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AS HABILIDADES SOCIAIS DOS JOGADORES DE RPG

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AS	HABILIDADES	SOCIAIS	DOS	JOGADORES	DE
RPG
Article	·	April	2008
DOI:	10.7213/rpa.v26i53.19899	·	Source:	OAI
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Psicol. Argum. 2008 abr./jun., 26(53), 159-168
AS HABILIDADES SOCIAIS DOS JOGADORES DE RPG
Social skills in RPG players
Dhayana Inthamossu Veigaa, Mariana Galesi Buenob,
Marcela Godinho Belémc, Andréia Schmidtd
a Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Positivo, Curitiba, PR - Brasil, e-mail: dhayanaveiga@-hotmail.com
b Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Positivo, Curitiba, PR - Brasil, e-mail: mmaranag@hotmail.com
c Aluna do curso de Psicologia do Centro universitário Positivo, Curitiba, PR - Brasil, e-mail: marcelgbrlem@hotmail.com
d Doutora em Psicologia Experimental e professora do curso de Psicologia do Centro Universitário Positivo – UnicenP, Curitiba,
PR - Brasil, e-mail: andreia.schmidt@unicenp.edu.br.
Resumo
O role playing game (RPG) é um jogo de representações verbais cujo número de adeptos cresce
consideravelmente, apesar de receber críticas por supostamente estimular comportamentos não-
aceitos socialmente. Não há confirmação destes dados, mas há indícios de que os jogadores possam
apresentar déficits de habilidades sociais. O objetivo desta pesquisa foi verificar se as habilidades
sociais dos jogadores de RPG diferem das habilidades sociais da população não-jogadora de faixa
etária equivalente. Participaram da pesquisa 60 homens (30 jogadores de RPG e 30 não jogadores),
com idades entre 18 e 25 anos. Foi aplicado o Inventário de Habilidades Sociais (Del Prette & Del
Prette, 2001) em ambos os grupos e um questionário nos jogadores. Na análise dos resultados do
IHS dos dois grupos, o Qui Quadrado não se mostrou significativo ao nível de 5%, ou seja, não se
pode afirmar que os grupos apresentavam diferenças significativas nos fatores analisados, exceto no
Fator 2 (habilidades de auto-afirmação na expressão de sentimento positivo) no grupo de jogadores,
cujo valor foi consideravelmente menor que os demais. As entrevistas não indicaram diferença entre
o convívio dos jogadores com colegas jogadores e não-jogadores e não houve correlação entre o
tipo de sistema jogado e o nível de repertório social avaliado pelo IHS-Del-Prette nos jogadores.
Pode-se verificar que, ainda que os meios de comunicação em massa especulem a respeito de
conseqüências prejudiciais geradas pelo jogo de RPG, os resultados desta pesquisa não indicaram
qualquer diferença entre os repertórios de habilidades sociais dos dois grupos.
Palavras-chave: Role playing game (RPG); Habilidades sociais; Jovens.
160 Dhayana Inthamossu Veiga; Mariana Galesi Bueno; Marcela Godinho Belém; Andréia Schmidt
Psicol. Argum. 2008 abr./jun., 26(53), 159-168
Abstract
Role playing game (RPG) is a game based on verbal interaction, whose number of players
have been increasing considerably, despite being accused of stimulating anti-social behavior.
There is no scientific confirmation of such claim, but there is indication that players might
present social skills deficits. The purpose of this research was to verify if the players’ social
skills differed from similar aged non-players social skills. The participants were 60 men (30
players and 30 non-players) ages ranging between 18 and 25 years old. The Inventário de
Habilidades Sociais (Del Prette & Del Prette, 2001) was applied in both groups and an
additional questionnaire was answered only by the players group. Comparing the scores of
both groups obtained by the inventory application, the chi-square was not significant at 5%
level, i.e., it cannot be assured that there are significant differences concerning analyzed
inventory factors, except for Factor 2 (self-assurance on positive sentiment expression skills)
on players group, whose score was considerably smaller than the other factors’ score. The
interviews did not point out any difference between the players relationship with non-players
and there was no correlation between the type of system played and the social repertoire level
evaluated by means of the inventory. It was verified that, even if means of communication
speculate about harmful consequences caused by RPG, the results of this research did not
indicate any differences between the social skills repertoire of both groups.
Keywords: Role playing game (RPG); Social skills; Young people.
INTRODUÇÃO
O RGP, sigla para Role Playing Game
(“jogo de representação”), foi criado em 1973
nos EUA por Dave Arneson. A representação
das ações dentro do RPG ocorre, basicamente,
por meio da fala e da imaginação de seus jogadores
durante as sessões, que podem durar em média de
duas a dez horas. O início de uma sessão se dá
pela continuação da aventura a partir da
interrupção feita ao final da sessão anterior
(Hughes, 1988; Jackson, 1994; Cale, 2002).
Na maneira mais original e tradicional
de RPG, os jogadores apenas descrevem
situações, comportando-se verbalmente, não
havendo representação corporal das ações de
seus personagens (Cardwell, 1994). Apesar de
haver diferentes formas de jogar RPG (diferentes
sistemas), todas elas apresentam alguns elementos
em comum: um grupo de pessoas, geralmente de
três a sete jogadores, após escolherem um
determinado sistema de jogo, definem a
personalidade, ideologia, habil idades e
inabilidades de seus personagens, quantificados
por meio de atribuições (valores) numéricos em
tabelas próprias. Um dos integrantes do grupo,
designado “Mestre do jogo” (geralmente o jogador
mais experiente do grupo), é responsável por
criar previamente um esboço da futura aventura
desenvolvida por todos durante as sessões
(Hughes, 1988; Jackson, 1994).
O impacto das ações dos personagens é
expresso pelo mestre, que apresenta um modelo
matemático determinado (dependendo do sistema
de RPG utilizado), estipulando uma jogada de
diferentes tipos de dados característicos a este
tipo de jogo (com quatro, seis, oito, dez e/ou
vinte faces). Em virtude dessa variabilidade nas
regras existentes entre os sistemas de RPG, foi
criado nos EUA, ao final dos anos 1980, por
Steve Jackson, um método universal de regras e
bases para todos os tipos de RPG, denominado
GURPS (Generic Universal Role Playing System –
“sistema de representação universal genérico”),
introduzido no Brasil em meados de 1990, em
virtude de sua versatilidade (Jackson, 1994).
Atualmente, os sistemas GURPS e Dungeons &
Dragons são os mais difundidos no mundo.
Hughes (1988) aponta que mesmo
havendo vários sistemas que possam ser utilizados
em um jogo de RPG, o que compõe seu principal
ponto característico e que talvez mais tenha con-
tribuído para o aumento de sua popularidade (em
universidades principalmente), é o fato de a ação
161As habilidades sociais dos jogadores de RPG
Psicol. Argum. 2008 abr./jun., 26(53), 159-168
do jogo ser gerada basicamente pelo processo de
imaginação dos jogadores, sendo os demais
recursos possivelmente utilizados (efeitos sonoros,
maquiagem, figuras, fotos, etc.) meramente
secundários à essência de sua estrutura, cujo
objetivo é “uma forma de lazer que dá aos
participantes a possibilidade de criarem histórias,
de forma integral ou parcial, e viver em papéis
dentro das mesmas”(Jackson, 1994, p. 8).
Entretanto, a popularidade do RPG nem
sempre esteve atrelada ao interesse das pessoas
pelo jogo propriamente dito, existindo, também,
segundo Pavão (2000), alguns alertas sobre o perigo
do jogo transformar-se em um meio de escapismo
da realidade, justamente por criar universos
ficcionais onde os jogadores projetariam algumas
dificuldades em vez de lidar com elas no plano real.
Essa hipótese tem se propagado rapidamente pela
sociedade mediante os meios de comunicação,
especialmente em países como os Estados Unidos
e Canadá, que possuem maior número de jogadores
ativos. Em 1994, estimava-se que existiam por
volta de 7,5 milhões de jogadores ativos, ou seja,
que jogavam pelo menos uma vez ao mês, em todo
o mundo (Cardwell, 1994).
Apesar de haver um rápido crescimento
do número de jogadores e também das
especulações a respeito das influências do jogo,
não há número significativo de dados empíricos
que acompanhem esse processo. Derenard e Kline
(1990) realizaram uma pesquisa com um total de
70 participantes, sendo 35 jogadores do jogo
Dungeons & Dragons (30 homens e cinco
mulheres), com idade média de 21.2 anos, e 35
não-jogadores (25 homens e 10 mulheres), com
idade média de 20.3 anos. Os participantes
responderam um questionário (aplicado em
grupo), contendo uma Escala de Anomia, que faz
uma mensuração de alienação em geral, e uma
Escala de Alienação, que mede seis diferentes
tipos de alienação: sentimentos de impotência
(powerlessness), de anormalidade (normlessness), de
falta de propósito (meaninglessness) , de
estranhamento cultural (cultural estrangement), de
estranhamento social (social estrangement) e de
estranhamento no trabalho (estrangement from
work). Os resultados não demonstraram níveis
maiores de depressão, suicídio e sentimentos de
falta de perspectiva nos jogadores, em comparação
ao grupo-controle. Porém, o nível de alienação e
de estranhamento cultural nos jogadores de RPG
mostraram-se mais altos em comparação aos não
jogadores, e ainda mais altos nos jogadores
considerados mais envolvidos com o jogo, ou
seja, que gastavam mais dinheiro na compra dos
materiais necessários às sessões de RPG. Logo,
podem-se observar dados relevantes na diferença
encontrada no nível de alienação e de estranha-
mento cultural dos jogadores de RPG em
comparação aos não-jogadores, além de um
indicativo de aumento desses níveis de alienação
em jogadores considerados mais envolvidos com
a prática de RPG. Apesar da ausência de dados
que de fato sustentem a hipótese de que o RPG
aumenta os índices de comportamentos anti-
sociais, o estudo de Derenard e Kline sugere que
os níveis de alienação encontrados nos jogadores
apontam para uma diferença concreta em
sentimentos vinculados a comportamentos
sociais. Tais sentimentos podem indicar desajuste
por parte desses jogadores no que diz respeito à
leitura que fazem do ambiente em que vivem e/
ou falta de habilidade para lidar com suas
demandas, inclusive com as demandas sociais.
O desempenho dos indivíduos no meio
social tem se mostrado um assunto de grande
importância no meio acadêmico. Del Prette e Del
Prette (1999) afirmam que grande parte das teorias
do desenvolvimento aborda questões a esse respeito,
destacando-se a importância das interações e
relações sociais do homem durante seu ciclo vital
como fatores de saúde mental. Para entender melhor
como se dão essas interações, é necessário
contextualizar a forma como isso ocorre no homem.
Cada ser humano nasce com um equipamento
biológico, cujo potencial de desenvolvimento
depende de diversos fatores, externos e internos. O
ambiente impõe uma série de demandas, às quais o
indivíduo deve corresponder desenvolvendo
constantemente novas habilidades (Del Prette &
Del Prette, 1999). Sendo este ambiente em sua
maior parte social, destacam-se as habilidades
sociais, cujo conceito “aplica-se à noção de existência
de diferentes classes de comportamentos sociais no
repertório do indivíduo para lidar com as demandas
das situações interpessoais [...] Na dinâmica das
interações, as habilidades sociais fazem parte dos
componentes de um desempenho social bem-
sucedido” (Del Prette & Del Prette, 2003, p. 31).
Caballo (1996) afirma ser impossível
desenvolver uma definição consistente de habili-
dades sociais, em vista de elas serem parcialmente
162
dependentes do contexto em que ocorrem, e de
fatores como idade, sexo e nível sociocultural.
Pode-se, no entanto, apontar quais as áreas mais
recorrentes nas avaliações de habilidades sociais:
iniciar e manter conversações, falar em público,
expressar amor, agrado e afeto, defender os próprios
direitos, pedir favores, recusar pedidos, fazer
obrigações, aceitar elogios, expressar opiniões
pessoais (inclusive discordantes), expressar justifi-
cadamente incômodo, desagrado ou enfado, e
desculpar-se ou admitir ignorância (Caballo, 1996).
Del Prette e Del Prette (2001) classificam-nas em
habilidades sociais de comunicação, civilidade,
assertivas, de direito e cidadania, empáticas, de
trabalho e de expressão de sentimento positivo.
Uma classificação ainda mais abrangente que pode
ser acrescentada é o agrupamento das áreas citadas
em componentes comportamentais (verbais de
conteúdo, de forma e não-verbais), cognitivo-
afetivos (conhecimentos prévios, expectativas e
crenças, e estratégia e habilidades de processa-
mento), fisiológicos (taxa cardíaca, respostas
eletromiográficas, respiração, resposta galvânica
da pele, e fluxo sangüíneo) e ainda outros
componentes (atividade física, aparência pessoal).
Del Prette e Del Prette (1999) ainda sugerem que
há evidências de que o repertório de habilidades
sociais torna-se progressivamente mais elaborado
no decorrer da infância, período no qual os pais
(cuidadores em geral) modelam os comportamentos
sociais de seus filhos ao reagirem diferentemente às
manifestações de suas habilidades e também ao
fornecerem instruções específicas para isso.
Nesse contexto, as dificuldades interpes-
soais podem ser compreendidas também como
problemas que ocorrem no desenvolvimento de
repertórios sociais. Dentre as hipóteses explicati-
vas para essas dificuldades, Del Prette e Del
Prette (2002) destacam os déficits no repertório,
em que o comportamento social incompetente se
daria pela falta de comportamentos verbais e
não-verbais necessários a uma boa relação com o
ambiente. Em se tratando das evidências já
citadas a respeito de sentimentos de alienação,
identificados em jogadores de RPG, pode-se
apontar para a possibilidade de o comportamento
desses indivíduos (jogar RPG com relativa
freqüência) evidenciar a necessidade de afastar
situações aversivas do contato com o ambiente
social por meio da prática do RPG, principalmente
em momentos de lazer. Tal comportamento seria
caracterizado como uma esquiva social, na qual
os jogadores evitariam circunstâncias potencial-
mente aversivas antes mesmo que elas ocorressem
(Catania, 1999).
Com base nessas informações, pode-se
levantar a hipótese de que a relação que os jogadores
de RPG estabelecem com o jogo seja um meio de
esquiva das relações interpessoais no meio social
comum, em virtude de déficits de habilidades
sociais em seus repertórios comportamentais. A
proposta desta pesquisa é iniciar a investigação
dessa possibilidade, estudando uma amostra de
jogadores de RPG e uma amostra equivalente de
pessoas que nunca tiveram contato com o jogo. O
objetivo deste trabalho é investigar se as habilidades
sociais dos jogadores de RPG diferem das
habilidades sociais da população não-jogadora de
faixa etária equivalente.
MÉTODOS
Participantes
Participaram da pesquisa 60 homens com
idades entre 18 e 25 anos. Destes, 30 eram jogadores
de RPG e 30 eram não-jogadores. As características
da população jogadora abordada definiram as
características da população não-jogadora.
Local
A pesquisa foi realizada em diferenteslocais na cidade de Curitiba.
Instrumentos
Foi aplicado nos dois grupos o Inventário
de Habilidades Sociais (IHS-Del-Prette & Del
Prette, 2001), que avalia cinco fatores relaciona-
dos às habilidades sociais: enfrentamento e auto-
afirmação com risco, auto-afirmação na expressão
de sentimento positivo, conversação e desenvol-
tura social, auto-exposição a desconhecidos e
situações novas e autocontrole da agressividade.
O escore obtido pelos respondentes é classificado
de acordo com a seguinte escala: repertório “bastan-
te elaborado”, “bom, acima da média”, “médio”,
“bom, abaixo da média” e “com déficit”.
Além do inventário, o grupo de jogadores
respondeu a um questionário, que continha seis
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perguntas abertas e seis perguntas fechadas,
perfazendo um total de 12 perguntas que se
referiam às relações sociais do entrevistado com
jogadores e não-jogadores, relações familiares e
perfil socioeconômico.
Procedimentos
Foram adotados procedimentos distintos
com cada grupo (jogadores e não-jogadores) para
a coleta de dados, descritos a seguir.
a) Grupo de Jogadores de RPG:
As pesquisadoras se apresentaram como
estudantes de Psicologia do Unicenp em listas
virtuais de discussão sobre RPG, em uma livraria
especializada em produtos para o jogo e em uma
lan house. Os responsáveis pelos estabelecimentos
foram contatados e, após apresentarem-se e
descreverem a proposta de estudo, as
pesquisadoras pediram autorização para abordar
os jogadores de RPG que freqüentassem os locais
selecionados. As autorizações foram registradas
em uma carta de consentimento. Nos
estabelecimentos e nas listas virtuais de discussão,
foram convidados jogadores com idades entre 18
e 25 anos e que jogassem pelo menos uma vez ao
mês, a participarem de uma pesquisa sobre hábitos
sociais de jogadores de RPG. Os jogadores das
listas de discussão que demonstraram interesse
em participar da pesquisa foram convidados a
comparecer à cl ínica de Psicologia da
Universidade, em data e horário viáveis para
esclarecimentos sobre a pesquisa, assinatura da
carta de consentimento, aplicação do IHS e da
entrevista. No caso dos jogadores abordados na
livraria e lan house, a aplicação do inventário e da
entrevista foi feita em uma sala do próprio local,
disponibilizada pelos proprietários. Foi entregue
aos participantes um endereço de e-mail e um
telefone para contato com as pesquisadoras, por
meio dos quais as possíveis dúvidas quanto à
pesquisa pudessem ser esclarecidas. Também foi
solicitado a cada participante que indicasse
colegas jogadores de RPG, com idades entre 18 e
25 anos, para participar da pesquisa. Tal
procedimento caracteriza a técnica de snowball,
que permitiu a captação de novos participantes a
partir daqueles já entrevistados. A grande maioria
dos jogadores foi selecionada por meio da
abordagem na lan house e pela aplicação da técnica
de snowball.
b) Grupo de Não-jogadores:
O grupo de não-jogadores foi composto
a partir das características básicas da amostra de
jogadores: idade, escolaridade e natureza das
instituições de ensino freqüentadas (pública ou
privada). A seleção de participantes deste grupo
foi realizada pela abordagem direta de alguns
estudantes nas instituições que freqüentavam e
pela técnica de snowball, com base nos perfis
preestabelecidos. Ao entrar em contato com tais
pessoas, as pesquisadoras identificavam-se,
apresentavam a proposta de pesquisa (sobre
hábitos sociais dos jogadores de RPG) e
perguntavam se o entrevistado conhecia o jogo.
Aqueles que aceitaram participar da pesquisa e
que afirmaram não conhecer ou nunca terem
jogado assinaram a carta de apresentação e
consentimento informado e, em seguida,
responderam ao Inventário de Habilidades Sociais
(IHS) em local adequado. Os resultados gerais e
individuais foram enviados via e-mail a cada
participante, tanto para jogadores quanto para
não-jogadores.
ANÁLISE DE DADOS
A comparação entre os escores obtidos
por meio da aplicação do IHS-Del-Prette em cada
grupo foi feita a partir da aplicação do teste de
hipótese ou Qui Quadrado. A análise das entrevistas
semi-estruturadas foi feita pela comparação dos
percentuais de respostas às perguntas.
RESULTADOS
Inicialmente, será feita uma breve
apresentação das características das duas amostras
estudadas. Em seguida, serão apresentados os
dados referentes à aplicação do IHS em ambos os
grupos (escore total e a comparação dos escores de
cada fator avaliado). Finalmente, serão
apresentados os dados das entrevistas realizadas
com a amostra de jogadores de RPG.
A amostra de participantes foi caracterizada,
predominantemente, por estudantes (70%), dos quais
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56,7% cursavam nível superior no período noturno
(42,9%), em instituição de ensino pública (52,4%)
ou particular (47,6%). A grande maioria dos
participantes trabalhava (70%), sendo que 38,1%
em período vespertino e 23,9% em período integral.
A renda familiar da maior parte dos participantes
estava entre 8-20 salários mínimos (56,7%).
Para avaliar há quanto tempo os jogadores
mantinham o hábito de jogar RPG, foram
estabelecidos os seguintes períodos: menos de 1
ano, entre 1 e 3 anos, entre 3 e 6 anos e mais de 6
anos. Grande parte da população jogadora afirmou
jogar há mais de seis anos (66,7% da amostra) ou
entre 3 e 6 anos (20%). A maioria dos jogadores
(63,3%) afirmou jogar RPG entre uma e quatro
vezes por mês, e sempre com as mesmas pessoas
(77,7%). Quanto à opinião de seus familiares sobre
o hábito de jogar RPG, 40% dos jogadores afirmaram
que estes aprovavam com ressalvas, 23,3%
afirmaram que suas famílias eram indiferentes, 10%
disseram que seus familiares aprovavam e 10%
afirmaram que a família reprovava o hábito.
A Figura 1 apresenta a comparação entre
os escores totais obtidos pelos grupos de jogadores
e não-jogadores no IHS.
De modo geral, analisando o escore total
das duas amostras, observa-se uma distribuição
muito parecida dos dois grupos estudados na escala
de avaliação, ou seja, a maioria dos participantes
das duas amostras apresentou um repertório
bastante elaborado de habilidades sociais.
Apareceram algumas diferenças discretas entre os
grupos, porém nenhuma delas significativa.
FIGURA 1 - Comparação do escore total obtido
no IHS-Del Prette (2001) entre os
grupos de jogadores e não-jogadores
Jogadores
Não-Jogadores
A Figura 2 apresenta a comparação entre
os escores obtidos pelos dois grupos nos fatores
avaliados pelo inventário.
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Pode-se observar uma polarização nos
extremos da escala em praticamente todos os
fatores, isto é, os escores médios foram obtidos
por um número menor de participantes de ambos
os grupos. Na comparação dos resultados dos dois
grupos, o teste de hipótese ou Qui Quadrado não
se mostrou significativo a 5%, ou seja, com este
estudo, não se pode afirmar que os grupos
apresentam diferenças significativas quanto aos
fatores estudados, conforme pode ser observado
na Tabela 1. Os valores de p referentes aos escores
total e dos fatores 1, 3, 4 e 5 são significativamente
maiores que o valor de significância estabelecido
(p = 0,05), no entanto, observa-se que o valor de
p referente ao Fator 2 (p = 0,0716) foi o que mais
se aproximou do valor de significância (p = 0,05),
sendo consideravel-mente menor que os demais
valores. Observa-se que, de fato, pela amostra
estudada, não é possível verificar se há diferenças
significativas entre os grupos no que se refere ao
escore do Fator 2 (já que o valor de p é maior que
0,05), mas há evidênciasde diferenças
consideráveis entre tal fator e os demais, o que
permite questionar a validade desse dado em uma
amostra com um maior número de participantes.
Em outras palavras, não se pode afirmar com
certeza se realmente os jogadores de RPG não
apresentam diferenças em suas habilidades de
auto-afirmação na expressão de sentimento
positivo ou se, de fato, podem apresentar repertório
diferenciado na área analisada.
FIGURA 2 - Comparação entre escores de
jogadores e não-jogadores nos Fatores
1, 2, 3, 4 e 5 do IHS-Del Prette (2001)
TABELA 1 - Resultado do teste do qui quadrado*
para associação entre ser jogador de RPG
e repertório social**
ÁREAS AVALIADAS VALOR DE p*
Escore total 0,70571
Enfrentamento e auto-afirmação 0,84452
com risco (F1)
Auto-afirmação na expressão 0,07161
de sentimento positivo (F2)
Conversação de desenvoltura 0,72080
social (F3)
Auto-exposição a desconhecidos 0,53420
e situações novas (F4)
Autocontrole da agressividade (F5) 0,61493
* nível de significância de 0,05.
** avaliado pelo IHS-Del-Prette (2001).
O questionário aplicado nos jogadores
teve por objetivo investigar os comportamentos
avaliados no IHS, verificando se os jogadores
relatavam diferenças em seus comportamentos
quando se relacionavam com pares que jogavam
RPG e pares que não jogavam RPG. Foram
descritas no questionário situações sociais
cotidianas, perguntando o grau de conforto dos
jogadores na relação entre pares jogadores e não-
jogadores em determinadas situações. As
situações avaliadas envolveram os seguintes
comportamentos: conversar, cobrar, elogiar, falar
em público, encerrar conversas, receber críticas,
ser contrariado e fazer correções. A Figura 3
apresenta a freqüência com que os participantes
relataram se sentir confortáveis ou não nas
diferentes situações propostas.
As habilidades sociais dos jogadores de RPG
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FIGURA 3 - Grau de conforto relatado pelos jogadores na relação com colegas jogadores e não-jogadores
Ao analisar as respostas assinaladas
pelos participantes nas situações propostas, não
é possível verificar qualquer diferença no grau de
conforto relatado por eles em relação ao seu
convívio com colegas jogadores e não-jogadores.
De modo geral, a maioria dos jogadores declarou
se sentir confortável nas suas relações tanto com
colegas jogadores quanto com colegas não
jogadores. Além disso, não houve correlação
entre o tipo de sistema jogado pelos participantes
e o nível de repertório social avaliado pelo IHS.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante os últimos quinze anos, o jogo
de RPG tem sido fortemente criticado por
representantes da sociedade, como grupos
religiosos e pais de jogadores, que sustentam
vários grupos anti-RPG (ex. B.A.D.D. – Bothered
About Dungeons and Dragons e C.C.I.N. – Cult
Crime Impact Network), além de livros, artigos de
revistas e documentários, afirmando que esse
tipo de jogo induz comportamentos prejudiciais
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nos jogadores, como cultos satânicos, prática de
bruxaria, suicídio, estupro, assassinato, entre
outros. Em muitos casos de tribunais que
apontaram o RPG como principal fator
responsável em atos criminais, alegou-se que os
jogadores criminosos estariam muito envolvidos
em uma realidade paralela em função de seus
personagens (Cale, 2002). Tais especulações
levaram à elaboração de alguns estudos sobre a
relação de comportamentos anti-sociais com o
jogo. Segundo Cale (2002), após longos estudos
realizados pelos membros da American Association
of Suicidology e Center for Disease Control nos EUA
e Health & Welfare no Canadá, não foram
encontradas quaisquer ligações entre o jogo
Dangeons & Dragons e adolescentes suicidas.
O estudo realizado por Derenard e Kline
(1990), com 70 participantes (35 jogadores e 35 não-
jogadores), não indicou níveis maiores de depressão,
suicídio e sentimentos de falta de perspectiva nos
jogadores, em comparação ao grupo-controle. No
entanto, os níveis de alienação e de estranhamento
cultural nos jogadores de RPG mostraram-se mais
altos em comparação aos não-jogadores, e ainda
mais altos nos jogadores considerados mais
envolvidos com o jogo. Os dados apresentados na
presente pesquisa, mesmo não sendo conclusivos,
apontam para aspectos mais específicos do
comportamento social dos jogadores, não estando
diretamente relacionados a comportamentos
agressivos constantemente ressaltados pelos meios
de comunicação. Considerando as evidências
apresentadas em algumas pesquisas de que havia
diferenças significativas na maneira como jogadores
lidavam com as demandas do ambiente, levantou-se
a hipótese de que a relação que os jogadores de RPG
estabelecem com o jogo seria um meio de esquiva das
relações interpessoais no meio social comum, em
virtude de possíveis déficits de habilidades sociais
em seus repertórios comportamentais. A literatura
apresenta informações que dão suporte a tal hipótese,
ressaltando que grande parte da popularidade do
jogo é sustentada por alguns alertas sobre o perigo
deste se transformar em um meio de escapismo da
realidade, por criar universos ficcionais onde os
jogadores projetariam algumas dificuldades em vez
de lidar com elas no plano real (Pavão, 2000).
Levando-se em consideração que o
presente estudo representa uma pesquisa
exploratória, com o objetivo de levantar dados
pouco disponíveis no meio científico, foram
estruturados grupos equivalentes de jogadores e
não-jogadores para que a comparação entre suas
habilidades sociais pudesse ser feita. Nos dados
apresentados, não foram observadas diferenças
significativas entre tais grupos, tanto com relação
ao escore geral de habilidades sociais quanto aos
fatores específicos. Entretanto, observou-se que
o valor de p do Fator 2 (auto-afirmação na
expressão de sentimentos positivos) foi o que
mais se aproximou do valor de significância
estabelecido, indicando evidências de que pode
haver diferenças consideráveis entre tal fator e os
demais. Tal fato permite questionar se o valor de
p referente ao Fator 2 ainda estaria acima do
valor de significância se fosse calculado em uma
amostra com maior número de participantes, já
que a amostra selecionada é relativamente
pequena (30 homens em cada grupo). Se, de fato,
há uma diferença significativa no que se refere às
habilidades de “auto-afirmação na expressão de
sentimento positivo” entre os grupos de jogadores
e não-jogadores em amostras com maior número
de participantes, é necessário que este dado seja
levantado. Também podem ser levantadas
questões sobre a relação entre a preferência de
diferentes sistemas de jogo de RPG com déficits
de habilidades sociais ou com outros fatores
relacionados à personalidade dos jogadores.
Se, por um lado, os meios de
comunicação em massa têm especulado a respeito
de conseqüências prejudiciais geradas pelo jogo
de RPG, por outro, os resultados da presente
pesquisa não indicaram haver qualquer diferença
entre os repertórios de habilidades sociais dos
dois grupos de participantes. A hipótese
inicialmente levantada foi refutada com a análise
dos níveis de significância obtidos entre os grupos.
Apesar de os dados do presente estudo
não apontarem para níveis diferenciados de
habilidades sociais entre a população de jogadores
e a população em geral, ao acrescentá-los aos
dados coletados na pesquisa de Derenard e Kline
(1990), por exemplo, pode-se afirmar que o jogo
em si pode proporcionar condições para
comportamentos de alienação, pela própria
estrutura que o embasa, em que são criados
universos predominantemente ficcionais entre
um número determinado de pessoas. No entanto,
os dados aqui apresentados apontam que jogar
RPG não parece ser um fator que possa,
individualmente, gerar condutas inadequadas na
Ashabilidades sociais dos jogadores de RPG
Psicol. Argum. 2008 abr./jun., 26(53), 159-168
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sociedade, e nem que é uma atividade procurada
predominantemente por pessoas que apresentam
déficits de relacionamento social. A importância
deste estudo e de outros que eventualmente
possam ser conduzidos sobre o tema reside na
discussão sobre a importância de se identificar
déficits habil idades sociais , seus fatores
determinantes e suas conseqüências para a vida
dos indivíduos. Autores como Del Prette e Del
Prette (2002) apresentam preocupações com as
possíveis conseqüências de déficits de habilidades
sociais em etapas formativas da vida do sujeito,
preocupações reforçadas pelas evidências de
correlação entre tais déficits e diversos problemas
psicológicos como delinqüência juvenil ,
desajustamento escolar, suicídio, problemas
conjugais e síndromes clínicas, como depressão e
esquizofrenia. Considerando que o RPG é um jogo
predominantemente praticado por adolescentes e
jovens adultos, seria importante verificar, em estudos
mais amplos, se, de fato, tal população tende a
buscar esse tipo de atividade em função de suas
características e de que maneira esse jogo pode
maximizar eventuais dificuldades interpessoais.
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Recebido: 02/11/2007
Received: 11/02/2007
Aprovado: 03/03/2008
Approved: 03/03/2008
Dhayana Inthamossu Veiga; Mariana Galesi Bueno; Marcela Godinho Belém; Andréia Schmidt
Psicol. Argum. 2008 abr./jun., 26(53), 159-168
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