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Lélio Braga Calhau R E S U M O D E C R I M I N O L O G I A 4a Edição, revista, ampliada e atualizada I B H Niterói, RJ O lançamento de obras de elevada qualidade no mercado editorial brasileiro nos últimos dois anos e incremento da inclusão da matéria de Criminologia em concursos públicos em todo o país, em especial, para os cargos de delegado de polícia e promotor de justiça, refletem a importância que a matéria tem cada vez mais para os profissionais que atuam na área criminal. A sociedade cobra uma ação mais eficiente de seus agentes públicos, os quais devem pautar suas ações pelas determinações do ordenamento constitucional e legal. A Constituição Federal não autoriza “guerras contra o crime” e nem a figura de paladinos, mas uma ação integrada, com respeito aos direitos fundamentais dos acusados, e com a utilização eficiente dos recursos disponibilizados para controle da criminalidade. Esta quarta edição recebe uma grande atualização, com o intuito de facilitar o estudo de seus leitores. Inserimos os pontos mais importantes e os exigidos nos cursos de graduação e especializações em ciências criminais. O conteúdo desta edição aborda o que o estudante ou profissional precisará, qualquer que seja o seu objetivo específico. E por último, introduzimos de forma objetiva e clara temas avançados da moderna Criminologia, com o intuito de permitir um aprofundamento teórico para aqueles que assim o desejarem. Belo Horizonte (MG), janeiro de 2009. Lélio Braga Calhau A violência e a criminalidade continuam a ser temas de extrema atenção dos brasileiros. De um lado autoridades afirmam que os crimes estão “sob controle”. Do outro, o brasileiro cada vez mais acuado, encastelado e receoso em sua residência. As condições das cadeias públicas do Brasil são, em muitos casos, vexatórias. Não há vagas para todos os condenados nas penitenciárias. Gráficos são apontados pelos governantes, mas, de fato, a situação não mudará em curto prazo. Décadas de omissão não serão superadas de uma hora para a outra. Não há soluções mágicas para reduzir a violência. Há trabalho. Muito trabalho aliado à técnica (fornecida pela Criminologia) pode gerar resultados efetivos e duradouros. O crime não é um problema somente da polícia, é de toda a sociedade civil. A terceira edição mantém o espírito do trabalho idealizado pelo Professor William Douglas, nosso mestre. Ser simples, atual e objetivo. Rio de Janeiro, maio de 2008. Lélio Braga Calhau Não foi surpresa para este autor o sucesso da primeira edição deste livro. Cartas, e-mails, telefonemas de professores, policiais, promotores, juizes, advogados, estudantes e candidatos de concursos públicos, bem como mensagens pelo Orkut deram rapidamente ao professor a sensação de que o objetivo da obra foi alcançado. Procurei neste p ro je to esclarecer e sim plificar o entendimento da Criminologia. Além de fazer um paralelo sobre os principais temas apresentados pelos autores brasileiros, adicionei minha experiência de 10 anos de magistério dedicado às ciências criminais. O fato que me surpreendeu foi a rápida aceitação por alunos e professores de outros cursos como Sociologia, Psicologia, Serviço Social, Jornalismo etc. Procurei trazer os assuntos mais importantes numa linguagem de fácil acesso a todos. A violência e a criminalidade têm sido temas de maior interesse dos brasileiros por motivos óbvios. Precisamos compreender melhor este fenômeno para podermos atacá-lo, não somente nas conseqüências, mas em suas causas. O “caso João Hélio” abalou a todos os brasileiros. Algo deve ser feito. Com respeito aos direitos fundamentais dos acusados, sim, mas algo que possa ser efetivo, legalista, justo e com custos sociais aceitáveis para o nosso país e em defesa da sociedade civil. A Criminologia possui alternativas para o Brasil. Rio de Janeiro, agosto de 2007. Lélio Braga Calhau O estudo da Criminologia tornou-se cada vez mais necessário para o profissional que atua na esfera criminal. Cada vez mais juizes, promotores, delegados e advogados criminais têm buscado o estudo e o desenvolvimento da Criminologia em seu âmbito de trabalho. Figueiredo Dias registra que, sem deixar de ser na essência uma ciência empírica e interdisciplinar, com anseio de integração, o seu objeto não é tanto constituído pelo fenômeno social enquanto tal, mas reconverte-se em larga medida ao fenômeno jurídico- criminal; deixando, por outro lado, de se limitar estreitamente à investigação das causas do fato criminoso e da pessoa do delinqüente, para passar a abranger a totalidade do sistema de aplicação da justiça penal, nomeadamente as instâncias formais (a polícia, o Ministério Público, o juiz, a administração penitenciária, os órgãos de reinserção social e, em definitivo e antes de todas, a própria lei penal) e informais (a família, a escola, as associações privadas de ajuda social) de controle de delinqüência; para passar a abranger numa palavra, o inteiro “processo de produção ” da delinqüência. O criminólogo na atualidade é um profissional que busca intervir no fenômeno criminal. Mais do que estudar e participar da repressão do crime, o criminólogo procura métodos que possam prevenir a ocorrência do delito, sendo sua atuação de suma importância no sistema criminal de nosso país. A presente obra trata dos conceitos básicos da Criminologia moderna e foi escrita numa linguagem clara e de forma objetiva. Com ela você irá tomar contato de forma bastante acessível com a Criminologia. Rio de Janeiro, julho de 2006. Lélio Braga Calhau direitopenal@uol.com.br A obra Resumo de Criminologia, de Lélio Braga Calhau, veio ocupar um espaço próprio, e importante, para aqueles que se interessam pelo estudo da Criminologia e das ciências criminais em geral. Como seu título diz, trata-se de um resumo. Como tal, interessa àqueles que querem ter um primeiro contato sistemático e abrangente com a ciência criminológica, conhecer sua especificidade diante do direito criminal e demais ciências criminais, conhecer seu objeto de estudo (delito, delinqüente, vítima e controle social), ter uma visão de sua história e de suas principais correntes teóricas (teorias do consenso e teorias do conflito) e respectivos autores. E o autor o faz com clareza, didática e conhecimento da matéria. Dialoga com seu leitor de maneira informal, como se estivesse falando com ele numa sala de aula. A obra mostra-se adequada, portanto, para quem quer ter uma leitura relativamente rápida, sucinta, porém ao mesmo tempo clara, embasada e confiável sobre a Criminologia. Uma obra que, apesar de introdutória e resumida, não deixa de abordar com propriedade as grandes questões polêmicas da Criminologia, sejam elas referentes à história e à evolução do pensamento, sejam elas referentes aos temas enfrentados pelas ciências criminais na atualidade. Nesse passo, não se furta à discussão feita no âmbito dos embates teóricos sobre como entender e enfrentar na atualidade o problema da criminalidade. O autor não deixa também, ainda que vez ou outra, de imprimir na obra seu cunho de experiência como promotor de justiça no Estado de Minas Gerais. Gostaria de expressar aqui o meu sentimento de que o autor, promotor de justiça que é, deixa um recado importante (embora não explícito): o de que os estudiosos do crime e os operadores do direito devem se preocupar em entender as verdadeiras dimensões do fenômeno crime, seus verdadeiros significados e os desdobramentos possíveis das decisões que o sistema punitivo toma (ou deixa de tomar) em relação àqueles que ele seleciona para punir (ou que preventiva ou privilegiadamente descarta de sua malha de punições). Oxalá o operador de direito seja sempre muito consciente, muito lúcido sobre aquilo que estáfazendo e decidindo. E, para o desenvolvimento desta consciência e lucidez, a obra de Lélio Braga Calhau vem trazer sua importante contribuição. Alvino Augusto de Sá Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da USP O mundo jurídico sente a ausência de trabalhos que além de atender às necessidades acadêmicas, sejam úteis também para a prática criminal do operador do Direito. Lélio Braga Calhau é promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, professor, pós-graduado em Direito Penal, mestre em Direito, com grande destaque por sua experiência profissional e acadêmica na área jurídica. Cultor do Direito Penal, percebe-se sua desenvoltura e o frutificar de sua vocação no que diz respeito à paixão pelas ciências criminais como objeto do Direito. Vale ressaltar que o autor é fundador e editor da Revista de Direito Penal & ciências afins do site www.direitopenal.adv.br. O estudo da Criminologia está se tornando cada vez mais necessário para o profissional da área criminal e indiretamente para a sociedade, fato refletido recentemente na inclusão dessa disciplina nos concursos públicos. Cada vez mais os estudiosos do direito têm buscado o estudo e o desenvolvimento da Criminologia nas suas áreas de trabalho. O objeto da Criminologia é buscar as causas e os motivos para o fato delituoso. Normalmente interessa ao criminólogo fazer um diagnóstico do crime e uma tipologia do criminoso, assim como uma classificação do delito cometido. Essas causas e motivos abrangem desde a avaliação do entorno prévio ao crime, os antecedentes vivenciais e emocionais do delinqüente, até a motivação pragmática para o crime. Entre as qualidades da obra, permito-me citar de pronto a primeira: a objetividade nas explicações, didática e clareza nos exemplos. A obra é propícia, portanto, para quem deseja ter uma leitura rápida, sucinta, porém ao mesmo tempo clara e segura. De acordo com o seu título, trata-se de um resumo de criminologia, interessando àqueles que desejam ter um primeiro contato com os fundamentos teóricos da criminologia, seu conceito, método, objeto e funções ou àqueles que desejam revigorar tal conhecimento na memória, não deixando que se percam. O tema é atual e foi abordado de forma técnica e clara, trazendo ao leitor o complemento jurídico relevante. William Douglas Juiz Federal, Professor e Membro do Conselho Editorial C apítulo 2 - O que é a C riminologia? ...........................................7 2.1. O conceito de Criminologia............................................................... 7 2.2. Interdisciplinaridade e multidisciplinaridade da Criminologia... 10 2.3. As principais características da m oderna Criminologia............. 14 2.4. Funções da Criminologia................................................................... 15 Capítulo 3 - H istória d o P ensamento C riminológico........ 17 C apítulo 4 - A ciência total d o D ireito P enal....................... 25 C apítulo 5 - O método crim inológico : em pirism o .................29 C apítulo 6 - O objeto da moderna C rim inologia .................. 33 6.1. O d e lito .................................................................................................34 6.2. O delinqüente......................................................................................39 6.3. A vítima crim inal............................................................................... 40 6.4. O controle social................................................................................. 52 6.4.1. Quanto ao modo de exercício do controle social.............55 6.4.2. Com relação aos destinatários.............................................. 55 6.4.3. Com relação aos agentes fiscalizadores............................. 55 6.4.4. Quanto ao âmbito de a tuação .............................................. 55 C apítulo 7 - A moderna C riminologia c ie n t íf ic a .................57 7.1. Biologia criminal..................................................................................... 57 7.2. Psicologia crim inal..................................................................................59 7.3. Sociologia crim inal.................................................................................61 Capítulo 1 - Por que estudar a C riminologia? .......................... 1 C a pít u lo 8 - T eorias m a c r o sso c io l ó g ic a s da CRIMINALIDADE..............................................................63 8.1. Escola de Chicago....................................................................65 8.2. Teoria da associação diferencial............................................... 69 8.3. Teoria da anomia......................................................................72 8.4. Teoria da subcultura delinqüente............................................ 78 8.5. Teoria do labellingaproach, interacionismo simbólico, etiquetamento, rotulação ou reação social.................................80 8.6. Teoria crítica, radical ou “nova criminologia”............................85 C apítulo 9 - P revenção da infração penal n o E stado D emocrático de D ireito ..........................................................................89 9.1. Prevenção primária.................................................................. 91 9.2. Prevenção secundária...............................................................92 9.3. Prevenção terciária................................................................... 93 9.4. Modelos de reação ao crime.....................................................93 C apítulo 10 - T ópicos especiais de C rim inologia ....................95 10.1. Fenômeno bullying................................................................... 95 10.2. Assédio moral e stalking.........................................................100 10.3. Justiça restaurativa................................................................. 104 10.4. Pena de morte........................................................................ 106 10.5. Depoimento sem dano...........................................................110 C apítulo 11 - C onsiderações finais............................................. 113 A pê n d ic e .......................................................................................................115 Exercícios de fixação/ Q uestões de con curso ............................ 115 O bras recomendadas para aprofundamento ................................. 119 Referências Bibliográficas....................................................................121 f^or cfrue eótuaSw K ^rlinLitofocjia ? O Direito Penal é uma disciplina normativa capaz de criar um sistema abstrato de normas que possibilitam a análise e pos terior aplicação da lei ao caso concreto. Do ponto de vista social (dinâmico), o Direito Penal é um dos intrumentos de controle social formal por meio do qual o Estado, mediante determinado sistema normativo (as leis penais), castiga com sanções de particular gravidade (penas ou medidas de segurança e outras conseqüências afins) as condutas desviadas ofensivas a bens jurídicos e nocivas para a convivência humana (fatos puníveis = delitos e contravenções).1 Sendo a finalidade do Direito Penal a proteção dos bens es senciais ao convívio em sociedade, deverá o legislador fazer a sua seleção. Embora esse critério de escolha de bens fundamentais não seja completamente seguro, já que nele há forte conotação subjetiva, natural da pessoa humana encarregada de levar a efeito tal seleção, podemos afirmar que a fonte de todos esses bens se encontra na Constituição.2 Essa seleção pelo Poder Legislativo não é perfeita. Há interesses sociais que deverão ser protegidos pelo Direito Penal e outros que poderão ser protegidos pelo Direito Administrativoe/ou Direito Civil. O legislador deve sobepesar, então, a necessidade ou não de se lançar mão de uma lei penal para tentar controlar a criminalidade. Para tanto, deverá lançar mão do Direito Penal apenas nos casos mais graves, e mesmo assim, quando a criminalidade não puder ser controlada por ins trumentos preventivos. 1 GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal - parte geral. 2. ed., São Paulo: RT, 2004, p. 14. 2 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penai - parte geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, v. 1. p. 5. Sendo o Direito Penal o instrumento de controle (social) mais drástico, mais violento (precisamente porque conta com os meios coativos mais intensos - penas e medidas de segurança ou seja, mais ameaçadores aos direitos fundamentais da pessoa), desde o Iluminismo a preocupação do penalista (leia-se: do pe- nalista minimalista e garantista, que se opõe ao “punitivista”) tem sido a de construir lim ites ao exercício desse poder.3 Então, como dar mais segurança ao legislador quanto à necessidade de elaborar ou não uma lei? Quando podemos comprovar a necessidade ou não da criação de uma proibição normativa penal? O Direito Penal traz em seu bojo essas proibições norma tivas, que são chamadas de infrações criminais, e isso ele faz com um sistema bem elaborado de princípios penais. Todavia, o Direito Penal não dá o diagnóstico do fenômeno criminal, assim como também não está em condições de sugerir programas, diretrizes ou estratégias para intervir nele. Todas es sas iniciativas são próprias da Criminologia. Ex.: “Projeto Fica Vivo”4 em Minas Gerais, o Proasp5 - Programa de Ações em 3 GOMES, Luiz Flávio, MOLINA, Antonio García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Direito Penal, volume 1. São Paulo: RT, 2007, p. 47. 4 Um projeto piloto de prevenção à violência urbana está contribuindo significativamente para reduzir o número de homicídios em áreas violentas de Belo Horizonte (MG). Criado pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o projeto Fica Vivo é coordenado pela Secretaria Estadual de Defesa Social de Minas Gerais. Além da comunidade acadêmica e do.governo de Minas, o Fica Vivo envolve o Ministério Público, as polícias Civil e Militar e outras entidades. Iniciado em agosto de 2002, o projeto é uma alternativa importante para a prevenção à violência urbana, avalia o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime para o Brasil e o Cone Sul. O Fica Vivo foi implantado primeiramente na favela Morro das Pedras, o aglomerado urbano mais violento de Belo Horizonte, com o objetivo de reduzir o número de homicídios na região. De acordo com a metodologia desenvolvida pelo CRISP, o projeto combina dois ingredientes básicos. De um lado, pesquisa aplicada, multidisciplinaridade e análise quantitativa de dados para efeitos de planejamento e avaliação. Leia mais sobre esse programa: http://www.unodc.org/brazil/es/best_practices_fica_vivo.html. 5 0 Programa de Ações em Segurança Pública atua em diversas frentes de trabalho: no desenvolvimento de Planos Municipais de Prevenção à Violência e Ordem Pública: em z Resumo de Criminologia Segurança Pública da ONG Viva Rio (RJ), "m étodo APAC' de execução penal etc. Não existem soluções mágicas no controle da criminalidade. A prevenção do delito é um dos principais objetivos da moderna Criminologia, que busca o controle razoável da criminalidade, não a utopia do seu completo desaparecimento. A Criminologia busca pesar a eficácia do controle do crime e os custos sociais para a sociedade civil. Ex.: discussão que envolve a implantação do programa de política criminal tolerância zer& na cidade de Nova York (USA). Custo Social Eficácia Social CRIMINOLOGIA Figura 1: Criminologia/custos/eficácia projetos de Capacitação de Policiais; e na reforma da polícia através do acompanhamento do trabalho dos GPAE (Grupamentos de Polícia de Áreas Especiais). O Viva Rio assessora as Prefeituras na criação, implementação e monitoramento de Planos de Prevenção da Violência que têm por objetivo a formulação de um modelo integrado de ordem pública municipal. Os planos têm duas orientações complementares: o controle de determinados delitos, desordens ou crimes, focalizando grupos e áreas de risco através da articulação das instituições de segurança (prevenção focalizada); e a prevenção dos fatores econômicos e sociais que dão origem ao delito. No Rio de Janeiro, o Viva Rio já desenvolveu planos para as cidades de Resende, Barra Mansa, Niterói e Piraí. Leia mais em: http://www.vivario.org.br/. 6 Para uma noção mais completa sobre o “tolerância zero" consulte o excelente artigo “teoria das janelas quebradas: e se a pedra vem de dentro?” de autoria de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e Edward Rocha de Carvalho. Disponível no meu site: htto://www.novacriminoloaia.com.br/artiaos/leiamais/default.asD?id=1440. Por que estudar a Criminologia? 3 Então, como você já pôde perceber, uma das principais preocupações da Criminologia é com a qualidade da resposta ao fenômeno criminal. Essa resposta pode ser tanto da sociedade civil (informal) ou quanto do Estado (formal). As duas são muito importantes e possuem funções que não podem ser substituídas completamente pela outra. A qualidade da resposta ao crime não depende apenas da punição do infrator, mas passa pelo atendimento da expectativa dos infratores e das vítimas (de suas famílias), bem como da comunidade onde ocorreu o delito. A qualidade da resp osta ao crim e não depende prioritariamente da coerência do sistema legislativo criminal. Esperar a resposta somente das leis penais é o que caracterizamos como leis penais simbólicas. Elas existem, causam repercussão quando são sancionadas, mas na prática seus efeitos são irrisórios (quando não prejudicam a harmonia do sistema). No Brasil, são raras as leis criminais que são precedidas de estudos criminológicos científicos. A prevenção do delito é um dos principais objetivos da moderna Criminologia O jurista que se perm ite envolver com importantes questões criminológicas — a visão do crime como problema, a seletividade e a falibilidade do aparato repressor formal, o enfoque vitimológico, o controle social, a relação do fenômeno da criminalidade com a identidade social e com os aspectos econômicos, dentre outras — retorna aos seus processos, aos seus códigos e às suas audiências com uma visão mais ampla. E capaz de avaliar o contexto em que está inserido e, sobretudo, os limites de suas possibilidades. Se for verdadeiramente bem-intencionado, voltará à sua lida com mais humildade. Se a reconstrução jurídica dos fatos (aquela que transforma a subtração do projeto pertencente a José por João na infração do artigo 155 do CP) requer alguma teorização, a visão criminológica 4 Resumo de Criminologia serve de lastro ao operador do Direito, que, dessa forma, não poderá afastar-se em demasia da realidade. A criminologia, por seu conteúdo instigante, mas também por seu método necessariamente interdisciplinar, guarda a vocação de ser fator de mudança até mesmo pessoal. Por seu conteúdo, traz sempre novas interrogações: verdadeiras molas propulsoras. Por seu método, rechaça a auto-suficiência e mostra o caminho da tolerância e da boa convivência. Experimente: a Criminologia pode mudar a sua vida.7 Nesse contexto, e segundo Luiz Flávio Gomes e Garcia-Plabos de Molina,8 as principais funções da moderna Criminologia são: • Explicar e prevenir o crime. \ • Intervir na pessoa do infrator. 1 ^ * Avaliar os diferentes modelos de resposta ao crime. J Vê-se que a prevenção do delito é um dos objetivos principais da Criminologia, mas estamos falando em uma prevenção que seja mais efetiva, com custos sociais adequados para a população e que, sempre que possível,se antecipe ao início do fenômeno criminal. Ensina Davi Tangerino que as ações intencionais de prevenção da criminalidade urbana encontram-se agrupadas em duas grandes categorias: as estatais e as patrocinadas pela sociedade civil. Quanto às estatais, merece atenção outra divisão possível das mencionadas ações: as políticas de segurança pública e as políticas públicas de segurança. As primeiras correspondem àquelas ações vinculadas ao poder punitivo estatal ou ainda ao controle social formal: polícia, leis penais, política penitenciária, etc. As últimas correspondem àquelas ações que, embora públicas, não estão ligadas ao sistema da justiça 7 OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de Oliveira. Como a Criminologia pode mudar a sua vida. São Paulo, Boletim do IBCCRIM, 132, novembro de 2003. 8 MOLINA, Antonio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia - Introdução a seus fundamentos teóricos. 2. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 39. Por que estudar a Criminologia? s criminal: educação, habitação, transporte público, intervenção urbanística, etc.9 A Criminologia, com a utilização de seu método científico, é justamente a ciência apropriada para diagnosticar e buscar uma aproximação realista dos índices de criminalidade de um bairro, cidade ou até de um país, oferecendo ao Poder Público informação válida e confiável para abalizar a opção de Política Criminal adequada para cada situação. 9 TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Alternativas ao sistema punitivo: possibilidade de prevenção da criminalidade urbana violenta por meio do controle social informal. Revista de Estudos Criminais do ITEC/PUC-RS, n2 27, Porto Alegre, outubro-dezembro de 2007, p. 108. Resumo de Criminologia 2.1. O conceito de Criminologia O crime foi sempre um motivo de atenção do meio social. As sociedades sempre buscaram meios de atribuir marcas identificatórias aos criminosos, usando, conforme os regimes e épocas, diversas mutilações, desde a extração dos dentes até a amputação sistemática de órgãos: nariz, orelha, mãos, língua etc. No Antigo Regime, na França, a marca feita com ferro em brasa constituía o traço infamante d crime, como é ilustrado em Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas, pelo personagem da Senhora de Winter. Entre os puritanos da Nova Inglaterra, o “A” de adultério era costurado na roupa das mulheres, como é testemunhado pelo célebre romance de Nathaniel Hawthorne (1804-1864), A letra escarlate,10 Segundo o Dicionário Aurélio, a palavra conceito tem origem no latim {conceptus). Entre outros significados, a pala vra conceito significa a ação de formular uma idéia por meio de palavras; definição e caracterização.11 Nesse sentido, conceituar criminologia não é uma tarefa fácil. Etimologicamente, Criminologia deriva do latim crimen (crime, delito) e do grego logo (tratado). Foi o antropólogo francês, Paul Topinard (1830-1911), o primeiro a utilizar este termo no ano de 1879. Todavia, o termo só passou a ser aceito internacio nalmente com a publicação da obra Criminologia, já no ano de 1885, de Raffaele Garofalo (1851-1934). 10 ROUDINESCO, Elizabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 137. 11 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004. p. 514. Para Antonio García-Pablos de Molina, a Criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar que tem por objeto o crime, o delinqüente, a vítima e o controle social do comportamento deli- tivo; e que aporta uma informação válida, contrastada e confiável, sobre a gênese, dinâmica e variáveis do crime - contemplado este como fenômeno individual e como problema social, comunitário assim como sua prevenção eficaz, as formas e estratégias de reação ao mesmo e as técnicas de intervenção positiva no infrator.12 O domínio do saber criminológico possibilita um co nhecimento efetivo mais próximo da realidade que o cerca, concedendo acesso a dados e estudos que demonstram o fun cionamento correto ou não da aplicação da lei penal. Com a utilização correta da Criminologia, por exemplo, o promotor de justiça criminal passa a gozar de uma amadurecida relação entre a teoria e a prática. Esse saber criminológico (científico) contrapõe-se ao saber popular, ainda muito arraigado na mente de agentes que atuam no controle do crime, em especial, um grande número de agentes policiais. O estudo científico do delito também inclui a sua medida e extensão, isto é, quantos delitos são cometidos em certo período de tempo em dada unidade espacial, podendo ser um país, uma região ou bairro. Naturalmente, a medida pode se referir tam bém a tipos concretos de delitos. Também se ocupa de estudar as tendências dos delitos ao longo do tempo, por exemplo, se aumenta ou diminui; da comparação entre diferentes países, comunidades ou outras entidades; ou de estudar se o delito se concentra em certos lugares, momentos ou grupo de pessoas.13 Nesse sentido, toda cautela deve ser adotada quando os agentes públicos analisam a variação da criminalidade em uma cidade em um período muito curto, forçando inferências de queda de crimi nalidade, que não se sustentam sem uma análise mais prudente por parte da Criminologia. 12 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Tratado de Criminologia. 2. ed. Valencia. Tirant Io Blanch, 1999. p. 43 13 MAÍLLO, Alfonso Serrano, introdução à Criminologia. Tradução de Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2007, p. 23. 8 Resumo de Criminologia O saber comum ou popular está ligado estreitamente a experiências práticas, generalizadas a partir de algum caso; nesse sentido, poder-se-ia atribuir-lhe uma metodologia empírico- indutiva, que, como logo veremos, predomina nas ciências sociais. Não obstante, o saber comum se produz pela convivência social, na qual se instalam tabus, superstições, mitos e preconceitos, isto é, verdades estabelecidas que condicionam fortemente a vida social pela pura convicção cultural do grupo.14 E nesse sentido que Winfried Hassemer e Francisco Munoz Conde ensinam que para evitar a cegueira diante da realidade que muitas vezes tem a regulação jurídica, o saber normativo, ou seja, o jurídico, deve ir sempre acompanhado, apoiado e ilustrado pelo saber empírico, isto é, pelo conhecimento da realidade que brindam a Sociologia, a Economia, a Psicologia, a Antropologia, ou qualquer outra ciência de caráter não-jurídico que se ocupe de estudar a realidade do comportamento humano na sociedade.15 Nesse contexto, não devemos nos esquecer do papel cada vez mais destinado à vítima16 criminal, assunto muito estudado pela Vitimologia e pela Criminologia, mas ainda abordado de forma tímida e precária na seara jurídico-penal.17 Para a maior parte da doutrina, a Criminologia é ciência autônoma e não apenas uma disciplina. 14 ELBERT, Carlos Alberto. Manual básico de Criminologia. Tradução de Ney Fayet Jr. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2003. p. 19. 15 HASSEMER, Winfried; CONDE, Francisco Munoz. Introducción a Ia Criminologia. Madri: Tirant, 2001. p. 22-23. 16 Para uma compreensão melhor do tema, sugerimos a leitura de nossa obra: CALHAU, Lélio Braga. Vítima e Direito Penal. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. '7 A reforma do Código de Processo Penal brasileiro de 2008 inseriu um capítulo específico sobre a vítima criminal, traçando uma série de direitos que a mesma passa a possuir, como, por exemplo: o ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. O que é a Criminologia? 9 2.2. Interdisciplinaridade e multidisciplinaridade da Criminologia Figura 2: A Criminologia como “instância superior” em um modelo não-piramidal (não há preferência por nenhum saber criminológicoparcial). A Criminologia é uma ciência plural.1* Buscando o conhe cimento científico, a Criminologia recebe a influência e a contri buição de diversas outras ciências (Psicologia, Sociologia, Biologia, Medicina Legal, Criminalística, Direito, Política etc.) com seus métodos respectivos. Aceita-se também, com muita generalidade, que o método mais comum a ser aplicado em Criminologia é o interdisciplinar. Em princípio, essa denominação não parece oferecer problemas interpretativos: tratar-se-ia do fato de que várias disciplinas con- fluiriam a investigar um ponto, aportando cada uma seus próprios métodos. A noção de interdisciplinaridade está amplamente difundida, não só em Criminologia, como também em temas de família, educação, menores etc.19 Todavia, deve ficar claro que a Criminologia procura utilizar a visão interdisciplinar e não a multidisciplinar na análise do fenômeno criminal. 18 Há entendimento diverso minoritário que a Criminologia não teria autonomia cientifica, e que seria apenas uma disciplina. Nesse sentido: Carlos Albert Elbert. 19 ELBERT, op. cit, p. 36. 10 Resumo de Criminologia A Criminologia busca mais que a multidisciplinaridade. Esta ocorre quando os saberes parciais trabalham lado a lado em distintas visões sobre um determinado problema. Já a inter- disciplinaridade existe quando os saberes parciais se integram e cooperam entre si. Lembre-se1A visão interdisciplinar é mais profunda que a abordagem multidisciplinar. O princípio interdisciplinar está significativamente as sociado ao processo histórico de consolidação da Criminologia como ciência autônoma.20 A interdisciplinaridade surge como uma necessidade prática de articulação dos conhecimentos, mas constitui um dos efeitos ideológicos mais importantes sobre o atual desen volvimento das ciências, justamente por apresentar-se como o fundamento de uma articulação teórica. Fundada num princípio positivista do conhecimento, as práticas interdisciplinares desconhecem a existência dos objetos teóricos das ciências; a produção conceituai dissolve-se na formalização das interações e relações entre objetos empíricos. Dessa forma, os fenômenos não são captados a partir do objeto teórico de uma disciplina científica, mas surgem da integração das partes constitutivas de um todo visível.21 Não é suficiente diferentes profissionais estarem lado a lado, num mesmo ambiente científico, respeitando-se mutuamente em suas especificidades, em suas diferenças, mas cada um preso hermeticamente à sua cultura profissional, sem oportunizarem 20 MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 46, *' LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. Tradução de Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2000. p. 36. O que é a Criminologia? diálogo entre elas, para trocas e complementações que possam resultar em ampliação de suas perspectivas diante da realidade e em ações mais efetivas e abrangentes diante da sociedade, em otimização da qualidade social e política de seu desempenho.22 Ou seja, não basta aos juizes de direito, promotores de justiça, policiais, psicólogos e assistentes sociais trabalharem no mesmo prédio no estudo do fenômeno criminal. E preciso manter um diálogo aberto (um verdadeiro diálogo) com os outros profis sionais, procurando interagir com as outras áreas materialmente, não somente no sentido formal, da boca para fora, sem estar internamente comprometido com isso. Esse é um dos principais obstáculos para o avanço do con trole da criminalidade, porquanto muitos dos profissionais que lidam com o controle do crime mantêm-se resistentes a aceitar essa interdisciplinaridade, trazendo de suas instituições barreiras pessoais e corporativas para a melhoria da integração dos saberes e do Sistema da Justiça Criminal em nosso país. Leciona Saio de Carvalho que a condição mínima para que se possam realizar investigações interdisciplinares é dotar os sujeitos interlocutores de condições similares de fala, ou seja, abdicar da idéia de estar um saber a serviço de outro. Significa, sobretudo, respeito às diferenças inerentes aos saberes.23 Essa advertência é importante para muitos de nós, profissionais do Direito, que temos o péssimo costume de iniciarmos nossas afirmações com a expressão “o certo é etc. e tal”, ato que fecha as possibilidades da realização de um diálogo franco e sincero com as outras áreas do conhecimento. Adverte, ainda, Saio que o modelo oficial para as ciências criminais vislumbra os demais saberes como servis, permitindo apenas que forneçam subsídios para a disciplina mestra do Di reito Penal. A arrogância do Direito Penal, aliada à subserviência 22 MUNHOZ, Divanir Eulália Naréssi. Da multi à interdisciplinaridade: a sabedoria do percurso. Revista de Estudos Criminais, n. 18, abril/junho de 2005, Porto Alegre, Notadez, p. 67. 23 CARVALHO, Saio de. Antimanuai de Criminologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 21-22. 12 Resumo de Criminologia das áreas de conhecimento que são submetidas e se submetem a este modelo, obtém como resultado o reforço do dogmatismo, o isolamento científico e o natural distanciamento dos reais pro blemas da vida.24 Interdisciplinaridade não é um simples monólogo de espe cialistas, implica graus sucessivos de cooperação e coordenação crescentes, interações: reciprocidade de intercâmbios. O tra balho interdisciplinar leva ao enriquecimento de cada disciplina/ profissão/área de saber - pela incorporação de resultados de uma especialidade por outras, da partilha de métodos e técnicas à ampliação da consciência crítica. Contribui significativamente para o fim do imperialismo disciplinar, da departamentalização da ciência, dos distritos do saber.25 Como instância superior, não cabe à Criminologia se identi ficar com nenhum dos saberes parciais criminológicos (biológicos, psicológicos, sociológicos, estatísticos etc.), porquanto todos têm a mesma importância científica. Adota-se um modelo “não piramidal” (onde quem ocupa a parte superior é mais importante que aquele que está na parte inferior). Lembrete: O criminólogo deve manter constante vigilância e humildade para compreender que existem outras variantes, teses, fatores que possam se aproximar mais da realidade. A função de “instância superior”, no estudo do fenômeno criminal, busca a integração dos saberes parciais, procurando sempre (que ocorrerem) a correção de pequenas inconsistências entre os dados criminais. Essa postura do criminólogo diante do papel de instância superior da Criminologia é uma exigência estrutural do saber 24 CARVALHO, Saio de, op, cit, p. 22 25 Idem. O que é a Criminologia? 13 científico, decorrente da natureza totalizadora desse e não admite monopólios dos setores que compõem o seu tronco principal.26 2.3. As principais características da moderna Criminologia As principais características da moderna Criminologia, segundo Molina e Gomes são-.27 ^ Parte da caracterização do crime como “problema ” - face humana e dolorosa do crime; S Amplia o âmbito tradicional da Criminologia (adiciona a vítima e o controle social ao seu objeto); S Acentua a orientação “prevencionista” do saber criminológico, diante da obsessão repressiva explícita de outros modelos con vencionais; S Substitui o conceito “tratamento” (conotação clínica e individualista) por “intervenção” (noção mais dinâmica, complexa e pluridimensional, mais próxima da realidade criminal); ■S Destaca a análise e avaliação dos modelos de reação ao delito como um dos objetos da Criminologia; •S Não renuncia, porém, a uma análise etiológica do delito (desviação primária) no marco do ordenamento jurídico como referência última. 26 Leciona Rogério Greco que a pesquisa do criminólogo, esquecendo momen taneamenteo ato criminoso praticado, mergulha no seio da família, no seu meio social, nas oportunidades sociais que lhe foram concedidas, no seu caráter; enfim, mais do que saber se a conduta praticada pelo agente era típica, ilícita e culpável, busca-se investigar todo o seu passado, que forma um elo indissociável com o seu comportamento tido como criminoso. Retrocede-se, enfim, em busca de possíveis causas do crime. Percebe-se, portanto, que o conceito criminológico de compor tamento delitivo é mais amplo do que aquele adotado pelo Direito Penal. GRECO, Rogério. Direito Penai do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. Rio de Janeiro: Impetus, 2005, p. 38. 27 MOLINA, Antonio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia - Introdução a seus fundamentos teóricos. 2. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 40. 14 Resumo de Criminologia Além das situações acima apontadas por Molina e Gomes, podemos também incluir a substituição da expressão combate ao crime por controle da criminalidade. A expressão combate ao crime dá idéia de exclusão - eu contra você, nós contra eles - e traz no seu bojo a idéia de que nós somos o bem e os outros o mal. O controle da criminalidade é uma expressão neutra, sem preconceitos e mais bem adequada ao pensamento criminológico moderno. 2.4. Funções da Criminologia A função prioritária da Criminologia, como ciência interdisciplinar e empírica, é aportar um núcleo de conhecimentos mais seguros e contrastados com o crime, a pessoa do delinqüente, a vítima e o controle social.28 A investigação criminológica, enquanto atividade científica, reduz ao máximo a intuição e o subjetivismo, ao submeter o fenô meno criminal a uma análise rigorosa, com técnicas adequadas e empíricas. Sua metodologia interdisciplinar permite coordenar os conhecimentos obtidos setorialmente nos distintos campos de saber pelos respectivos especialistas, eliminando contradições e completando as inevitáveis lacunas. Oferece, pois, um diagnóstico qualificado e de conjunto do fato criminal mais confiável.29 28 MOLINA, Antonio García-Pablos de. Tratado de Criminologia. 2. ed. Valencia: Tirant Io Blanch, 1999, p. 212. 29 Op. cit. O que é a Criminologia? ^JJlâtonaG ^^enóam ento ( ^ r im in - o ío Q l c o ° 9 { O presente trabalho não nos permite a explanação integral da História da Criminologia. Isso demandaria uma quantidade maior de espaço e tempo de sua parte. Todavia, algumas idéias devem ser pinceladas aqui para que você não ingresse no estudo do objeto da moderna Criminologia sem saber o que ocorreu na ciência nos últimos 200 anos. Uma das classificações históricas da Criminologia divide o seu desenvolvimento em duas fases: período pré-científico e período científico. O período pré-científico abrange desde a Antiguidade, onde encontramos alguns textos esparsos de alguns autores que já demonstravam preocupação com o crime, terminando com o surgimento do trabalho de Beccaria ou de Lombroso. Por que colo quei um ou outro? Porque você verá que existe uma divergência na doutrina sobre o nascimento da Criminologia como ciência. A maioria da doutrina aponta o surgimento da fase científica com o trabalho de Cesare Lombroso, mas há autores que creditam o nascimento da Criminologia a Cesare Beccaria também. Para você, o importante nesse momento é saber que há essa divergência sobre o nascimento da Criminologia, mas que tanto Beccaria como Lombroso trouxeram grandes contribuições ao estudo do fenômeno criminal. A nosso ver, a Criminologia passou a existir com o surgimento da Escola Clássica. Anteriormente já foram publicados alguns textos em que se questionava o problema da criminalidade, mas sem a atenção científica e sistemática que a matéria demanda. 17 Durante a Idade Média, destaca-se a influência e o poder político da Igreja, questão que determina todo o pensamento em torno da delinqüência por meio da filosofia escolástica e da teologia, que modelaram diretamente o campo do Direito Penal (então podia falar-se de confusão ou identificação entre o pecado e o delito, e de pecador e delinqüente).30 Pela sua índole e pelo seu impacto histórico, sobres sai naturalmente a obra de Beccaria, Dei D elitti e Delle Pene (1764), que já foi crismada (por Radzinowicz) como o manifesto da abordagem liberal ao direito criminal. Em síntese, Beccaria procurou fundamentar a legitimidade do direito de punir, bem como definir critérios da sua utilidade, a partir do postulado do contrato social. Serão ilegítimas todas as penas que não relevem da salvaguarda do contrato social (se., da tutela de interesses de terceiros), e inúteis todas as que não sejam adequadas a obviar as suas violações futuras, em particular as que se revelem ineficazes do ponto de vista da prevenção geral. É desta tese central que decorrem as reivindicações de direito substantivo e processual que Beccaria se fez eco e que, no seu conjunto, persistem ainda como arquétipo do moderno ordenamento jurídico-penal.31 O positivismo criminológico surge no fim do século XIX com a Scuola Positiva que foi encabeçada por Lombroso,32 Ga- rofalo e Ferri. Surge como crítica e alternativa à denominada Criminologia clássica, dando lugar a uma polêmica doutrinária conhecidíssima, que é, em última análise, uma polêmica sobre métodos e paradigmas do científico (o método abstrato e dedutivo dos clássicos, baseado no silogismo, diante do método empírico- indutivo dos positivistas, baseado na observação dos fatos, dos dados). A Scuola Positiva italiana, no entanto, apresenta duas 30 PAZ, Miguel Angel Nuriez; PEREZ, Francisco Alonso. Nociones de Criminologia. Madrid: Colex, 2002. p. 47. 31 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia - O homem delinqüente e a sociedade criminógena, 2a reimpressão. Coimbra: Coimbra, 1997. p. 9. 32 Sobre a vida de Cesare Lombroso, ver nosso artigo: CALHAU, Lélio Braga. Cesare Lombroso: Criminologia e a Escola Positiva de Direito Penal. Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, Porto Alegre; janeiro de 2004, p. 156-159. 18 Resumo de Criminologia direções opostas: a antropológica de Lombroso e a sociológica de Ferri, que acentuam a relevância etiológica do fator individual e do fator social em suas respectivas explicações do delito.33 O ponto de partida da teoria de Lombroso proveio de pesquisas craniométricas de criminosos, abrangendo fatores anatômicos, fisiológicos e mentais.34 A base da teoria, primeira mente, foi o atavismo: o retrocesso atávico ao homem primitivo. Depois, a parada do desenvolvimento psíquico: comportamento do delinqüente semelhante ao da criança. Por fim, a agressividade explosiva do epilético. Lombroso mudava o fundamento de sua teoria segundo as investigações que realizava. De Enrico Ferri (Itália, 1856-1926) ficou a luta progressista, sobalegenda: “Menos justiça penal, mais justiça social”. Sua obra recebeu a impregnação coletivista e assistencialista do século XIX.35 A contribuição principal de Lombroso para a Crimi nologia não reside tan to em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do “delinqüente nato”) ou em sua teoria criminológica, senão no método que utilizou em suas investi gações: o m étodo empírico. Sua teoria do delinqüente nato foi formulada com base em resultados de mais de 400 autópsias de delinqüentes e seis mil análises de delinqüentes vivos; e o atavismo que, conforme o seu ponto de vista caracteriza o tipo criminoso - ao que parece contou com o estudo minucioso de 25 mil reclusos de prisões européias.36 A idéia de atavismo aparece estreitamente unida à figura do delinqüente nato. Se gundo Lombroso, criminosos e não-criminosos se distinguem 33 MOLINA, Antonio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia - Introdução a seus fundamentos teóricos. 2. ed. São Paulo: RT, 1997, p. 148.34 ALBERGARIA, Jason. Noções de Criminologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 131. 36 LYRA, Roberto. Direito Penal Científico (Criminologia). Rio de Janeiro: José Konfino, 1974. p. 13. 36 MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia, 4. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 191. Breve estudo histórico criminológico: do passado ao presente na Criminologia 19 entre si em virtude de uma rica gama de anomalias e estigmas de origem atávica ou degenerativa.37 Lombroso apontava as seguintes características corporais do homem delinqüente: protuberância occipital, órbitas grandes, testa fugidia, arcos superciliares excessivos, zígomas salientes, prognatismo inferior, nariz torcido, lábios grossos, arcada dentária defeituosa, braços excessivamente longos, mãos grandes, anomalias dos órgãos sexuais, orelhas grandes e separadas, polidactia. As características anímicas, segundo o autor, são: insensibilidade à dor, tendência à tatuagem, cinismo, vaidade, crueldade, falta de senso moral, preguiça excessiva, caráter impulsivo.38 No Brasil, seguindo com ardor as idéias de Lombroso, tivemos o trabalho do médico e sociólogo Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), o qual chegou a ser conhecido como Lombroso dos trópicos.39 Na Argentina, o grande seguidor de Lombroso foi sem dúvida o médico José Ingenieros.40 O grande equívoco dos positivistas foi acreditar na possibilidade de se descobrir uma causa biológica para o fenômeno criminal. Os estudos e as investigações nesse sentido ocuparam o centro das preocupações positivistas, cujos resultados foram um verdadeiro fracasso. Primeiro, porque não se pode falar em causaúnica da delinqüência e, em segundo lugar, porque a Escola Positiva se preocupou apenas com os aspectos biológicos do fenômeno criminal, quando se sabe que os fatores exógenos são preponderantes. Ferri procurou corrigir essa postura unilateral, ao escrever sua Sociologia Criminal, onde acentua a importância dos fatores socioeconômicos e culturais da delinqüência. Além disso, inútil também se revelou a proposta positivista de transformar o Direito Penal numa disciplina médico-científica.41 37 MOLINA, Antonio-García-Pablos de. Tratado de Criminologia. 2. ed. Valencia: Tirant, 1999. p. 381. 38 ALBERGARIA, op. cit., p. 131-132. 39 Para conhecer melhor a vida e o trabalho de Nina Rodrigues, consulte: http://www. polbr.med.br/arquivo/wal0803.htm. 40 Sobre a vida de José Ingenieros, ver nosso artigo: Criminologia Positiva e a obra de José Ingenieros. Belo Horizonte. Jornal do Sindicato dos Promotores e Procuradores de Justiça do Estado de Minas Gerais, maio de 2003. 41 LEAL, João José. Direito Penal Geral. São Paulo: Atlas, 1998. p. 77 20 Resumo de Criminologia Não deixaram de aparecer e crescer vozes apostadas em contestar a validade e em explorar os limites das teses positivistas. Vozes provenientes não apenas do lado da sociologia criminal, que paralelamente se desenvolvia - casos de Tarde, Lacassagne e outros - mas também do campo da própria antropologia: casos de Baer, Der Verbrecher in antropologischer Bez/ehung (1893), e, sobretudo Goring, cuja obra The English Convict (1913) é em geral con siderada como que assinalando o termo da teoria lombrosiana.42 A Escola Francesa de Lyon atacou fortemente as idéias de Lombroso. Entre os mais notáveis membros dessa escola temos Lacassagne. A tese fundamental da Escola de Lyon é a seguinte: o criminoso é como o micróbio ou o vírus, algo inócuo, até que o adequado ambiente o faz eclodir. O meio social desempenha papel relevante e se junta com a predisposição criminal individual latente em certas pessoas. Em outras palavras: a predisposição pessoal e o meio social fazem o criminoso.43 Enquanto a escola positiva percorria a trajetória descrita, consolidava-se, entrando em choque com aquela, a sociologia criminal. Pode-se considerar o 32 Congresso Internacional de Antropologia Criminal (Bruxelas, 1892) como que assinalando o início do desequilíbrio em favor das teorias sociológicas, a ponto de, na viragem do século - em que se situaram as obras de Lacas sagne, Tarde e Durkheim ser nítido o seu predomínio.44 Usando o crime como exemplo, Durkheim afirma que esse fenômeno é um traço generalizado das sociedades e, por se prender às condições gerais da vida coletiva, mostra-se normal. Nesse caso, tratar o crime como uma doença social, como um fenômeno mórbido, seria tornar a doença um traço característico do organismo. Seria, como afirma Durkheim, perder qualquer possibilidade de distinção entre o normal e o patológico. Devemos 42 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia - O homem delinqüente e a sociedade criminógena. 2a reimpressão. Coimbra: Coimbra, 1997. p. 17. 43 GOMES, Luiz Flávio, MOLINA, Antonío García-Pablos de e BIANCHINI, Alice. Direito Penal, volume 1. São Paulo: RT, 2007, p. 110. 44 DIAS, op. cit., p. 20. Breve estudo histórico criminológico: do passado ao presente na Criminologia 21 lembrar, por outro lado, que o fato de o crime ser normal não quer dizer que seja um fenômeno livre de limites, que o excesso não implique prejuízos para a coletividade. O normal, no sentido durkheimiano, é a existência do crime e a normalidade deve se submeter à condição de que, para cada tipo social determinado, não ultrapasse um certo nível.45 De importância destacável é Tarde, que realiza severa crítica da obra de Lombroso. Concede muita importância aos condicio namentos sociais e à imitação, que costuma ser interpretada como uma teoria antecipada da aprendizagem. Essa aprendizagem se transmitiria por gerações. A imitação também pode ter efeitos positivos como o bom exemplo dos cidadãos.46 O fim do século XIX assistiu ainda ao aparecimento da criminologia socialista em sentido amplo, entendida como ex plicação do crime a partir da natureza da sociedade capitalista e como crença no desaparecimento ou redução sistemática do crime depois de instaurado o socialismo. Surgiram nessa época, com efeito, numerosas obras, mais ou menos influenciadas pelos ensinamentos de Marx e Engels, encarando o crime segundo essa perspectiva.47 O século XX iniciou-se sob o signo do ecletismo, em que assistiu-se à exploração dos caminhos abertos no século ante rior, sob a influência moderadora da União Internacional de Direito Penal, fundada em 1889 por Hamel, Liszt e Prins. No que especificamente se prende com as teorias orientadas para o delinqüente, consumou-se o abandono do antropologismo lombrosiano, progressivamente substituído pelas teorias expli cativas de índole psicológica, psicanalítica, psiquiátrica e pela atenção dedicada às leis da hereditariedade, à combinação de cromossomos etc.48 45 MAGALHÃES, Carlos Augusto Teixeira. Crime, sociologia e políticas públicas. Belo Horizonte: Newton Paiva, 2004, pp. 33-34. 46 MAÍLLO, Alfonso Serrano. Introdução à Criminologia. Tradução de Luiz Régis Prado. São Paulo: RT, 2007, p. 87. 47 DIAS, op. cit., p. 25-26. 48 DIAS, op. cit., p. 30. 22 Resumo de Criminologia Este panorama viria, contudo, a ser profundamente alterado por dois eventos significativos. Referimo-nos, em primeiro lugar, ao aparecimento da sociologia criminal americana, que se con fundiria praticamente com a criminologia ocidental. Há, em se gundo lugar, que se ter presente a criação da criminologia socialista em sentido estrito, isto é, o estudo das causas do crime nos países socialistas à luz dos princípios do marxismo-leninismo. A medida que os estados socialistas se constituíram, foi-se desenvolvendo neles uma “sociologia acadêmica” (Gouldner) que influenciou os rumos da criminologia praticada nos referidos países.49 Nos Estados Unidos, antes da Primeira Guerra Mundial, a Criminologia orientava-se pelo modelo europeu. Depois, seguiu orientação decaráter prático e sociológico. Gillin fundou a primeira clínica psiquiátrica, mas seu trabalho não suplantou a orientação sociológica de Burgess, Shaw e Mckay. A teoria socio lógica americana deve muito a Sutherland e Sellin.50 Essas teorias sociológicas, por serem nucleares ao nosso es tudo, serão adequadamente abordadas no capítulo oito desta obra. 49 DIAS, op. cil., p. 30-31, 50 ALBELGARIA, Jason. Noções de Criminologia. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999. p. 35. Breve estudo histórico criminológico: do passado ao presente na Criminologia J c iênc ia f^ e n a (5í Você também já deve ter lido em algum lugar sobre a ex pressão ciência conjunta (ou total) do Direito Penal. Trata-se de uma forma diferente de se refletir sobre o fenômeno criminal. Ele passa a ser abordado pelos ângulos da Criminologia, Direito Penal e pela Política Criminal. O modelo rompe com aquela visão formal e abstrata do intérprete da norma penal que fica postado em uma torre de marfim, alijado da realidade social. Todavia, embora o assunto tenha sido reacendido recente mente por Jorge de Figueiredo Dias, ele já possui mais de 100 anos. Vejamos então como surgiu essa idéia. Foi Franz Von Liszt (1851 -1919), o maior político criminal alemão, que chamou primeiramente a atenção para esse conheci m ento totaldas ciências penais, visto que deu à ciência do Direito Penal uma complexa e nova estrutura. Passa ela a ser uma disci plina completa, resultante da fusão da dogmática, criminologia, política criminal: agesamte Strafrechtswissenschaft (ciência total do Direito Penal).52 Liszt procurou levar a bom termo a antinomia por ele des crita, dividindo a ciência penal em dois reinos: os pressupostos da punibilidade deveriam determinar-se segundo os postulados de um Estado Liberal de Direito, assim como havia proposto a Escola Clássica. Porém, uma vez caracterizada a punibilidade pelo método jurídico, a sanção deveria medir-se, exclusivamente, pelas necessidades sociais. Liszt identificou essas duas tendências com 51 O ponto "Relação entre Direito Penal, Criminologia e Política Criminal” é o tema principal deste capítulo e foi cobrado no 27a CONCURSO PARA PROMOTOR DE JUSTIÇA ADJUNTO PROVA ORAL - PERÍODO: 07 a 10/SET/2005 - MPDFT. 52 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal brasileiro - Parte Geral. São Paulo: RT, 1999. p 51. os conceitos de Direito Penal e Política Criminal, que considerava como opostos entre si. Daí a sua antológica e expressiva frase, considerando o Direito Penal como: a barreira intransponível da Política CriminalP Liszt, como professor de Direito Penal, foi o primeiro a transpor os métodos e o conceito de ciência do positivismo para o Direito Penal. Ao definir o âmbito de toda ciência do Direito Penal, nele incluiu, como já foi visto, a Criminologia e a peno- logia (um termo por ele cunhado). A Criminologia para ele tem a função de explicar as causas do delito, enquanto a penologia deve estudar as causas e os efeitos da pena. O Direito Penal como teoria absoluta, da retribuição ou vingança, para Liszt, era apenas de importância secundária.54 Ao proferir sua aula inaugural na Faculdade de Direito da Universidade de Marburg em 1882, sem dúvida conhecedor dos trabalhos e das pesquisas de Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo, Liszt, lançando sua doutrina da nova prevenção especial, obteve com esta, como construção racional abstrata, grande repercussão internacional, ao mesmo tempo, remodelando profundamente o sistema de sanções do Direito Penal alemão.55 Rejeitou a tese do criminoso nato de Cesare Lombroso, afirmando estarem as mais profundas raízes criminais nas relações sociais. O tema, que parece ter ficado esquecido pela literatura penal brasileira por um bom tempo, é lembrado por vários pe- nalistas do Direito Penal Comparado. Figueiredo Dias, em obra recente lançada no Brasil, chama a atenção para a chamada Ciência Conjunta do Direito Penal, finalizando sua conclusão com o en tendimento que cremos saber hoje, por um lado, que é à política criminal que pertence a competência para definir, tanto nos planos do direito constituído, como do direito a constituir, os limites da punibilidade; como, por outro lado, que a dogmática jurídico- penal não pode evoluir sem atenção ao trabalho “prévio" de uma 53 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal - Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 73. 54 ASHTON, Peter Walter. /\s principais teorias de Direito Penal, seus proponentes e seu desenvolvimento na Alemanha, Revista dos Tribunais: São Paulo, RT 742, p. 452. 55 ASHTON, op. cit., p. 453. 26 Resumo de Criminologia índole criminológica. Mas também, este não pode evoluir sem uma mediação político-criminal que lance luz sobre as finalidades e os efeitos que se apontam à (e se esperam da) aplicação do Direito Penal. Política criminal, dogmática jurídico-penal e Criminologia são assim, do ponto de vista científico, três âmbitos autônomos, ligados, porém, em vista do integral processo da realização do Direito Penal, em uma unidade teleológica-funcional. E a esta unidade que continua hoje justificadamente a convir o antigo conceito de V Liszt, de ciência conjunta do Direito Penal?6 Reforçando esse entendimento, Claus Roxin registra que um Direito Penal moderno não é imaginável sem uma constante e estreita colaboração de todas as disciplinas parciais da “ciência global do Direito Penal”. Sem embargo, certamente o Direito Penal material é num certo modo a ciência base de todo esse campo jurídico, pois a punibilidade de uma conduta, que deve determinar-se segundo suas regras, é - e ele vale em substância também para o campo de objeto da Criminologia, concebido pela maioria dos autores de modo algo mais amplo - o pressuposto para que as demais ciências a serviço da justiça penal possam sequer se ocupar do caso.57 Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes escla recem que é hoje a opinião dominante, a de que a Criminologia, a Política Criminal e o Direito Penal são os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes. A criminologia deve incumbir-se, assim, de fornecer o substrato empírico do sistema, seu fundamento científico; a política criminal, de transformar a ex periência criminológica em opções e estratégias concretas de controle da criminalidade; por último, o direito penal deve encarregar-se de converter em proposições jurídicas, gerais e obrigatórias, o saber criminológico esgrimido pela política criminal, com estrito respeito às garantias individuais e aos princípios jurídicos de segurança e igualdade típicos do Estado de Direito.58 56 DIAS, Figueiredo, op. cit., p. 48. 57 ROXIN, Claus. Derecho Penal -P ane General. Madrid: Civitas, 1997. p. 47. 58 MOLINA, Antonio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia - Introdução a seus fundamentos teóricos. 2. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 126-127. A ciência total do Direito Penal 27 Embora a Política Criminal59 não seja reconhecida como uma ciência autônoma pela maioria da doutrina (e sim como disciplina), ela também é de suma importância para o profis sional que atua no sistema penal. E a Política Criminal que, em contato com a realidade criminal demonstrada pela Criminologia, seleciona quais são os programas, projetos e normas penais (e aí o Direito Penal poderá ser acionado) que ela irá escolher para a concretização da resposta penal (informal e formal) que o Estado adotará em face do fenômeno criminal. 59 Ensina Cláudio Guimarães que, a partir da análise econômica dos delitos e das penas, ficam formulados de maneira inter-relacionada os dois grandes marcos do Direito Penal oficial, a saber: a natureza e determinantes do comportamento criminal, assim como os indicativos de política criminal que devem ser elaborados, levando-se em conta,principalmente, a destinação de recursos que deve fazer a sociedade, por meio de seu sisterpa de justiça criminal, para previnir, ou pelo menos diminuir, a prática de condutas delitivas e assim evitar os custos de maneira mais eficiente, GUIMARÃES, Cláudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. 2a ed. Rio de Janeiro: REVAN, 2007, p. 32. 28 Resumo de Criminologia 0 m étodo c n ic o : em pínám o O método de trabalho utilizado pela Criminologia é o empírico. Busca-se a análise, e através da observação conhecer o processo, utilizando-se da indução para depois estabelecer as suas regras: o oposto do método dedutivo utilizado no Direito Penal. Foi graças à Escola Positiva que surgiu a fase científica da Criminologia e generalizou-se a utilização do método empírico na análise do fenômeno criminal. A Criminologia é uma ciência do ser, empírica; o Direito, uma ciência cultural, do dever ser, normativa. Em conseqüên cia, enquanto a primeira se utiliza de um método indutivo, empírico, baseado na análise e na observação da realidade, as disciplinas jurídicas utilizam um método lógico, abstrato e dedutivo.60 Segundo o Novo Dicionário Aurélio, a palavra empirismo significa doutrina ou atitude que admite, quanto à origem do conhecimento, que este provenha unicamente da experiência, seja negando a existência de princípios puramente racionais, seja negando que tais princípios, existentes embora, possam, independentemente da experiência, levar ao conhecimento da verdade.61 60 MOLINA, Antonio García-Pablos de; Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 44. 61 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004, p. 736. 29 Figura 3: Empirismo: análise - observação - indução Empirismo não é achismo. O método empírico é árduo e pouco íntimo dos profissionais do meio jurídico (juizes, promotores de justiça, delegados e advogados) e lamentavelmente muitas pessoas se apresentam como criminólogos, emitindo opiniões totalmente sem fundamentos científicos e com base em entrevistas pessoais, sem nenhuma observação rigorosa do método científico e emitindo juízos de valor {acho isso, acho aquilo etc.). Existe muito disso no ambiente criminológico que investiga a segurança pública, onde o amadorismo do Estado ainda perde em qualidade e quantidade diante das formas modernas de criminalidade (crime organizado, ataques de hackers pela Internet, delinqüência transnacional, crimes contra o sistema financeiro etc.). Nesse sentido, apesar da proximidade do Direito Penal em relação à Criminologia, a realidade de interpretação e a metodologia de ambas as matérias é por demais antagônica. Talvez, por isso, não haja um bom trânsito entre o Direito Penal e a Criminologia no Brasil, lembrando-se que a Criminologia nos Estados Unidos possui muita força nas faculdades de sociologia, e que no Brasil é pouco estudada nos cursos de graduação nas faculdades de Direito. E são raros os professores de Direito Penal que transitam facilmente nas duas ciências com a desenvoltura de Zaffaroni, García-Pablos de Molina, Francisco Munoz Conde, Antonio Beristain, Carlos Canedo, Miguel Angel Nunez Paz, Luiz Flávio Gomes, Paulo Queiroz, Alice Bianchini, Juarez Cirino dos Santos, Luciana Boiteux, Ana Lucia Sabadell e Sérgio Salomão 30 Resumo de Criminologia Shecaira. Resumindo: nem sempre o bom penalista será um bom criminólogo e vice-versa. São realidades próximas, íntimas, mas com métodos distintos. García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes lembram que o jurista parte de premissas corretas para deduzir delas as oportunas conseqüências. O criminólogo, ao contrário, analisa alguns dados e induz às correspondentes conclusões, porém, suas hipóteses se verificam - e se reforçam - sempre por força dos fatos que prevalecem sobre os argumentos subjetivos de autoridade.02 Como você já pode observar, o método de investigação criminológico é diverso do método utilizado pelo Direito Penal. Enquanto o Direito Penal trabalha com o método dedutivo, onde há uma regra geral, e dela se parte para o caso concreto, a Criminologia utiliza o método empírico, de observação da realidade para, após análises, retirar dessas experiências as suas conseqüências. Um cuidado que você deve ter durante seus estudos é não confundir método experimental com método empírico. O método experimental [processo científico que consiste em construir uma hipótese com apoio na observação de fatos, pondo-os à prova por meio de um artefato experimental construído para esse fim) é um método empírico, de observação, mas nem todo método empírico é experimental. O importante é que a observação seja realizada de forma segura e que haja confiabilidade nos resultados. 1 Método experim entalm étodo empírico Sustentar, pois, que só é científico o demonstrável de forma experimental dentro de um laboratório carece de fundamento. Trata-se de um pressuposto simplificador no qual incorrem, por exemplo, determinados setores criminológicos de natureza 62 MOLINA, Antonio García-Pablos de; Gomes, Luiz Flávio, op. cit., p. 44. O método criminológico: empirismo “biologicista” ( v.g., psicologia radical da conduta), que terminam por negar todo cientificismo à psicanálise, apesar de sua tradição empírica.63 Tal postura se faz necessária porquanto o crime é um fenômeno cultural e humano, demandando do criminólogo uma postura aberta e flexível. Antonio García-Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes nos informa sobre as principais técnicas de investigação criminológica empíricas utilizadas na atualidade: reconhecimentos médicos, ex ploração, entrevista, questionário, observação, discussão em grupo, experimento (experimentação), testes psicológicos, métodos de medição, métodos sociométricos, métodos longitudinais, estudos de “seguimento” (follow-up), estudos paralelos e investigações com grupo de controle.64 63 MOLINA, Gomes, op. c/f., p. 45. 64 MOLINA, Antonio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia - Introdução a seus fundamentos teóricos. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 48-63. Resumo de Criminologia 0 objeto dia m sw tm a (^rim lnolc°9 ia Depois de estudarmos o conceito, as funções, as caracterís ticas e o desenvolvimento histórico da Criminologia, passamos a analisar agora o seu objeto de estudo. Na atualidade, o objeto da Criminologia está dividido em quatro pilares: delito, delinqüente, vítima e controle social. (^O bjeto da Criminologia D e lito ^ (^ D e linqüente^)(^Vítim a} (^ControlesodãT^> Figura 4: Objeto da Criminologia Você já observou que do surgimento da Criminologia até a fase atual houve uma substancial transformação no seu objeto de estudo. Na época de Beccaria, a investigação era com relação apenas ao crime. Com o surgimento da Escola Positiva, e de Lombroso e seus seguidores, o objeto de estudo da Criminologia passou a ser o delinqüente. Até aí, verificamos uma substituição do objeto de estudo da Criminologia. Durante muito tempo foram apenas o delito e o delinqüente os objetos de estudo da Criminologia. Da metade do século XX até a atualidade, passamos a ter não mais uma substituição, mas também uma ampliação do objeto de estudo, porquanto são man tidos os interesses com o crime e o delinqüente, e são adicionados mais dois pontos: a vítima e o controle social. 33 Foi por volta da década de 1950 que começaram a surgir estudos criminológicos específicos sobre a vítima criminal. Isso cresceu muito e talvez seja a área da Criminologia hoje que esteja em maior efervescência. E no Brasil não seria diferente. Afinal, hoje quase todos nós ou familiares já fomos vítimas de algum crime. Mais ou menos nessa época também começaram a eclodir os estudos sobre o controle social, sendo que iremos tratar deta lhadamente dessasquatro áreas de interesse a seguir. A problematizaçãoào objeto da Criminologia - e do próprio “saber” criminológico - reflete uma profunda mudança ou uma crise do modelo de ciência (paradigma) e dos postulados até então vigentes sobre o fenômeno criminal. A Criminologia tradicional tinha por base um sólido e pacífico consenso: o conceito legal de delito, não questionado; as teorias “etiológicas” da criminali dade, que tomavam daquele seu autêntico suporte “ontológico”; o princípio da diversidade (patológica) do homem delinqüente (e da disfuncionalidade do comportamento criminal); e os fins conferidos à pena, como resposta justa e útil ao delito. Estes constituíam seus quatro pilares mais destacados.65 Todos os paradigmas da Criminologia tradicional vêm sendo questionados pela moderna Criminologia e serão explicados a seguir. 6.1. O delito O delito é um dos objetos mais antigos de preocupação da humanidade. Já presente nos primórdios da narrativa bíblica com o homicídio praticado por Caim em face de Abel, ou nos escritos da Grécia Antiga, passando por diversos autores da Idade Média, não há dúvida de que o assunto crime angustia e movimenta a sociedade. Isso é claramente demonstrado hoje pelos jornais popu lares, tanto da televisão como da mídia impressa, que acumulam seus lucros narrando a ocorrência de crimes violentos e bizarros. O crime é um fenômeno humano e cultural. Ele só existe em nosso meio. Na natureza não há a figura do crime. Os animais 65 MOLINA, Antonio García-Pablos; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia - Introdução a seus fundamentos teóricos. 3. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 64. 34 Resumo de Criminologia são regidos por leis próprias e são irracionais. Embora alguns sejam mais inteligentes que outros, eles não possuem o poder de reflexão que o homem possui. E impossível a um animal ter a compreensão necessária para um julgamento racional - se tal ato é um crime ou não. Então, os animais estão excluídos da autoria de crime. O Direito Penal trabalha com três conceitos de delito: mate rial, formal e analítico. O conceito material está vinculado ao ato que possui danosidade social, ou que provoque lesão a um bem jurídico. O conceito formal está ligado ao fato de existir uma lei penal que descreva determinado ato como infração criminal. Já o conceito analítico expõe os elementos estruturais e aspectos es senciais do conceito de crime. Perguntando a um penalista sobre o conceito analítico de delito, ele irá responder (pelo menos a grande maioria ) que o crime é um ato típico, ilícito e culpável. Outros responderão que o crime é um fato típico e ilícito. E agora também, retornando ao conceito de que o crime é um fato típico, ilícito, culpável e punível, haverá respostas apontando esses quatro elementos essenciais. Esses conceitos são fundamentais para que a hermenêutica possa ser utilizada. Assim, é possível ao intérprete da norma aplicar a norma abstrata ao caso concreto com a segurança que tais situações exigem. Na verdade, os conceitos formal e material não traduzem com precisão o que seja crime. Se há uma lei penal editada pelo Estado, proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa de exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime. Já o conceito material sobreleva a importância do princípio da intervenção mínima quando aduz que somente haverá crime quando a conduta do agente atenta contra os bens mais importantes. Contudo, mesmo sendo importante e necessário o bem para a manutenção e subsistência da sociedade, se não houver uma lei penal protegendo-o, por mais relevante que seja, não haverá crime se o agente vier a atacá-lo, em face do princípio da legalidade.66 66 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral, 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005. p. 156. O objeto da moderna Criminologia 35 Mas esses conceitos são rasos. Eles não traduzem a profun didade do fenômeno criminal. Isso fica visível na diferença que existe na aplicação da lei penal pela Justiça Criminal togada e pelo Tribunal do Júri. O crime é muitas vezes visto de forma distan ciada, sem emoção, comparando-se com jurisprudências e mais jurisprudências; no Tribunal do Júri é tudo insólito, a emoção nos julgamentos está presente, os jurados em seu íntimo se colocam no banco dos réus e se perguntam se teriam feito a mesma coisa. Antes de acusação e defesa discursarem sobre legítima defesa e inexigibilidade de conduta diversa, o jurado já fez, pelo menos por algumas vezes, a operação mental de ter se colocado no lugar do réu, com as condições pessoais do mesmo e na hora dos fatos. Antes da descrição abstrata do crime (utilizada pelo Direito Pe nal), o jurado quer perscrutar os fatores que levaram à ocorrência daquele homicídio. O Tribunal do Júri é pura Criminologia1. O Tribunal do Júri épura Criminologial Ali estão bem visíveis: delito, delinqüente, vítima e o controle social. A Criminologia moderna não mais se assenta no dogma de que convivemos em uma sociedade consensual. Pelo contrário, vivemos em uma sociedade conflitiva. Não basta afirmar que crime é o conceito legal. Isso não explica tudo e não ajuda em quase nada na percepção da origem do crime. O crime é muito complexo, ele pode ter origens das mais diversas como o excessivo desnível social de uma localidade, defeitos hormonais no corpo de uma pessoa, problemas de ordem psíquica como traumas, fobias e transtornos de toda ordem emocional etc. A Criminologia moderna busca se antecipar aos fatos que precedem o conceito jurídico-penal de delito. O Direito Penal só age após a execução (ex.: tentativa) ou na consumação do crime. A Criminologia quer mais! Ela quer entender a dinâmica do crime 36 Resumo de Criminologia e intervir nesse processo com o intuito de dissuadir o agente de praticar o crime, o que pode ocorrer das mais variadas formas. Mas para que isso seja feito, a Criminologia teve que desenvolver outros conceitos para o delito. Conceitos estes mais próximos e íntimos da realidade que o fenômeno criminal apresenta. Diversos conceitos foram surgindo no desenvolvimento da Criminologia. Já foram tratados aqui os três conceitos utilizados pelo Direito Penal, os quais são obrigatórios pontos de partida da Criminologia, mas não esgotam o problema. Molina leciona que Garofalo chegou a criar a figura do delito natural, ou seja, para ele, delito seria: “uma lesão daquela parte do sentido moral, que consiste nos sentimentos altruístas fundamentais (piedade e probidade) segundo o padrão médio em que se encontram as raças humanas superiores, cuja medida é necessária para a adaptação do indivíduo à sociedade”, outros autores, no entanto, realçam a nocividade social da conduta ou a periculosidade do seu autor.67 A sociologia criminal já utiliza outro parâmetro, bastante em voga na atualidade: o de conduta desviada ou desvio. Esse critério utiliza como paradigma as expectativas da sociedade. As condutas desviadas são aquelas que infringem o padrão de comportamento esperado pela população num determinado momento. É um con ceito que não se confunde com o de crime, mas que o abrange. Anthony Giddens ensina que podemos definir o desvio como o que não está em conformidade com determinado conjunto de normas aceitas por um número significativo de pessoas de uma comunidade ou sociedade. Como já foi enfatizado, nenhuma sociedade pode ser dividida de um modo linear entre os que se desviam das normas e aqueles que estão em conformidade com elas. A maior parte das pessoas transgride, em certas ocasiões, re gras de comportamento geralmente aceitas. Quase toda a gente, por exemplo, já cometeu em determinada altura atos menores de furto, como levar alguma coisa de uma loja sem pagar ou apropriar-se de pequenos objetos do emprego - como papel de correspondência
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