amor. A observação vale de certo 
modo para toda a música de câmara (que tradicionalmente se define como aquela 
escrita para conjuntos de até nove instrumentos). A intimidade em acústica, muitas 
vezes, é condição necessária para que a música fale do mundo restrito do 
compositor, como se tivesse sido composta para um pequeno grupo de pessoas. 
Particularmente intimistas são os quartetos de cordas. Comparando uma sinfonia a 
um quarteto, o líder do grupo inglês Lindsay String Quartett usou como metáfora 
uma festa de aniversário: pode ser festa para uma centena de pessoas, como também 
pode ser dedicada somente aos quatro melhores amigos. São duas formas válidas de 
comemorar. Mas não faz sentido que se use, tanto em uma quanto em outra festa, o 
mesmo ambiente. 
 A importância da intimidade se aplica de modo especial à música de câmara 
de Mozart. Sua obra requer interpretação delicada; assim é, em geral, a música do 
Classicismo, do qual ou outros dois nomes importantes são, na sequência 
cronológica, Haydn e Beethoven, todos atuantes em Viena. Com este último, a 
música sinfônica aumentou sua escala; os concertos foram ganhando popularidade, 
tendência característica no Romantismo, movimento posterior ao Classicismo – 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
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Beethoven é mesmo chamado “o romântico dos clássicos” 6. A escala tem efeitos 
diversos sobre a compreensão da música. De longe, ou dentro de uma catedral, não 
se nota a diferença entre o sintetizador e o instrumento que imita – seja ele violino, 
trompete ou oboé. Mas de perto, a riqueza de nuances permitida pela intimidade 
que, ao pé da letra, significa poder ouvir até a respiração do músico, dificilmente 
seria alcançada com sintetizadores. 
 Quanto mais pessoas se reúnem para ouvir uma apresentação musical, maior 
deve ser o ambiente, e mais distantes elas estarão, na média, dos músicos que 
produzem o som com sua voz ou instrumentos. Serão necessárias paredes refletoras 
para reforça o som que viaja do palco para as pessoas, caso contrário estas 
absorverão, e ele mal será ouvido. À medida que o volume dos espaços aumento, 
mais propensos estão ao efeito da reverberação: cessada a emissão de som, ele 
ainda é ouvido. Chama-se tempo de reverberação o tempo necessário, depois de 
cessada a emissão de som, para que o som restante em um ambiente também 
desapareça. Na verdade, se num espaço confinado as paredes refletem uma parcela 
do som que incide, a reverberação permanece indefinidamente. Para fins práticos, 
convenciona-se que a reverberação termina quando a intensidade sonora máxima 
(medida em potência sonora que atravessa uma área unitária), do momento em que 
cessa a emissão do som, cai a apenas um milionésimo. Em acústica, diz-se que esta 
redução corresponde a 60 decibéis7. Enquanto a compreensão da linguagem falada, 
num teatro ou em uma sala de aula, requer tempo de reverberação o mais curto 
possível, menor que meio segundo, a audição de música requer tempos maiores que 
um por vezes até de vários segundos. Isto se deve ao simples fato de a música ter 
sido, em geral, concebida para ambientes fechados e de certa forma reverberantes. 
A pesquisa histórica em que medida a música requer reverberação. 
 Em qualquer recinto existe um tom que chama a atenção da pessoa que 
cantarola, pois sustentando nele o canto parece que todo o espaço canta junto. Nesta 
nota ocorre a ressonância; corresponde a uma especial ampiflicação natural, e uma 
longa reverberação. O arquiteto Steen Eiler Rasmussen menciona que o canto 
gregoriano composto para a (antiga) basílica de São Pedro8 adotava uma nota entre 
simpática – a nota longa, sustentada pelo sacerdote – que correspondia a uma 
frequência natural do espaço. Era uma nota entre o lá bemol e o lá. Para continuar 
as orações e demais proclamações do rito, o sacerdote baixava sua voz, dando 
origem a uma melodia simples. Assim, podia ser entendido pela comunidade 
enquanto que, se insistisse em falar na altura da nota simpática, seria ouvido 
 
6 O austríaco Franz Schubert (1797-1828), comparado a Mozart em sua inventividade 
melódica, é chamado o “clássico dos românticos”. 
7 Resultado obtido quando 10log(I1/I2) = 60, sendo a intensidade inicial I1 e a Final, I2, 
ambas em W/m². 
8 Uma igreja romântica, bastante diferente da Basílica de São Pedro hoje existente. 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
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somente em um tom, mas em nenhuma palavra: nas velhas igrejas, as paredes 
eram, de fato, poderosos instrumentos que os antigos aprenderam a tocar. 
Comumente em uma casa esta nota ocorre em banheiros ou cozinhas azulejados, ou 
ainda nos corredores. É a origem dos cantores de banheiro. 
 Na música sacra da Renascença, o valor ideal do tempo de reverberação é 
menor que no canto gregoriano, uma vez que polifonia (uso simultâneo de várias 
vozes) requer mais clareza. Entretanto, como se trata de uma música 
desacompanhada –canto à capela – a reverberação é útil, pois permite preencher o 
entorno com música o tempo todo. 
 Já na obra instrumental de Vivaldi9, também da fase final do período 
barroco, há indícios de que o tempo de reverberação era maior. As condições 
acústicas no salão do Ospedalle Della Pietá, orfanato de moças em Veneza em que 
atuava o chamado prete rosso, podem ser estimadas a partir de uma conhecida 
pintura de Francesco Guardi, que permite determinar dimensões e materiais. Estes 
elementos permitem o cálculo de tempo de reverberação surpreendentemente alto, 
de 3,0s para os sons agudos. Logo, uma interpretação fidedigna dos concertos de 
Vivaldi não depende tanto de clareza. Antes, depende do brilho. Trata-se da 
reverberação nos sons agudos. A música fica melhor pronunciada: o que é alegre se 
torna festivo, o que já é triste se torna pungente. Há tendência a uma sonoridade 
cristalina, ou por vezes metálica. Ganham realce instrumentos como oboé e flautim, 
e a voz de soprano (voz aguda feminina). 
 Na música do Classicismo, compreendendo a obra de Haydn e Mozart e a da 
primeira fase de Beethoven, detalhes e nuances se tornam delicados, requerendo 
tempo de reverberação não superior a 1,5s. Já na segunda fase de Beethoven e 
caminhando em direção ao Romantismo, a música se torna uma prática popular e os 
auditórios aumentam; com eles, alonga-se o tempo de reverberação, superando 2,0s. 
o concerto para violino e orquestra de Beethoven explora o brilho: o violino-solo 
quase sempre cantando muito mais agudo que toda a orquestra, lembra um pássaro 
voando em altura inatingível. Outros exemplos de música realçada pelos ambientes 
de muito brilho são as Quatro Últimas Canções (Vier letze Lieder), para soprano e 
orquestra, de Richard Strauss10 (1864 – 1949), do final do Romantismo, e as 
Bachianas Brasileiras nº5, para sopranoe orquestra de violoncelos, de Villa-
Lobos11. 
 
9 Antonio Vivaldi (1678 – 1741), compositor italiano, conhecido como padre vermelho pela 
cor de seus cabelos. 
10 Compositor alemão. 
11 Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959), compositor brasileiro. 
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 Uma propriedade de certa forma oposta ao brilho é o calor. É a reverberação 
dos sons graves. O calor é mais dificilmente percebido, a não ser por comparação: 
ao ouvirmos uma orquestra sem os contrabaixos e, em seguida, com sua 
participação, notamos a diferença. O calor não prejudica a clareza, mas dá 
consistência à música; reforça a harmonia (a lógica dos sons simultâneos, 
relacionada ao caráter de cada trecho da música), pois, na base dos acordes, está o 
baixo (nota mais grave), e este não progride ágil como a melodia, mas com inércia 
muito maior. Certas formações musicais transmitem, mais que outras, a sensação de 
calor: os sextetos para cordas de Brahms12, compositor do auge do Romantismo, 
têm em sua formação clássica do quarteto de cordas (dois violinos, viola e 
violoncelo), há nítido reforço dos instrumentos médios e graves. O resultado 
percebido é calor – um calor instrumental. Mas o calor que aqui interessa é aquele 
originário dos próprios ambientes, como no caso da música de câmara. Não serve, 
pois, uma caixa de vidro, e a música feita para ambientes externos se ressente da 
falta de calor. Um exemplo notável ocorre na Música dos reais fogos de artifício, 
de Haendel13, do final do período barroco, executada em um parque para celebrar a 
Paz de Aechen, no início do século XVIII. Ouve-se um frequente rufar, nem o 
ataque, mas para preencher vazios, como ruído de fundo: uma fonte de calor 
artificial, quase extra-musical. 
 A música de câmara, feita para ambientes restritos, em todas as épocas 
requer tempos de reverberação baixos. Mas um alto tempo de reverberação é 
característica fundamental para a execução de quase a totalidade da música para 
órgão, sem depender de sua época. Tal característica está presente nas igrejas 
góticas e românticas. Nelas, todavia, esta reverberação prejudica a clareza. 
Dificilmente se compreende a fala que não seja especialmente enfática. 
 E até aqui falou-se tão somente na música ocidental. O arquiteto Richard 
Neutra fala de uma sonoridade específica nos instrumentos musicais tradicionais 
japoneses, o koto (espécie de cítara primitiva) e o shamisen (espécie de guitarra 
tocada com palheta) que diferem daqueles usados no canto no canto lírico ocidental, 
e têm direta relação com o espaço. Os primeiros, assim como a vocalização das 
canções e letras japonesas, seriam desenhados para não vencer grandes distâncias. 
Seu vibrato, onde ocorre, tem uma intenção inteiramente diferente daquele do 
primo tenoro italiano. Este, deslocando suas cordas vocais, tenta atingir os 
espectadores na Quarta galleria do velho Teatro dal Verme, ou da La Scala. Ele na 
verdade move pedras, como fez Orfeu através de sua música, pois seu canto serve 
para uma estrutura de alvenaria ressonante, à qual a tradição do belcanto está 
associada. No outro extremo, em ralação ao teatro italiano, está a casa japonesa, 
 
12 Johannes Brahms (1833-1897), compositor alemão. 
13 Georg Friedrich Haendel (1685 – 1759), compositor alemão. 
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que não tem tais qualidades acusticamente reflexivas; sua casca consiste de 
membranas de papel em tensão frouxa. Os pisos são cobertos com espessas esteiras 
de palha sobre as quais os pés do dançarino, em meias sobre almofadas de 
algodão, nãoproduzem impacto audível. E não há a intenção de tal impacto, ou de 
algum estímulo acústico. A dança é quase estacionária, quase silenciosa. Os 
movimentos são flutuantes, sem staccato. Eles não requerem ruído rítmico. Em uma 
casa japonesa, um fandango guarnecido com castanholas espanholas seria uma 
fúria destrutiva e ao mesmo tempo uma apresentação frustrada, acusticamente 
manca. 
 Existem várias outras propriedades acústicas dos ambientes. Foram 
relacionadas e esclarecidas por Baranek14, que as verificou em extenso estudo de 
campo. São, em parte, especializações do conceito de reverberação. 
 Enfim, quanto à expressividade musical do espaço, cumpre dizer que pode 
vir a ser, momentaneamente, a expressividade da música que nele se ouve. Pois as 
leis do ritmo, da melodia e da harmonia, aplicadas à voz humana e aos sons de 
instrumentos, estabelecem a linguagem musical, sedimentada ao longo dos séculos. 
A música é uma experiência em geral abstrata. Assim é a música instrumental de 
Mozart. Um especialista pode procurar analisá-la; entretanto, nada explicará o 
efeito que produz. No filme Amadeus, de Milos Formam, baseado na obra de Peter 
Schaffer, o compositor Antonio Salieri é retratado como rival de Mozart. Invadindo 
sigilosamente os aposentos de um cliente deste, lê mentalmente a partitura de uma 
serenata de Mozart para instrumentos de sopro. Conta como começou de modo 
suficientemente simples: somente um pulso nos registros mais baixos – tropas e 
fagotes – como um espremedor enferrujado... e então de repente, alta sobre eles, 
soou uma única nota no oboé. Permaneceu lá pendurada, impossível, penetrando-
me, até a respiração não poder mais ser segurada, e um clarinete a tirou em mim, e 
a adoçou em uma frase de tamanho encanto que me fez tremer. Trata-se de fato de 
um trecho de música de beleza ímpar. Abstrata, ainda, é a música de Bach15. O 
barroco é o período em que surge a ópera, e nela a clareza é importante; ganha 
importância, ainda, a constância da pulsação rítmica. Assim, há uma tendência do 
tempo de reverberação cair. A obra sacra de Bach, que é do final do período 
barroco na música, retomou o uso da polifonia e, portanto requeria clareza que é 
raramente proporcionada pelas igrejas góticas. Ocorre que a igreja de S. Thomas em 
Leipzig, para onde a obra foi composta, era peculiar à época de Bach16: após a 
reforma, vastas áreas de maneira ressoante foram adicionadas à pedra nua... 
devido ao sistema luterano de administração eclesiástica que colocava a igreja sob 
 
14 Leo Berakek, Music Hall Acoustics, J. Wiley, Nova Iorque (1966). 
15 Johann Sebastian Bach (1985 – 1750), compositor alemão. 
16 Hope Bagenal, organist norte-americano atuante no início do séc. XX, apud Steen Eiler 
Rasmussen, op. cit. 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
Universidade Paulista – UNIP (Campus Rangel). Santos-SP 
Disciplina de Conforto Acústico do curso de Arquitetura e Urbanismo. 
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a direção do conselho municipal. Cada vereador tinha seu próprio camarote 
familiar, tal como poderia ter na ópera. Os novos aditamentos eram de estilo 
barroco, com molduras e painéis ricamente esculpidos, e havia cortinas nas 
aberturas. Hope Bagenal calculou a atual reverberação em 2 ½ segundos, em 
comparação com 6 a 8 segundos da igreja medieval. A ausência de uma “nota”ou 
região de resposta na igreja possibiliyou Bach escrever suas obras em uma 
variedade de tons. O mesmo fato é confirmado por Beranek. A Paixão segundo São 
Mateus foi escritapara a igreja. A respeito da extensa obra que, reunidas todas as 
partes, se estende por mais de três horas de duração, conta-se que Bach - único 
compositor a quem os musicólogos se referem como o maior de todos os tempos - 
trabalhou nesta composição fechado em uma sala da qual, quando saía, era 
comumente em prantos. As condições acústicas da igreja São Thomas em Leipzig, 
que tornaram possível a audição original da Paixão segundo São Mateus, ajudaram 
certamente a criar uma conjuntura que emocionava até o compositor. 
 É fascinante a diversidade de características acústicas dos ambientes 
considerados para a produção e apreciação da música. Entretanto, ao voltarmos a 
atenção para o ambiente doméstico, o que resta da importância de intimidade, 
clareza, brilho e calor? Que propriedades são mais coerentes com a função do 
repouso? Dificilmente o tempo de reverberação, em algum cômodo, será alto, a não 
ser nos banheiros, ou em uma espaçosa sala. O brilho pode ser um reforço à 
sensação de amplidão e limpeza dos ambientes, pois as superfícies lisas, 
especialmente as paredes, e tanto mais quanto mais impermeáveis, é que o 
proporcionam. Como os sons graves são mais bem tolerados pelo ouvido, o calor é 
mais desejado no ambiente doméstico. O termo “calor” se justifica pelo fato de esta 
propriedade resultar da presença de superfícies estofadas ou acarpetadas que 
absorvem mais os sons agudos que os graves. Entretanto, tais propriedades de 
acústica são típicas de espaços grandes, de uma escala em que já não cabe mais a 
casa. 
 Desta forma, reverberação e amplificação natural devem ser mantidos 
baixos, pois ouvir os passos amplificados, ressoando em superfícies distantes, 
certamente, não parece alguma impressão caseira. Mas, tipicamente, os ambientes 
da casa são bem isolados acusticamente. São também dotados de superfícies de 
absorção. A riqueza em mobiliário, objetos e tecidos, faz com que a comunicação 
seja feita com clareza; há supressão do brilho e certa promoção de calor. E a 
condição mais naturalmente afeita à casa é a da intimidade. Ela serve tanto para a 
comunicação musical como para a comunicação não-musical, como diversos 
exemplos acima o ilustraram. 
 
Texto extraído do Livro “A Idéia de Conforto – Reflexões sobre o ambiente 
construído”. 
Autor: Aloísio Leoni Schmid. Editora: Pacto Ambiental. Curitiba, PR. 2005. 
 
 
Universidade Paulista – UNIP (Campus Rangel). Santos-SP 
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