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FACULDADE DE DIREITO DE SOROCABA – FADI Ciência Política e Teoria Geral do Estado – 2013 Professor Jorge Marum Resumo 21 – Sistemas de Governo: Parlamentarismo e Presidencialismo Introdução. Segundo a Constituição brasileira e a maioria dos autores, os sistemas de governo são o parlamentarismo e o presidencialismo. Esses sistemas se diferenciam basicamente quanto ao modo de funcionamento do governo e a relação entre os poderes Executivo e Legislativo. No presidencialismo a separação entre os poderes é bem marcada, com ênfase na independência de cada um. Já no parlamentarismo vigora uma estreita cooperação entre os poderes, com ênfase na harmonia. Além disso, no presidencialismo o presidente da República acumula as funções de chefe de Estado e de governo. No parlamentarismo, por sua vez, essas funções são divididas entre um chefe de Estado (que pode ser um rei ou um presidente) e um primeiro-ministro, que é o chefe de governo. ��� Note-se que, na classificação adotada neste curso, sistema de governo não se confunde com regime nem com forma de governo. Ao contrário, esses arranjos institucionais normalmente são combinados entre si. O Brasil atual, por exemplo, tem como regime a democracia, como forma a república e, como sistema, o presidencialismo. Já o Reino Unido (Inglaterra) é, ao mesmo tempo, democracia (regime), monarquia (forma) e parlamentarismo (sistema). Parlamentarismo “O parlamentarismo educaria os partidos e os partidos educariam o povo” (Paulo Bonavides) �� O Parlamento britânico Introdução. O parlamentarismo é o sistema de governo em que o Poder Executivo funciona em colaboração com o Legislativo e depende da confiança e da aprovação deste para governar. Esse sistema foi implantando gradualmente, ao longo séculos, na Inglaterra, sendo fruto da evolução dos costumes políticos ingleses e não de uma formulação teórica. Essa evolução está ligada à história política da Inglaterra, em que o Parlamento, especialmente a Câmara dos Comuns, composta por representantes do povo, foi aos poucos retirando do rei parcelas de seu poder, originalmente absoluto. Na sua atual configuração, o Parlamento Britânico é a sede do Poder Legislativo, mas nele também funciona a principal parcela do Poder Executivo, chamada de Gabinete, chefiado pelo primeiro-ministro, que é sempre o líder do partido majoritário. Ao chefe de Estado (rei ou rainha), cabe a representação do Estado perante potências estrangeiras e o papel de árbitro das disputas políticas travadas no Parlamento. �� Segundo Walter Bagehot (1826-1877), autor de uma das mais famosas obras sobre a Constituição inglesa, na monarquia constitucional o papel político do monarca, embora crucial, deve se resumir a ser consultado, encorajar e alertar o Parlamento. Evolução histórica. A evolução histórica da política na Inglaterra deu origem ao parlamentarismo. São estes os principais fatos: Segundo Aderson de Menezes�, antes mesmo da invasão normanda, ocorrida em 1066, os reis ingleses costumavam reunir um Conselho Privado, formado nobres, para o aconselharem. Dentre os membros desse conselho, havia um pequeno grupo que gozava de maior confiança do rei, e com ele se reunia num aposento privado (cabinet), sendo esta a origem do futuro Gabinete de ministros 1215: João Sem Terra, um monarca com tendências absolutistas, é obrigado a assinar a Magna Carta, em que reconhece direitos dos ingleses e aceita submeter a cobrança de impostos à aprovação dos representantes do povo, a serem reunidos numa assembléia, que seria o embrião do futuro Parlamento 1265: após uma revolta de nobres chefiados por Simon de Monfort, é criado o Parlamento, composto por nobres e cavaleiros representantes dos condados 1295: oficialização do Parlamento pelo rei Eduardo I (“Parlamento Modelo”) 1332: separação do Parlamento em duas Casas: Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns 1640: guerra civil entre partidários do rei e do Parlamento, com vitória das forças parlamentares e execução do rei Carlos I 1649: instituição de uma república (na verdade, uma ditadura) liderada por Cromwell 1660/1688: restauração da monarquia, juntamente com o Conselho Privado e o Gabinete 1688/89: Revolução Gloriosa, com a prevalência do Parlamento sobre a Coroa 1695: o Gabinete de ministros passa a ser composto por parlamentares oriundos do partido majoritário no Parlamento, e não por homens de confiança do rei 1689: o príncipe holandês Guilherme de Orange assume a coroa após assinar um Bill of Rights (carta de direitos do povo inglês), que representa o fim do absolutismo na Inglaterra 1714: assunção do príncipe alemão Jorge de Hannover como rei e de Lorde Walpole como chefe do gabinete de ministros (“primeiro ministro”). A partir daí, o rei, que não falava inglês e não se interessava pela política inglesa, deixa de ir ao Parlamento e começa a se afastar das decisões políticas, assumidas pelo primeiro-ministro. Separação entre a Chefia de Estado (rei) e a Chefia de Governo (primeiro-ministro) 1742: Walpole pede demissão por não obter a maioria numa votação no Parlamento 1782: demissão do primeiro-ministro Lorde North por pressão do Parlamento, após o fracasso na guerra de independência dos EUA Surgimento da responsabilidade política (o Gabinete cai se perder a confiança do Parlamento) Exigência da concordância da Câmara dos Comuns para a nomeação do primeiro-ministro (princípio da “confiança parlamentar”) 1784: o primeiro-ministro William Pitt, após 16 votos de desconfiança, ao invés de demitir-se aconselha o rei George III a dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. As eleições foram vencidas pelos partidários de Pitt e este se manteve no cargo Século XIX: consolida-se a praxe de o primeiro-ministro ser indicado pelo partido majoritário na Câmara dos Comuns, conforme o resultado das eleições O rei passa a arbitrar as crises entre o Gabinete e o Parlamento, podendo aconselhar a demissão do primeiro ou a dissolução do segundo, convocando eleições antecipadas Enfraquecimento da Câmara dos Lordes Consolidação do parlamentarismo na Inglaterra e sua implantação em outros Estados europeus Século XX: o parlamentarismo é o sistema mais utilizado nos Estados democráticos, sendo compatível tanto com a monarquia (ex.: Espanha, Noruega, Japão etc.) como com a república (ex.: Alemanha, Portugal, Itália etc.) Filme ambientado no século XVIII Características principais. Após essa lenta evolução histórica, o sistema parlamentarista desenvolveu as seguintes características básicas, que podem variar de país para país: a) Distinção entre chefe de Estado e chefe de Governo o chefe de Estado é o rei ou o presidente da República, que tem a função de representar o Estado e servir como árbitro das disputas políticas, nomeando ou aconselhando a demissão do primeiro-ministro e do Gabinete, aprovando a dissolução do Parlamento e convocando eleições antecipadas (“o rei reina, mas não governa”) havendo presidente da República, é recomendável que este tenha um mandato longo e seja eleito indiretamente o chefe de Governo é o primeiro-ministro (também chamado de chanceler ou premiê), que deve ser o líder da maioria no Parlamento e formar o Gabinete de Ministros com membros dessa maioria b) Chefia do Governo com responsabilidade política o primeiro-ministro precisa manter a liderança da maioria parlamentar para continuar no cargo onde não prevalece o bipartidarismo de tipo inglês, o governo deve ser formado por uma coalizão de partidos que represente a maioria do Parlamento; se isso não for possível, o Parlamento é dissolvido e são convocadas novas eleições o primeiro-ministro e o Gabinete participam das sessões do Parlamento, prestando contas e sendo interpelados constantemente caso alguma medida do Governo seja rejeitada pelo Parlamento, o primeiro-ministro pode pedir um voto de confiança para demonstrar que ainda lidera a maioria do Parlamento; se o voto for rejeitado, o Gabinete devese demitir qualquer parlamentar pode pedir um voto de desconfiança ao Gabinete, que, se for aprovado, tem o mesmo efeito da rejeição do voto de confiança (o Gabinete deve se demitir) c) Possibilidade de dissolução do Parlamento perdida a confiança do Parlamento, o Gabinete deve renunciar; porém, o primeiro-ministro, sentindo que a maioria do Parlamento não representa a opinião pública predominante, também pode pedir ao chefe de Estado a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições antecipadas esse mecanismo faz com que o Legislativo também aja com responsabilidade política d) Outras características do Parlamentarismo shadow cabinet: a oposição tem grande importância e, normalmente, mantém um “gabinete sombra”, com parlamentares especialistas em diversas áreas, para fiscalizar o Gabinete e sempre pronto a assumir, caso o governo caia fair play (jogo limpo): valorizado e praticado entre situação e oposição, devido à possibilidade constante de alternância no poder, por queda do governo ou dissolução do Parlamento burocracia estável e com base na meritocracia, com poucos cargos de livre nomeação, em razão da permanente possibilidade de alteração do partido ou coalizão no governo Espécies. A doutrina identifica as seguintes espécies principais de parlamentarismo: Parlamentarismo Dualista (ou clássico): o Chefe de Estado tem algumas atribuições políticas e o primeiro-ministro depende também da sua confiança (praticado no início do parlamentarismo inglês) Parlamentarismo Monista: o Chefe de Estado não atribuições políticas e apenas arbitra as disputas políticas (sistema inglês atual) Sistema francês (ou “semi-presidencialismo”): o chefe de Estado (presidente da República) tem muitas atribuições políticas e de governo Parlamentarismo no Brasil. O Brasil viveu duas experiências parlamentaristas. A primeira foi durante o 2º Reinado, implantado informalmente, porque não estava previsto na Constituição, e chamado de “parlamentarismo às avessas”, porque o imperador escolhia livremente o primeiro-ministro, independentemente do resultado das eleições, e podia dissolver o Parlamento quando bem entendesse. Em 1961, o parlamentarismo foi implantado às pressas, por emenda constitucional, para superar as resistências dos militares à posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros. Goulart nunca se conformou com isso e, em 1963, conseguiu convocar um plebiscito em que o povo majoritariamente votou pelo retorno do sistema presidencialista, o que precipitou o golpe militar de 1964. Durante os trabalhos da Assembléia Constituinte de 1986-1988, era forte a opinião de que deveria ser implantado o parlamentarismo, porém, ao final, prevaleceu o presidencialismo. Em 1993, por determinação da Constituição de 1988, foi convocado um novo plebiscito, e o povo novamente optou pela permanência do presidencialismo. Prós e contras. Em favor do Parlamentarismo, argumenta-se que se trata de um sistema mais democrático, na medida em que exige uma sintonia constante com a opinião pública, racionaliza o poder, é menos personalista, valoriza o debate político e favorece os políticos mais capacitados. Contra esse sistema argumenta-se com a fragilidade e a instabilidade dos governos. Para os seus defensores, porém, a flexibilidade do sistema é vantajosa, porque garante mecanismos racionais de resolução das crises, sem revoluções, sem traumas e sem quebra da legalidade. Alguns também apontam o constante debate como um empecilho à eficiência do governo. Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido Winston Churchill (1874-1965). “Mas se não tinha fé religiosa como tal, Churchill tinha um sistema de pietás, centrado em torno de uma Constituição britânica não-escrita, as Casas do Parlamento, e a Câmara dos Comuns, em particular. Ali estavam os seus deuses domésticos, e eles os cultuou por setenta anos de serviço (...) Mas na busca e no desfrute do poder, não se limitou a observar com cuidado e meticulosidade as regras constitucionais e respeitar as pessoas e instituições encarregadas de mantê-las. Em minha opinião, esta é a qualidade nele que o torna tão quintessencialmente herói democrático. Suas relações com o soberano foram sempre exemplares. Vê-lo curvar-se para a recém-entronizada rainha Elizabeth II, uma jovem com menos de um terço de sua idade, foi um magnífico exercício de postura constitucional. Curvou-se não para uma pessoa, mas para uma instituição e um processo histórico de mil anos. E o fez com genuína humildade e espécie de amor infantil. A história, para Churchill, era a grande mestra, e ele permaneceu sob o bastão de ferro dela a vida toda. Junto com o soberano, como chefe de Estado, reverenciava os comuns, fonte última do poder e autoridade que ele desfrutava. A Câmara deu-lhe o poder; podia tirá-lo se ele não o exercesse com prudência. Daí satisfazer os comuns ser sempre o centro de suas preocupações como primeiro-ministro. Deitavam-se todas as espécies de queixa em sua porta, mas nenhuma só vez o acusaram de tratar os Comuns com indiferença, quanto mais desprezo. Ele respeitava os cargos também, sobretudo do presidente da casa, a quem sempre obedeceu, mesmo em momentos de grande tensão emocional” (Paul Jonhson, Os heróis, p. 202-203). “Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar.Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império del além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho” (Churchill, discurso no Parlamento Britânico durante a II Guerra Mundial, 4 de junho de 1941). Presidencialismo “O presidencialismo brasileiro não é senão a ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo (...) o mais russo, o mais asiático, o mais africano de todos os regimes” (Ruy Barbosa). Collor e Lula, dois ex-presidentes brasileiros Introdução. No sistema presidencialista há uma separação mais marcada entre os Poderes Executivo e Legislativo, pois a ênfase é na independência dos Poderes. O presidente da República acumula as funções de chefe de Estado e de Governo, tem mandato fixo e não depende da confiança do Parlamento para governar. Origem. O Presidencialismo é uma criação norte-americana, tendo sido introduzido pela Constituição de 1787, sob forte influência da teoria da separação de poderes de Montesquieu. Em razão da repulsa à monarquia inglesa, optou-se pela forma republicana de governo, na qual o presidente seria uma espécie de rei, mas eleito e com mandato temporário. Dali o presidencialismo espalhou-se para os demais Estados das Américas e para outros continentes. Características. O presidencialismo possui as seguintes características básicas: Chefia de Estado e de Governo exercidas pela mesma pessoa: o presidente da República acumula as duas funções Chefia unipessoal do Executivo: os ministros são meros auxiliares do presidente, nomeados e demitidos livremente por ele e sem responsabilidade política perante o Parlamento Eletividade do presidente: o presidente é eleito para o cargo, diferentemente do primeiro-ministro, que é escolhido por ser o líder da maioria no Parlamento o presidente tem mandato com prazo determinado: o presidente governa por um prazo fixo e nãotem responsabilidade política, perdendo o cargo apenas se cometer crime político e sofrer impeachment (condenação pelo Poder Legislativo) o presidente participa do processo legislativo pelos poderes de iniciativa e de veto: o presidente pode mandar projetos de lei ao Legislativo e vetar as leis aprovadas por este, mas não participa dos debates durante o processo Prós e Contras. Em favor do presidencialismo argumenta-se com a estabilidade do governo, o fortalecimento e a independência do Poder Executivo e a maior eficiência de um governo que não necessita debater constantemente suas decisões no Parlamento. Contra o Presidencialismo argumenta-se com a falta de responsabilidade política do presidente, que continua no cargo mesmo se seu governo for medíocre ou incompetente. Como não precisa de maioria no Parlamento para formar o Gabinete, o presidente precisa formar e manter essa maioria depois da eleição, a fim de ter seus projetos aprovados, o que normalmente se faz com a negociação de cargos com os partidos da base governista, sem o que pode haver paralisação do governo. No Brasil, essa prática foi chamada pelo cientista político Sergio Abranches de “presidencialismo de coalizão”. O presidencialismo também é caracterizado pelo chamado spoils system (sistema de espólios), também conhecido como patronage system, instituído nos EUA por Andrew Jackson (1829-1837). Trata-se, segundo Max Weber, da atribuição de todos os postos da administração federal ao séquito do candidato presidencial vitorioso. Daí a grande quantidade de cargos de confiança que caracteriza esse sistema. Ainda segundo seus críticos, o presidencialismo é personalista e concentra poderes excessivos nas mãos do presidente, possibilitando a expressão de tendências autoritárias, como constantemente ocorre na América Latina, caracterizada pelos chamados “caudilhos”. Segundo Sahid Maluf, o Presidencialismo é democrático quanto à origem, mas não quanto ao exercício do poder presidencial. O cientista político argentino Guillermo O’Donnell denominou essa tendência latino-americana de “democracia delegativa”, pois, uma vez eleito, o presidente não sofre controles efetivos dos demais Poderes. Esse excesso de poderes do presidente, que também ocorre em países asiáticos, como a Rússia de Putin, é chamado de “hiperpresidencialismo” pelo cientista político Sérgio Fausto. Em suma, o presidencialismo parece só funcionar bem nos EUA, onde se originou e mantém uma tradição de mais de 200 anos, sendo uma fonte de autoritarismo, crises e golpes de Estado em outros países. Para pensar. Você acha que o parlamentarismo seria o sistema de governo mais adequado para o Brasil? Bibliografia Leitura essencial: DALLARI, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, Capítulo IV, itens 126 a 133. Leituras complementares: BONAVIDES, Paulo. Paulo. Ciência Política, Caps. 21 e 22. CAETANO, Marcelo. Direito Constitucional, Forense, Parte I, Cap. I. CHURCHILL, Winston. História dos povos de língua inglesa, Vol. 3, Livro VIII. MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado, Caps. XLIII e XLIV. MENEZES, Aderson. Teoria Geral do Estado, ed. Forense, cap. VX. Filme: “As Loucuras do Rei George” (The Madness of King George, Inglaterra, 1994). � Teoria Geral do Estado, p. 304 e seguintes.
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