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1 SAÚDE MENTAL NOS CICLOS DA VIDA 1 Sumário NOSSA HISTÓRIA .......................................................................................... 2 INTRODUÇÃO................................................................................................. 3 CUIDADO EM SAÚDE MENTAL ..................................................................... 6 POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL .................................................. 9 SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA ................................... 11 SAÚDE MENTAL NA VIDA ADULTA ............................................................ 18 SAÚDE MENTAL NO IDOSO ........................................................................ 20 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 24 REFERÊNCIAS ............................................................................................. 28 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO A humanidade, desde os primórdios, tem dificuldade em lidar com as diferenças e com as dissonâncias do senso e convivência comum. Na psiquiatria, o tratamento da loucura por vezes foi baseado na intolerância frente aos comportamentos dos doentes mentais tendo no cárcere dos indivíduos uma opção para afugentar o diferente e proteger a sociedade. Nas últimas décadas, os hospitais psiquiátricos deixaram de constituir a base do sistema assistencial, cedendo terreno a uma rede de serviços extra hospitalares de crescente complexidade, visando à desconstrução do modelo até então vigente. A internação psiquiátrica tornou-se mais criteriosa, com períodos mais curtos de hospitalização, favorecendo a consolidação de um modelo de atenção à saúde mental mais integrado, dinâmico, aberto e de base comunitária. Neste contexto, o paciente, sua família e os profissionais dos serviços comunitários passam a ser, cada vez mais, os principais provedores de cuidados em saúde mental. Exigindo articulação entre diversos serviços da rede de saúde em seus diferentes níveis de atenção. Porém, no Brasil, como em muitos outros países, esta rede de serviços ainda está em desenvolvimento e, carece de ampliação da implantação de infraestrutura extra hospitalar mais próxima ao cotidiano de seus clientes. Apesar desses avanços a assistência ao doente mental ainda é marcada por um processo de sucessivas internações, caracterizando um novo fenômeno conhecido como porta giratória. Isto é, o doente alterna entre episódios agudos com internação e períodos de estabilidade quando fica na comunidade. A demanda de cuidado em saúde mental não se restringe apenas a minimizar riscos de internação ou controlar sintomas. Atualmente, o cuidado envolve também questões pessoais, sociais, emocionais e financeiras, relacionadas à convivência com o adoecimento mental. Tal cuidado é cotidiano e envolve uma demanda de atenção nem sempre prontamente assistida devido a inúmeras dificuldades vivenciadas tanto pelos pacientes e seus familiares, quanto pelos profissionais e a sociedade em geral, tais como: escassez de recursos, inadequação da assistência profissional, 4 estigmatização, violação de direitos dos doentes, dificuldade de acesso a programas profissionalizantes, etc. Além disso, cabe ressaltar a notória complexidade do cuidado em saúde mental, uma vez que, em muitos casos são necessários tratamentos poli- medicamentosos, suporte terapêutico e ocupacional de longo prazo. Nesse sentido o processo de assistência destes pacientes deve ser otimizado visando à reabilitação e interação psicossocial. Nesse sentido, a busca pela adequação da assistência ao cuidado em saúde mental tem suscitado inúmeros questionamentos acerca da proposta de desinstitucionalização, uma vez que esta proposta ainda não foi devidamente consolidada pelo modelo de atenção proposto, gerando grande demanda aos insuficientes serviços substitutivos de assistência caracteristicamente comunitária, abordagens assistenciais equivocadas até a desassistência em alguns casos. No Brasil, algumas das propostas da Política Nacional de Saúde Mental, apoiada na lei 10.216/02, centram-se na qualificação, expansão e fortalecimento da rede extra hospitalar de serviços com assistência humanizada, como: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais (UPHG); inclusão das ações da saúde mental na atenção básica e a reinserção social de pacientes longamente institucionalizados na família e na comunidade, além da Reabilitação Psicossocial. Esta Reabilitação consiste na utilização de múltiplas técnicas que visam potencializar as habilidades desta população, melhorar a interação do doente mental a sua rede social, garantir seus direitos como cidadão e sua adequação também aos deveres que esta condição exige de maneira a confluir para uma melhor gestão do cuidado em saúde mental. Ou seja, o cuidado tem sido almejado, através da capacitação de todos os sujeitos envolvidos nesse processo (pacientes, familiares, profissionais e sociedade), a melhor compreender a doença mental, quebrando as barreiras ao cuidado digno destas pessoas adoecidas, qualificação da assistência à saúde mental, restaurando de acordo com os recursos disponíveis o potencial destes para vida autônoma em sociedade. O que destaca o papel fundamental do cuidador: 5 ... pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, cuida do doente ou dependente no exercício das suas atividades diárias, tais como alimentação, higiene pessoal, medicação de rotina, acompanhamento aos serviços de saúde e demais serviços requeridos no cotidiano - como a ida a bancos ou farmácias, excluídas as técnicas ou procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas, particularmente na área da enfermagem. (BRASIL, 1999) Sendo portando, o cuidado em saúde mental decorrente de uma intrínseca relação entre os serviços de saúde, seus profissionais, o paciente e sua família, considerando as particularidades de cada contexto cultural, social e econômico. Entendendo que, em muitos casos, este cuidador está inserido no núcleo familiar destes pacientes é de suma importância conhecer melhor quem são estes familiares cuidadores, parceiros da assistência em saúde mental. Pois, apesar do aspecto positivo da promoção dos laços familiares e sociais, essa responsabilização, muitas vezes, é marcada pela sobrecarga dos cuidadores, devido à falta de orientação e de apoio necessários para o desempenho do papel que esses assumem no dia-a-dia. Por isso, acreditamos que conhecer as características pessoais e cotidianas dessa clientela pode fornecerimportantes informações para o planejamento mais humanizado, compartilhado e coletivo da assistência oferecida ao cuidado em saúde mental. 6 CUIDADO EM SAÚDE MENTAL Alguns dicionários de filologia informam que a palavra “cuidado” origina- se de cura, que se escrevia em latim coera, e era utilizada para descrever um contexto de relações de amor e amizade marcadas por atitudes de atenção, desvelo e preocupação com um objeto ou pessoa querida. Outros estudiosos derivam a palavra “cuidado” de cogitare-cogitatus e de sua corruptela coyedar, coidar, cuidar, que tem o mesmo significado de cura: pensar, colocar atenção, mostrar interesse, desvelo e preocupação. Para Boff (2000, p. 91-92) [...] o cuidado inclui duas significações básicas, intimamente ligadas entre si. A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida e afetivamente ligada ao outro. Neste sentido, entendemos que a palavra “cuidado” carrega duplo significado. Cuidado, no sentido de alerta, o sinal vermelho do semáforo. Perigo de, na relação com o outro, no movimento de sair de si mesmo, ir ao encontro do outro, perder-se”. Um outro sentido desloca a palavra cuidado para a maternagem, para o aconchego do colo, da relação amorosa/afetiva, do acolhimento que, no geral, só um ser humano pode dispensar ao outro (ROSA, 2001, p. 56). O ato de cuidar adquire características diferentes em cada sociedade e é determinado por fatores sociais, culturais e econômicos. Esses fatores vão definir os valores e as condições em que se processa o ato cuidador. 7 Podemos afirmar que cuidar é basicamente um ato criador, atento, perspicaz às necessidades e singularidades de quem o demanda. O cuidado é único e é sempre dirigido a alguém. Não existem fórmulas mágicas para o ato do cuidar e sim a invenção, o jogo de cintura, a busca de possibilidades várias. No cuidar, avista-se o outro. A assistência a transtorno mental, em toda a sua história, sempre registrou a impossibilidade da família de estar junto, conviver com o doente mental e cuidar dele. Tratar do doente mental significou, durante décadas, o afastamento do convívio social e familiar. Transformar, recriar as relações existentes entre a família, a sociedade e o doente mental não é tarefa das mais fáceis. Existe o pronto, o universalmente aceito, a delegação do cuidado a outrem, que revelam as incapacidades de lidar com a loucura, de aceitar novos desafios e de se aventurar em caminhos não trilhados. Existem, portanto, maneiras diferentes de entender o ato cuidador. Para alguns, cuidar pressupõe somente a presença de uma instituição, ou seja, o hospital psiquiátrico. Porém, para cuidar não precisamos isolar, retirar o sujeito de seu âmbito familiar e social. O ato cuidador, em nosso entender, vai mais além. Ele faz emergir a capacidade criadora existente em cada um, ressalta a disponibilidade em se lançar, em criar novas maneiras de conviver com o outro em suas diferenças. Isso não significa que no manejo da crise possamos prescindir de ajuda especializada e 8 acesso aos serviços de saúde. Eles são, sem dúvida, o grande suporte que o familiar necessita para poder cuidar. Por outro lado, nos serviços de saúde o ato cuidador pode ser definido como um: Encontro intercessor entre um trabalhador de saúde e um usuário, no qual há um jogo de necessidades/direitos. Neste jogo, o usuário se coloca como alguém que busca uma intervenção que lhe permita recuperar, ou produzir, graus de autonomia no seu modo de caminhar a sua vida. Coloca neste processo o seu mais importante valor de uso, a sua vida, para ser trabalhada como um objeto carente de saúde (MERHY, 1998, p. 4). A forma como o serviço se organiza para responder às necessidades do usuário está diretamente relacionada à sua qualidade. Saraceno (1999,p. 95) define um serviço de alta qualidade como aquele “que se ocupa de todos os usuários que a ele se referem e que oferece reabilitação a todos os usuários que dele possam se beneficiar”. Não podemos reduzir a amplitude de um serviço a um local físico e aos seus profissionais, mas a toda a gama de oportunidades e lugares que favoreçam a reabilitação do usuário. Um dos lugares privilegiados no intercâmbio com os serviços é a comunidade e dela fazem parte a família, as associações, os sindicatos, as igrejas, etc. A comunidade é, portanto, fonte de recursos humanos e materiais, lugar capaz de produzir sentido e estimular as trocas. As relações estratégicas mantidas entre o serviço e a comunidade podem ser pautadas pela negação (a comunidade não existe), pela paranoia (a comunidade são os inimigos que nos assediam), pela sedução e busca de consenso (a comunidade é tudo aquilo e somente aquilo que me aceita da forma como sou e me aprova) e pela interação/integração (a comunidade é uma realidade complexa e exprime interesses contrastantes). Visto que a família é parte integrante da comunidade, o serviço geralmente usa com a família as mesmas estratégias utilizadas com a comunidade. Dessa maneira, a família pode se tornar não só a protagonista das estratégias de cuidado e de reabilitação propostas pelo serviço, mas também uma protagonista conflituosa dessas mesmas estratégias. 9 A reabilitação psicossocial deve ser entendida como uma exigência ética, “um processo de reconstrução, um exercício pleno da cidadania e, também, de plena contratualidade nos três grandes cenários: habitat, rede social e trabalho com valor social” (SARACENO, 1996, p. 16). Nesse processo, estão incluídas a valorização das habilidades de cada indivíduo, as práticas terapêuticas que visam ao exercício da cidadania, a postura dos profissionais, dos usuários, de familiares e da sociedade perante o transtorno mental, as políticas de saúde mental transformadoras do modelo hegemônico de assistência, a indignação diante das diretrizes sociais e técnicas que norteiam a exclusão das minorias, dos diferentes. É, portanto, “uma atitude estratégica, uma vontade política, uma modalidade compreensiva, complexa e delicada de cuidados para pessoas vulneráveis aos modos de sociabilidade habituais” (PITTA, 1996, p. 21). POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE MENTAL A Política Nacional de Saúde Mental é uma ação do Governo Federal, coordenada pelo Ministério da Saúde, que compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país para organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em saúde mental. Abrange a atenção a pessoas com necessidades relacionadas a transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo etc, e pessoas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas, como álcool, cocaína, crack e outras drogas. O acolhimento dessas pessoas e seus familiares é uma estratégia de atenção fundamental para a identificação das necessidades assistenciais, alívio do sofrimento e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas, se e quando necessárias, conforme cada caso. Os indivíduos em situações de crise podem ser atendidos em qualquer serviço da Rede de Atenção Psicossocial, formada por várias unidades com finalidades distintas, de forma integral e gratuita, pela rede pública de saúde. 10 Além das ações assistenciais, o Ministério da Saúde também atua ativamente na prevenção de problemas relacionados a saúde mental e dependência química, implementando, por exemplo, iniciativas para prevenção do suicídio, por meio de convênio firmado com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que permitiu a ligação gratuita em todo o país. As diretrizes e estratégias de atuação na área de assistência à saúdemental no Brasil envolvem o Governo Federal, Estados e Municípios. Os principais atendimentos em saúde mental são realizados nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que existem no país, onde o usuário recebe atendimento próximo da família com assistência multiprofissional e cuidado terapêutico conforme o quadro de saúde de cada paciente. Nesses locais também há possibilidade de acolhimento noturno e/ou cuidado contínuo em situações de maior complexidade. Os Ambulatórios Multiprofissionais de Saúde Mental são serviços compostos por médico psiquiatra, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, enfermeiro e outros profissionais que atuam no tratamento de pacientes que apresentam transtornos mentais. Esses serviços devem prestar atendimento integrado e multiprofissional, por meio de consultas. Funcionam em ambulatórios gerais e especializados, policlínicas e/ou em ambulatórios de hospitais, ampliando o acesso à assistência em saúde mental para pessoas de todas as faixas etárias com transtornos mentais mais prevalentes, mas de gravidade moderada, como transtornos de humor, dependência química e transtornos de ansiedade, atendendo às necessidades de complexidade intermediária entre a atenção básica e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). A reabilitação psicossocial é compreendida como um conjunto de ações que buscam o fortalecimento, a inclusão e o exercício de direitos de cidadania de pacientes e familiares, mediante a criação e o desenvolvimento de iniciativas articuladas com os recursos do território nos campos do trabalho, habitação, educação, cultura, segurança e direitos humanos. O que fazer pra ter uma sáude mental? Praticar hábitos saudáveis e adotar um estilo de vida de qualidade, ajudam a manter a saúde mental em dia. 11 Jamais se isole Consulte o médico regularmente Faça o tratamento terapêutico adequado Mantenha o físico e o intelectual ativos Pratique atividades físicas Tenha alimentação saudável Reforce os laços familiares e de amizades SAÚDE MENTAL NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA 12 No que tange à incidência de transtornos mentais entre crianças e adolescentes, dados epidemiológicos revelam, em todo o mundo, uma prevalência na faixa de 10 a 20%, dos quais, entre 3 e 4%, há indicação de cuidados intensivos (Brasil, 2005). Embora esses números revelem que os transtornos mentais acometem não só adultos mas também crianças e adolescentes ressaltamos, outrossim, que estão incluídos nesses números muitos diagnósticos de transtornos questionáveis quanto a sua etimologia como doença. Nas palavras de Guarido (2010, p. 29). Levando em conta as crianças, tem se produzido, atualmente, uma multiplicidade de diagnósticos psicopatológicos e de terapêuticas que tendem a simplificar as determinações dos sofrimentos ocorridos na infância. O que reconhecemos como resultado desse tipo de prática é que um número cada vez maior de crianças em idade cada vez mais precoce é medicado de forma a sanar os sintomas das crianças, sem considerar o contexto no qual se apresentam. Em que pese à legitimidade desse debate em torno dos diagnósticos que envolvem as problemáticas infantis, não podemos negar a existência de transtornos mentais entre o público infanto-juvenil e a necessidade de projetos de assistência nessa área. Sobre isso, Delgado et al. afirmam que, no Brasil, é histórica a omissão da saúde pública no direcionamento das políticas de saúde mental para a infância e a adolescência (2007, p. 66). Essa, porém, é uma omissão que não se restringe ao Brasil, conforme nos revela o Relatório sobre a Saúde no Mundo, divulgado pela Organização Pan-Americana de Saúde e Organização Mundial de Saúde, em 2001, cujos dados apontam que mais de 90% dos países não possuíam, até aquele momento, políticas de saúde mental que incluíssem crianças e adolescentes. 13 Enfim, dando um salto na História, atualmente, a estratégia de cuidado a crianças e adolescentes portadores de transtornos mentais, preconizada pela OMS e adotada por alguns países, baseia-se no modelo comunitário, realizado por equipes 14 multiprofissionais. O Brasil, seguindo essa mesma tendência, vivencia o processo de construção de uma rede comunitária de cuidados, na qual os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) devem ocupar um papel estratégico no tratamento às pessoas com transtornos mentais severos. No que tange à infância, essa modalidade de serviço vem sendo discutida desde a I Conferência de Saúde Mental, realizada em Brasília, em 1987 (Brasil, 1988), todavia, somente em 2001, na III Conferência de Saúde Mental (Brasil, 2002a), encontramos uma alusão direta ao dispositivo CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil, definido pelo Ministério da Saúde como: um serviço de atenção diária destinado ao atendimento de crianças e adolescentes gravemente comprometidos psiquicamente. Estão incluídos nessa categoria os portadores de autismo, psicoses, neuroses graves (itálicos nossos) e todos aqueles que, por sua condição psíquica, estão impossibilitados de manter ou estabelecer laços sociais (Brasil, 2004, p. 23) Essa definição deixa claro qual deve ser a função de um CAPSi. Mas se, por um lado, a existência de transtornos mentais na infância justifica a criação do CAPSi, cuja finalidade é a de prestar assistência a essa população, por outro, observamos uma demanda que, em geral, não se caracteriza como tal. Enunciamos essa afirmação embasadas em um levantamento referente à clientela atendida pelo CAPSi de um Município localizado no interior do Estado do Paraná, o qual tomamos como objeto deste estudo. Os dados do levantamento, realizado entre julho e dezembro de 2008, apontaram que a demanda que envolvia problemas escolares representou cerca de 60% dos acolhimentos. Tal constatação nos fez questionar se todos os casos de crianças e adolescentes encaminhados a esse dispositivo por problemas escolares corresponderiam àqueles definidos pelo Ministério da Saúde citados anteriormente. 15 A inclusão tardia da saúde mental infantil e juvenil na agenda das políticas de saúde mental, nacional e internacionalmente, pode ser atribuída a diversos fatores. Em primeiro lugar, à extensa e variada gama de problemas relacionados à saúde mentaldainfância e adolescência, que incluem desde transtornos globais do desenvolvimento (como o autismo) até outros ligados a fenômenos de externalização (como transtornos de conduta, hiperatividade), internalização (depressão, transtornos de ansiedade), uso abusivo de substâncias, e demais. Além da sintomatologia, há considerável variação no período de incidência - alguns transtornos eclodem nainfância e outros apenas na adolescência –, e nos tipos de prejuízos relacionados, adicionando complexidade à avaliação diagnóstica e situacional. Nesta população, a formulação de um diagnóstico de qualidade exige procedimentos de avaliação específicos que incluem, além das próprias crianças e adolescentes, o recurso a fontes deinformação diversas, como familiares, responsáveis, professores, e outros. Um segundo fator, relacionado às dificuldades acima, diz respeito ao caráter recente do conhecimento sistematizado sobre freqüência, persistência, prejuízo funcional e conseqüências na vida adulta associadas aos transtornos mentais da infância e adolescência. Mesmo considerando os avanços metodológicos ocorridos na última década em relação às estratégias de definição e avaliação da severidade nas patologias mentais infantis e juvenis grande parte dos países carece de estudos rigorosos e abrangentes sobre o tema. Pesquisas epidemiológicas consistentes, que considerem a especificidade de fatores regionais/culturais na proteção ou risco à 16 saúde mental de crianças e jovens, ainda constituem um desafio a ser enfrentado emdiversos países do mundo. Um terceiro aspecto é a inexistência até bem pouco tempo atrás, em todos os países, de evidências empíricas de qualidade sobre a eficácia e a efetividade de tratamentos para transtornos mentais infantis. Na última década, a ação deintervenções terapêuticas vem sendo comprovada para condições debilitantes na populaçãoinfantil e juvenil, assim como a efetividade de estratégias comunitárias, psicossociais e familiares, particularmente em situações de risco. Entretanto, há ainda um significativo hiato a ser recoberto quanto ao desenvolvimento de modalidades de intervenção para o cuidado à saúde mental de crianças e adolescentes que sejam aplicáveis a diferentes contextos. Um quarto fator merece ser destacado na dificuldade de inclusão da saúde mental infantil no campo da saúde pública: a particularidade do sistema de cuidado. Este, especificamente no caso de crianças e adolescentes, frequentemente envolve a atividade de vários setores autônomos em relação à saúde mental propriamente dita, como os setores da saúde geral/atenção básica, educação, assistência social, justiça e direitos. Esses setores tradicionalmente operam isolados uns dos outros, mas todos provêem serviços ou agem de alguma forma sobre crianças e adolescentes com problemas mentais. O uso simultâneo de serviços de diferentes setores ocorre com freqüência. Muitas vezes, o cuidado, especializado ou não, de problemas mentais em crianças e adolescentes ocorre num único setor, vocacionado ou não a exercer este trabalho específico. Por exemplo, não é incomum que crianças ou adolescentes com problemas de conduta sejam atendidos exclusivamente pelo setor da justiça, sem participação da saúde mental. Da mesma forma, não é raro que problemáticas ligadas à depressão, hiperatividade e outras fiquem restritas ao contexto escolar e não obtenham avaliação e cuidado mais qualificado pela saúde mental. Esta forma de uso dos serviços revela ausência de racionalidade na oferta dos recursos e, na maioria das vezes, resulta emimpropriedade ou subutilização do cuidado. Concorre ainda para agravar a situação o fato de setores tão distintos terem limitada capacidade de produzir informações para instrumentalizar os gestores da área de saúde mental na construção de estratégias para melhoria da qualidade da assistência. 17 Abordar a infância como processo histórico não é tarefa simples, pois implica considerá-la como um fenômeno produzido e datado de um certo tempo e, de tal modo, constituído de finitude. Nesse sentido, Figueira (1985) afirma que nós, seres humanos, temos certa tendência a considerar o mundo que nos rodeia como natural. Tendemos, por exemplo, a considerar a infância, a adolescência, a maturidade, a velhice, enfim, a divisão por faixas etárias como algo que sempre foi assim. Nesse sentido, não vislumbramos a condição de transitoriedade dos fatos e passamos a não enxergá-los como resultantes das ações dos homens, em cada período histórico. Ao se referir à criança e, particularmente, à historicidade de sua condição específica - a infância - Oliveira (1989), afirma: "Considerar a natureza social do homem, no caso específico da criança, significa pensar a criança na relação com a sociedade, com os bens e valores produzidos socialmente, com as novas necessidades que se vão criando" (p. 74). Portanto, pensar a infância como processo histórico é concebê-la - no bojo das necessidades criadas - como fenômeno eminentemente social e dialético construído em conseqüência de uma prática social, em um tempo configurado. É sob esta ótica - da historicidade - que buscamos apreender alguns aspectos inerentes ao surgimento do conceito de infância, colocando em discussão sua idéia naturalizada, predominante em nossa sociedade. 18 SAÚDE MENTAL NA VIDA ADULTA A saúde mental representa hoje um dos principais desafios na agenda de saúde, constituindo um ônus importante para os serviços públicos. “No Brasil, principalmente, é urgente uma maior atenção para os primeiros anos de vida e da adolescência, cujos transtornos podem acarretar prejuízos na vida social e escolar, além de levar a um ciclo crônico de adversidades ao longo da vida.” Segundo o Caderno de Saúde Pública, estima-se que 30% dos adultos em todo o mundo atendam aos critérios de diagnóstico para qualquer transtorno mental, e cerca de 80% daqueles que sofrem com transtornos mentais vivem em países de baixa e média renda. “Um estudo sobre a carga global de doenças mostrou que, mundialmente, os transtornos mentais respondem por 32,4% dos anos de vida vividos com incapacidade.” No Brasil, acrescenta o estudo, estimativas recentes mostraram que os transtornos depressivos e ansiosos respondem, respectivamente, pela quinta e sexta causas de anos de vida vividos com incapacidade. Um em cada quatro adultos já foi diagnosticado com algum tipo de transtorno psicológico, mas, mesmo assim, um quinto das pessoas ainda pensa que algumas das principais causas de distúrbios mentais são falta de autodisciplina e força de vontade. Uma pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Pesquisa Social, da Inglaterra, entrevistou 5 mil adultos sobre suas experiências e sobre sua saúde mental e descobriu que 26% deles já haviam sido diagnosticados com transtornos psicológicos. Outros 18% disseram já ter enfrentado um distúrbio, mas não foram diagnosticados. 19 Um em cada quatro adultos já foi diagnosticado com algum tipo de transtorno psicológico, mas, mesmo assim, um quinto das pessoas ainda pensa que algumas das principais causas de distúrbios mentais são falta de autodisciplina e força de vontade. Uma pesquisa conduzida pelo Centro Nacional de Pesquisa Social, da Inglaterra, entrevistou 5 mil adultos sobre suas experiências e sobre sua saúde mental e descobriu que 26% deles já haviam sido diagnosticados com transtornos psicológicos. Outros 18% disseram já ter enfrentado um distúrbio, mas não foram diagnosticados. A condição mais comum foi a depressão; 19% dos entrevistados afirmaram já terem sido diagnosticados com o transtorno. Outros distúrbios comuns foram ansiedade, diversos tipos de fobias e transtorno obsessivo-compulsivo. Cerca de 3% dos entrevistados disseram ter sido diagnosticados com algum distúrbio considerado grave pela pesquisa: transtorno bipolar, esquizofrenia e transtornos alimentares. 20 Outra descoberta importante apontada pelos pesquisadores diz respeito ao ambiente em que os entrevistados que foram diagnosticados com algum transtorno psicológico cresceram. Os dados apontaram que 27% dos homens e 42% das mulheres diagnosticadas crescerem em famílias das classes econômicas mais baixas. Por outro lado, apenas 15% dos homens e 25% das mulheres diagnosticadas cresceram em famílias de alto poder aquisitivo. Este padrão foi encontrado nas três categorias pesquisadas (distúrbio mental, transtornos psicológicos graves e dependência de droga ou álcool. Apesar de tantas pessoas já terem enfrentado algum transtorno psicológico, diagnosticado ou não, um em cada cinco entrevistados na pesquisa responderam “eu não sei” quando perguntados se concordavam com a afirmação “A maior parte das mulheres que foram pacientes em hospitais psiquiátricos pode ser boas babás”. Outros 19% concordaram que “uma das maiores causas de transtornos mentais é falta de autodisciplina e força de vontade”. SAÚDE MENTAL NO IDOSO É notório nas últimas décadas o crescimento da população com mais de 60 anos, principalmente nos países desenvolvidos. Entre 1970 e 2025, é esperado um aumento de 223% de pessoas nessa faixa etária em todo o mundo e estima-se que em 2050 haverá dois bilhões de pessoas idosas, com 80% delas vivendo nos países mais ricos (World Health Organization, WHO, 2002). Contudo, o envelhecimento da populaçãonão é mais uma característica apenas dos países abastados. A expectativa de vida das pessoas vem aumentando rapidamente também em países em desenvolvimento como o Brasil. É previsto que, até 2025, o Brasil seja o sexto país com maior quantidade de idosos no mundo (WHO, 2002). Sendo assim, a revolução 21 da longevidade, termo atualmente utilizado pelos meios de comunicação para discutir o impacto desse fenômeno na saúde, qualidade de vida e economia mundial, requer políticas sólidas e ações urgentes. As discussões do Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento (PIAE) possibilitaram à WHO (2002) adotar o termo Envelhecimento Ativo para englobar a visão da velhice como um processo natural do ciclo de vida que deve ser vivenciado com autonomia, independência, reconhecimento de direitos, segurança, dignidade, bemestar e saúde. Os fatores determinantes do envelhecimento ativo sofrem influência cultural e de gênero e envolvem a integração de aspectos individuais, econômicos, sociais, físicos, comportamentais, de serviços sociais e de saúde. As características desses fatores são especificadas na figura abaixo: No que se refere à saúde mental da pessoa idosa, a aquisição de um envelhecimento ativo encontra desafios, principalmente em função de riscos como, por exemplo, o sofrimento psíquico causado pela depressão. A depressão é considerada pela literatura especializada um grave problema de saúde pública (Muñoz, Cuijpers, Smit, Barrera & Leykin, 2010) e um fator de risco ao suicídio 22 (Minayo & Cavalcante, 2012). Com o intuito de chamar atenção da população mundial para essa temática, em 10 de outubro de 2012, a depressão foi tema do dia mundial da saúde mental promovido pela WHO (2012). Essa ação teve como finalidade aumentar a consciência da sociedade para os cuidados com esse transtorno e promover a discussão sobre alternativas e investimentos em ações de promoção, prevenção e tratamento. A depressão é uma enfermidade que afeta cerca de 350 milhões de pessoas em todo mundo sendo as mulheres mais atingidas pela doença do que os homens. Um milhão de pessoas se suicida a cada ano e grande parte delas sofre de depressão severa. O cenário se torna mais grave, pois o acesso à rede de cuidados é difícil na maioria dos países. Em alguns lugares, menos de 10% das pessoas que sofrem de depressão recebem tratamento (WHO, 2012). Esses dados têm exigido atenção e esforços de gestores, pesquisadores e profissionais da área de saúde para a implantação de ações que combatam esse mal e promovam o bem-estar da população. Ademais, com o aumento acelerado nos índices de envelhecimento e as vulnerabilidades decorrentes dessa época da vida, os idosos são caracterizados como grupo populacional de risco acentuado para a depressão (Pot, Melenhorst, Onrust & Bohlmeijer, 2008) e o suicídio (Minayo & Cavalcante, 2012; Pinto, Pires, Silva & Assis, 2012). 23 Ao analisar 51 casos de suicídio de idosos em dez cidades brasileiras, por meio de autópsias psicológicas, Minayo e Cavalcante (2012) concluíram que doenças graves, transtornos mentais, depressão, conflitos familiares e conjugais formam as principais causas de suicídio nessa época da vida. Sendo assim, nessa faixa etária, os sintomas depressivos podem desencadear a crise suicida quando associado às vulnerabilidades socioambientais, psicológicas, familiares e de saúde (Minayo & Cavalcante, 2012; Barrero, 2012; Pinto et al., 2012). Como fatores de ordem social, destaca-se a aposentadoria, isolamento social, atitude hostil e pejorativa da sociedade e perda de prestígio pessoal. O sentimento de solidão, inatividade, inutilidade, falta de projeto de vida e tendência a reviver o passado refere-se aos fatores psicológicos. Entre os fatores familiares está a perda dos entes queridos, a viuvez durante o primeiro ano, a mudança forçada de domicílio e situações de desamparo. As enfermidades físicas crônicas, terminais e incapacitantes como, por exemplo, Alzheimer e Parkinson, estão relacionados ao comprometimento de saúde. Além disso, o abuso de álcool e outras drogas também são fatores de risco de suicídio nessa fase da vida (Barrero, 2012). Ao examinar esses fatores, que limitam o alcance de um envelhecimento ativo e saudável, estudiosos dessa temática (Pinto et al., 2012; Pot et al., 2008) sinalizam a importância de ações efetivas de prevenção e de promoção à saúde mental para apoio a pessoa idosa de forma que estas se sintam úteis, ativas e integradas socialmente. No que se refere ao foco de intervenções de promoção à sáude mental de idosos, destacamse, na literatura nacional e internacional, intervenções para o empoderamento dessas pessoas a partir de encontros em grupos que têm como intuito promover a valorização do envelhecer e a discussão de questões referentes à logenvidade (Teixeira, 2002). Estudiosos dessa temática afirmam que uma abordagem de empoderamento é uma perspectiva de autoeficácia e que esta pode fomentar a participação do idoso nas decisões de saúde e promover resultados positivos para a sua vida (Shearer et al., 2012). Em uma revisão sistemática sobre intervenções de empoderamento para pessoas idosas, Shearer et al. (2012) verificaram que as intervenções incluíam um componente de educação para promover o empoderamento e aumentar o conhecimento para a tomada de decisões em relação a problemas de saúde como 24 diabetes, hipertensão. Como resultado das intervenções na saúde mental, os dados dos estudos mostram que o empoderamento influenciou na redução da depressão e ansiedade e fortaleceu a autoeficácia dos participantes (Shearer et al., 2012). Intervenções nacionais de promoção à saúde mental em idosos têm considerado o impacto positivo no uso de algumas práticas como Universidade Aberta da Terceira Idade (UnATI) (Veras & Caldas, 2004), Terapia Comunitária (TC) ( Rocha et al., 2009) e intervenções de Preparação Para Aposentadoria (PPA) (França, 2012; Soares & Costa, 2011). A proposta da UnATI é promover autoestima, resgatar a cidadania, incentivar a autonomia, o empoderamento e a busca de uma velhice bem- sucedida (Veras & Caldas, 2004). Além disso, é um programa que possui relevância social por possibilitar a inclusão do idoso na sociedade por meio do convívio com outras gerações. Quanto à TC, esta é analisada como uma estratégia coletiva com foco nas histórias de vida pessoais que tem beneficiado grupos de idosos de baixo poder aquisitivo, como demonstrado em estudo realizado por Rocha et al. (2009). Esses pesquisadores adotaram a TC para investigar os problemas mais frequentes e as estratégias de enfrentamento empregadas por um grupo de idosas de uma capital brasileira. Os resultados apontam o estresse (medo da morte, perda do cônjuge, angústia originada pelo desrespeito e mesnosprezo em razão da idade) como o problema mais frequente, e a espiritualidade (fé e oração) como a estratégia de fortalecimento mais utilizada por essas mulheres. De acordo com os autores, a TC possibilitou o compartilhamendo dos sofrimentos, sentimentos de igualdade e o processo de empoderamento e resiliência dos participantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista o histórico de práticas violentas que marcou o modelo manicomial de tratamento às pessoas com transtornos mentais no Brasil, amplamente combatidas pelo movimento da Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial, as leis, resoluções, normativas e demais marcos legais passaram a ter papel fundamental na garantia de direitos e na proteção dos usuários. 25 A Constituição Federal de 1988, um marco histórico e legal no que diz respeito à garantia dos direitos humanos no Brasil, considera, em seu Art. 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, com a garantia de direito à vida, à liberdade e à igualdade. O Art. 3º, inciso I, porsua vez, apresenta que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, é “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. A Lei Federal nº 10.216/2001 dispõe especificamente sobre a proteção e os direitos da pessoa com transtorno mental, afirmando a medida de internação como excepcional e priorizando o cuidado em liberdade, territorial. A Lei elenca, em seu Art. 2º, os direitos das pessoas com transtornos mentais, tais como: ser tratada com humanidade e respeito no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, proteção contra qualquer forma de abuso e exploração, direito a informações sobre sua doença e seu tratamento, direito a ter acesso aos meios de comunicação, entre vários outros. Publicada treze anos depois da Constituição Federal e depois de 12 anos de tramitação, a Lei atesta a necessidade de afirmar que os direitos fundamentais proferidos na Carta Magna se prestam também às pessoas com transtornos mentais. E, dezesseis anos após sua promulgação, trinta depois da Constituição, cá estamos nós identificando novamente a necessidade de reafirmar esses direitos. Após a aprovação da Lei 10.216/2001, novas portarias e resoluções passaram a prever diretrizes e pontos de atenção em uma lógica de rede substitutiva, ou seja, serviços que têm como objetivo possibilitar cuidado e tratamento no território, reduzindo a indicação das internações. Não é possível fazer cuidado em saúde mental de forma isolada, sem que o usuário tenha clareza sobre o seu processo de tratamento, sem acolhimento, sem que haja abordagem familiar e comunitária, sem que haja a compreensão do seu modo de viver, sem a busca de novas práticas de intervenção visando o sucesso do tratamento/acompanhamento. Não se pode cuidar da saúde pensando em um indivíduo de forma isolada, mas deve-se considerar seu contexto territorial, familiar, religioso, educacional, dentre outros. Cuidar não é sinônimo de tratar uma doença, aproxima-se, outrossim, de acolher um sujeito; inclui aprender, reaprender, desafiar a si mesmo para comunicar-se com alguém que não deve ser visto somente como um paciente, mas como um sujeito desejante e portador de direitos que necessita de um olhar integral para a sua vida e sua condição de saúde. 26 Especificamente quando falamos de cuidado em saúde mental, observamos uma reação comum de incompreensão, preconceito, indiferença, medo e afastamento. Esse olhar, entretanto, explicita a falta de reconhecimento de que há naquele sintoma, naquela “crise”, naquele delírio, conteúdos da história daquela pessoa, uma forma de expressão da vida e do sofrimento psíquico que a atravessa. Nesse sentido, garantir cuidado em saúde mental é 256 garantir também o direito de o sujeito existir com suas singularidades, limitações e potencialidades. Uma das faces essenciais do cuidado em saúde mental segundo o paradigma da Atenção Psicossocial é, portanto, a afirmação da cidadania; afirmação radical, contra todas as formas de exclusão social. Um dos grandes desafios que se interpõe a nós, profissionais de saúde, a fim de efetivar o cuidado segundo essa lógica é encarar o manicômio em nós. Observar a existência da outra face da Clausura de “manicômios mentais”. Manicômio mental é uma racionalidade carcerária, que deseja aprisionar o outro (o louco), se não mais entre muros de concreto, então entre muros simbólicos, entre regras impostas, em rótulos. É a vontade em nós de aprisionar, diminuir, sufocar e o fazemos por vezes de forma mascarada como ações bem-intencionadas: tutelando, infantilizando, criando regras e protocolos rígidos que mais servem para manter assépticos, fechados e por que não dizer cheios de tédio, nossos cotidianos. A clínica da atenção psicossocial requer mudanças por vezes drásticas justamente porque se iniciam em nós, nas nossas crenças e posturas, naquilo que temos de mais cristalizado. É a clínica da aposta. E passa pelo investimento insistente na transformação através do contato e da ampliação das formas de expressão do desejo. Transformação de si, dos sujeitos atendidos e, por contágio e reverberação, do meio social. Não é uma clínica neutra, posto que implica tomar parte na fabricação de uma outra maneira de viver, de estar no mundo, de ser louco. Implica combater – ainda que esse combate se dê no espaço do encontro de dois, de um grupo terapêutico ou no social – o sistema de crenças no qual verdades que aprisionam se amparam, para que outras crenças e outras escolhas se tornem possíveis. Muitas vezes, para os sujeitos que atendemos, a estratégia existencial possível tem sido tomar a situação atual – ainda que sufocante – como dada, como uma fatalidade diante da qual nada 27 se pode fazer, condenando-se, já que condenado, a um modo de vida que não escolheu viver. Como nos diz a psicanalista Jô Gondar, os indivíduos padecem sem fazer de suas dores uma questão sobre si próprios ou o que os cerca, sofrem com a invasão de sensações e sentimentos que não sabem nomear nem detectar porquê e de onde vêm, dificilmente afirmam um desejo ou o endereçam a algo, e muitas vezes respondem à invasão de afetos com passagens ao ato sem mediações ou intervalos de elaboração. O existir é por eles experimentado como solidão e desamparo diante de uma fatalidade inexorável, com a qual se confrontam sem qualquer mediação: "é assim, e não há nada a fazer”. (GONDAR, 2006) Ainda que esse pareça um modo de viver conforme em nossa sociedade atual, as taxas crescentes de tentativa de suicídio, de autolesão, de demanda por serviços de saúde mental por pessoas com queixas de depressão e ansiedade, ou ainda o crescimento do uso desenfreado de drogas e de medicações psicotrópicas, nos denuncia que algo vai mal, que as subjetividades padronizadas e o sufocamento do desejo, em alguma medida, vem tornando impossível a existência dos sujeitos. Até aqui, reafirmamos alguns direitos fundamentais e que, embora pareçam – e devessem ser – óbvios, ainda são negados a várias pessoas com transtornos mentais: direito de existir, de expressar suas singularidades, de ser acolhido como sujeito integral em todas as suas necessidades, de estar no mundo como sujeito desejante, de apoderar-se, enfim, dos direitos fundamentais garantidos a todos os cidadãos. Diante disso, cada atividade de um serviço de atenção psicossocial deve ter a função terapêutica de ampliar a existência dos sujeitos, de conquista de autonomia e cidadania, e esse viés deve estar presente em cada filigrana das ações desenvolvidas em cada ponto de atenção. Não cabe aos serviços de saúde calar o sintoma e a crise, mas buscar enxergar em cada uma dessas manifestações, uma forma de se comunicar, brechas para o contato e, a partir daí, construir junto com o sujeito estratégias para lidar com o que não cala e, quem sabe, criar outras vias de expressão da subjetividade. A liberdade é terapêutica, o contato cura, e a esperança é um imperativo ético para a construção de possíveis. 28 REFERÊNCIAS Bandeira M, Barroso SM. Sobrecarga das famílias de pacientes psiquiátricos. J Bras Psiquiatr. 2005;54(1):34-46. Bandeira M, Gelinas D, Lesage A. Desinstitucionalização: o programa de acompanhamento intensivo na comunidade. J Bras Psiquiatr. 1998;47(12):627-640. Barrero, S. (2012). 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