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ANTES DO NASCIMENTO: DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO E 
FETAL. 
 
Desde o final do século XIX que existe indicação segura da ocorrência de 
movimentos espontâneos no feto humano. As observações de Preyer (1885) sobre a 
detecção de mobilidade fetal por estetoscopia às 12-16 semanas e de Ahlfeld (1888) 
sobre a existência de movimentos respiratórios, não dispunham contudo de um 
referencial teórico que ajudasse à sua compreensão e, por vezes, à própria aceitação dos 
factos observados. A observação de movimentos espontâneos esteve, durante a época 
forte do comportamentalismo na primeira metade do século XX, associada à ideia de 
uma reacção a estímulos, mesmo que esses não fossem detectados ou que a relação 
estímulo-resposta não pudesse ser estabelecida com facilidade. Mais tarde, a tecnologia 
de registo com recurso a ultrassons e a gravação de sequências de registos permitiu, nos 
anos 60 e 70, proceder a descrições sistemáticas dos movimentos intra-uterinos (Prechtl, 
1997). Estas descrições salientaram o carácter evolutivo das sequências pré-natais e a 
natureza espontânea, não-reflexa, de uma grande parte da motricidade pré-natal. 
Permitiram também comparar a motricidade in utero com a motricidade exibida por 
bebés prematuros e, sobretudo, evidenciaram a extrema continuidade e semelhança 
entre a motricidade in utero e pós-natal. Nada de essencialmente diferente acontece no 
útero (Prechtl, 1997). 
A explicação para estes movimentos é complexa, sendo certo que não só são 
encontrados em todos os vertebrados e invertebrados como também que antecedem em 
muito a funcionalidade que lhes seria exigível. Aparentemente estes movimentos podem 
desempenhar duas grandes funções: (i) ajudar ao desenvolvimento da estrutura 
neuronal, conservando caminhos que se ajustam a necessidades adaptativas posteriores 
e afinando ligações entre células e grupos de células, e (ii) contribuir para a regulação e 
selectividade da mortalidade celular tão importante nesta fase de desenvolvimento. 
Indirectamente, estes movimentos são na sua maioria essenciais como estruturas 
coordenativas rudimentares após o nascimento, mesmo que alguns movimentos fetais 
não sejam mais que respostas adaptativas circunstanciais ao ambiente intra-uterino e 
sem qualquer interesse ou continuidade pós-parto. 
Há um outro grupo de efeitos que aparentmente se podem associar a uma 
reduzida mobilidade fetal. Entre eles sugerem-se a deformação articular, o crescimento 
1 
lento do tecido ósseo e a eventual lentidão maturacional do músculo, atrasos no 
desenvolvimento do tecido pulmonar. Há evidência de que, em ratos, o próprio 
comprimento do cordão umbilical está positivamente relacionado com a taxa de 
actividade do feto (Moessinger et al, 1982) e de que em humanos o mesmo parece 
acontecer (Ogita et al, 1989). 
O aspecto mais interessante destes movimentos é o da sua auto-organização. Os 
movimentos são como que produções emergentes de sistemas ou aglomerados de 
células, ocorrendo com naturalidade em condições normais de equilíbrio biológico. 
Respostas bioeléctricas têm sido observadas em laboratório em culturas de células 
nervosas de ratos (Prechtl, 1993; Prechtl, 1997), sugerindo que o comportamento 
eléctrico com organização, e por vezes com ritmo, pode ser uma emergência autogénica 
do próprio sistema 
O comportamento motor do feto apresenta razoável variabilidade temporal e 
inter-individual. A actividade muscular pode ser detectada desde muito cedo e evolui de 
respostas desorganizadas e massivas para respostas estruturadas e mesmo específicas de 
certos estímulos. Alguns reflexos, como o de preensão, podem ter início sob uma forma 
difusa por volta da 10ª ou 12ª semana, estando a sua exuberância relacionada com a 
intensidade e tipo de estímulo: estímulos cutâneos suaves provocam flexões ligeiras e 
estímulos de pressão fortes produzem fecho completo da mão (Eckert, 1993). 
 A agitação inicial observada por volta das 9-12 semanas vai evoluir rapidamente 
de movimentos generalizados e difusos para movimentos bem isolados de um membro, 
frequentemente repetitivos, e mais tarde para movimentos complexos envolvendo 
membros, tronco e cabeça. Algumas acções podem mesmo desenvolver-se por recurso a 
soluções alternativas. A mudança de posição, por exemplo, pode ser conseguida por 
rotação ao longo do eixo longitudinal, iniciando a acção pela cintura pélvica ou pela 
cabeça, ou utilizando movimentos rítmicos alternados dos membros inferiores, 
semelhantes ao stepping reflexo pós-natal, com apoio dos pés na parede do útero. 
Os primeiros cinco meses vão registar quase toda a diversidade do repertório 
motor do bebé e poucos movimentos novos irão ocorrer nos quatro meses finais da 
gravidez. 
 Os movimentos fetais aparentam uma relativa independência, não tendo sido 
detectadas relações entre a ocorrência de diversos tipos de acção. Antes pelo contrário, 
parece que os tipos de movimento são desencadeados independentemente e 
correspondem a padrões independentes entre si. Contudo, não há evidência de uma 
2 
tendência aleatória nestes movimentos: pelo contrário, os padrões de contracção 
apresentam ordem e estrutura, logo desde as suas primeiras manifestações. Esta 
estrutura não é necessariamente rítmica, embora possa eventualmente apresentar 
regularidade temporal. Um caso especial de regularidade comportamental vai surgir no 
fim da gravidez: a alternância entre períodos de sono e de actividade. 
O feto vai mostrar movimentos ritmados como o soluço, e intercalar períodos de 
actividade e de repouso. A aproximação da 40ª semana e o crescimento importante da 
segunda metade da gravidez têm como consequência uma redução do espaço 
disponível, uma vez que o feto cresce proporcionalmente mais depressa que o espaço 
que a mãe lhe disponibiliza. Supõe-se que por essa razão a mobilidade geral diminui 
significativamente à medida que se aproxima o parto. Curiosamente a mobilidade 
ocular, não sujeita a constrangimentos físicos desta natureza, aumenta com a idade. 
Mesmo sem desempenhar qualquer função perceptiva, os movimentos oculares lentos 
ocorrem antes das 24 semanas e evoluem logo depois para movimentos rápidos dos 
olhos, semelhantes aos do recém nascido. Há naturalmente uma tendência para 
considerar a mobilidade fetal como uma função preparatória da vida pós-natal. 
A taxa de mobilidade e a variação da frequência cardíaca estão também 
relacionadas com factores diversos como a fadiga da mãe, a tensão emocional, o 
consumo de tabaco, ou mesmo com ritmos circadianos. De facto, a noite apresenta em 
regra frequências de movimentos mais elevadas (de Vries et al., 1987). 
 
Idade 
(semanas) 
comp. 
(cm) 
peso 
(g) 
características 
3 0.3 cabeça visível; sulco neural 
4 0.4 0.4 formação rudimentar dos membros; início da actividade cardíaca; orgãos reconhecíveis 
7-8 3.5 2 olhos, nariz, boca, dedos; início da ossificação; desenv. de orgãos dos sentidos; membros reconhecíveis; extensões lentas do pescoço e 
movimentos difusos; primeira ossificação no centro de ossos longos 
10 Soluços; movimentos isolados de braços e de pernas. 
12 11.5 19 sexo visível; cabeça muito grande para o corpo; configuração adiantada do cérebro; mov. de lábios e abrir a boca; deglutição; flexão dos dedos; 
influência proprioceptiva e vestibular sobre as respostas motoras; 
razoável mobilidade articular; respostas contralaterais; mov. 
respiratórios; contacto mão-face; contracções rítmicas do diafragma – 
movimentos respiratórios 
16 19 100 actividade motora; aumento de proporção no tórax; orgãos sensoriais formados; face humana reconhecível; distinção da maior parte dos ossos; 
preensão; movimentos oculares, e franzir de sobrancelas; diferenciação 
de comportamentos sob o mesmo estímulo mas com diferentes condições 
3 
iniciais (reflexo plantar); sucção-engolir 
20 22 300 crescimento notáveldos membros inferiores; início da mielinização da medula; 
24 32 600 reflexos tendinosos 
28 36 1100 aumento de tecido adiposo 
32 41 1800 maior crescimento de peso que de comprimento 
36 46 2200 arredondamento do corpo; início de ossificação distal do fémur 
40 52 3200 pele rosada; cabelo; início da mielinização do cérebro; início da ossificação proximal da tíbia 
 
Quadro x: marcos no desenvolvimento embrionário e fetal.(adaptado de P.S. Tsimiras 
(1972); K. Haywood (1986), Eckert (1993), de Vries et al.(1982)) 
 
 
O PRIMEIRO ANO DE VIDA. 
 
 Contrariamente à ideia geral de que todos os recém-nascidos são semelhantes é 
possível observar uma grande variação nos níveis de mobilidade (Cratty, 1986; Irwin, 
1932). Níveis maturacionais diferentes, características genéticas e factores ambientais 
diversos, dão origem a taxas gerais de mobilidade e a perfis comportamentais bem 
diferenciados. Não são conhecidas todas as razões da diversidade comportamental, 
embora alguns factores tenham sido identificados, como por exemplo, o tipo e a 
qualidade da interacção familiar ou a dependência materna de drogas. Muitos estudos 
mostraram efeitos de variáveis como o tempo de contacto com os pais, o tipo de 
alimentação, os estados psicológicos dos pais, e até variáveis físicas e climáticas, como 
o espaço disponível para bmover-se e brincar ou a temperatura. Por exemplo, Parizkova 
(1984) mostrou que o tempo disponibilizado pelos os pais para relações interactivas 
com os filhos, incluindo a estimulação do desenvolvimento, pode fazer variar 
positivamente o curso normal do desenvolvimento motor; Benson (1993) mostrou que a 
temperatura ao longo do ano celera ou retarda a evolução para a marcha; Pikler (1968) 
mostrou que crianças tratadas em ambientes deprimidos registam variação negativa na 
cronologia das aquisições desde os primeiros tempos. 
Pikunas (1979, p.157) afirma que " tudo aumenta as diferenças individuais à 
medida que os bebés crescem para diferentes constelações de suas famílias e enfrentam 
uma variedade de situações ambientais desde os primeiros dias de vida". Nesta 
afirmação, a variabilidade é entendida como variabilidade inter-individual, que 
4 
naturalmente tende a aumentar com o tempo de vida, acentuando diferenças em função 
de historiais de vida muito próprios. 
 Mas podemos pensar num outro tipo de variabilidade, própria de cada indivíduo 
ou intra-individual. Esta variabilidade do desenvolvimento pode ainda ser perspectivada 
de duas formas diferentes: a variabilidade não-específica dos primeiros meses de vida e 
a variabilidade específica-da-tarefa, à medida que são aprendidas e dominadas as 
acções. O primeiro tipo de variabilidade aumenta com o desenvolvimento à medida que 
aumentam as possibilidades de locomoção e de manipulação, enquanto o segundo tipo 
diminui consistentemente à medida que a experiência possibilita o domínio das tarefas. 
Na verdade, 
 A atracção pelo estudo do recém-nascido é enorme, sobretudo desde que a 
observação sistemática do comportamento revelou a existência de comportamentos 
muito mais complexos do que aqueles que seria de esperar de um organismo 
historicamente considerado "em branco" (c.f. Bower, 1977, "A Primer of infant 
development", para uma revisão). A abordagem experimental do desenvolvimento 
infantil, transportando a criança pequena para situações de laboratório bem controladas, 
veo introduzir novas perspectivas quanto à questão das potencialidades reais do bebé. 
Esta abordagem complementa a quantidade de informação disponível a partir de 
técnicas de observação do comportamento utilizadas em contexto real, salientando não 
só a pertinência adaptativa do comportamento mas também um insuspeitado lote de 
recursos de utilização sistemática. De facto bebés muito pequenos (menos de 4 
semanas) são capazes de brincar com guizos (Bower, 1977), de olhar preferencialmente 
para figuras semelhantes à face humana qundo diferentes alternativas lhes são 
apresentadas (Fantz, 1961), ou de aprender a virar a cabeça para a direita ou para a 
esquerda de acordo com o tipo de som que lhes é apresentado, i. e., de aprender 
(Siqueland & Lipsitt, 1966). O reconhecimento de expressões faciais pelo recém-
nascido atinge mesmo valores surpreendentes: pelas 36 horas de vida, os bebés são 
capazes de imitar expressões (Field, Woodson, Greenberg e Cohen, 1982). Neste estudo 
foram observados 74 recém-nascidos a quem foram individualmente apresentados pelo 
mesmo adulto 3 expressões faciais distintas (felicidade, tristeza, surpreza). A filmagem 
das faces dos bebés foi depois avaliada por observadores, tentando adivinhar qual a 
expressão que estava a ser apresentada em cada instante. Os resultados mostraram uma 
taxa de acerto de 76% quando a que seria obtida por puro acaso seria de 1/3. Este estudo 
foi muito importante porque mostrou não apenas a capacidade de reconhecer mas 
5 
também a de imitar expressões faciais, ainda antes do segundo dia de vida, sugerindo a 
existência de padrões de reconhecimento e mimetismo expressivo filogenéticos. 
Contudo, estudos posteriores (Kaitz, Meschulach-Safarty, Auerbach & Eidelman, 1988) 
colocam algumas reservas sobre esta matéria, sugerindo que nem todas as expressões 
podem ser reconhecidas e imitadas; a deitar a língua de fora, por exemplo, é bem 
imitado, enquanto as expressões de estados emocionais são mais discutíveis. Estes 
autores admitiram a hipótese de se tratar de expressões faciais estereotipadas, 
desencadeadas por estímulos visuais. 
 No domínio motor podem ser encontradas algumas potencialidades 
surpreendentes como a de se orientar para um objecto, com tentativa de agarrar, desde 
que suportado pelo tronco (Bower,1972), ou coordenar razoavelmente a acção de levar 
a mão à boca. O controlo visual do braço é observável com apenas cinco dias, e permite 
uma tentativa de agarrar objectos suspensos (Hofsten, 1982). Butterworth filmou recém-
nascidos identificando quatro categorias de comportamento mão-face: mão-boca 
(directamente), mão-face (sem contacto), mão-face-boca e mão face. (Butterworth, 
1986). A análise do video mostra que a boca tem tendência a abrir-se mais quando a 
mão vai directamente para a boca do que nas outras categorias. Estas coordenações 
surgem na sequência de movimentos observados na vida pré-natal, como a flexão e 
extensão coordenada e repetida dos dedos por volta das 9-10 semanas; estes 
movimentos atingirão alta capacidade adaptativa no período pós-natal (Prechtl, 1986). 
O desenvolvimento motor no recém-nascido tem seguramente muito a ver com os 
esquemas de acção constituidos nos nove meses de gestação e, hipoteticamente, com o 
desenvolvimento posterior ao nascimento. 
 Klaus & Klaus (1989), a partir dos trabalhos de Wolff (1965), identificam no 
recém-nascido seis estados de consciência, nos quais é possível categorizar todas as 
manifestações comportamentais. Dois estados de sono (sono tranquilo e sono activo), 
três estados de alerta (inactividade alerta, alerta activo e choro) e um estado de transição 
entre o sono e a vigília (o torpor). A alternância entre os estados de sono e de vigília 
tem, na realidade, início muito antes do nascimento. 
 
inactividade alerta quietude, domínio da percepção 
alerta activo movimentos desordenados ou rítmicos 
choro associado à fome ou desconforto 
sono tranquilo sem movimento sistemático; respiração regular 
6 
sono activo actividade motora pode ocorrer; respiração irregular
torpor transição para o acordar ou o adormecer 
 
 Para além das diferenças individuais na qualidade do comportamento e na taxa 
de mobilidade, algumas características típicas foram observadas em diferentes 
populações. Por exemplo, parece comprovar-se uma diferença de tonicidade muscular 
nos recém-nascidos negros e asiáticos (superior nos primeiros) acompanhada de uma 
maior actividade motora (Klaus & Klaus,1989). No entanto a sequência geral de 
aquisições permanece relativamente invariante apesar das diferenças iniciais e da 
cronologia variável dessas aquisições. 
 Apesar da imensa plasticidade adaptativa dos primeiros tempos de vida, a 
motricidade observada em diferentes idades no mesmo indivíduo parece relacionar 
estreitamente relacionada. Alguns estudos encontraram correlação significativa entre a 
mobilidade fetal e a motricidade aos 6 meses (Richards & Newberry, 1938), ou entre a 
mobilidade fetal e indicadores de desenvolvimento motor até aos 6 anos (Walters, 
1965). 
 A motricidade do recém-nascido tem componentes muito variáveis e outras 
muito consistentes, os reflexos. 
 
 
OS REFLEXOS. 
 
 Uma porção significativa do comportamento motor da criança é constituida por 
reflexos. Basicamente são respostas involuntárias que surgem na presença de estímulos 
precisos, a partir de informações externas ou proprioceptivas. Estudos levados a efeito 
com crianças nascidas antes do termo vieram pôr em evidência que no período fetal 
existe já uma quantidade enorme de respostas reflexa, muitas das quais detectadas desde 
muito cedo (Prechtl, 1986). Os reflexos são acções em que não há possibilidade de 
escolha, i.e., a certo(s) estímulo(s) surge associada uma resposta única e preditível. 
 A função dos reflexos é muito discutida coexistindo três interpretações (Holt, 
1978): 
- o reflexo como factor de sobrevivência destinado a cumprir funções vitais ou 
de protecção (e.g. o reflexo de sucção ou o "rooting reflex"); 
 
7 
- o reflexo como resquício evolutivo, e sinal da recapitulação da filógenese (e.g. 
o reflexo de trepar); 
 
- o reflexo como factor potencial de adaptação, com a função de reunir 
estruturas coordenativas elementares destinadas a utilização posterior em acções 
voluntárias (e.g. o reflexo de marcha). 
 
 Uma categorização frequente dos reflexos entende-os como reflexos primitivos 
(e.g. reflexo de Moro), reflexos posturais (e.g. reflexo de paraquedas) e reflexos 
locomotores (e.g. reflexo de marcha) (Haywood, 1986). Os reflexos primitivos são 
constituidos por respostas involuntárias, muitas das quais evidentes ainda antes do 
nascimento. Apresentam uma grande consistência e tendem a desaparecer 
progressivamente. Os reflexos posturais podem ser incorporados em comportamentos 
voluntários elaborados mais tarde, constituindo unidades ou estruturas coordenativas 
elementares a partir das quais são possíveis organizações mais complexas do 
comportamento. Os reflexos locomotores estão possivelmente associados a 
manifestações comportamentais de locomoção, como o rastejar ou a marcha. Apesar da 
perspectiva de alguns reflexos serem o fundamento de modos voluntários de resposta 
ser bastante atractiva, não hà total suporte para a mesma, já que os resultados de estudos 
levados a efeito são por vezes contraditórios. Por exemplo Towen (1971) constatou não 
existir relação entre a idade de dissipação do reflexo de preensão e a idade em que são 
observadas manipulações voluntárias sistemáticas, enquanto Zelazo & Kolb (1972) 
observaram que estimulação frequente do reflexo de marcha durante os primeiros meses 
pode antecipar a idade de aparecimento das primeiras manifestações de marcha 
autónoma. 
 De entre todos os reflexos alguns podem ser destacados, quer pela sua 
importância na avaliação da integridade funcional da criança, quer pela sua provável 
importância no desenvolvimento motor em momentos posteriores. 
 
Reflexo de Moro: é observável até ao 2º ou 3º mês e consiste numa resposta de 
abdução rápida seguida de extensão dos membros superiores com abertura das mãos. Os 
braços retornam a uma posição flectida como num abraço. Pode ser elicitado pela 
movimentação da cabeça ou por estímulos inesperados. Com o tempo alguns estímulos 
elicitadores deixam de dar origem ao reflexo enquanto outros continuam a provocá-lo. É 
8 
um reflexo associado à capacidade de alerta e permite observar a tonicidade muscular e 
a simetria da resposta. 
 
Reflexo tónico assimétrico do pescoço: ao rodar a cabeça para um lado, a extensão dos 
músculos do pescoço origina a flexão do braço e por vezes do joelho contrário. è 
frequentemente observado em repouso e desaparece ao fim do 2º-3º mês. É considerado 
um reflexo postural e assimétrico. 
 
Reflexo de endireitamento da cabeça e do tronco: a rotação da cabeça provoca uma 
rotação no mesmo sentido do tronco e vice-versa. É observável durante o primeiro ano 
de vida. É talvez importante para acções voluntárias como o rodar sobre si próprio. 
 
Reflexo de preensão palmar: consiste numa resposta de flexão dos dedos quando é 
exercida pressão na palma da mão. Esta resposta envolve uma sequência bem 
determinada dos dedos, com início no dedo médio, anelar e mínimo, seguidos do 
indicador e finalmente do polegar. Barreiros et al (1993) encontraram a mesma 
sequência de activação dos dedos no movimento voluntário de agarrar em crianças de 2 
anos de idade quando a dimensão do objecto possibilita a utilização de apenas uma mão. 
É observável até ao 3º mês na maioria das crianças, desaparecendo gradualmente até se 
extinguir completamente ao primeiro ano. Existe um reflexo equivalente para o pé 
(preensão plantar). 
 
Reflexos labirínticos de endireitamento: manifestam-se na tendência para manter a 
posição da cabeça na vertival quando a criança é deitada para trás ou face a 
perturbações posturais. É visível a partir do 2º mês. 
 
Reflexo natatório: é observável quando o bebé é colocado em contacto com a água 
total ou parcialmente. Consiste em movimentos segmentares alternados com acentuado 
carácter rítmico. Foram observados pela primeira vez por McGraw (1966) na segunda 
semana de vida e são registados até cerca do 5º mês. No início um reflexo de bloqueio 
respiratório pode ser visto associado a este reflexo. 
 
Reflexo de marcha: quando a criança é suportada numa posição vertical e mantém 
contacto dos pés com uma superfície podem surgir movimentos alternados dos 
9 
membros inferiores, com uma morfologia geral semelhante à marcha. É visível a partir 
da 2ª semana de vida e normalmente desaparece ao 2º mês mas pode continuar a 
manifestar-se se, na condição normal de estimulação, for exercida pressão no queixo de 
baixo para cima. A sua eventual participação na marcha voluntária, enquanto estrutura 
coordenativa elementar, tem sido objecto de debate (c.f. Zelazo & Kolb (1972), Zelazo 
(1983), Thelen, 1983). 
 
Reflexo de páraquedas: aparece entre os 6 e os 9 meses e consiste numa extensão 
protectora dos braços quando o bebé, em suspensão ventral, é baixado rapidamente. 
 
Reflexo de orientação da boca ("rooting reflex"): a estimulação táctil peri-bucal 
produz uma orientação da boca para o lado do estímulo com elevação do lábio superior. 
Parece importante na alimentação por amamentação tal como o reflexo de sucção, 
desencadeado pelo contacto da boca com objectos. 
 
Reflexo de Babinski: o estímulo é uma pancada firme no bordo interno do pé, de trás 
para a frente, e a resposta é uma flexão ou extensão do dedo grande do pé ou de todos 
os dedos. É um reflexo que persiste pela vida fora ainda que a àrea sensível do pé seja 
progressivamente reduzida. 
 
Reflexo de Babkin: quando as palmas das duas mãos são forttemente pressionadas 
surge uma resposta composta por flexão da cabeça, abertura da boca e fecho dos olhos. 
Pode ser observado no recém-nascido e normalmente desaparece por volta do 4º mês. 
 
Reflexo de fuga: ("withdrawal reflex"): quando a planta do pé é estimulada com um 
objecto agudo a perna correspondente flecte, afastando o pé do motivo de de dor. 
 
Reflexos dos olhos: a presença de luz forte provoca o fechar dos olhos e a pupila muda 
de dimensões em ajustamento à quantidade de luz ambiente. 
 
Reflexos de suporte: observáveis nas pernas e nos braços pelo contaco com uma 
superfícierígida, provocando uma extensão dos membros. O reflexo de suporte das 
pernas pode ser observado alguns meses antes do de suporte dos braços. Atribui-se-lhes 
importantes funções em formas evolutivas de locomoção. São reflexos pouco 
10 
consistentes e duradouros numa fase inicial e que com o tempo se tornam muito 
prolongados e, eventualmente, úteis. 
 
ESTEREÓTIPOS RÍTMICOS. 
 
Os estereotipos rítmicos podem ser encontrados na criança muito pequena, 
normalmente após o final do primeiro mês e, em casos excepcionais, em fases 
mais adiantadas da infância. A análise e interpretação destes movimentos foi 
essencialmente desenvolvida por Esther Thelen, tendo sugerido para a sua 
interpretação a noção de que se trata de movimentos exibindo formas 
interessantes de coordenação e a evidência de competências básicas essenciais 
à construção de formas de motricidade mais elaborada. Essencialmente são 
formas auto-organizadas de movimento associadas a etapas de maturação do 
sistema nervoso central. 
São padrões repetitivos, com razoável estabilidade e que antecedem o 
controlo volitivo e intencional do corpo e que parecem ter a finalidade neles 
mesmos, já que não têm qualquer sustentação práxica. Ocorrem em sequências 
de desenvolvimento razoavelmente previsíveis e desaparecem também 
seguindo um determinado padrão. Thelen (1979) encontrou 47 padrões de 
movimentos com estas características e agrupou-os por referenciação 
anatómica: (i) pés e pernas, (ii) cabeça e face, (iii) braços, mãos e dedos, (iv) 
tronco. A autora encontrou uma forte correlação entre a ocorrência de padrões 
de estereoptipos rítmicos particulares e outros indicadores de desenvolvimento. 
Contudo, trata-se de comportamentos não-específicos, uma vez que podem ser 
desencadeados padrões idênticos a partir de estímulos muito diversos. 
A mesma autora analisou mais de 14.000 ocorrências destes comportamentos 
em 20 crianças e durante o primeiro ano de vida. os contextos de estimulação 
em que estes movimentos ocorrem, Thelen (1981) concluiu que são 
movimentos que ocorrem em variados contextos, incluindo em estado de não 
alerta, em situação de alimentação, de interacção com adulto ou mesmo perante 
a apresentação de objectos. Os padrões que ocorrem mais cedo no 
desenvolvimento são os de pés e pernas, com frequências máximas entre as 24 
e as 32 semanas, desencadeados sobretudo em posições em que existe maior 
liberdade anatómica. Nos braços, por exemplo, o pico de frequência ocorre 
11 
cerca de 10 semanas mais tarde. Podem ser movimentos simétricos, 
assimétricos ou mesmo de um único membro. Outros estereótipos, como os do 
tronco, ocorrem também na posição de apoio em quadrupedia, sentado e de pé, 
registando picos de ocorrência ainda mais tarde que os dos membros 
superiores. Os estereótipos da cabeça e face são os menos frequentes, com 
formas muito pouco variáveis, aliás limitadas pelas possibilidades anatómicas e 
funcionais da cabeça. Ocasionalmente foram registados esterotipos de boca e 
língua, praticamente sem expressão. Os padrões envolvendo tronco e pernas 
estão mais presentes em situação de não-alerta. Há uma relação entre a 
frequência destes comportamentos e a idade. O declínio da frequência de 
estereótipos rítmicos está relacionado com o domínio progressivo de 
comportamentos voluntários. 
 Curiosamente existe também relação entre a frequência do balbuciar 
infantil (canonical babbling) e a frequência de estereótipos rítmicos. Ejiri 
(1998), num estudo com crianças entre os 5 e os 9 meses, mostrou que a 
emergência das vocalizações coincide com o momento de maior actividade dos 
estereótipos rítmicos. Esta relação seria fundamentada no efeito que o feedback 
auditivo tem na própria actividade motora. 
 Há ainda um último aspecto interessante no que diz respeito à 
explicação destes comportamentos. Diz Thelen (1981a) que é possível que 
estes comportamentos, que também ocorrem em forma análoga noutros 
primatas, sejam (i) os fundamentos neuromotores para futuras acções 
coordenadas, que (ii) podem servir função de comunicação essencial, e (iii) que 
podem constituir coordenações neuromusculares ancestrais – filogenéticas – 
como consequência da lentidão maturacional que caracteriza a evolução da 
nossa espécie. O atraso na aquisição de movimentos voluntários dos bebés 
humanos pode ser a razão da evidência dos estereótipos rítmicos. 
12