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Melo 2005

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p.390 • R Enferm UERJ 2005; 13:390-5.
Reforma psiquiátrica
A CONSTRUÇÃO DO CUIDADO À
FAMÍLIA E A CONSOLIDAÇÃO DA
REFORMA PSIQUIÁTRICA
BUILDING THE FAMILY CARE AND
CONSOLIDATING THE PSYCHIATRIC REFORM
Rosâne Mello*
RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir o cuidado à família de uma pessoa com transtornos
mentais, dentro do contexto da Reforma Psiquiátrica. Para tal intento, utilizou-se como método de estudo
a pesquisa bibliográfica. A partir da discussão, afirma-se que a família precisa sentir-se preparada para
receber seu familiar em casa, assim como sentir-se segura quanto à disponibilidade do serviço em
oferecer escuta e auxílio na resolução de problemas que venham a ocorrer. O fenômeno em questão é
extremamente complexo, cabendo aos profissionais de saúde mental incluir a família no cuidado à
pessoa com transtornos mentais, principalmente através de esclarecimento acerca do familiar adoecido,
do seu sofrimento e dos tratamentos possíveis. Nesse sentido, o profissional estaria ajudando os famili-
ares a aliviar o peso dos encargos, a diminuir os fatores estressantes e a melhorar a qualidade de vida de
todas as pessoas envolvidas.
Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Palavras-chave: Reforma psiquiátrica; saúde da família; saúde mental; sobrecarga familiar.
ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT: : : : : This study discusses the care given to the family of patients with mental disease within the
context of the Psychiatric Reform. The bibliographic research is used as a method to achieve such aim. It
is stated that the family must be prepared to receive the patient at home, as well as to feel secure about the
availability of a service ready to listen and to help solving possible problems. Mental diseases are very
complex and mental health professionals must include the family in the care, giving explanations about
the patient’s disease and possible treatments. Thus, professionals would contribute to reduce family
overload and to diminish stressing factors, providing a better quality of life to all the involved people.
Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Psychiatric reform; family health; mental disease; family overload.
INTRODUÇÃO
A partir de abril de 2001, a assistência em
saúde mental teve redirecionados, de forma jurí-
dica, os paradigmas de atenção em saúde mental.
Esse redirecionamento teve início com o Movimen-
to dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM),
no ano de 1978, com a crise na Divisão Nacional
de Saúde Mental (DINSAM). A crise foi
deflagrada a partir da denúncia, por três médicos
bolsistas, de irregularidades no Centro Psiquiátrico
Pedro II, no Rio de Janeiro1. A partir daí, seguiram-
se vários movimentos sociais que ratificaram a ne-
cessidade de mudanças no cuidado a pessoa com
transtornos mentais, com destaque para a 1ª, 2ª e
3ª Conferência Nacional de Saúde Mental.
A partir desses movimentos, os paradigmas da
saúde mental foram se modificando, ganhando
matizes mais humanísticos e foram propostos no-
vos modelos de assistência, com o objetivo de
desinstitucionalização dos clientes. Vale destacar
que a política de saúde mental, no Brasil, vem
sendo influenciada principalmente pelo modelo
basagliano de assistência em saúde mental.
Nesse sentido, Rotelli, citado por Hirdes2,
considera que a desinstitucionalização é um tra-
balho de transformação e se refere à construção
de uma política de saúde mental baseada nos
seguintes pressupostos:
- Ruptura com o paradigma clínico biomédico, de
forma que o cuidado seja descompartimentalizado
e que seu objetivo seja deslocado da cura para a
invenção de um novo conceito de saúde;
R Enferm UERJ 2005; 13:390-5. • p.391
Mello R
- A substituição do manicômio por estruturas não
asilares, de forma tal que os serviços se tornem
dinâmicos e estejam em constante transformação;
- Maior investimento em pessoas e menor investi-
mento em aparatos, de forma que as competênci-
as profissionais sejam valorizadas;
- O cuidado como elemento transformador dos
modos de viver e sentir o sofrimento, estimulan-
do a auto-ajuda e a autonomia dos sujeitos;
- Mobilização de profissionais e clientes na gera-
ção de comunicação e solidariedade, objetivando
a mudança das estruturas e dos sujeitos, de forma
que as relações de poder entre instituições e su-
jeitos sejam alteradas; e
- Valorização do afeto nas relações terapêuticas e
percepção da liberdade como um instrumento
terapêutico.
A Reforma Psiquiátrica brasileira tenta rom-
per com uma ciência que tem como elementos
norteadores a objetivação do fenômeno da lou-
cura e a patologização dos comportamentos hu-
manos, deslocando o foco do atendimento da pa-
tologia para o modo de viver e sentir o sofrimento
do sujeito.
As mudanças em saúde mental são comple-
xas, complementares e necessitam de:
[...] uma interrelação de construção de conceitos;
de espaços substitutivos de sociabilidade; de possi-
bilidades plurais e singulares concretas para sujeitos
concretos; de direito ao trabalho, à família, aos ami-
gos, ao cotidiano da vida social e coletiva; de soli-
dariedade e inclusão de sujeitos em desvantagem
social [...]3:8.
Para que esse processo se realize como políti-
ca nacional de saúde mental, foi elaborada, após
anos de discussão, a Lei Nº 10.216, de 6 de abril de
20014. Essa lei dispõe sobre a proteção e os direitos
das pessoas com transtornos mentais e redireciona
o modelo assistencial em saúde mental. Prevê a
inclusão da família na assistência ao portador de
transtorno mental, conforme os seus artigos:
Parágrafo único do Art. 2º– São direitos da pessoa
com transtorno mental:
II - ser tratada com humanidade e respeito e no inte-
resse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando al-
cançar sua recuperação pela inserção na família, no
trabalho e na comunidade;
Art. 3º – É responsabilidade do Estado o desenvolvi-
mento da política de saúde mental, a assistência e a
promoção de ações de saúde aos portadores de trans-
tornos mentais, com a devida participação da socie-
dade e da família, a qual será prestada em estabele-
cimento de saúde mental, assim entendidas as insti-
tuições ou unidades que ofereçam assistência em
saúde aos portadores de transtornos mentais.
A partir do que foi apresentado, este estudo
tem como objetivo discutir a importância da in-
clusão da família no cuidado aos clientes com
transtorno mental, tendo como referência as di-
retrizes da Reforma Psiquiátrica.
Para alcançar o referido objetivo, foi desen-
volvida uma pesquisa do tipo bibliográfica que,
segundo Gil5, constitui-se da releitura de um de-
terminado tema a partir de livros e artigos cientí-
ficos. Foram utilizados textos publicados por vári-
os profissionais especialistas em saúde mental e
família. As publicações estudadas são oriundas de
dissertações de mestrado, artigos de revistas ci-
entíficas, livros, assim como a legislação
norteadora da atual política de saúde mental.
A Família no Cuidado à Pessoa com
Transtorno Mental
A concepção de família e suas atribuições
são apresentadas a seguir:
[...] instituição indispensável para a garantia da so-
brevivência e da proteção integral dos membros que
a constituem [...] É neste ambiente que seus mem-
bros recebem os apoios afetivos, psicológicos e sobre-
tudo os materiais necessários ao seu crescimento e
desenvolvimento [...] Podemos concluir que o equi-
líbrio familiar é indispensável para o nascimento, cres-
cimento e desenvolvimento saudável de seus mem-
bros, assim, como para contribuição de uma socieda-
de saudável [...]6:380
Ao longo da história da humanidade, as atri-
buições da família, no que diz respeito ao cuida-
do com a pessoa com transtorno mental, já tive-
ram vários significados. Rosa7 indica os vários pa-
péis assumidos pela família, no que diz respeito
ao cuidado com o louco e a loucura, ressaltandoque, na sociedade pré-capitalista, o cuidado com
o doente era de competência da família. Esse pa-
pel se modifica apenas no século XVIII, com
Phillippe Pinel e o nascimento da psiquiatria, e
considera o isolamento do doente, inclusive de
sua família, como parte do tratamento. O isola-
mento justificava-se na proteção da família con-
tra o processo da loucura, esta relacionada com a
indisciplina e a desordem moral. Por outro lado, a
família era vista como propiciadora do
adoecimento, ratificando a necessidade de isola-
mento da pessoa doente7,8.
Corroborando esse modelo assistencial, o
Estado responsabilizava-se pelos cuidados com a
pessoa com transtornos mentais, impondo barrei-
p.392 • R Enferm UERJ 2005; 13:390-5.
Reforma psiquiátrica
ras e permitindo um contato mínimo entre os fa-
miliares e o familiar adoecido. A partir dessa prá-
tica, os vínculos familiares foram rompidos pela
hospitalização prolongada e pelo isolamento do
doente. Esse isolamento do doente de seu núcleo
familiar foi reforçado de forma amena pelo
referencial psicanalítico que “além de ser colo-
cada como um agente patológico, a família co-
meça a ser culpabilizada pela esquizofrenia, so-
bressaindo a figura da mãe como principal pro-
motora da enfermidade”7:61.
A partir da década de 1970, com a crise eco-
nômica deflagrada, ocorre a reorientação das po-
líticas públicas e muitas funções, anteriormente
assumidas pelo Estado, são devolvidas à família.
Nesse momento, a família fica duplamente
sobrecarregada, pois conta de forma precária com
o suporte social anteriormente suprido pelo Esta-
do e enfrenta uma crise econômica. Assim, a fa-
mília que precisa assumir os cuidados domésticos
com o portador de transtorno mental de longa
duração foi diretamente atingida.8
Em seguida a esse movimento, no final da
década de 1970, na Itália, com a Lei nº 180, fir-
ma-se a psiquiatria de base comunitária de Fran-
co Basaglia. A tradição basagliana de atendimen-
to percebe a família como:
[...] no cerne das condições de reprodução social do
portador de transtorno mental, à medida que é vista
como um sujeito que procura reconstruir relações
cotidianas, criar novos sentidos, manter e fortalecer
laços de sociabilidade [...]8: 67
A política de saúde mental contemporânea
brasileira baseia-se, principalmente, nos
referenciais basaglianos, que indicam o retorno e a
permanência da pessoa com transtorno mental no
seu meio social, englobando a família, o trabalho e
a comunidade. A inclusão da família transforma-
se então, em condição sine qua non para a efetivação
das atuais propostas da Reforma Psiquiátrica.
Spaniol, Zipple e Lockwood9 asseguram que
os profissionais ainda mantêm uma visão da famí-
lia como um agente causador e perpetuador da
doença. Esses autores afirmam ainda que as famí-
lias que já possuem uma experiência maior em
lidar com o transtorno mental têm mais a ofere-
cer que os profissionais, pois conhecem de perto
as limitações e o que pode ser feito a respeito dos
sinais da doença e a maneira mais adequada de
lidar com a pessoa adoecida.
Nesse sentido, quando o transtorno mental é
compreendido pela família e esta consegue reduzir
suas expectativas em relação à pessoa adoecida,
torna-se mais fácil para os familiares ter experiên-
cias emocionais positivas em relação ao doente8-12.
Porém, não há como negar o impacto gerado
na família em razão do adoecimento psíquico.
Quando a família chega ao serviço de saúde men-
tal, em geral, encontra-se estressada, cansada,
desesperançosa, sem entender muito bem o que
realmente está acontecendo com o seu familiar.
Infelizmente, até os dias de hoje, muitas vezes a
família é culpabilizada pelos profissionais ou dei-
xada à margem do tratamento de seu familiar, não
recebendo esclarecimento acerca da doença men-
tal ou mesmo dos tratamentos medicamentosos e
psicoterápicos necessários9.
No que diz respeito ao impacto gerado pelo
convívio com o transtorno mental, Koga10 consi-
dera que a família recebe quatro tipos de sobre-
carga, são elas: sobrecarga financeira: a pessoa
adoecida deixou de trabalhar e receber salário;
um dos familiares pára de trabalhar para cuidar
da pessoa doente; aumento dos gastos em decor-
rência da compra de medicação, de consultas
médicas, de internações ou das atitudes do do-
ente; sobrecarga nas rotinas familiares: a família
precisa assumir as atividades domésticas do do-
ente e um ou mais membros da família ausentam-
se do trabalho ou da escola para levá-lo ao médi-
co; sobrecarga em forma de doença física ou emo-
cional: acarretada pelo desgaste físico e emocio-
nal em razão dos sintomas da doença do familiar,
como, por exemplo, ficar noites sem dormir, ansi-
edade, emagrecimento e; alteração nas ativida-
des de lazer e nas relações sociais: aumento dos
gastos familiares com o tratamento psiquiátrico;
impossibilidade de a pessoa ficar só em casa, ge-
rando isolamento aos familiares e a sujeição às
intempéries da pessoa adoecida.
Melman8 acrescenta ainda como fatores ge-
radores de impacto familiar: o estresse, a vivência
de instabilidade e insegurança, os conflitos fre-
qüentes, a vergonha, o cansaço e a frustração.
Faz-se importante complementar que, no
cenário doméstico de cuidados, entre os mem-
bros do núcleo familiar, as mulheres são aqueles
sobre quem recai, de forma mais incidente, o en-
cargo de cuidador do membro com transtorno
mental grave7,11.
Construindo o Apoio à Família
Se a atual política de saúde mental preconiza
a inclusão dos familiares dos portadores de trans-
R Enferm UERJ 2005; 13:390-5. • p.393
Mello R
tornos mentais graves na assistência, precisa ofe-
recer subsídios para que eles consigam exercer suas
funções e responsabilidades. Destarte, torna-se
imprescindível que os profissionais gerem, nos co-
tidianos institucionais, dispositivos terapêuticos que
contemplem as demandas dos familiares. Gonçal-
ves e Sena11 relatam que é comum os profissionais
de saúde imporem à família a aceitação e a
responsabilização pelo cuidado do doente, sem ofe-
recer o suporte e as orientações necessárias.
Infere-se que os dispositivos necessários de
auxílio não se resumem à ajuda econômica, que
ocorre através dos benefícios oferecidos pelo sis-
tema previdenciário, sendo necessários também:
esclarecimentos sobre a doença mental; apoio
psicoterápico individual, nuclear e/ou em grupo;
acolhimento efetivo e rápido nos momentos de
crise; garantia de continuidade na distribuição
de medicamentos; e acesso aos diferentes servi-
ços de saúde mental.
Existem muitas situações na convivência
com a pessoa com transtorno mental grave que
são particularmente difíceis para a família. Nesse
sentido, Spaniol, Zipple e Lockwood9 citam como
exemplos a administração de medicamentos, o
comportamento estranho, anti-social ou agressi-
vo, o isolamento social, a deficiência no
autocuidado (higiene, aparência, entre outros) e
os comportamentos autodestrutivos e suicidas.
Prosseguem ressaltando que é muito difícil para
as famílias encontrar a atitude mais adequada para
lidar com a pessoa com o transtorno mental, de
tal forma que haja o equilíbrio entre uma vida
independente e as limitações causadas pela do-
ença mental.
O profissional precisa ver os familiares como
colaboradores da prática de cuidados à pessoa
com transtorno mental e com eles trabalhar como
um time9.
Spaniol, Zipple e Lockwood9 destacam que
os profissionais que oferecem apoio aos familiares
precisam ser claros quanto a suas limitações. Faz-
se necessário explicar aos familiares a complexi-
dade que há em lidar com as disfunções causadas
pela doença mental e as limitações do que se co-
nhece ainda hoje sobre o transtorno mental e seu
tratamento. No que diz respeito aos cuidados com
o grupo de familiares indicam ainda:
- Utilização de meios educativos para a aproxi-
mação, pois a família sente-se confortávelno pa-
pel de aprendiz e está ansiosa para receber infor-
mações;
- Inclusão dos familiares no planejamento dos gru-
pos de família;
- Aprender a responder a sentimentos intensos dos
familiares porque eles precisam de profissionais que
os ouçam com compreensão e compaixão, pois suas
vidas estão repletas de frustração e até mesmo de
abuso dos profissionais de saúde mental;
- Buscar os grupos locais de apoio à família, sendo
esses espaços excelentes para os profissionais conhe-
cerem os interesses e resistências dos familiares;
- Reconhecer outras crenças, pois há uma gama
imensa de crenças e necessidades no campo da
saúde mental;
- A maior função do profissional de saúde mental
é mostrar à família que ela possui poder e muita
coisa a oferecer.
Os profissionais que oferecem suporte aos
familiares de pessoas com transtorno mental pre-
cisam de apoio psicoterápico9. Tal indicação ocor-
re em razão desses sujeitos lidarem cotidiana-
mente com tensões oriundas do processo de apoio
à família.
Ainda no que diz respeito ao cuidado com a
família, Rosa7 aponta algumas diretrizes para a
construção de novas relações entre usuários, seus
familiares e profissionais de saúde mental: reor-
ganização da relação de gênero, aliviando a pres-
são sobre as mulheres; reorganização da distribui-
ção do peso do cuidado do portador de transtor-
no mental entre a família e os serviços de saúde;
melhoria das condições gerais nas condições de
vida das famílias e das mulheres em especial;
capacitação dos trabalhadores de saúde mental e
democratização dos serviços; manutenção do di-
reito ao refúgio nos momentos de crise e
agudização do quadro clínico pelo Estado; forta-
lecimento e ampliação dos novos serviços, produ-
zindo novas formas de atendimento ininterruptas,
de acordo com as necessidades dos usuários e seus
familiares; articulação entre as políticas sociais
de forma a permitir uma atenção integral nas vá-
rias dimensões da vida familiar; e propiciar maior
visibilidade ao trabalho do familiar que atua como
cuidador no espaço doméstico.
No que diz respeito à importância do apoio
aos familiares de pessoas com transtorno mental,
vale ressaltar que:
[...] Ajudar os familiares na interação e na gestão da
vida cotidiana dos pacientes alivia o peso dos encar-
gos, facilita o processo de estabelecimento de uma
cooperação, diminuem os fatores estressantes
ativadores de situações de crise, estimula a criação
p.394 • R Enferm UERJ 2005; 13:390-5.
Reforma psiquiátrica
de possibilidades participativas, melhorando a quali-
dade de vida de todas as pessoas envolvidas [...]8:80
Apesar de avanços significativos no campo
psiquiátrico, no Brasil, existem desafios para sua
consolidação, entre os quais se destaca a neces-
sidade de inversão dos gastos no tratamento –
reduzir despesas com internações psiquiátricas em
hospitais especializados e destinar mais recursos
financeiros para os centros de atenção diária, para
que o ritmo de crescimento desses serviços seja
acelerado. Em 2001, os investimentos do Minis-
tério da Saúde na implantação de serviços de
atenção diária, apesar de terem sido autorizados,
foram repassados de forma muito reduzida aos
municípios e estados13.
Ainda nesse contexto, Mello e Furegato14
desenvolveram estudo sobre a política de saúde
mental no Rio de Janeiro e, a partir de dados dis-
poníveis no sistema de informação DATASUS,
constataram: redução de leitos psiquiátricos; au-
mento do tempo de permanência nos hospitais
psiquiátricos; estabilização do número de Centro
de Atenção Psicossocial (CAPS) que compõem a
rede assistencial; instabilidade na distribuição de
medicamentos psicoativos; reduzido número de
profissionais nos CAPS e, conseqüentemente, a
sobrecarga dos serviços existentes, que atendem
um número excessivo de clientes em condições
deficitárias.
Acredita-se que não basta fechar os hospi-
tais psiquiátricos ou reduzir o número de leitos
psiquiátricos se antes não forem modificados os
significados desses aparatos manicomiais nos
cernes familiar e social. Logo, seria improdutivo
transformar a política de saúde mental sem ofe-
recer à família condições mínimas para manter a
pessoa adoecida em seu cotidiano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que a Reforma Psiquiátrica ocorra de
forma efetiva, a família precisa ser vista como um
agente fundamental de transformações da percep-
ção da loucura pela sociedade, como também ser
incluída de forma responsável no processo de cui-
dado à pessoa com transtornos mentais graves. Faz-
se necessário reverter a idéia de que o Estado é o
único responsável pelo cuidado do familiar com
transtorno mental, porém, em contrapartida, é
preciso alertar que
[...] defender o cuidado unicamente na família en-
volve o risco de reforço às políticas regressivas nos
moldes sugeridos pelo ideário neoliberal, que retira o
Estado da assistência ao portador de transtorno men-
tal [...] que, ao se orientar pela busca de racionaliza-
ção econômica e administrativa, desospitalizou e pro-
vocou desassistência.[...] 7:346
Então, faz-se evidente a necessidade da in-
clusão dos familiares no movimento da Reforma
Psiquiátrica, não apenas como objeto de pressão
social e política, mas como coadjuvantes no tra-
tamento, beneficiando não só a pessoa com trans-
torno mental, mas a família como um todo. Os
familiares precisam ser vistos como um grupo que
necessita de apoio e orientação para lidar com o
impacto gerado pelo sofrimento psíquico de lon-
ga duração em seu núcleo familiar, que inegavel-
mente acarreta alteração nas atividades cotidia-
nas e no orçamento familiar.
Fala-se continuamente na mudança da po-
lítica de saúde mental, porém o que se tem obser-
vado é o fechamento dos hospitais conveniados
que oferecem uma assistência de má qualidade
sem que recursos financeiros sejam aplicados na
efetivação dos CAPS já existentes e na amplia-
ção do número desses serviços.
Ratifica-se aqui que cabe aos profissionais
de saúde mental auxiliar os familiares a encon-
trar soluções adequadas, de forma tal que ocorra
o incremento da qualidade de vida da pessoa com
transtorno mental, assim como do grupo familiar.
A partir do que foi discutido, acredita-se que
a família precisa sentir-se preparada para receber
seu familiar em casa, assim como sentir-se segura
quanto à disponibilidade do serviço em oferecer
escuta e auxílio na resolução de problemas que
venham a ocorrer. Sem esses recursos, a família,
provavelmente, continuará sentindo-se desampa-
rada e desassistida, não tendo condições de cui-
dar do indivíduo com transtorno mental grave no
âmbito familiar e tornando insustentável a per-
manência da pessoa adoecida em casa.
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R Enferm UERJ 2005; 13:390-5. • p.395
Mello R
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município do Rio de Janeiro entre 1996 e 2002: internações.
J Bras de Psiq No prelo, 2005.
LA CONSTRUCCIÓN DEL CUIDADO A LA FAMILIA Y LA CONSOLIDACIÓN DE LA REFORMA
SIQUIÁTRICA
RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo discutir el cuidado a la familia de una Este artículo tiene como objetivo discutir el cuidado a la familia de una Este artículo tiene como objetivo discutir el cuidado a la familia de una Este artículo tiene como objetivo discutir el cuidado a la familia de una Este artículo tiene como objetivo discutir el cuidado a la familia de una
persona con transtorpersona con transtorpersona con transtorpersona con transtorpersona con transtornos mentales, dentro del contexto de la Reforma Siquiátrica. Con ese motivo, se
utilizó como método de estudio la investigación bibliográfica. A partir de la discusión, se afirma que la
familia necesita sentirse preparada para recibir su familiar en casa, así como sentir plena seguridad frente
al servicio en ofrecer escucha y auxilio en la resolución de problemas que vengan a ocurrir. El fenómeno
en cuestión es extremamente complejo, cabiendo a los profesionales de salud mental incluir a la familia
en el cuidado a la persona con dichos transtornos, principalmente a través de la información acerca del
enfermo, de su sufrimiento y de los tratamientos posibles. En eso sentido, el profesional estaría ayudando
a los familiares a aliviar el peso de las obligaciones, a disminuir los factores estresantes y a mejorar la
calidad de vida de todos.
Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Palabras Clave: Salud de la familia, salud mental, sobrecarga familar, reforma siquiátrica.
Recebido em: 17.01.2005
Aprovado em: 10.10.2005
NotasNotasNotasNotasNotas
*Doutoranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo, Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e
Ciências Humanas Endereço: Estrada da Bica, 327/106 – Ilha do Governador / Rio de Janeiro / RJ CEP:21931-050- Endereço eletrônico:
zaneflor@terra.com.br

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