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DeVry | UNIFAVIP CENTRO UNIVERSITÁRIO DO VALE DO IPOJUCA COORDENAÇÃO DE PSICOLOGIA MARIA JOSÉ DE LIMA A CULTURA DO ALTO DESEMPENHO E O MEDO DE VIVER: Dialogando com Wilhelm Reich e Alexander Lowen CARUARU/PE 2017 MARIA JOSÉ DE LIMA A CULTURA DO ALTO DESEMPENHO E O MEDO DE VIVER: Dialogando com Wilhelm Reich e Alexander Lowen Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário do Vale do Ipojuca – UNIFAVIP/DEVRY como requisito para obtenção do título de bacharel em Psicologia. Orientadora: Professora Ma. Eliana Maria Cunha de Castro. CARUARU/PE 2017 DEDICATÓRIA Dedico a realização deste trabalho à minha mãe, luz e norte em minha vida. E a todo aquele que no embate da vida diária, consegue se desvencilhar dos grilhões do medo. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela força para remover as pedras do caminho. Agradeço à Eliana De Castro, minha orientadora, por ter me acolhido com carinho e respeito; por ter me incentivado e acreditado em mim. “A vida sem medo liberta as nossas melhores faculdades: o olhar limpo, a alegria inocente, o assombro espontâneo. O grau em que conseguirmos nos libertar dos nossos medos será a medida da nossa entrega generosa e confiante à vida”. (Carlos González Vallés) “Podemos escolher recuar em direção à segurança ou avançar em direção ao crescimento. A opção pelo crescimento tem que ser feita repetidas vezes. E o medo tem que ser superado a cada momento”. (Abraham Maslow) “O medo do fracasso é, em nossa sociedade, um medo poderoso, inculcado na infância e muitas vezes carregado pela vida inteira”. (Wayne Walter Dyer) 5 A CULTURA DO ALTO DESEMPENHO E O MEDO DE VIVER: DIALOGANDO COM WILHELM REICH E ALEXANDER LOWEN Maria José de Lima1 Eliana Maria Cunha de Castro2 Resumo As pessoas estão atravessadas pelo medo: medo de amar, medo de morrer, medo de ser infeliz. E os pensamentos e sentimentos associados ao medo provocam uma reação física que, se ocorre de modo contínuo, leva ao encouraçamento do medo tornando este a emoção predominante sob a égide da qual o indivíduo irá se relacionar com o mundo. Esta pesquisa será realizada através de estudos bibliográficos, com ênfase na abordagem qualitativa e pretende, a partir das ideias de Wilhelm Reich e de Alexander Lowen, apresentar uma discussão sobre as exigências do sucesso e da felicidade demandadas pelo discurso social dominante que coloca o indivíduo numa condição tensa de viver orientado para o alto desempenho e a vivência do medo entendido como neurose, uma fixação emocional que bloqueia a vida e a energia. Serão apresentadas, também, as práticas clínicas interventivas, verbais e corporais propostas pela Análise Bioenergética. Palavras-Chave: Medo. Neurose. Análise bioenergética. HIGH PERFORMANCE CULTURE AND THE FEAR OF LIVE: DIALOGING WITH WILHELM REICH AND ALEXANDER LOWEN Abstract Persons are filled with fear: fear of love, fear to die, fear to be unhappy. Thoughts and feelings associated with fear that induce physical reaction, if those reactions become continuous it could make the fear the predominant feeling. As a predominant feeling, the fear will be used to face the world. This research was done through bibliographic studies about qualitative approach and based on Wilhelm Reich and Alexander Lowen ideas. This research presents important points about how demanding are social success and happiness and how they make the person anxious to the obligation of living in a high performance demand. At the same time it was discussed how the person can live with fear understood as neurosis, emotional obsession that can block his life and energy. That being said, it was presented interventional practices, verbal and corporal Bioenergetics practices. Keywords: Fear. Neurosis. Bioenergetics practices. 1 Aluna graduanda do curso de Psicologia da Devry-Unifavip. Avenida Adjar da Silva Casé, nº 800. Indianópolis. Caruaru-PE ayram.lima@gmail.com 2 Professora Mestre em Psicologia da Devry-Unifavip. Avenida Adjar da Silva Casé, nº 800. Indianópolis. Caruaru-PE eliana.castro@unifavip.edu.br 6 1 INTRODUÇÃO Sob a perspectiva da Análise Bioenergética, este trabalho pretende problematizar a possibilidade de se viver a satisfação de ser uma pessoa plena. Ser quem se é mesmo estando inserido em uma sociedade que convoca à cultura do alto desempenho e com isso alimenta nossas incertezas e o medo do fracasso. A compreensão dessas questões tornou-se um desafio a partir da disciplina optativa de “Psicologia Corporal – Análise Bioenergética”, cursada no oitavo período do curso de Psicologia, ministrada pela Prof.ª Eliana de Castro, na qual, sob a luz dos ensinamentos de Reich e Lowen, vimos como podemos trabalhar o corpo para que ele possa viver plenamente suas emoções. Ter participado da disciplina intensificou o interesse pelas abordagens corporais por acreditar no ser humano na sua integralidade. A Análise Bioenergética oferece, através do uso de exercícios e técnicas, um instrumento adicional ao trabalho analítico, por liberar padrões de tensão enrijecidos no corpo e alterar a forma como o indivíduo se relaciona consigo mesmo e com o mundo. Parte-se do entendimento que o caráter é resultante da interação entre corpo e mente e a sua constituição tem a função de reagir a um agente estressante para restabelecer o equilíbrio no organismo, cuja relação pode ser vista na forma como os tipos de caráter lidam com o adoecimento. Os conceitos de Wilhelm Reich e Alexander Lowen, na estruturação de suas Teorias, permitem-nos discutir sobre o modo como o indivíduo conduz sua vida numa perspectiva que aborda o corpo e a mente de forma integrada. Reich, em toda sua obra, expressou uma constante preocupação em ultrapassar o discurso psicológico para perceber no próprio corpo os fundamentos do caráter e as bases da neurose. A Teoria de Alexander Lowen é sustentada pela Teoria de Wilhelm Reich e parte do referencial teórico da Psicanálise de Sigmund Freud. Indo além, Lowen utiliza alguns conceitos desses autores para desenvolver a sua própria teoria: a Análise Bioenergética. Na leitura de Navarro (1995), pós-reichiano, entendemos nosso corpo como um registro da nossa história individual e social. Nele estão inscritos os constrangimentos, as sujeições e as repressões, bem como, os costumes, os usos, os rituais que nos foram transmitidos, legados, impostos por nossa família, nossa cultura, nosso meio ambiente. Os mecanismos de análise, no campo da saúde, que investigam os limites entre o corpo e a mente,o somático e o psíquico, evidenciam a complexidade do ser humano. As abordagens psicológicas que nos são apresentadas na academia pouco discutem a importância 7 do corpo na compreensão do indivíduo na sua totalidade. No entanto, acreditamos na integração entre corpo e mente e no enraizamento dos processos psíquicos no corpo. A posição aqui defendida é a de que mais do que o biologismo, os processos psicológicos terminam por ser causa de muitos males físicos no mundo contemporâneo. É preciso aproximar-se dos estudos em Psicossomática e das abordagens corporais na Psicologia para a compreensão do humano como ser integral que não pode ser dicotomizado. Tem-se, portanto, como objetivo geral discutir o medo de viver na cultura do alto desempenho a partir da perspectiva da neurose na análise bioenergética. Os objetivos específicos correspondem aos tópicos da pesquisa, conforme segue. No primeiro tópico busca-se compreender a conceituação da neurose a partir do medo da vida, conforme Lowen (1986) define: o medo do indivíduo de experimentar genuinamente as emoções e viver espontaneamente. No segundo tópico problematiza-se a construção da sensação do medo decorrente da condição tensa de viver do sujeito contemporâneo, orientado enfaticamente ao fazer. E no tópico referente a resultados e discussão apresenta-se a contribuição terapêutica das intervenções verbais e corporais da Análise Bioenergética para a superação da condição atual de existir, passando a viver sem medo da vida. A percepção dos meus próprios medos e a partir deles, a observação dos medos das outras pessoas, levou-me a querer pesquisar por que temos tantos medos (medo de amar, medo de errar, medo de sentir...) e as restrições de vida que esses medos nos impõem. Essa pesquisa nasce de inquietações sobre o lugar do corpo na formação do profissional em psicologia e da compreensão sobre a relação entre as dimensões psicológicas e orgânicas do ser humano. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 O medo: a neurose nossa de cada dia As pessoas, na sociedade contemporânea, buscam, cada vez mais, ampliar as possibilidades de experiência na busca de um sentido para a vida, em práticas que fogem às limitações impostas pelo trabalho clínico tradicional. O ser humano se expressa através do seu movimento e da sua linguagem, o que nos inspira a uma forma de atuar junto ao cliente pela análise da fala, do corpo e da energia. 8 A energia é um aspecto negligenciado pela psicanálise clássica, que se interessa pelo corpo imaginário, pelo corpo simbólico, pelo corpo libidinal, mas deixa de lado o corpo energético. Navarro (1995) afirma que Freud foi o primeiro a falar de uma energia capaz de aumento e diminuição de intensidade, de deslocamento e de descarga, que ele chamou de libido. Ele introduziu, também, o ponto de vista econômico, segundo o qual os processos psíquicos circulam e se dividem conforme uma energia quantificável. Todavia, ele visava mais a relação de forças psíquicas do que o processo biológico. Cabe, aqui, salientar que o princípio básico do pensamento reichiano foi sempre o da energia; energia vital, a energia cósmica primordial, onipresente no universo, assim como sua íntima associação com a noção de orgasmo. Procurou definir o que seria essa energia psíquica ou psicossexual, dedicando-se a introduzir nesse campo vago da noção de energia, precisões e especificidades. Para ele a energia funcionou como uma hipótese de pesquisa. Queria descrever e manipular, na prática, aspectos tangíveis da energia – possibilidade de descrição e observação científica, usos práticos – para esse fim ele trabalhou com a energia do corpo humano, principalmente a energia orgástica (NAVARRO, 1995). É importante compreender que Reich definia o orgasmo como sendo diferente de ejaculação ou clímax. Para ele o orgasmo representava: [...] uma reação involuntária do corpo como um todo, manifestada em movimentos rítmicos e convulsivos. O mesmo tipo de movimento pode também ocorrer quando a respiração é inteiramente livre e o indivíduo se entrega a seu corpo. Nesse caso, não existe clímax ou descarga de excitação sexual desde que não houve o acúmulo desse tipo de excitação. (LOWEN, 1982, p. 20-21) Para permitir a livre circulação da energia orgástica, a Análise Bioenergética criada por Alexander Lowen a partir dos estudos de Reich e da ideia de caráter da psicanálise voltou- se, inicialmente, ao tratamento de sintomas neuróticos advindos da ansiedade e depressão. Mas, seus benefícios foram sendo ampliados e mesmo sem queixas clínicas qualquer pessoa pode, através dos exercícios que a abordagem propõe, desenvolver maior vitalidade e expansão da alegria de viver. O objetivo maior da Análise Bioenergética é ajudar as pessoas a se conscientizarem de seus corpos e, através de movimentos voluntários, libertar sentimentos inconscientes gravados na memória corporal (LOWEN, 1982). A busca pelo alto desempenho afasta o indivíduo do contato genuíno com suas emoções, impedindo-o de saber-se imperfeito, de poder errar, falhar e ainda assim ser feliz. 9 Exacerba-se o conflito entre ser espontâneo e apresentar um constante resultado produtivo. Viver uma vida plena implica no contato sincero com o self, na compreensão da condição atual de vida e no conhecimento de quem se é. Lowen (1986) afirma que viver uma vida plena é ser capaz de sentir intensamente, respirar profundamente e mover-se livremente. Segundo Santos (2003), na antiguidade o medo era configurado como exterior ao homem (medo dos deuses e das forças da natureza). Provinha de fontes externas e lhe era imposto. Com o processo civilizatório e sob a influência da igreja católica, que introduziu o medo do pecado e do demônio, o medo passou a ser interiorizado adquirindo o aspecto de emoção e se modificando de acordo com a época e o contexto social. No contexto da sociedade contemporânea, é exigido do sujeito nada menos do que a perfeição em todos os pilares da sua vida. Segundo Lowen (1986), o homem contemporâneo é neurotizado desde a infância, como forma de inserção nos padrões sociais, cujo compromisso com o poder e o sucesso se sobrepõe ao compromisso com a própria felicidade. Isso exige dele um desempenho que traz como consequência a paralização dos seus impulsos espontâneos em busca do prazer. A possibilidade de fracassar em qualquer segmento gera nele um medo que Lowen (1986), nomeou de neurose e o define como medo da vida. A vida adulta traz em seu bojo preocupações, responsabilidades e culpas que bloqueiam a excitação de tal modo que a alegria raramente é vivenciada. Ou seja, a capacidade de ter alegria genuína foi perdida juntamente com a inocência quando deixamos a infância (LOWEN, 1997). Lowen (1993) descreveu o segredo da alegria como sendo a capacidade de ficar tão excitado a ponto de ser dominado por ela. Mas, para sentir alegria, a pessoa deve estar livre de ansiedades sobre ceder ao sentimento e expressá-lo. Isso significa que a pessoa precisa ser tão despreocupada e inocente quanto uma criança. Conhecemos momentos de alegria quando nossos egos adotam uma posição discreta e a criança que existe em nós fica livre para rir e amar. O medo da vida é uma definição de Lowen (1986), significando o medo do indivíduo de sair de suas defesas e experimentar genuinamente as emoções; permitir-se errar, tentar de novo, desistir, sentir prazer. É esse medo que tentaremos compreender nesse trabalho. Não é sobre o medo como reação biológica comum a todos os animais que falaremos, é sobre o medo especificamente humano que trava nossas escolhas na hora de nos expor à vivênciadas emoções. Esse é o medo que alerta contra rejeições, mágoas, decepções humilhações e tantas outras feridas no ego que se tornam possíveis quando nos lançamos a viver nossas emoções. 10 Isso nos faz lembrar Roger Dadoun, no prefácio do livro “A Somatopsicodinâmica” (NAVARRO, 1995, p.15), quando diz: Trata-se, [...], de lutar contra o medo primordial, que congela as emoções, perverte as relações, alimenta as servidões e obstaculiza a energia vital. Medo de viver, com suas múltiplas facetas, mas idêntica ação letal, contra o qual as práticas de inspiração reichiana tentam se opor. No pensamento de Lowen (1979, p.30), as pessoas vivem divididas “entre a imagem do ego e a realidade do corpo, entre os aspectos exteriores de façanhas e sucesso e o sentimento interior de derrota e frustração”. Dessa forma usam o corpo indiscriminadamente, explorando-o e utilizando todas as suas energias em prol do sucesso no mundo externo. Vivemos premidos pela realização de um potencial e deixamos de lado nossa autenticidade, então, eliminamos, rejeitamos, negamos muitas características e fontes de genuinidade e adicionamos, fingimos, interpretamos e criamos papéis que não podemos sustentar resultando daí a fragmentação, o conflito, o desespero. Para Bauman (2008, p.173), “o medo se enraíza em nossos motivos e propósitos, se estabelece em nossas ações e satura nossa rotina diária”. A nossa tarefa, portanto, será a de não permitir que ele nos inviabilize. O sentimento de segurança e bem-estar da pessoa comum é ameaçado por forças impessoais que não podem ser facilmente identificadas: forças econômicas, como inflação e desemprego; forças políticas, como guerras e corrupção; forças sociais, como violência e burocracia. Contra essas forças o indivíduo sente-se impotente, e parece necessitar de uma sensação de poder para superar a frustação da impotência (LOWEN, 1993). As situações rotineiras parecem estar cada vez mais revestidas da emoção do medo, levando as pessoas a viver na necessidade de proteção contra perigos que, nem sempre são reais. O sentir-se ameaçado sem uma causa concreta encobre-se nos pensamentos e provoca ansiedades que não se sabem explicar. Assim como a alegria, a raiva, a tristeza e o amor, o medo é uma emoção natural que permite a sobrevivência através do enfrentamento diante de situações entendidas como ameaçadoras. Sendo uma emoção natural, como pode o medo constituir-se em um problema na vida diária? A questão aqui se volta para a experiência subjetiva permanente do medo que se apresenta na sociedade atual, um medo não nascido de uma experiência concreta de enfrentamento a uma ameaça, mas construído na modelagem das relações atuais. 11 Para Lowen (1986) a neurose se estabelece a partir de um conflito entre uma necessidade primária e o valor social. Ou seja, quando o indivíduo passa a bloquear seus instintos para responder às expectativas que os outros têm sobre ele e não faz o que realmente gostaria de fazer e ser. Os instintos são as forças condutoras da vida e a neurose é o resultado da repressão desses instintos. As barreiras que o indivíduo constrói no seu processo de desenvolvimento para proteger-se terminam por criar a condição que os mesmos tentam evitar: [..] Por exemplo, a pessoa que, movida pelo medo da rejeição, defende-se não se abrindo nem indo ao encontro das outras, isola-se e assegura, por meio dessa manobra, um permanente sentimento de rejeição. Ninguém que esteja constrangido a uma posição defensiva está livre. (LOWEN, 1986, p. 49) As defesas mantêm o indivíduo no padrão comportamental, reforçando uma crença interior. Desse modo, ele se mantém na ingestão de alimentos gordurosos, nos maus relacionamentos, na raiva, reforçando o conflito interior e atribuindo a culpa a si mesmo: “eu não consigo”; “vai ser sempre assim”. Manter-se num determinado padrão de comportamento que é, ao mesmo tempo, angustiante e prazeroso, pode-se, por exemplo, sentir culpa por ter fugido da dieta, mas sentir-se satisfeito porque quebrou as regras estabelecidas. “Cada bloqueio tem um significado emocional preciso e provoca um estigma individual, um traço caracterial na personalidade do sujeito” (NAVARRO, 1995, p.27). Lowen (1997) afirmou que uma pessoa é um ser unitário e que o que acontece na mente também acontece no corpo. Para Reich (1998), emoções e pensamentos têm equivalentes físicos, desse modo uma emoção pode provocar contrações musculares localizadas e modificar a postura corporal e a respiração, criando a estrutura caracterológica da pessoa, o seu jeito de estar no mundo. A couraça neuromuscular do caráter seria a expressão física da neurose. Na visão de Lowen (1986), o desenvolvimento do ego é condição do desenvolvimento da cultura, dando-se um embate entre a tentativa racional de controle sobre si mesmo e sobre as leis fisiológicas às quais está submetido fisicamente. Dá-se aí a neurose, na tentativa de fuga a um destino trágico tal qual no mito de Édipo. A Neurose não é, costumeiramente, definida como medo da vida, mas é exatamente isso. A pessoa neurótica tem medo de abrir seu coração ao amor, teme estender a mão para pedir ou agredir; amedronta-a ser plenamente si mesma. Podemos explicar esses 12 temores psicologicamente. Quando abrimos o coração ao amor, ficamos vulneráveis ao risco da mágoa; quando estendemos os braços à frente, nos arriscamos à rejeição; quando agredimos, há a possibilidade de sermos destruídos. Existe, contudo, uma outra dimensão desse problema. Vida ou sensações de maior intensidade do que aquelas a que a pessoa está habituada é algo perigoso, pois ameaça inundar o ego, ultrapassar seus limites, liquidar sua identidade. É assustador sentir mais vitalidade, ter sensações mais intensas (LOWEN, 1986, p. 11). Uma parte do indivíduo neurótico tenta sobrepujar, em grande parte de modo inconsciente, a outra parte. O ego tenta dominar o corpo, a mente tenta controlar seus sentimentos, esvaziando a energia de vida. Trata-se, portanto, de um conflito contínuo entre o que a pessoa é o que ela acredita que deve ser. Entende-se assim, que a neurose seria uma perturbação, primeiramente, no relacionamento consigo mesmo e depois no relacionamento com os outros. 2.2 Morre o sujeito, nasce o consumidor. O homem moderno vive num estado de baixo grau de vitalidade e embora isso não seja percebido como sofrimento profundo, ele se transformou num ser automatizado e ansioso. Não desfruta das oportunidades que o mundo lhe oferece. Não sabe o que quer e por isso não tem como encontrar. Vagueia sem objetivo, porque ainda não descobriu o potencial de vida e energia que nele repousa. Na leitura de Bauman (2008), a insegurança e a indeterminação são as marcas da vida atual. O indivíduo vê-se diante da ameaça do desemprego, das epidemias desconhecidas, do terrorismo, da exclusão, das mudanças sociais e mergulha cada vez mais em busca de segurança evitando espaços públicos e contatos com estranhos. O medo da morte torna-se uma experiência cotidiana sentida na fragilidade dos vínculos que se rompem com extrema facilidade. Isso nos remete a Lowen (1997, p.180), quando afirma que “nos tornamos uma nação de sobreviventes tão temerosos de doença e morte que somos incapazes de viver como um povo livre”. Mas, além do medo da morte, de acordo Bauman (2008), o indivíduo depara-se com os males produzidos por sua própria espécie. Ele não consegue mais distinguir de onde vem o mal e isso provoca uma crise de confiança fazendo-o distanciar-se da convivência com os outros. Os espaços públicos tornaram-se fontesde ameaça e perigo permanentes; e assim a confiança não se fortalece. Esse medo, para Bauman (2008, p.107) está distribuído de modo 13 desigual e inespecífico: “seja dirigida aos desastres de origem natural ou artificial, o resultado da guerra moderna aos medos humanos parece ser sua redistribuição social e não sua redução em volume”. Vive-se em busca de segurança, de muros altos e aparatos tecnológicos acessíveis aos economicamente favorecidos. E quanto mais se investe em segurança, mais se reforça a sensação de ameaça e de medo. Bauman (2008), afirma que há questões importantes a serem consideradas no ambiente de medo no qual vive o homem contemporâneo que o conduz a buscar sua segurança existencial no consumo, pois as regras que são válidas para o mercado, também o são para as pessoas: Primeira: o destino final de toda mercadoria colocada à venda é ser consumida por compradores. Segunda: os compradores desejarão obter mercadorias para consumo se, e apenas se, consumi-las for algo que prometa satisfazer seus desejos. Terceira: o preço que o potencial consumidor em busca de satisfação está preparado para pagar pelas mercadorias em oferta dependerá da credibilidade dessa promessa e da intensidade desses desejos (BAUMAN, 2007, p.18). Deste modo, o sujeito contemporâneo está destinado a pensar em si e agir como uma mercadoria que precisa manter-se vendável, adequando-se contínua e rapidamente às exigências ditadas pelo mercado, numa busca desenfreada por capacitação profissional e sobrevivendo em meio ao bombardeio de informações veiculadas pelas mídias sociais que o coloca diante das violências diárias e das catástrofes mundiais. Bauman (2008) salienta que o homem moderno é exortado, instado e constantemente pressionado a perseguir seus próprios interesses e satisfações e a só se preocupar com os interesses e satisfações dos outros na medida em que tangenciam os seus. Por isso, acreditam que os outros à sua volta são guiados por motivos igualmente egoístas, portanto, não podem esperar deles uma solidariedade que eles mesmos não são capazes de oferecer. De forma que a falta de confiança nas relações inter-humanas é uma das fontes mais fecundas, autorrenováveis e provavelmente inexauríveis de nossas ansiedades e de nossos medos. Numa sociedade assim, a percepção da camaradagem humana como fonte de insegurança existencial e como um território repleto de armadilhas e emboscadas tende a se tornar endêmica. Numa espécie de círculo vicioso, ela exacerba por sua vez, a fragilidade crônica dos vínculos humanos e aumenta os temores que essa fragilidade tende a gerar (BAUMAN, 2008, p.172). 14 Na concepção de Bauman (2008), o progresso, cuja imagem remetia a otimismo e promessa de felicidade, agora representa a ameaça de mudança implacável e inescapável, que ao invés de trazer paz e alívio, pressagiam o esforço contínuo, sem um momento de descanso, no qual um momento de desatenção resultará em uma derrota irreversível e uma exclusão irrevogável. Evoca noites sem sono, cheias de pesadelos de ser deixado para trás. Ou seja, a ideia de progresso que antes evocava grandes expectativas e doces sonhos, hoje engrossa a fila das muitas razões para sentir medo. “O ambiente de nossas vidas está envolto em neblina” (BAUMAN, 2008, p.19). Na neblina conseguimos ver alguma coisa, conseguimos caminhar devagar e cautelosamente, mas não temos clareza de nada. Não temos segurança para escolher um caminho. Milan Kundera (1990, apud BAUMAN, 2008, p.19) aponta que “na neblina a pessoa é livre, mas é a liberdade de uma pessoa na neblina”. Nesse contexto, Bauman (2008, p.178) arremata dizendo que “A liberdade sem segurança não é menos perturbadora e pavorosa do que a segurança sem liberdade”. Assim, o sujeito vai sendo moldado socialmente e, também, no âmbito familiar para assumir ares de super-herói: incansável, resistente, ágil, destemido, fisicamente em forma e, nenhum outro adjetivo que se contraponha a esses. O sujeito entra numa corrida para estar sempre à frente do outro, pois apenas nesta posição lhe é permitido desfrutar de status social. A necessidade imperiosa de investir em si mesmo e corresponder aos anseios do mercado afastam-no do outro. Não há tempo para frustrações e para investimentos em relações em longo prazo. É preciso bastar-se a si mesmo. O super-herói da época do consumo é aplaudido não pelos seus feitos, mas pela notoriedade que conquista. Entretanto, quanto mais se conquista, quanto mais se tem, mais se quer e, essa lógica consumista molda um sujeito fadado à insatisfação: “os sofrimentos humanos mais comuns nos dias de hoje tendem a se desenvolver a partir de um excesso de possibilidades, e não de uma profusão de proibições” (EHRENBERG apud BAUMAN, 2007, p. 121). O que é conquistado precisa ser protegido das ameaças e ameaças podem vir de qualquer lugar e de qualquer pessoa, passa-se a viver em alerta constante. É preciso manter a imagem conquistada e valorizada socialmente, apoiada na capacidade de consumo. […] ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma mercadoria vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a maior parte daquilo que essa subjetividade possibilita ao 15 sujeito atingir, concentra-se num esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável. A característica mais proeminente da sociedade de consumidores – ainda que cuidadosamente disfarçada e encoberta – é a transformação dos consumidores em mercadorias (BAUMAN, 2007, p. 20). O sujeito vai dando espaço ao consumidor; vai sendo criado e alimentado no seio familiar para atender a um senso de padrão social que Douglas (1970, p.21 apud BAUMAN, 2008, p.183), chamou de aprisionar a criança num sistema de sentimentos e princípios abstratos e Lowen (1986), definiu como neurotizar a criança como forma de inseri-la nos padrões sociais. “Será destino do homem moderno, ser neurótico, ter medo da vida? Sim, é a minha resposta, se por homem moderno definirmos o membro de uma cultura cujos valores predominantes sejam o poder e o progresso”. (LOWEN, 1986, p.12). Santos (2003) aponta que num mundo sem grandes perspectivas, sem projetos históricos nem ambições coletivas, na ausência de valores mais significativos a força e o sentido da vida ficam na iminência da vida de cada um e na experimentação física da existência, no gozo das sensações. Entre essas sensações podemos citar o sexo, as drogas e, inclusive, o medo. A sensação do medo vem sendo buscada como produto consumível, causador de frisson. Essa busca se concretiza na prática de esportes radicais, que não se dá em nome da conquista ou reconhecimento, mas em nome da alegria, bem-estar, satisfação e felicidade. São os medos categorizados como produtos de consumo. Um tipo de medo que não se configura como fuga, ao contrário, está a serviço do prazer. 3 METODOLOGIA Esta pesquisa realizou-se através de um estudo com ênfase na abordagem qualitativa, possibilitando analisar os assuntos discutidos. A pesquisa não teve a preocupação de apresentar dados estatísticos, ela está focada em uma busca de análise a partir de uma compreensão do que é pesquisado. (GIL, 2008) A pesquisa foi elaborada através de estudos bibliográficos, tendo como fonte livros e busca de dados de publicações científicas no Google Acadêmico, Google e Scielo. Durante os estudos foram analisados materiais disponíveis na internet no período de 1996 a 2017, sendoutilizadas as palavras-chaves: Analise Bioenergética; Neurose e Medo. Os principais autores pesquisados foram: REICH, Wilhelm e LOWEN, Alexander. Para discussão do tema seguimos o percurso bibliográfico indicado abaixo: 16 Quadro 1: Percurso teórico Tópico 2.1 O medo: a neurose nossa de cada dia. 2.2 Morre o sujeito, nasce o consumidor. 4. Resultados e Discussão: Objetivo Compreender a conceituação da neurose a partir do medo da vida Problematizar a construção da sensação do medo decorrente da condição tensa de viver do sujeito contemporâneo, orientado enfaticamente ao fazer. Apresentar a contribuição terapêutica das intervenções verbais e corporais da Análise Bioenergética Elementos Principais A neurose como medo de viver genuinamente as emoções O medo construído, modelado e reforçado pela cultura do alto desempenho no contexto social atual. A Psicoterapia Corporal como meio de promoção da saúde Autor Primário LOWEN, Alexander BAUMAN, Zygmunt REICH, Wilhelm Autores Secundários REICH, Wilhelm NAVARRO, Federico - LOWEN, Alexander. NAVARRO, Federico Conforme Gil (2008), tal modo de pesquisa configura-se, enquanto natureza dos dados, como qualitativa. Será uma pesquisa exploratória, não experimental, com o objetivo de aprofundar o tema para melhor compreensão do mesmo, de modo que se possam construir futuras hipóteses para outros estudos. 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO: Pela palavra, pelo corpo - em busca de uma vida plena. A psicoterapia corporal emergiu da obra de Wilhelm Reich depois de seu afastamento do movimento psicanalítico. Lowen (1983) explica que inicialmente Freud tentou compreender o neurótico pelo prisma das ciências físicas. Mas aos poucos ele compreendeu que um dia a psicanálise precisaria ter um embasamento biológico, isso foi realizado através do trabalho de Wilhelm Reich, que tomou as hipóteses iniciais de Freud como ponto de partida de suas próprias investigações. 17 Embora Freud tenha apontado a neurose de ansiedade como sendo o resultado de um distúrbio de uma função sexual e como a reação à obstrução da respiração, ele não seguiu esse caminho. Coube a Wilhelm Reich demonstrar a conexão direta entre respiração restrita, inibição sexual e ansiedade. Referindo-se a Reich, Navarro (1995, p.17) comenta: Questionando, colocando em dúvida certas teorias do Mestre, [...] ele exprime sua preocupação constante em ultrapassar o discurso psicológico para perceber no próprio corpo os fundamentos do caráter e as bases da neurose. Aos poucos Reich foi se afastando da psicanálise e trabalhando com a técnica da Análise do Caráter, com as emoções e sensações fisiológicas dos pacientes, prosseguindo até a expressão corporal, onde a palavra não existe, atingindo o estágio gestacional. Suas pesquisas passaram a seguir em direção à função bioelétrica do prazer e da angústia, levando em conta que no prazer o organismo se expande ao passo que, na angústia, se contrai. (VOLPI, 2008). Uma das maiores contribuições da Teoria de Reich aos estudos sobre a personalidade humana foi sua proposta de que existe uma correlação entre a forma corporal e as nossas emoções. A noção de caráter é central na obra de Reich (1998), incluindo a dimensão educacional e a clínica e as perspectivas psicológicas e sociopolíticas e, está presente nas três técnicas terapêuticas por ele desenvolvidas: Análise do Caráter, Vegetoterapia Caractero- analítica e Orgonoterapia. Tanto no corpo teórico quanto na prática clínica a vegetoterapia caractero-analítica criada por Reich, tem profundas conexões com a psicanálise freudiana, de onde se originou e para a qual trouxe importantes contribuições, sendo a principal delas “A análise do caráter”. Reich foi discípulo de Freud e divergiu dele por introduzir em sua terapia o uso do contato direto com o corpo do paciente para relaxar as tensões musculares, que são um obstáculo à capacidade de se entregar aos sentimentos e sensações (WAGNER, 1996). Reich (1998) acreditava que através da profilaxia das neuroses e a regulação das funções instintivas, a humanidade seria capaz de uma transformação cultural que levaria a uma sociedade mais equilibrada, mais hábil para regular suas tensões e encadear estados de harmonia e bem-estar. Para descobrir quais traços de caráter estavam ligados às resistências Reich saiu de detrás do divã e passou a ficar frente-a-frente com o paciente. Dessa forma passou a observar não apenas as resistências verbais, mas também as latentes, expressas através do 18 comportamento, gestos, postura, tom de voz, silêncios, etc., ou seja, passou a analisar o caráter. “Não é apenas o que o paciente diz, mas como o diz que deve ser interpretado” (REICH, 1998, p.57). Reich (1998) assinalou, no corpo humano, sete níveis onde podem localizar-se as estases energéticas e onde, então, aparecem os sintomas, percebeu que elas se estabeleciam como tensões corporais em forma de anéis e denominou-as de couraça muscular. Descobriu também que elas eram os correspondentes somáticos da couraça de caráter. Assim sendo, seria possível mudar o caráter do indivíduo, mediante a flexibilização de sua couraça muscular. As emoções estavam guardadas nos músculos, nas vísceras e, portanto, o trabalho terapêutico não poderia se resumir como Freud propôs, em trazer à consciência o material reprimido do inconsciente. Basicamente, a couraça muscular está constituída pela soma das contrações musculares e por uma limitação funcional do processo respiratório. O espasmo da musculatura é o aspecto somático do processo de repressão, e a base de sua contínua preservação. Desse modo, Reich (1998) descreve três ferramentas como principais responsáveis para invalidar a couraça: aumentar a energia do corpo através de respiração profunda; atacar diretamente os músculos cronicamente tensos, através de pressão, para afrouxá-los e manter a cooperação do paciente lidando abertamente com todas as resistências ou restrições emocionais que surgirem. Alexander Lowen, médico e psicoterapeuta americano, discípulo e cliente de Reich, desenvolveu uma metodologia de psicoterapia, a Análise Bioenergética que busca entender a personalidade humana em termos dos processos energéticos que acontecem no corpo, objetivando ajudar as pessoas a se conscientizarem de seus corpos e através de movimentos voluntários, libertar sentimentos inconscientes gravados na memória corporal. A Análise Bioenergética entende as couraças “[...] como a melhor solução que a criança encontrou no momento em que se sentiu ameaçada. As couraças têm valor de sobrevivência e conferem a identidade” (VOLPI; VOLPI, 2003, p.7) e se propõe a dissolvê- las nos espaços em que se tornaram desnecessárias, através de métodos seguros e eficazes que ajudam o indivíduo no desenvolvimento de uma autoconsciência e autopercepção e, mais ainda, a realizar mudanças tanto na sua estrutura corporal como na sua maneira habitual de ser, isto é, modificando seus padrões de conduta e comportamento (KUHN, 2008, p.11). Lowen (1997, p.61) afirma que “a repressão do sentimento é o trabalho do ego, que observa, censura e controla nossos atos e comportamento. As palavras são a sua voz, assim 19 como o som é a voz do corpo”. A partir de Lowen (1997) o trabalho bioenergético do corpo inclui tanto procedimentos de manipulação como exercícios especiais. Os procedimentos de manipulação consistem de massagem, pressão controlada e toques suaves para relaxar a musculaturacontraída. Os exercícios se propõem a ajudar a pessoa a entrar em contato com suas tensões e liberá-las através de movimentos apropriados. Lowen (1997) afirma que a pessoa que vive com medo é tensa, ansiosa e contraída, vive num estado doloroso que as leva a entorpecer a própria sensibilidade em prol do alivio da dor ou do medo. A repressão torna-se um modo de vida para essa pessoa. A tensão em seu corpo é sentida, por causa da dor que ela provoca, mas não é compreendida como resultante do seu modo de funcionar ou de se conter. Essas tensões musculares crônicas se desenvolvem predominantemente no maxilar, pescoço, ombros, peito, alto das costas, região lombar e pernas. Elas constituem a prisão que impede a liberdade de expressão do indivíduo e denunciam a supressão de impulsos que não são expressos por medo das punições físicas ou verbais que poderiam acarretar. Alguns consideram sua rigidez como sinal de força, como prova de que podem enfrentar as adversidades. Por muitos, elas são vividas como anteparo contra o desconforto e até mesmo o sofrimento. A Análise Bioenergética tem como princípio central tornar o corpo vivo, vibrante, desfazendo-lhe as áreas congeladas. Lowen (1982) afirma que a essência do problema terapêutico é o coração e que todas as nossas defesas giram em torno de protegê-lo dos perigos. Usamos dos mais variados artifícios a fim de bloquear o acesso ao nosso coração, bem como não nos colocamos perante o Outro a partir dele. Estas defesas fazem parte do processo de crescimento individual e podem ser explicadas a partir de quatro camadas que se dispõem da periferia para o centro: 1) camada do ego – a mais externa contém as defesas psíquicas; 2) camada muscular – onde se depositam as tensões musculares crônicas que suportam as defesas do ego; 3) camada emocional – onde se alojam as emoções reprimidas como raiva, pânico ou terror, desespero, tristeza e dor; 4) centro – onde se localiza o coração de onde emanam os sentimentos de amar e ser amado. Lowen (1982) acreditou que somente através de uma terapia que usasse a camada muscular (onde se acumulam as tensões), como ponte entre a primeira camada (que lida com as defesas intelectuais) e a terceira (que lida com as defesas emocionais) é que se poderia lograr o êxito de alcançar o coração, já que essas três camadas são responsáveis pela análise e elaboração das posições defensivas. 20 A proposta da Análise Bioenergética é trabalhar as tensões musculares como forma de evocar sentimentos reprimidos, liberando emoções e neutralizando as defesas do ego. Entretanto, é importante ressaltar que Lowen considerava que o processo terapêutico não se limitava ao trabalho com as tensões musculares, precisava incluir a análise das defesas psíquicas e os sentimentos reprimidos. Não obstante é importante para a terapia que os sentimentos reprimidos tenham permissão para se exprimir [...] pôr a nu e ventilar tais sentimentos, uma vez que sua liberação deixa disponível a energia necessária para o processo de mudança (LOWEN, 1982, p.106). Por todo o corpo vamos encontrar tensões musculares crônicas que sinalizam impulsos bloqueados e sentimentos perdidos. Elas simbolizam uma restrição na capacidade do indivíduo de exteriorizar o que sente. A mandíbula é uma área de tensão crônica tão grave que em alguns indivíduos constituem uma doença conhecida como DTM- Disfunção Temporomandibular. Nesse caso, os impulsos que estão sendo bloqueados são os de chorar e morder (LOWEN, 1997). “As pessoas que não conseguem chorar ficam congeladas, seus corpos são contraídos e sua respiração fica gravemente restringida. Nenhuma pessoa recupera seu pleno potencial para existir se não consegue chorar” (LOWEN, 1997, p.64). Quando se fala em “energia” no âmbito da abordagem bioenergética, fala-se da energia biológica, que é dinâmica, flui e pulsa. No corpo ela é sentida como um movimento interno que, quando em equilíbrio, provoca uma agradável sensação de bem-estar. (VOLPI; VOLPI, 2003). A Análise Bioenergética entende que a energia está envolvida em todos os processos da vida - movimentos, pensamentos, sentimentos - e que se movimenta pelo ritmo natural do organismo que, em constante troca com o meio onde vive, é capaz de satisfazer suas próprias necessidades e se autorregular. Muitas pessoas querem entender o seu passado para compreender porque sentem e se comportam assim. Querem usar esse conhecimento para mudar a vida. Para ter uma vida mais gratificante. Infelizmente isso só pode ser feito em grau muito reduzido, porque os efeitos do passado estão estruturados no corpo, portanto, além do alcance da vontade ou da mente consciente. A mudança profunda e significativa só pode ocorrer por meio de um revivescimento emocional do passado. O primeiro passo nesse processo é chorar: chorar é a 21 aceitação da realidade tanto do passado como do presente e serve para aliviar a pessoa de seu estado de tensão (LOWEN, 1997). A vocalização através do choro, do gemido e do grito é estimulada no processo; o poder do grito é um importante instrumento no processo de restauração da alegria de viver: Quando a excitação e a tensão associada a ela tornam-se excessiva, o corpo reage espontaneamente para descarrega-las através do grito. O grito é um som agudo que aumenta de tom e intensidade até atingir um clímax. No grito, a onda de excitação flui para cima, para a cabeça, em oposição ao choro em que a onda flui para baixo, para o ventre. O som do choro é grave, em contraste com o do grito. No choro descarregamos a dor da solidão e da tristeza. É um apelo por contato e compreensão. No grito descarregamos a dor e uma excitação intensa, que pode ser positiva ou negativa (LOWEN, 1997, p.172). Com a liberação das couraças físicas e psíquicas abre-se a possibilidade de alcançar autoconhecimento; autopercepção e autoexpressão. É preciso abandonar a necessidade de ser forte para que a sensação genuína possa emergir. “A vantagem principal da terapia é ajudar a pessoa a parar de lutar contra si mesma. Essa é uma luta autodestrutiva que esgotará a energia da pessoa e a nada a levará. Muitas pessoas querem mudar. É possível mudar; mas isso tem que começar pela autoaceitação” (LOWEN, 1986, p.49). Ao conceituar a neurose como o medo da vida, Lowen nos dá a possibilidade de superá-la, permitindo-nos experimentar genuinamente nossas emoções, poder falhar e não sucumbir ao erro, sentir a vida aceitando nosso destino trágico e desfrutando do prazer que dela podemos obter. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Partimos nesta pesquisa com o objetivo de discutir o medo de viver na cultura do alto desempenho sob a perspectiva da neurose na análise bioenergética, apresentando a intervenção psicocorporal como meio de promoção para viver uma vida plena. Às vezes escutamos as pessoas dizerem “Não tenho medo de nada” e observamos que elas levam uma vida restrita, acuadas pelo medo que não admitem ou não percebem sentir. A capacidade de sentir está ofuscada pela necessidade do alto desempenho na vida contemporânea: a angústia, a dor, o amor, são emoções sufocadas para enfrentar a tensão existente na vida coletiva. A abordagem da psicologia corporal, especificamente aqui, a 22 Análise Bioenergética, apresenta-nos uma visão da neurose como medo da vida e propõe meios de intervenção que nos levam a uma vida plena e saudável. Como nos diz Lowen (1986, p. 23.) “Estar cheio de vida é respirar profundamente, mover-se livremente e sentir com intensidade”. O medo de viver está espelhado em nosso comportamento, vivemos cheios de afazeres, não nos sobra tempopara olhar o nosso interior, para perceber o que estamos sentindo. Muitas vezes, de tanto camuflar nossos sentimentos não conseguimos identificar nossas prioridades. Damos à nossa vida os rumos que os outros esperam que sejam dados e isso nos leva a uma falta de sentido, a um vazio existencial que os bens e o sucesso profissional não conseguem preencher. Bauman (2008) nomeia essa emoção de medo derivado. O “medo derivado”, ou medo de segundo grau, uma estrutura mental estável que poderia ser denominada de sentimento de suscetibilidade ao perigo, uma sensação de insegurança e vulnerabilidade. O “medo original”, o medo da morte, nós os seres humanos, compartilhamos com os outros animais. O medo derivado resulta do conhecimento do perigo, nos mantendo alertas, nos mantendo tensos e nos fazendo evitar viver a vida intensamente; neuróticos – com medo da vida. Freud, Reich e Lowen fizeram suas leituras da neurose traçando a relação desta com a cultura e pensar a neurose como produto de uma cultura leva-nos a considerar a possibilidade de sua superação, da clareza da condição humana na contemporaneidade e do investimento necessário na saúde individualmente para uma vida plena na coletividade. A relevância desse trabalho está na possibilidade de que docentes e discentes da área de psicologia se aproximem da abordagem corporal e possam rever o lugar do corpo na formação do profissional psicólogo, compreendendo a importância de uma prática interventiva que integre mente e corpo: o ser humano numa visão sistêmica. Bem como, colaborar academicamente com a produção de conhecimento na perspectiva psicocorporal como uma forma de agregar valor à prática profissional do psicólogo. É relevante, também, no sentido de permitir que as pessoas em geral possam compreender o medo como consequência dos apegos e do não pensar criticamente sobre a imposição do discurso social dominante que nos transforma em prisioneiros na imagem do ser incansável e invencível. Salientamos que mesmo as pessoas que não possuem conhecimentos técnicos podem se beneficiar desse trabalho e através da conscientização dos seus corpos, assimilar uma nova forma de autoconhecimento. 23 Não se pretendeu neste artigo esgotar o tema do medo como companhia permanente e indissociável da vida humana, e seus impactos no psiquismo. Nossa pretensão foi, antes provocar a reflexão e a discussão sobre o grau das restrições que ele impõe, traduzindo-se em mobilizações e imobilizações na vida das pessoas. E assim, reafirmamos nossa convicção na libertação do sujeito pela fala, pelo corpo e pela energia vibrante. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. ________. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008. KUHN, Amanda Schmidt. As técnicas da vegetoterapia como ferramenta para o trabalho psicocorporal com grupos. 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Acesso em: 11 set. 2017. 25 ANEXO DIRETRIZES PARA AUTORES Os trabalhos originais, na modalidade de relatos de pesquisas, relatos de experiência profissional e traduções, deverão ser submetidos, em formatos DOC ou DOCX, no site da VEREDAS FAVIP - Revista de Ciências (http://veredas.favip.edu.br) ou diretamente no link referente à submissão de artigos (http://veredas.favip.edu.br/ojs/index.php/veredas1/about/submissions), obedecendo aos critérios: 1) Devem constar na primeira página: Título de acordo com a língua do artigo (em caixa alta, centralizado), abaixo e alinhado à direita e separados por linha o(s) Nome(s) do Autor(es) (em nota de rodapé, as informações do autor com relação à titulação, local de trabalho, origem do trabalho teórico, órgão financiador do projeto (quando aplicável), endereço completo e e-mail). Resumo em parágrafo único (respeitando o limite de 250 palavras, espaçamento simples) e, separado por parágrafo alinhado à esquerda, 3 (três) palavras-chave na língua original do manuscrito. Devendo contar, também, Título pleno em inglês compatível com o título original (em caixa alta, centralizado), abaixo e separado por parágrafo o “Abstract” (respeitando o resumo na língua do manuscrito), além de três "Keywords", separadas por ponto. Quando o texto original submetido estiver em inglês, esta etapa contará com a apresentação do resumo e palavras-chaves em Português. Importante: As ideias do texto, o Abstract e as Referências, constantes no artigo científico, são de responsabilidade do autor. 2) Na formatação, o corpo do texto deve apresentar obrigatoriamente Introdução (que contemple a Fundamentação Teórica) Método utilizado, Resultados/Discussões, Considerações Finais e Referências Bibliográficas. Além de estar digitado em espaço 1,5 entrelinhas, em Word versão 2003 ou posterior, em páginas numeradas, com margens de 3 cm (superior e esquerda) e 2 cm (inferior e direita), justificado, na fonte “Times New Roman”, tamanho 12, em papel A4. Importante: Nas Referências só devem constar as obras, em ordem alfabética, das efetivamente citadas no corpo do texto e deverão ser digitadas em espaçamento simples e separadas entre si por espaço duplo, além de alinhadas somente à margem esquerda. 3) Conter entre10 e 20 páginas numeradas a partir da Introdução. Somente, em casos especiais, serão aceitos trabalhos com número inferior, desde que aceito pelo Conselho Editorial. 4) Os trabalhos deverão ser inéditos, escritos em português, inglês ou espanhol, de forma clara e concisa. Os trabalhos enviados não podem ser ou terem sido publicados ou submetidos à publicação em outra revista ou anais de evento. 5) As citações dos autores deverão ser feitas no corpo do texto, utilizando-se da forma “autor-data”, a saber: a) Citação indireta: utilização da ideia do autor, porém sem a transcrição textual. Exemplos: (SOBRENOME DO AUTOR, data de publicação): Sartre (1943) afirma que o homem é angústia... b) Citação direta: transcrevendo o texto do autor: Citações diretas, de até 3 linhas, devem estar entre aspas duplas, no texto: É neste cenário, que "[...] a AIDS nos mostra a extensão que uma doença pode tomar no espaço público. Ela coloca em evidência de maneira brilhante a articulação do biológico, do político, e do social." (HERZLICH e PIERRET, 1992, p.7). Citações diretas, com mais de 3 linhas, devem vir recuadas em 4 cm da margem esquerda, com 26 letra menor que o texto (fonte 11), espaçamento simples, e sem aspas. [...] para compreender o desencadeamento da abundante retórica que fez com que a AIDS se construísse como 'fenômeno social', tem-se freqüentemente atribuído o principal papel à própria natureza dos grupos mais atingidos e aos mecanismos de transmissão. Foi construído então o discurso doravante estereotipado, sobre o sexo, o sangue e a morte [...]. (HERZLICH e PIERRET, 1992, p.30). Outros exemplos: As obras de um mesmo autor com datas idênticas, proceder: Baudrillard (2000a), Baudrillard (2000b) e assim sucessivamente; Obras com dois autores, citar: (BROW; MEYER, 2000); Mais de três autores, citar o primeiro autor com o complemento da expressão et. al. 6) As notas de rodapé devem ser utilizadas, minimamente, para destacar alguma explicação e colocadas no pé das páginas por meio de números sequenciais, seguindo as referências numéricas constantes no corpo do texto. 7) Gráficos e tabelas deverão ser colocados na ocorrência do texto, com as respectivas indicações de localização, fonte e explicação. 8) Os trabalhos que estiverem distintos das normas sugeridas, não serão remetidos aos pareceristas, mas devolvidos aos autores para a devida adequação às normas. 9) Os autores serão responsáveis pelos dados, conceitos emitidos e Referências citadas em seus artigos. 10) Os trabalhos serão submetidos sigilosamente à apreciação do Conselho Científico ou a relatores de pareceres Ad hoc, sendo publicados após o parecer favorável de, pelo menos, dois membros, de acordo com a programação a ser definida pelo Conselho Editorial, dependendo da quantidade de trabalhos aprovados, obedecendo-se a ordem cronológica de submissão. Importante: Os autores receberão as informações sobre a aceitação do trabalho (via e-mail pessoal e "notícias" constante no site da revista. Os autores, dos trabalhos recusados, serão informados via e- mail pessoal. 11) As possíveis sugestões dos pareceristas ou do Conselho Editorial de modificações nos trabalhos, serão remetidas, sigilosamente, aos autores. 12) Quando do aceite de publicação do manuscrito a Revista VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências, os autores se comprometem a enviar carta de declaração de responsabilidade e transferência de direitos de publicação, além de arquivo digitalizado do parecer de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (quando couber). 13) Os autores, ao submeterem os seus trabalhos, estão concordando com a Cessão dos Direitos Autorais à VEREDAS FAVIP - Revista Eletrônica de Ciências, conforme disposições de veiculação e acesso livre dos leitores aos textos, desde que citando a fonte de referência e os respectivos créditos do autor. CONDIÇÕES PARA SUBMISSÃO Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a conformidade da submissão em relação a todos os itens listados a seguir. As submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores. 27 1. A contribuição é original e inédita, e não está sendo avaliada para publicação por outra revista; caso contrário, deve-se justificar em "Comentários ao editor". 2. O arquivo da submissão está em formato Word versão 2003 ou posterior 3. URLs para as referências foram informadas quando possível. 4. O texto segue os padrões de estilo e requisitos bibliográficos descritos em Diretrizes para Autores, na página Sobre a Revista. 5. Em caso de submissão a uma seção com avaliação pelos pares (ex.: artigos), as instruções disponíveis em Assegurando a avaliação pelos pares cega foram seguidas. POLÍTICA DE PRIVACIDADE Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros. ISSN: 1984-8463
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