Buscar

Aspectos gerais do novo constitucionalismo latino americano Pastor e Dalmau

Prévia do material em texto

DALMAU, Rubén Martinez; PASTOR, Roberto Viciano. Aspectos Generales del Nuevo Constitucionalismo Latino Americano. Em: Ávila Linzán, Luis Fernando (org.). Política, Justicia y Constitución. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2012. (Crítica y Derecho, 2).
I Uma Nova Categoria no Constitucinalismo
O Direito Constitucional é um âmbito de difícil inovação e experimentação, ainda mais se comparado a outras disciplinas jurídicas. Seguramente, isso se deve pela íntima relação entre democracia, governo e direito, fundamentos do constitucionalismo em geral e do direito constitucional, entendido como a dimensão jurídica do constitucionalismo, em particular. 
Assim, a doutrina constitucional segue reticente às modificações substanciais do modelo constitucional, fundamentando-se em categorias que supõem-se um evidente avanço no contexto da europa do pós guerra mas que hoje, com a natural evolução da sociedade e pelo comodismo institucional de quem promoveu aquele progresso histórico necessitam uma urgente revisão.
Podemos determinar quatro grandes modelos de constitucionalismo – momentos constituintes – que respondem a uma determinada concepção de constitucionalismo: 1) a progressiva construção do constitucionalismo liberal-revolucionário durante as revoluções burguesas do século XVIII; 2) a reação conservadorea, desvirtuadora do constitucionalismo, fruto da renovada coalizão entre classe burguesa e aristocracia, que surgiu com a reação termidoriana na Revolução Francesa e se desenvolve durante o século XIX e primeiros anos do século XX; 3) a temporal recuperação do constitucionalismo democrático, durante as primeiras décadas do século XX; 4) o aparecimento do constitucionalismo social, depois da Segunda Grande Guerra, que entende que não pode consolidar-se um modelo democrático de Estado sem um pacto de redistribuição da riqueza entre as classes dominantes e dominadas.
Nas últimas décadas, porém, ante um progressivo debilitamento de um conceito forte de Constituição, o neoconstitucionalismo tem insistido na diferenciação entre o conceito formal e material de Estado constitucional. A distinção se baseia em entender que não é um estado constitucional aquele que conta com um texto que se autodenomina Constituição (conceito formal), senão o que conta com uma Constituição em sentido próprio (material), fruto da legitimidade democrática e que conta com instrumentos eu garantam a limitação do poder e a efetividade dos direitos contemplados em seu texto.
Assim, o Estado constitucional é um conceito em constante construção, pois sempre deve lutar por fazer prevalecer seus elementos fundamentais: a legitimidade democrática e a normatividade.
Assim, a Constituição é a juridificação das decisões políticas fundamentais adotadas pela soberania popular, é o elemento de enlace entre Política e Direito, e o mecanismo de legitimação democrática deste. 
Assim, não basta a existência de uma Constituição, mas o ordenamento deva estar “impregnado” das normas constitucionais. 
Guastini identifica, pois, sete condições para uma constitucionalização efetiva:
a rigidez constitucional
a garantia jurisdicional da Constituição
sua força vinculante
a “sobreinterpretação” da Constituição
a aplicação direta das normas constitucionais 
a interpretação das leis conforme a Constituição 
influência da Constituição sobre as relações políticas. 
II Neoconstitucionalismo e novo Constitucionalismo
O estudo dialético do constitucionalismo desde sua origem até o Estado Social mostra a perspectiva de um constitucionalismo em evolução: o constitucionalismo como corrente ideológica tem início com o radicalismo democrático, instaurado durante as revoluções liberais do final do sécylo XVIII e evolui até as constitucições do Estado Democrático e Social de direito, com a ressalva de um período involutivo conservador – a que se faz referência – apontado pelo positivismo, que se inicia com o retorno conservador do recém nascido constitucionalismo revolucionário e se prorroga até as primeiras constituições democráticas da segunda metade do século XX.
O neoconstitucionnalismo pretende explicar este conjunto de textos constitucionalis que começam a surgir a partir da década de 1970. Assim, são constituições que não se limitam a estabelecer competências ou a separar os poderes públicos, mas que contém altos níveis de normas materiais ou substantivas que condicionam a atuação do Estado por meio da ordenação de certos fins e objetivos. Exemplos representativos deste movimento são as constituições espanhola de 1978 e a brasileira de 1988.
O neoconstitucionalismo reivindica, assim, a reinterpretação da constituição do Estado de direito. Ferrajoli expressa, nesse sentido, ser necessário distinguir “o modelo paleo-juspositivista do Estado legislativo de direito, o Estado legal, que surge com o nascimento do Estado moderno como monopólio da produção jurídica e o modelo neojuspositivista do Estado constitucional de direito (ou Estado constitucional) produto, a sua vez, da difusão na Europa, após a Segunda guerra Mundial, de constituições rígidas e do controle de constitucionalidade das leis ordinárias.
Em definitivo, o neoconstitucionalismo pretende, sem ruptura, converter ao Estado de Direito em Estado Constitucional de direito. 
A presença hegemônica dos princípios como critérios de interpretação no constitucionalismo, tem sido a principal ferramenta de ataque do neoconstitucionalismo ao positivismo jurídico. 
Estes princípios, que aspiram a conceder unidade material ao sistema jurídico, ainda que presidido pelo pluralismo, torna inservíveis as teses mecanicistas da interpretação, um dos pilares do positivismo teórico. 
Por isso, o neoconstitucionalimso está caracterizado por uma Constituição invasora, pela positivação de um extenso diálogo de direitos, pela onipresença na Constituição de princípios e regras e pela determinação de que a interpretação e a aplicação das normas constitucionais não pode ser a mesma que a das normas legais. Trata-se, em definitivo, de recuperar a centralidade da Constituição no ordenamento jurídico e fortalecer sua presença determinante no desenvolvimento e interpretação do mesmo. 
O novo constitucionalismo, por sua vez, assume as posições do neoconstitucionalismo sobre a necessária impregnação constitucional do ordenamento jurídico. Sua preocupação, porém, não é unicamente a dimensão jurídic da constituição, mas também a legitimidade democrática da Constituição. Com efeito, se o constitucionalismo é um mecanismo por meio do qual a cidadania determina e limita o poder público, o primeiro problema do constitucionalismo deve ser garantir a tradução fiel da vontade do poder constituinte (do povo) e certificar que somente a soberania popular, diretamente exercida, seja a que possa determinar a criação ou a alteração das normas constitucionais. 
Desse ponto de vista, o novo constitucionalismo recupera a origem radical-democrática do constitucionalismo jacobino, dotando-o de mecanismos atuais que podem torna-lo mais útil na identidade entre vontade popular e Constituição.
Por tudo isso, o novo constitucionalismo busca analisar, em um primeiro momento, a fundamentação da Constituição, isto é, sua legitimidade, que por sua própria natureza só pode ser extrajurídica. Posteriormente, como consequência daquela, interessa a efetividade da Constituição, com particular referência a sua normatividade. 
A partir do axioma democrático, o fundamento da constitucionalização do ordenamento jurídico somente pode encontrar-se no fato de que a Constituição é fruto do mandato de poder constituinte, que reside no povo, e reflete sua vontade. Por isso, o Estado Constitucional só pode ser o Estado regido por uma Constituição legitimada diretamente pela cidadania, não por seus representantes. O neoconstitucionalismo é, por consequência, uma teoria do direito, mas só subsidiariamente e na medida em que a constituição rege o resto do ordenamento jurídico. Por sua vez, o novo constitucionalismo é, principalmente,uma teoria [democrática] da Constituição.
O novo constitucionalismo vai além e entende que, para que tenha efetiva vigência o Estado constitucional não basta a mera comprovação de que seguiu-se o adequado procedimento constituinte e criaram-se mecanismos que garantirão a efetividade e normatividade da Constituição. Defende que o conteúdo da Constituição deve ser coerente com sua fundamentação democrática; é dizer que deve gerar mecanismos para a participação política direta da cidadania, deve garantir a totalidade dos direitos fundamentais, inclusive os sociais e econômicos, deve estabelecer procedimentos de controle de constitucionalidade que possam ser ativados pela cidadania e deve gerar regras limitativas do poder político, mas também dos poderes sociais, econômicos ou culturais que, produto da História, também limitam o fundamento democrático da vida social e os direitos e liberdades da cidadania.
Venezuela, Bolívia e Equador – ainda não se sabe se conseguirão obter sucesso na prática do que foi desenhado nestes textos constitucionais, no que diz respeito à efetividade e normatividade.
Não se deve perder de vista que este novo constitucionalismo latino-americano, além de pretender garantir um real controle do poder pelos cidadãos, busca responder à pergunta de como se soluciona o problema da desigualdade social. 
O fato de se tratar de sociedades que não experimentaram o Estado Social, induz a pensar que as lutas sociais foram o fundamento da aparição desse novo constitucionalismo latino-americano: esses processos, portanto, passam a ser processos necessários no devir da história, como resultado direto dos conflitos sociais que apareceram durante a aplicação de políticas neoliberais, particularmente durante a década de 1980 e dos movimentos populares que tentaram contestá-los.
Neopopulismo?
Edwards afirma que em relação às novas constituições latino-americanas, o neoconstitucionalismo aceita e promove o uso recorrente de plebiscitos e referendos para poder avençar em suas agendas políticas e sociais. Assim, esta nova doutrina eleva uma das caraterísticas fundamentais do populismo – que o líder apele de maneira direta Às massas para obter seus objetivos – a nível constitucional. 
Para o neoconstitucionalismo e o novo constitucionalismo é o Governo que Está legitimado pelo povo, e não ao contrário. O desenho do campo de ação jurídico-política em cada caso se estabelece mediante a Constituição, única norma diretamente legitimada pelo povo no uso de seu exclusivo poder constituinte. Assim, é nesse marco que se circunscreve, por exemplo, o acionamento do poder constituinte no Equador dez anos depois de aprovada a Constituição de 1998, ou, mais recentemente, a derrota da reforma constitucional promovida por Hugo Chávez na Venezuela em dezembro de 2007. 
III O Constitucionalismo Necessário e os processos constituintes latinoamericanos
Constitucionalismo “sem pais”
Desde a constituições fundacionais latino-americanas – que, ademais, foram mais próximas do liberalismo conservador que do revolucionário – a América Latina não apresentara processos constituintes ortodoxos – isto é, plenamente democráticos – e, ao contrário, experimentou em diversas ocasiões processos constituintes conduzidos exclusivamente pelas elites e distanciados da natureza democrática própria do autêntico poder constituinte. A evolução posterior do constitucionalismo latino-americano do século XX, anterior às novas constituições, se fundamentou no nominalismo constitucional e, com isso, na falta de uma presença efetiva da Constituição no ordenamento jurídico e na sociedade. Em geral, as constituições do velho constitucionalismo não cumpriram mais que os objetivos que haviam determinado as elites: a organização do poder do Estado e a manutenção de elementos básicos de um sistema democrático formal.
Os novos processos constituintes latinoameticanos tiveram seu início na Colômbia, em princípios da década de 1990, mas fruto de reivindicações sociais anteriores. O processo colombiano já contou com as principais características do novo constitucionalismo, no que diz respeito à legitimidade de origem: respondeu a uma proposta social e política, precedida de mobilizações que demonstravam o fator necessidade, e se articulou em uma assembleia constituinte plenamente democrática.
Sem embargo, por tratar-se de um primeiro momento de uma nova construção teórica e prática, o processo caraceu de referendo de ratificação popularque resulta no aspecto nuclear de legitimação da Constituição.
Remete-se, nesse contexto, a meados da década de 1980 para determinar o momento em que começa a aparecer em diferentes setores da opinião pública a necessidade de convocar-se um referendo para aprovar a Constituição.
O acionamento direto da assembleia constituinte não estava previsto, desde logo, na Constituição colombiana de 1886, ainda vigente – com suas emendas – às portas do século XXI. Estas condições propiciaram o movimento da “sétima cédula” (séptima papeleta), que convidava “ao eleitorado a pronunciar-se sobre a convocação de uma assembleia constitucional para reformar a carta política, mediante a utilização de uma cédula de votação, que devia ser introduzida nas urnas das eleições em 11 de março de 1990. A partir disso, instaura-se o processo constituinte que culminou com a Constituição de 1991.
Apesar dos obstáculos e da apropriação por parte de setores políticos tradicionais de boa parte do processo, a Constituição colombiana de 1991 se reivindicou como um texto constitucional forte, capaz de transformar de forma decisiva o futuro do país. Não à toa o processo constituinte de 1990-1991 tem sido qualificado como o início do verdadeiro constitucionalismo colombiano.
À experiência colombiana se seguiu a experiência equatoriana de 1998, onde a falta de um referendo final sobre o texto constitucional, assim como especialmente o conflito entre a assembleia constituinte e os poderes constituídos, debilitaram a legitimidade da nova constituição, que teve que ser abrogada por um novo processo constituinte dez anos depois.
Por isso é possível afirmar, assertivamente, que se produziu o primeiro processo constituinte conforme os requisitos marcados por um novo constitucionalismo, resgatando a originária teoria democrática da Constituição foi na Venezuela em 1999.
Dito processo não somente traz os elementos centrais dos processos constituintes ortodoxos – referendo ativador do processo constituinte e referendo de aprovação do texto constitucional incluídos – mas também que se vislumbraram com nitidez tanto a necessidade constituinte, manifestada na crise social e política do final dos anos 1980 e a década de 1990, como a exigência de rigidez para a reforma do novo texto constitucional, que exclui a possibilidade de que pudesse ser reformada pelo poder constituído.
Uma nova fase, sem dúvida, dos processos constituintes latino-americanos, caracterizada em particular por elementos formais das constituições, a conformam os dois processos que tiveram lugar como continuação daqueles: o equatoriano de 2007-2088, cujo texto se caracteriza principalmente pela inovação no catálogo de direitos e a definição do Estado como Estado constitucional; e o boliviano de 2006-2009, o mais complicado, e cujo resultado – a Constituição boliviana de 2009 é seguramente um dos exemplos mais emblemáticos de transformação institucional que se experimentou nos últimos tempos, porquanto avança em direção ao Estado plurinacional, a simbiose entre os valores pós-coloniais e os indígenas e cria o primeiro Tribunal Constitucional eleito diretamente pelos cidadãos do país.
Os processos constitucionais mencionados encontram em comum: assumem a necessidade de legitimar a vontade social de transformação mediante um irretocável processo de processo constituinte de viés democrático e, ainda que os resultados sejam em boa medida desiguais, conseguem aprovar constituiçõesque apontam, em definitivo, em direção ao Estado constitucional. Teoria e prática se unem, portanto, no novo constitucionalismolatino-americano.
Características formais: os traços do novo constitucionalismo
Não somente o elemento legitimidade oferecido pelos procedimentos democráticos que se edificaram os textos latino-americanos que traduzem o aparecimento do novo constitucionalismo. 
Como não podia ser de outra maneira, a recuperação da teoria clássica dos processos constituintes e da verdadeira natureza originária e criadora do poder constituinte tem incidido na forma e estrutura das novas constituições latino-americanas que, sem romper com o conceito racional-normativo de Constituição – texto escrito, ordenado e articulado -, se adentram em algumas especificidades que, em boa medida, recuperam várias das preocupações – inclusive algumas soluções – do constitucionalismo liberal-revolucionário; em particular, o fortalecimento de sua dimensão política. 
Isso é assim porque o elemento de necessidade serviu como um gatilho, em todos os casos, um esforço suplementar para procurar elementos úteis para a mudança proposta como um objetivo do processo constituinte. 
Utilidade compreendida em dois sentidos: de um lado, como exercício intelectual para incorporar no texto constitucional novos conceitos e instituições que possam contribuir com sua aplicação no cumprimento da Constituição e, em última análise, na melhoria da qualidade e das condições de vida dos cidadãos. A esse respeito, é possível identificar inovações tanto na forma positiva, com a incorporação de traços próprios, incompreensíveis sob o prisma do Estado Social¸quanto na forma negativa, negando-se abordagens tradicionais e com o desaparecimento de instituições próprias da história constitucional de cada país [por exemplo, o caso único de um federalismo unicameral na Venezuela]. 
Por outro lado, a utilidade das novas constituições se manifesta também em sua dimensão simbólica, intrinsecamente não menos adequada que a dimensão fática. As redações dos textos constitucionais estão permeadas de referências à linguagem simbólica, relacionada com o fortalecimento da dimensão política da Constituição – e, neste sentido, com a sua leitura particularizada que realizam os cidadãos – mais do que com previsões de efeitos jurídicos [por exemplo, a alteração da denominação “República de Venezuela” por “República Bolivariana de Venezuela”, em 1999; ou “República de Bolívia” por “Estado Plurinacional de Bolívia]. 
Quatro características formais:
seu conteúdo inovador (originalidade);
a extensão do texto;
a capacidade de conjugar elementos tecnicamente complexos com uma linguagem exequível (complexidade);
acionamento do poder constituinte do povo ante qualquer câmbio constitucional (rigidez).

Continue navegando