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2 4 Catalogação elaborada na Fonte. Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária responsável: Rosiane Maria - CRB-14/1588 U588a Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Ciências da Saúde. Departamento de Saúde Pública. Curso de Atenção Integral à Saúde das Mulheres – Modalidade a Distância. Atenção à saúde das mulheres em situação de violência [Recurso eletrônico] / Universidade Federal de Santa Catarina. Organizadoras: Sheila Rubia Lindner... [et al]. - Florianópolis: UFSC, 2017. 62 p. : il. color. Modo de acesso: www.unasus.ufsc.br Conteúdo do módulo: Unidade 1 – A violência contra as mulheres. – Unidade 2 – Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica. – Unidade 3 – Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica. ISBN: 978-85-8267-110-8 1. Saúde das mulheres. 2. Violência contra a mulher. 3. Atenção básica. I. UFSC. II. Lindner, Sheila Rubia. III. Delziovo, Carmem Regina. IV. Bolsoni, Carolina Carvalho. V. Oliveira, Caroline Schweitzer de. VI. Coelho, Elza Berger Salema. VII. Título. CDU: 364.2 5 GOVERNO FEDERAL Ministério da Saúde Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres Universidade Federal de Santa Catarina Reitor: Luiz Carlos Cancellier de Olivo Vice-Reitora: Alacoque Lorenzini Erdmann Pró-Reitor de Pós-Graduação: Sérgio Fernando Torres de Freitas Pró-Reitor de Pesquisa: Sebastião Roberto Soares Pró-Reitor de Extensão: Rogério Cid Bastos Centro de Ciências da Saúde Diretora: Isabela de Carlos Back Vice-Diretor: Ricardo de Sousa Vieira Departamento de Saúde Pública Chefe do Departamento: Fabrício Augusto Menegon Subchefe do Departamento: Maria Cristina Marino Calvo Coordenadora do Curso de Capacitação: Elza Berger Salema Coelho Créditos 6 EQUIPE TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE Coordenação-Geral de Saúde das Mulheres Caroline Schweitzer de Oliveira Célia Adriana Nicolotti Maria Esther de Albuquerque Vilela Thais Fonseca Veloso de Oliveira Gestora geral do Projeto Elza Berger Salema Coelho Equipe de produção editorial Carolina Carvalho Bolsoni Deise Warmling Elza Berger Salema Coelho Larissa Pruner Marques Sabrina Blasius Faust Equipe executiva Dalvan Antonio de Campos Gisélida Vieira Patrícia Castro Sheila Rubia Lindner Tcharlies Schmitz Thiago Ângelo Gelaim Consultoria técnica Carmem Regina Delziovo Créditos 7 AUTORIA DO MÓDULO Sheila Rubia Lindner Carmem Regina Delziovo Carolina Carvalho Bolsoni Caroline Schweitzer de Oliveira Elza Berger Salema Coelho Assessoria pedagógica Márcia Regina Luz Identidade visual e Projeto gráfico Pedro Paulo Delpino Diagramação Paulo Roberto da Silva Esquemáticos Naiane Cristina Salvi Ajustes e finalização Adriano Schmidt Reibnitz Design instrucional, revisão de língua portuguesa e ABNT Eduard Marquardt Fonte para imagens e esquemáticos Fotolia Créditos 8 9 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Olá. Convidamos você a iniciar seus estudos! Este módulo se propõe discutir a violência que permeia a vida das mulheres, focando na- quela que está mais presente em suas vidas, a violência nas relações com seus parceiros íntimos, compreendida como uma violência de gênero. Esta diz respeito às relações de poder e à distinção entre as características atribu- ídas a homens e mulheres na sociedade em que vivemos. Assim, no contexto da Atenção Básica, apre- sentaremos aqui estratégias para a atenção às mulheres em situação de violência de gêne- ro. Para tanto, destacamos que o Brasil cons- truiu políticas públicas hoje vigentes para o enfrentamento à violência contra a mulher e a garantia do atendimento integral e humaniza- do. Estas políticas reconhecem a violência de gênero, raça e etnia como violência estrutural e histórica que expressa a opressão das mu- lheres, problema que precisa ser tratado como questão da segurança, justiça, educação, as- sistência social e saúde pública. Neste âmbito, o setor saúde tem papel funda- mental. Entre as suas responsabilidades está a atenção integral às mulheres agredidas e a coleta de informações sobre a prevalência desta violência, os fatores de risco e as conse- quências para a saúde das mulheres, a fim de promover e fundamentar as políticas públicas nesta área. O setor tem também o compro- misso de atuar na prevenção da violência com a disseminação de informações e ações na área a partir do reconhecimento desta como um problema de saúde pública (OMS,2013). É importante ressaltar o desafio posto para os profissionais nos serviços de saúde, de atenção às mulheres em situação de violên- cia como um cuidado na assistência cotidia- na, e, sobretudo, somar com outras atuações sociais em movimentos ético-políticos contra a violência e a favor de seu controle e preven- ção. Para isso, o setor da saúde tem papel funda- mental na articulação, de acordo com as po- líticas vigentes, dos serviços e organizações que, direta ou indiretamente, atendem situa- ções de violências. Neste sentido, abordamos pontos que con- sideramos importantes para intrumentalizar 10 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência você nesta área. Na primeira unidade discu- tiremos sobre a violência contra as mulheres, relembrando definições e contextualizando esta agressão com as prevalências e conse- quências na saúde. A segunda unidade apon- tará como você pode indentificar as mulheres em situação de violência; na terceira unidade, por fim, veremos as políticas públicas que de- vem nortear a atuação nesta área, as estraté- gias para atenção às mulheres em situação de violência e o fortalecimento do trabalho em rede. 11 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Este módulo trata da atenção às mulheres em situação de violência, instrumentalizando para a identificação e o cuidado no contex- to da Atenção Básica. Descreve o panorama desta violência, aponta suas consequências e, por fim, elenca estratégias para o seu enfren- tamento e fortalecimento da rede de atenção. Objetivo geral do módulo Ao final deste módulo você deverá ser ca- paz de reconhecer os tipos de violência, com ênfase na violência por parceiros íntimos, as consequências dessas violências con- tra as mulheres e a partir das políticas pú- blicas vigentes identificar estratégias para o seu enfrentamento. Carga horária 30 horas. 12 13 Sumário Unidade 1 – UN1 A violência contra as mulheres 15 1.1 Tipos de violência contra as mulheres 18 1.2 Contexto da violência contra as mulheres no Brasil 22 1.3 Consequências da violência na saúde das mulheres 23 Unidade 2 – UN2 Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica 27 2.1 As mulheres em situação de violência: como compreender esta situação 29 2.2 Como reconhecer as mulheres que estão em situação de violência 33 Unidade 3 – UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica 37 3.1 Estratégias de atenção às mulheres em situação de violência 43 3.2 Rede de atenção às mulheres em situação de violência 47 Resumo do módulo 53 Referências 55 Sobre as autoras 60 14 15 UN1 A violência contra as mulheres 16 17 17 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência A violência contra a mulherfoi definida pela ONU como todo ato baseado no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, se- xual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada (Convenção de Be- lém do Pará – ONU). Esta violência faz parte de um complexo fenômeno que afeta todas as classes sociais, constituindo-se em uma das principais formas de violação aos direitos humanos, apesar das várias declarações, po- líticas, diretrizes e compromissos assumidos por muitos países em relação à garantia des- tes. Está profundamente arraigada à cultura na sociedade, nas estruturas institucionais e sociais, nas quais as relações de poder exis- tentes entre os gêneros são historicamente desiguais. É importante considerar que a per- petuação da violência contra a mulher está relacionada ao aprendizado dos papéis do homem e da mulher, e que estes são usados como justificativas para determinados com- portamentos violentos. O termo violência por parceiros íntimos refere-se a todo e qualquer comporta- mento de violência presente tanto na unidade doméstica como em qualquer relação íntima de afeto, independente mente de coabitação. Compreende as violências física, psicológica, sexual, moral, patrimonial e o comportamento controlador (BRASIL, 2006; KRUG et al., 2002). Figura 1 – A violência contra a mulher atinge todas as classes sociais 18 18 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência No Brasil, as políticas públicas e as legisla- ções reconhecem a violência contra a mu- lher como uma violação grave de direitos que compromete a saúde e a qualidade de vida, assumindo este como um problema de saú- de pública. Entre as legislações destacamos a Lei no 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, a principal normativa brasileira para enfrentar a violência contra as mulheres, re- conhecida pela Organização das Nações Uni- das como uma das três melhores do mundo no enfrentamento à violência de gênero. Esta lei estabelece que toda mulher – independen- temente de classe, raça, etnia, orientação se- xual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião – goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asse- guradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, inte- lectual e social (BRASIL, 2006). Para que você compreenda melhor esta vio- lência, traremos a seguir informações que consideramos importantes quanto aos tipos de violência, com a finalidade de potencializar a identificação e o cuidado às mulheres que vivenciam alguma destas agressões. Figura 2 – A lei Maria da Penha estabelece direitos funda- mentais às mulheres 1.1 Tipos de violência contra as mulheres Entender quais tipos de violência as mulheres sofrem é o primeiro ponto que trazemos neste módulo. Nosso objetivo é que você amplie sua capacidade de reconhecer as mulheres que estão passando por este agravo na sua área de atuação e assim portencialize ações de en- frentamento a este grave problema de saúde pública. Inicialmente é preciso destacar que a principal violência sofrida pelas mulheres se dá no âm- bito das relações com maridos, ex-maridos, namorados e ex-namorados, configurando-se como violência entre parceiros íntimos. Consi- derado um fenômeno global, em nenhum país ou cultura as mulheres estão livres deste tipo de violência. Ocorre em todas as classes sociais e se fundamenta no sistema patriarcal e na domi- nação sistêmica das mulheres pelos homens. Um estudo da OMS em 11 países evidenciou que entre 15% e 71% de mulheres, dependendo do país, sofreram violência física ou sexual por parte do marido ou parceiro e que entre 4% e 54% a vivenciaram no último ano (OMS, 2002). DIA INTERNACIONAL PARA ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 19 19 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência É importante salientar ainda que dependendo da idade da mulher, pré-adolescentes ou ido- sas, outros agressores aparecem, configuran- do-se como violência intrafamiliar, entre eles os irmãos, pais e os filhos. Violência intrafamiliar é toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física e a psicológica, ou a liberdade e o direito ao pleno desenvol- vimento de outro membro da família. Derivado dos estudos de família, esse Figura 3 – Prevalência da violência física, sexual ou ambas, pelo parceiro íntimo em mulheres entre 15 e 49 anos de idade*, países selecionados, OMS, 2002. termo é entendido de maneira mais ampla que a doméstica e que a violência contra a mulher, por considerar crianças, irmãos, homens e idosos. Esse tipo de violência é cometido, dentro ou fora de casa, por algum membro da família, inclusive pes- soas que passam a assumir função paren- tal, ainda que sem laços de consanguini- dade, e que apresentam relação de poder sobre a outra pessoa (BRASIL, 2001). Quanto aos tipos de violência contra as mu- lheres, a Lei Maria da Penha, em seu artigo no 7, classifica como em 5 tipos, acompanhe o esquemático. 1 Violência física 2 Violência psicológica 3 Violência sexual 4 Violência moral 5 Violência patrimonial Eti óp ia Pe ru Ba ng lad es h Re pú bli ca Un ida da Ta nz ân ia Ta ilâ nd ia Sa mo a No va Ze lân dia Bra sil Na mí bia Ma ldi va s Prevalência durante a vida Últimos 12 meses Ja pã o *No Japão e na Nova Zelândia, o grupo etário era de 18 a 49 anos de idade. Nota: Dados levantados em províncias ou cidades específicas, exceto Maldivas e Samoa. Fonte: Organização Mundial da Saúde. Pr ev al ên ci a de v io lê nc ia p el o pa rc ei ro ín tim o (% ) 80 70 60 50 40 30 20 10 0 20 20 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência ÝÝ a violência física, entendida como qual- quer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; ÝÝ a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima, prejudique e perturbe o pleno desenvolvi- mento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangi- mento, humilhação, manipulação, isola- mento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicula- rização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à au- todeterminação; ÝÝ a violência sexual, entendida como qual- quer conduta que a constranja a presen- ciar, a manter ou a participar de relação se- xual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a in- duza a comercializar ou a utilizar, de qual- quer modo, a sua sexualidade, que a impe- ça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coa- ção, chantagem, suborno ou manipulação, ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; ÝÝ a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e di- reitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessi- dades; ÝÝ a violência moral, entendida como qual- quer conduta que configure calúnia, difa- mação ou injúria. Destacamos que na violência física por par- ceiro íntimo o grau de severidade do ato cometido pode ser de“violência física mo- derada” até “violência física grave”. Alguns estudos consideram como violência física moderada ou não grave o ato de receber ou dar um “tapa”, sem adicionar os demais atos de violência física (DE MELO, 2010; BRUSCHI, 2006). Outra classificação comumente utili- zada para a violência física moderada, além de receber um “tapa”, abrange os atos de “ter algum objeto arremessado” e “ser empurra- do ou chacoalhado”. A violência física grave é representada com atos como “chute, soco, espancamento, uso de arma”. Vale destacar que o risco de suicídio para mulheres que so- freram violência física moderada é três vezes maior, e para as que sofreram violência física grave é oito vezes maior quando em compa- ração com mulheres que não sofreram vio- lência física (FANSLOW, 2004). Consideramos importante, ainda, ressaltar al- gumas formas de agressões que são conside- radas violência: ÝÝ Humilhar, xingar e diminuir a autoestima: agressões como humilhação, desvaloriza- ção moral ou deboche público em relação a mulher constam como tipos de violência emocional. ÝÝ Fazer a mulher achar que está ficando lou- ca: há inclusive um nome para isso: o gas- lighting. Uma forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir si- tuações para deixar a vítima em dúvida so- bre a sua memória e sanidade. ÝÝ Controlar e oprimir a mulher: aqui o que con- ta é o comportamento obsessivo sobre a mulher, como querer controlar o que ela faz, não deixá-la sair, isolar sua família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail. 21 21 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência ÝÝ Expor a vida íntima: falar sobre a vida do casal para outros é considerado uma for- ma de violência moral, como, por exemplo, vazar fotos íntimas nas redes sociais como forma de vingança. ÝÝ Forçar atos sexuais desconfortáveis: não é só forçar o sexo que consta como violência sexual. Obrigar a mulher a fazer atos se- xuais que causam desconforto ou repulsa, como a realização de fetiches, também é violência. ÝÝ Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar: o ato de impedir uma mulher de usar métodos contra- ceptivos, como a pílula do dia seguin- te ou o anticoncepcional, é conside- rado uma prática da violência sexual. Da mesma forma, obrigar uma mu- lher a abortar também é outra forma de abuso. ÝÝ Controlar o dinheiro ou reter documen- tos: tentar controlar, guardar ou tirar o dinheiro de uma mulher contra a sua vontade, assim como guardar do- cumentos pessoais da mulher, isso é considerado uma forma de violência patrimonial. ÝÝ Quebrar objetos da mulher: outra forma de violência ao patrimônio da mulher é causar danos de propósito a objetos dela, ou obje- tos que ela goste. Lembramos que estas formas de violência não se produzem isoladamente, mas fazem parte de uma sequência crescente de episódios, em que o homicídio é a manifestação mais extrema. A seguir, apresentaremos as prevalências destas violências contra as mulheres con- forme informações disponíveis no Brasil. Nosso objetivo é mostrar o quanto este agravo à saúde ocorre e mobilizar você para identificar também no seu território mulhe- res que estejam sofrendo esta violência. Assim, você, junto com as mulheres, sua equipe e a comunidade, poderão desenvol- ver ações contra a recorrência. Veja em detalhe (BRASIL, 2015): Humilhar, xingar e diminuir a autoestima Formas de agressão consideradas violência Tirar a liberdade de crença Fazer a mulher achar que está ficando louca Controlar e oprimir a mulher Expor a vida íntima Atirar objetos, sacudir e apertar os braços Forçar atos sexuais desconfortáveis Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar Controlar o dinheiro ou reter documentos Quebrar objetos da mulher 22 22 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 1.2 Contexto da violência contra as mulheres no Brasil O Brasil é o quinto país do mundo com maior índice de homicídios de mulheres, ficando atrás somente para El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino- -americanos) e a Federação Russa. Es- sas mortes representam 13 homicídios femininos diários (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015). Estima-se que 2,1 milhões de mulheres são espancadas por ano, 175 mil por mês, 5,8 mil por dia, 243 por hora, 4 por minuto e 1 cada 15 segundos, sendo que 65% das mulheres são agredidas por seus companheiros (PESQUISA PERSEU ABRAMO, 2013). Com relação à violência sexual, foram regis- trados 50.320 estupros em 2013, uma mé- dia de quase seis a cada hora, um a cada 10 minutos (ANUÁRIO DE SEGURANÇA PÚ- BLICA, 2015). Ressalta-se que a violên- cia sexual ocorre cerca de seis vezes mais entre as mulheres do que entre os homens (SHRAIBER, 2005). Apesar do alto número de casos registrados, é preciso destacar que a maioria das mulheres que sofrem violência sexual não registram denúncia na polícia, o que torna difícil estimar a prevalência deste crime. No setor saúde os dados apontam que 527 mil pessoas são estupradas por ano no Bra- sil, segundo notificações do SINAN, em 2011. Esses registros mostram ainda que 89% das vítimas são do sexo feminino e que 70% dos estupros são cometidos por familiares, na- morados ou amigos e conhecidos da vítima (IPEA, 2014). Outros dados relevantes sobre a violência contra a mulher são oriundos da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Vio- lência – Ligue 180. Em mais de 80% dos casos de violência reportados a agressão foi cometida por homens com quem as ví- timas tinham ou tiveram algum vínculo afe- tivo; entre eles encontram-se atuais ou ex- -companheiros, cônjuges e namorados. Em 43% dos casos de violência registrados as agressões ocorriam diariamente e para 35% das mulheres a frequência dos episódios de violência era semanal, segundo dados de 2014. Figura 4 – Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – Ligue 180 Em 2015, este serviço realizou 749.024 aten- dimentos – uma média de 62.418 por mês e 2.052 por dia, número 54,4% maior do que o registrado em 2014 (485.105). Do total de atendimentos, 50,16% corresponderam à vio- lência física; 30,3%, violência psicológica; 7,2%, violência moral; 2,1%, violência patri- monial; 4,5%, violência sexual; 5,1%, cárcere privado e 0,4%, tráfico. Importante destacar que o Ligue 180 é um serviço de utilidade pública, gratuito e confidencial (preserva o 23 23 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência anonimato), oferecido pela Secretaria de Po- líticas para as Mulheres da Presidência da República, desde 2005. A taxa de homicídio de mulheres no Brasil teve um acréscimo de 8,8% na década de 2003 a 2013. Em 2003 foi de 4,4 homicídios por 100 mil mulheres, já em 2013 esse núme- ro passou para 4,8 por 100 mil mulheres. Em 2015 ocorreram 4.621 mortes de mulheres no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Ainda que a taxa de homicídios de mulheres tenha melhorado gradualmente nos anos mais re- centes, tendo este indicador diminuído 2,8% entre 2010 e 2015, para as mulheres negras não houve redução, ao contrário, a mortali- dade destas sofreu aumento de 22% no mes- mo período. Com isso, cresceu a proporção de mulheres negras entre o total de mulheres vítimas de morte por agressão, passando de 54,8% em 2005 para 65,3% em 2015 (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2015; IPEA, 2017). As taxas de homicídios de mulheres são maio- res em alguns estados do país, destacando--se Rondônia, Mato Grosso, Goiás e Roraima. Acompanhe na figura 5. Já com relação a taxa de crescimento, destacam-se os estados do Piauí, Amazonas e Roraima. Todos esses dados demonstram que a violên- cia contra as mulheres está presente em nos- sa sociedade. E esta violência acarreta graves consequências para a saúde das mulheres. Vamos conhecer quais são? 1.3 Consequências da violência na saúde das mulheres Cada tipo de violência gera prejuízos nas esfe- ras do desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou afetivo. As manifestações físicas da violência podem ser agudas, como inflamações, contusões, hematomas, ou crôni- cas, deixando sequelas para toda a vida, como as limitações no movimento motor, traumatismos, a instalação de deficiências físicas, entre outras. Os sintomas psicológicos frequentemente en- contrados em vítimas de violência são: insônia, pesadelos, falta de concentração, irritabilidade, falta de apetite, e até o aparecimento de sérios problemas mentais como a depressão, ansie- dade, síndrome do pânico, estresse pós-trau- mático, além de comportamentos autodestru- tivos, como o uso de álcool e drogas, ou mesmo 15 ,3 9, 3 8, 6 8, 6 8, 3 6, 4 6, 3 6, 2 5, 9 5, 8 5, 8 5, 8 5, 7 5, 6 5, 5 5, 3 5, 3 5, 3 5, 2 5, 1 4, 8 4, 5 4, 2 3, 8 3, 8 3, 1 2, 9 2, 9 0,0 2,0 4,0 6,0 8,0 10,0 12,0 14,0 16,0 RR ES GO AL AC PB RO CE MS PA MT BA TO DF PE RN AP AMPR SE BR RJ MGMA RS SC PI SP Ta xa s de h om ic íd io (p or 1 00 m il) Figura 5 – Ordenamento da UFs, segundo taxas de homicídio de mulheres (por 100 mil). Brasil (2015). Fonte: Mapa da violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil. 24 24 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência comportamentos autodestrutivos, como o uso de álcool e drogas, ou mesmo tentativas de suicídio problemas mentais como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse pós-traumático insônia, pesadelos, falta de concentração, irritabilidade, falta de apetite crônicas, deixando sequelas para toda a vida, como as limitações no movimento motor, traumatismos, instalação de deficiências físicas etc. agudas, como inflamações, contusões, hematomas Sintomas psicológicos Manifestações físicas Violência 25 25 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência tentativas de suicídio (KASHANI; ALLAN, 1998). Acompanhe no esquema da página 24 estas manifestações físicas e psicológicas. A violência pode levar diretamente a traumatis- mos sérios, incapacidades e óbitos, e indireta- mente a uma variedade de problemas de saú- de, como mudanças fisiológicas induzidas pelo estresse, uso de substâncias ou falta de con- trole sobre a fertilidade e autonomia pessoal, como observado frequentemente em relacio- namentos abusivos. As mulheres que sofreram violência têm altas taxas de gravidez não dese- jada, de abortos, desfechos neonatais e infantis adversos, infecções sexualmente transmissí- veis, incluindo o HIV (CAMPBELL, 2002). Mulheres que sofreram violência física ou sexual, por exemplo, têm mais problemas de saúde do que as que não sofreram – em re- lação ao funcionamento físico, ao bem-estar psicológico e à adoção de futuros compor- tamentos de risco, inclusive fumar, inativida- de física e abuso de álcool e drogas. Essas substâncias foram consideradas por muitas pesquisas como um dos principais motivos para o desencadeamento da violência física entre os parceiros (MCCAULEY et al., 1995; KRUG, 2002). Alguns estudiosos conside- ram que pessoas em situação de violência fazem o uso dessas substâncias como me- canismos de fuga. Além disso, a violência compromete a saú- de mental, ao interferir na crença que a mulher possui sobre sua competência, isto é, sobre a habilidade de utilizar ade- quadamente seus recursos para o cumpri- mento das tarefas relevantes em sua vida. A mulher pode apresentar distúrbios na ha- bilidade de se comunicar com os outros, de reconhecer e comprometer-se, de for- ma realista, com os desafios encontrados, além de desenvolver sentimento de inse- gurança concernente às decisões a serem tomadas. Impactos da violência Um em cada cinco dias de falta ao trabalho no mundo é causado pela violência sofrida pelas mulheres dentro de suas casas. A cada 5 anos, a mulher que sofre violência perde 1 ano de vida saudável. As mulheres com idade entre 15 e 44 anos perdem mais anos de vida saudável (“disa- bility-adjusted life year” ou DALY) em função do estupro e da violência do que em ra- zão de câncer de mama, câncer de colo de útero, problemas relacionados ao parto, doen- ças coronárias, AIDS, doenças respiratórias, acidentes de automóveis ou a guerra (World Development Report of the World Bank, 1993). O estupro e a violência são causas importantes de incapacidade e morte de mulheres em idade produtiva. Mulheres vítimas da violência podem sofrer com isolamento social, incapacidade para tra- balhar, ficar sem remuneração ou com menor remuneração, incapacidade para a partici- pação em atividades na comunidade e terem sua capacidade de cuidar de si mesmas e de seus filhos diminuída. 26 26 UN1 A violência contra as mulheres Atenção à saúde das mulheres em situação de violência A violência provoca impactos econômicos e sociais, segundo dados do Banco Mundial (BM) e do Banco Interamericano de Desen- volvimento (BIRD), em 2012. Figura 6 – A violência tem efeitos diretos e indiretos Uma intervenção resolutiva a essa problemá- tica não pode prescindir de uma conduta clí- nica. No entanto, não é o suficiente; a atenção precisa ir além, buscando medidas que pro- movam a conservação da saúde e a recupe- ração da qualidade de vida. Isso porque ações clínicas não são suficientes para responder às variadas dimensões dos problemas e às ne- cessidades em saúde das mulheres. Por isso o entendimento de como esta violência é vi- venciada pelas mulheres é importante para que você possa reconhecer as necessidades e implementar um plano de cuidados em con- junto com a mulher e a rede de apoio. Este é um assunto para a próxima unidade, vamos lá? 27 UN2 Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica 28 29 29 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 Esta unidade contextualiza o processo vi- venciado pelas mulheres nas situações de violência, com o objetivo de instrumentalizar você para a compreensão deste processo. Na sequência, destacamos como reconhecer es- tas situações e apresentamos considerações com relação ao seu papel como profissional da Atenção Básica no enfrentamento da vio- lência relacionando com as políticas públicas vigentes. Quando nos referimos a enfrentamento da violência, entenda-se ações de pro- moção da não violência e de proteção e atenção às pessoas em situação de violência. 2.1 As mulheres em situação de violência: como compreender esta situação É importante que você reconheça a dinâmica das situações de violência para uma avalia- ção da melhor forma e momento para intervir, possibilitando assim uma abordagem mais adequada. É importante compreender essa dinâmica para poder ajudar a entender as ati- tudes, por vezes incompreensíveis, como as que ocorrem com mulheres que denunciam as violências e depois retrocedem e retornam aos parceiros agressores.A violência por parceiro íntimo costuma acon- tecer com tempo e intensidade diferenciada nas diferentes relações. A psicóloga Lenore Walker (1979) descreveu o ciclo da violência, apontando três fases nos relacionamentos violentos que iniciam pelo aumento da tensão: 30 30 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 Vejamos em detalhe o que caracteriza cada uma destas fases: ÝÝ fase 1, onde ocorrem de forma frequente pequenos incidentes, que a mulher atribui a fatores externos e acredita ter controle so- bre o comportamento do agressor; ÝÝ fase 2, onde ocorrem incidentes violentos de forma mais grave e agudos. É quando ocorre a descarga da tensão acumulada na fase 1. A mulher nesta fase pode ter de- pressão, ansiedade e queixas psicossomá- ticas. Seus sentimentos são de terror, raiva, ansiedade, sensação de que é inútil tentar escapar desta situação; ÝÝ fase 3, de apaziguamento e esperança de mudança. O agressor tenta fazer as pazes. A mulher agredida tenta acreditar que não sofrerá mais violência. É o período de calma onde os parceiros tornam-se dependentes um do outro. Outros autores dividem o ciclo da violên- cia em um número maior de fases, iniciando com um período de aumento de tensão (em que a ira do agressor começa a aumentar); uma fase de tensão (em que ele está pres- tes a explodir); um momento de explosão (em que ocorre violência física, psicológica ou patrimonial, geralmente de forma grave); o remorso (o agressor pode sentir remorso ou medo de que os outros saibam); as promes- sas (o agressor mostra-se arrependido, pede perdão e faz promessas à mulher maltrata- da) e finaliza com a chamada lua de mel (o agressor comporta-se de modo carinhoso e romântico e a mulher acredita que ele vai mu- dar) (MENEGUEL, 2015). Aumento de tensão Tensão Explosão Promessas Lua de mel Divisão do ciclo de violência Esse ciclo na realidade é uma espiral ascen- dente, cujas etapas vão se tornando mais cruéis e ocorrem em um espaço de tempo cada vez menor. Este modelo de comporta- mento não representa uma exceção ou um comprometimento psicológico dos agresso- res, mas constitui o modus operandi dos ho- mens sob o regime do patriarcado, ou o meio de manter as mulheres sob controle e em po- sições de subordinação, usando a cumplici- dade delas próprias para ficarem submissas, se sentirem culpadas, envergonhadas porque a relação não está dando certo e, portanto, merecedoras de punição (AZEVEDO, 1985; BIGLIA, 2007; MENEGUEL, 2015). Uma crítica ao modelo do “ciclo da violên- cia” baseia-se na compreensão da violência de gênero contra a mulher como um conti- nuum, em que os eventos vão se tornando cada vez mais frequentes e graves. A ideia do continuum desloca a explicação basea- da nos comportamentos individuais do casal subjacente ao ciclo para focar a determina- ção social e patriarcal da violência contra a mulher. Além do mais, como afirma Mont- serrat Sagot (2000), muitas mulheres per- manecem nas relações, não por estarem ilu- 31 31 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 didas quanto à melhora do comportamento abusivo dos maridos e companheiros, mas por perceberem que, em certas situações, é mais perigoso sair do que ficar (MENEGUEL, 2015). Outro modelo explicativo para o processo vivido pelas mulheres em situação de vio- lência por parceiro íntimo é proposto por Leitão (2014), que observa que a mulher nesta situação passa por um processo de quatro fases de transição sequenciais, mas não estanques, nem lineares ou exclusivas: entrada, manutenção, decisão de saída e (re)equilíbrio. Transição é um processo de passagem durante o qual as mulheres redefinem o sentido do eu e passam a desenvolver uma nova ação individual em respos- ta a eventos de vida de rompimento. A transição requer da mulher capaci- dades para incorporar novos conheci- mentos, para alterar comportamentos e até para mudar a definição do seu self no contexto social (MELEIS, 2007; VAN LOON; KRALIK, 2005 apud LEITÃO, 2014). Vejamos o que cada fase apresenta: ÝÝ Entrada: o sonho vivido no processo de enamoramento e a desilusão em que fica- ram aprisionadas. ÝÝ Manutenção: o vazio e o abandono vividos no processo de auto-silenciamento e de consentimento que as fez permanecerem na relação. ÝÝ Decisão de saída: o desejo de libertação que as fez enfrentar o problema e lutar pelo autorresgate. ÝÝ (Re)equilíbrio: o (re)encontro consigo mes- mas resultante de um processo muito di- fícil de reconstrução de uma nova vida em liberdade. Este processo é atravessado por querer (e poder) autodeterminar-se e sus- tentar-se em três pilares: querer ser livre; encontrar um sentido para a vida; (re)cons- truir a sua identidade. Este processo é dividido em dois períodos distintos: o primeiro integra as fases de en- trada e manutenção da violência por parceiro íntimo e o segundo inicia-se com a decisão de saída da relação e termina com o (re)equi- líbrio alcançado com a reconstrução da sua identidade. Assume-se como marco de rom- pimento a tomada de decisão de abandonar a relação. Entrada Fases de transição da situação de violência Manutenção Decisão de saída (Re)equilíbrio 1 2 4 3 32 32 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 Este é um movimento oscilatório, complexo, muitas vezes com (aparentes) estagnações ou desvios – e, por vezes, com regressões. Tudo isso para poder ser uma mulher com direito à sua autodeterminação – vivendo (ou não) uma relação de intimidade – e poder usufruir daquilo a que tinha direito como pessoa e que lhe foi roubado durante anos: poder viver em liberdade, assumindo a condução da sua vida (LEITÃO, 2014). Conversar sobre como se dá a violência na vida do casal também pode ajudar a desman- char ilusões sobre o mito do amor romântico, além de entender o processo de ideologização que faz as mulheres aceitarem relações abu- sivas, dificultando o processo de romper com a violência. Nas relações as mulheres sofrem diferentes tipos de violência. Esta pode ser do tipo se- xual, física ou psicológica, apresentando-se, na grande maioria das vezes, de modo com- binado, com os tipos se superpondo entre si (SCHRAIBER et al., 2009). Destaca-se neste processo algumas condi- ções e crenças existentes na sociedade que inviabilizam a saída das mulheres de uma re- lação violenta, entre elas: Baixa da autoestima Situações que inviabilizam a saída das mulheres de uma relação violenta Crença de que a violência é temporária, que seus parceiros possam mudar Dúvidas se podem viver sozinhas Dificuldades econômicas Crença de que o divórcio é como um estigma O fato de que é difícil para uma mulher com filhos encontrar trabalho Vergonha de ser vista como uma mulher espancada Pena do marido Ou pelo fato de amarem os seus companheiros Importante! Você, como profissional da saúde, tem um papel importante na identificação de mulheres que estão em situação de violência e na cons- trução conjunta de estratégias para o enfrentamento desta situação. Estas reflexões são importantes para que você se prepare para ampliar o acolhimento às mulheres em situação de violência. Para auxiliar nesta reflexão trazemos alguns da- dos da pesquisa realizada no país, em 2013, pelo Data Popular e Instituto Avon, sobre as percepções dos homens com relação à violência contra mulher. Acompanhe no quadroda próxima págima. Vamos falar um pouco sobre isso? 33 33 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 2.2 Como reconhecer as mulheres que estão em situação de violência Como profissional da saúde na Atenção Básica, você é um potencial identificador de casos de violência e possui um relevante papel na aten- ção, redução de danos e no acionamento da rede intersetorial, tendo em vista as graves repercus- sões na saúde física e mental das mulheres. Reconhecer as violências nos contextos in- trafamiliares e entre parceiros íntimos e saber como agir nestas situações é de fundamental importância, considerando a alta prevalência deste tipo de agravo à saúde das mulheres. Você pode realizar intervenções que ajudem as mulheres em situação de violência a en- contrar novos modos de viver e de ser, no sen- tido de reformular a sua autoidentidade e de reconstruir os seus projetos de vida sem vio- lência (LEITÃO, 2014). Sabe-se que mulheres que vivem ou viveram em situação de violência têm mais queixas, distúrbios e patologias, físicas e mentais, e utilizam os serviços de saúde com maior fre- quência do que aquelas sem esta experiência (SCHRAIBER et al., 2010). Por isso, você pre- cisa estar atento às mulheres que procuram a Unidade Básica de Saúde, relatando sofri- mentos pouco específicos, doenças crônicas, agravos à saúde reprodutiva e sexual ou trans- tornos mentais. Estas condições e situações ocorrem em maior frequência nas mulheres que estão vivenciando situação de violência (D’OLIVEIRA; SCHRAIBER, 2014). As mulheres também podem procurar o ser- viço de saúde por problemas decorrentes di- retamente da violência física ou sexual como traumas, fraturas, tentativas de suicídio, abor- tamentos, entre outros. Você precisa atentar também para as mulheres que não buscam as ações de cuidado com a sua saúde, como a coleta de exame cérvico uterino, ou têm difi- culdade no uso de métodos de planejamento reprodutivo. Nem sempre a mulher consegue reconhecer a situação que está vivendo como uma violência. Assim, uma estratégia que pode ser adotada é o rastreio para violência como parte integrante dos atendimentos na Atenção Básica. Percepções dos homens com relação à violência contra a mulher Os homens entrevistados admitem com relação às mulheres que: já xin- gou, empurrou, agrediu com pala- vras, deu tapa, deu soco, impediu de sair de casa, obrigou a fazer sexo. 56% A maioria considera inaceitáveis cer- tas condutas por parte da mulher: 85% condenam que ela fique bêbada; 69% que saia com amigos/as, sem o marido; 46%, que ela use roupa que consideram “inadequada”. 85% Os homens acham que, por causa da Lei Maria da Penha, as mulheres os desrespeitam mais. 37% Os homens consideram inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem. 89% A mulher é a principal responsável pelo sucesso do casamento. 3% 34 34 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 Figura 7 – Reconhecer as violências nos contextos intra- familiares e entre parceiros íntimos é fundamental Alguns sinais durante os atendimentos po- dem servir de alerta na identificação de pos- síveis situações de violências vivenciadas por mulheres (BRASIL, 2016). Veja o quadro ao lado. Importante! Não tenha medo de per- guntar. Contrariamente à crença popu- lar, a maioria das mulheres nesta situa- ção está disposta a revelar a violência quando se pergunta de forma direta e sem fazer juízos de valor. Na realida- de, muitas mulheres encontram-se silenciosamente à espera que alguém as questione a respeito do assunto. Deve-se introduzir o tema da violên- cia de forma cuidadosa, mas direta, expressando que não existe desculpa ou justificativa para a violência e que a pessoa tem o direito a viver sem medo e livre deste mal. Também é importante que você tenha aten- ção porque a revelação da situação da violência poderá representar risco para a mulher, caso o(a) agressor(a) tenha conhe- cimento desta. Garanta a confidencialida- de, exceto nas situações previstas de pe- rigo eminente ou elevado (DGS; ASGVCV, 2014). Destacamos, na página seguinte, exemplos de perguntas que podem ser realizadas em caso de suspeita de situação de violência (DGS; ASGVCV, 2014). Sinais de alerta em situações de violência ÝÝ queixas vagas, inexplicáveis ou recorrentes ÝÝ distúrbios gastrointestinais ÝÝ sofrimento psíquico ÝÝ queixa de dores pélvicas e abdominais crônicas ÝÝ Infecções Sexualmente Transmissíveis ÝÝ prurido ou sangramento vaginal ÝÝ evacuação dolorosa ou dor ao urinar ÝÝ problemas sexuais e perda de prazer na relação ÝÝ vaginismo (espasmos musculares nas paredes vaginais, durante relação sexual) ÝÝ presença de doenças pélvicas inflamatórias ÝÝ síndrome da imunodeficiência humana adquirida (AIDS) ÝÝ gravidez indesejada ou em menores de 14 anos ÝÝ entrada tardia no pré-natal ÝÝ parceiro(a) demasiadamente atento(a), controla- dor(a) e que reage se for separado da mulher ÝÝ infecção urinária de repetição (sem causa secun- dária encontrada) ÝÝ síndrome do intestino irritável ÝÝ complicações em gestações anteriores, aborto de repetição ÝÝ transtorno do estresse pós-traumático ÝÝ história de tentativa de suicídio ou ideação suicida ÝÝ lesões físicas que não se explicam como acidentes 35 35 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência Situações de violência e o papel do profissional na Atenção Básica UN2 Estive avaliando a sua história e encontrei algumas coisas que gostaria de conversar contigo. Vejo que … (relatar os fatos). Perguntas com base em antecedentes e características pessoais: Perguntas realizadas na suspeita de violência A que você atribui o seu mal-estar ou problema de saúde? Observo que está um pouco nervosa. O que a preocupa? Está vivendo alguma situação problemática que a faz sentir-se assim? Pode falar sobre isto? Pensa estar relacionado? Muitas pessoas têm problemas como os seus, tais como… (relatar os mais significativos), habitualmente a causa é estarem vivendo algum tipo de mau trato por parte de alguém. É este o seu caso? Em caso de suspeita por antecedentes como dispareunia, dor pélvica, disfunção sexual… questionar acerca das relações afetivas e sexuais, se são satisfatórias ou não. Esta lesão habitualmente ocorre quando se recebe um empurrão, golpe, corte… foi isso que aconteceu? O/a seu/sua companheiro/a ou alguma outra pessoa é violenta com você? Como? Desde quando? Alguma vez a agrediram mais gravemente? (espancamentos, utilização de armas, agressões sexuais) ? ? Gostaria de saber a sua opinião sobre esses sintomas que relatou (ansiedade, nervosismo, tristeza, apatia) … Desde quando é que se sente assim? A que acha que se devem? Relaciona-os com alguma situação?" Perguntas com base em sintomas psicológicos: Aconteceu ultimamente alguma situação na sua vida que a possa deixar preocupada? Tem algum problema com o/a seu/sua companheiro/a ou alguém da família? Parece que se encontra assustada? O que teme? ? ? ? ? Na unidade a seguir, abordaremos a atenção às mulheres em situação de violência no âm- bito da Atenção Básica. 36 37 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica 38 39 39 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 39 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica As mulheresem situação de violência têm di- reito à atenção nos serviços de saúde. Esta é uma ação ético-política que compõe o conjun- to de ações de enfrentamento à violência, jun- tamente com a prevenção de situações desta natureza e a responsabilização do agressor. A prática profissional deve funcionar como instrumento de proteção e promoção dos di- reitos humanos das mulheres. E quando indentificar as mulheres em situa- ção de violência, qual o papel do serviço de saúde definido nas políticas públicas? Neste sentido, a Atenção Básica, como uma das principais portas de entrada no sistema de saúde, e principalmente a Estratégia Saúde da Família, que trabalha com territorialização, têm papel importante no acolhimento das mu- lheres e na coordenação do atendimento em rede de atenção inter e intrasetorial. Estas ações vêm ao encontro da Política Na- cional de Atenção Básica, da Política Nacio- nal de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da Política Nacional de Redução da Morbi- mortalidade por Acidentes e Violências. Esta última política continua sendo o instrumento orientador da atuação do setor saúde nas ações relacionadas aos acidentes e violên- cias, e possui diretrizes que estão no âmbito do território e da Atenção Básica: Figura 8 – As mulheres em situação de violência têm di- reito à atenção nos serviços de saúde Se você ainda não teve acesso a esta política, conheça-a agora, acessando: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publi- cacoes/acidentes.pdf>. Ampliando as ações propostas para atenção às pessoas em situação de violência, em 2004 o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/ MS no 936/2004, iniciando a estruturação da Rede Nacional de Prevenção da Violência e 40 40 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 40 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica Promoção da Saúde com a implantação de nú- cleos. O objetivo desses Núcleos de Prevenção à Violência e Promoção da Saúde é discutir a temática e fortalecer as ações de intervenção locais, bem como melhorar a qualidade da in- formação dos acidentes de violência. Em se- guida, estabelece um marco importante para dar visibilidade às violências contra as mulhe- res a partir dos serviços de saúde, a notificação compulsória de violência contra a mulher, con- forme disposto na Portaria GM/2.406/2004. A notificação de violências foi ampliada em 2009, quando passou a ser compulsória a notificação de violência doméstica, sexu- al e/ou outras violências, devendo ser rea- lizada de forma contínua nas situações de suspeita ou confirmação de violências en- volvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos. Essa notificação deve ser reali- zada por você, profissional da saúde, me- diante o preenchimento de uma ficha de notificação específica inserida no Sistema de Informações de Agravo de Notificação (SINAN). Esta é uma ação que dá visibilida- de às mulheres em situação de violências, potencializando a construção de políticas públicas. Importante! Está previsto nas Portarias no 485 e 618/2014 que você e sua equi- pe acolham as pessoas em situação de violência sexual com referenciamento para os serviços com maior comple- xidade no atendimento quando neces- sário, em especial quando a violência ocorreu em até 72 horas, a fim de que sejam administradas as medicações para redução dos danos deste agra- vo, dentre eles as infecções sexual- mente transmissíveis (HIV e Hepatite B, por exemplo) e também a gravidez indesejada. Outro ponto importante a ser ressaltado na atenção às mulheres em situação de violên- cia, é que você não está sozinho. As políticas públicas preveem a articulação intersetorial para o atendimento e o enfrentamento deste agravo. O enfrentamento da violência só será possível com a articulação intersetorial que envolve, entre outros, os setores da saúde, educação, justiça, segurança pública, assis- tência social. O envolvimento da comunidade com a promoção de ambientes sem violência é outro ponto de destaque. No contexto das políticas públicas de en- frentamento à violência, destacamos que Diretrizes da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências Promoção da adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis Estruturação e consolidação do atendimento voltado à recuperação e à reabilitação Monitorização da ocorrência de acidentes e de violências 04 01 02 Assistência interdisciplinar e intersetorial às vitimas de acidentes e de violências03 41 41 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 41 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica esta não pode ser tratada como um ato iso- lado. É importante lembrar o fato de que ela se cronifica, sendo difícil enfrentá-la sem uma rede de apoio. E esta rede de apoio pre- cisa ser instituída com políticas públicas in- tersetoriais. Trata-se de trabalhar na direção de atenuar os impactos da violência na vida das mulheres e de suas famílias, reduzindo e até cessando os comportamentos violen- tos, oportunizando novos posicionamentos frente a situações disparadoras de atos de violência. Este é o norte das ações de en- frentamento à violência. Lembre-se que as mulheres sentem dificul- dade de procurar o serviço de saúde quando estão sofrendo violência. Estudo realizado no interior de São Paulo (MELO, 2010) mos- trou que as mulheres que necessitavam de cuidados de saúde, mas que não os rece- beram, alegaram algumas circunstâncias para não o fazer, como vergonha de expor o problema, medo de represália por parte do companheiro, medo de comprometer o com- panheiro. Geralmente, a procura por ajuda ocorre em múltiplas fontes, porém as mais frequentes são pessoas da própria família ou da família do companheiro e amigos. En- tre as instituições, a polícia/delegacia foi a mais procurada, seguida das organizações de proteção à mulher/abrigos (BRUSCHI, 2006). Figura 9 – A violência não pode ser tratado com ato isola- do. É preciso articulação entre as redes de apoio Assim, a equipe de saúde precisa estar atenta e através da escuta e observação, reconhecer como a mulher em situação de violência se sente frente à situação, permitindo que ela ex- presse estes sentimentos, oferecendo o apoio necessário e possível para que esta se sinta segura. Para que as mulheres reconheçam a Unidade Básica de Saúde como um ponto de atenção na rede de atendimento à situação de violência é importante que os profissio- nais que nela atuam tenham uma cultura de respeito, propiciando tempo e condições para realizar uma escuta com qualidade e estabe- lecer um diálogo com as mulheres. Importante! Muitas vezes é difícil para a mulher falar sobre as violências viven- ciadas no seu cotidiano. Caso a mulher não queira falar sobre o assunto, é im- portante que você expresse sua dispo- nibilidade em ouvi-la quando ela sentir necessidade. As mulheres que estão em situação de vio- lência buscam diversas formas de apoio e meios de transformar a situação. Já foi iden- tificado que a falta de apoio, o sentimento de vergonha e o desprestígio em relação ao cumprimento de papel esperado pela mulher, esposa e mãe bloqueiam internamente a de- cisão da denúncia. Por outro lado, a qualidade do cuidado recebido em instituições é muito importante: o encorajamento, a informação precisa e o não julgamento contribuem para 42 42 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 42 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica a continuidade da rota de saída da situação de violência. O descaso,a burocracia e a difi- culdade de acesso são grandes inibidores de denúncias por parte das mulheres (SAGOT, 2000). Figura 10 – Caso a mulher não queira falar sobre o assun- to, é importante que você expresse sua disponibilidade em ouvi-la quando ela sentir necessidade É preciso mostrar que você está aberto e pre- ocupado com a atenção às mulheres em si- tuação de violência, preparando a UBS para que possa ajudar a informar as mulheres desta disposição, colocando cartazes, ban- ners, divulgando pelos meios de comunica- ção e através das visitas de agentes comu- nitários de saúde. A informação que precisa estar visível para a comunidade é de que a UBS entende que violência é um problema de saúde e que dispõe de informações im- portantes para quem está vivenciando esta situação. Outra estratégia para que a temática da vio- lência possa emergir a partir das mulheres da comunidade é criar espaços, grupos de aten- ção a dimensões psicossociais. Quando o tema surgir, poderá ser trabalhado a partir das expectativas e conhecimentos das mulheres. Destaca-se que seu papel é oferecer as in- formações e os recursos existentes para o atendimento, valorizando o relato da mulher, respeitando a sua privacidade, a confidencia- lidade, e principalmente o seu tempo. Importante! Lembre-se: situações de violência que para muitas pessoas se- riam inimagináveis, para outras sim- plesmente fazem parte do cotidiano. Neste contexto, o atendimento com acolhi- mento humanizado é uma diretriz e uma pos- tura ética dos profissionais de saúde. Não pressupõe local nem hora certa para aconte- cer, nem um profissional específico para fazê- -lo: faz parte de todos os encontros no serviço de saúde (BRASIL, PNH, 2004). Humanizar é ofertar atendimento de qualida- de, articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos pro- fissionais. Figura 11 – Humanizar é ofertar atendimento de qualidade Nesse sentido, há pontos que merecem aten- ção redobrada pelos profissionais da saúde na atenção às mulheres em situação de vio- lência. Confira no infográfico ao lado. 43 43 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 43 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica Acolher neste atendimento é uma postura éti- ca que implica na escuta da usuária em suas queixas, no reconhecimento do seu protago- nismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabilização pela resolução, com ati- vação de redes de compartilhamento de sabe- res (BRASIL, 2006). Importante! Acolher é um compromisso de resposta às necessidades das cida- dãs que procuram os serviços de saúde. 3.1 Estratégias de atenção às mulheres em situação de violência Lembre-se que trabalhar com mulheres em situação de violência é empoderá-las, para que possam fazer escolhas a partir da re- alidade vivida. Assim, como profissional da saúde você precisa conhecer quais as possibilidades de atenção às mulheres em situação de violência existentes no seu ter- ritório e quais são alternativas para cada uma delas. Só assim poderá informar e ajudar cada mulher a escolher que decisão tomar. As mulheres precisam ser acolhidas e respei- tadas na decisão tomada. Lembre-se que a escolha é da mulher e precisa ser realizada a partir da informação e das possibilidades que ela tiver. Por isso, assegure-se de que a infor- mação que você deu foi entendida pela mu- lher, a fim de que ela faça a melhor escolha. Para a atenção às mulheres em situação de violência, alguns recursos devem estar dis- poníveis na Unidade Básica de Saúde. En- tre estes recursos estão os testes rápidos de gravidez, de HIV, de sífilis e de Hepatites B e C. Ý Quando você confirmar a situação de violência, observe estes pontos (DGS; ASGVCV, 2014) ÝÝ Faça com que a mulher em situação de vilência não se sinta culpada da agressão que sofre. ÝÝ Ajude a refletir, a ordenar as ideias e a tomar decisões. ÝÝ Alerte para os riscos e consequências que corre, mas aceitar a escolha da mulher. ÝÝ Valide o relato, não colocando em dúvida nem emitindo juízos de valor. ÝÝ Aborde o medo associado à revelação/denúncia. ÝÝ Esclareça o direito à confidencialidade, excetuando as situações de perigo iminente. ÝÝ Esclareça sobre o tipo de informação que pode ser fornecida às autoridades (boletim de ocorrência/tipo de crime). ÝÝ Acione a rede intersetorial para evitar a revitimização, para a avaliação aprofundada da situação pelo/a(s) profis- sional(is) responsável(is) pela intervenção/acompanhamento (Serviço Social e Segurança). ÝÝ NÃO dê a sensação de que tudo vai se resolver facilmente. ÝÝ NÃO dê falsas esperanças. ÝÝ NÃO critique a atitude ou ausência de resposta com frases como: “Porque é que se mantém nessa situação? Se você quisesse mesmo parar com esta situação, já teria…”. ÝÝ NÃO desvalorize a sensação de perigo que é expressa. ÝÝ NÃO recomende terapia de casal nem mediação familiar. ÝÝ NÃO prescreva fármacos que diminuam a capacidade de reação. ÝÝ NÃO utilize uma atitude paternalista/maternalista. ÝÝ NÃO imponha critérios ou decisões. 44 44 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 44 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica Estes exames são importantes especialmente nas situações de violência sexual, mas tam- bém podem servir como estratégia para a identificação de situações de violência quan- do são disponibilizados para as mulheres sob livre demanda na UBS. Caso a UBS não tenha disponível testes rápidos, pode-se solicitar os exames no laboratório de sua referência. Figura 12 – Testes rápidos para HIV, sífilis, Hepatites B e C A informação de que os testes rápidos estão disponíveis e podem ser realizados em qual- quer horário durante o atendimento da UBS deve ser de conhecimento da população. O profissional de saúde que realizar o acolhi- mento para a realização destes exames pode questionar sobre a possibilidade de a mulher estar vivenciando alguma situação de violên- cia. Este pode ser o ponto de partida para o relato, que, a partir de uma escuta qualificada e informação, permitam elaborar em conjun- to, profissional de saúde e mulher agredida, um plano de cuidados. Outra oferta importante que deve estar dis- ponível em todas as Unidades Básicas de Saúde é a anticoncepção de emergência. O Ministério da Saúde disponibiliza por meio dos estados e municípios a medicação le- vonorgestrel, utilizada mundialmente para prevenir a gravidez indesejada. O acesso a esta medicação está prevista no protocolo de atenção à violência sexual e é um direito das mulheres. Como profissional da saúde, você precisa incentivar iniciativas de busca de soluções para os problemas, estabelecendo víncu- los com as usuárias. A resiliência, definida como a capacidade de superar adversidades e lidar positivamente com situações difíceis, é fortalecida por uma rede de relacionamen- tos que possibilita o suporte e a superação das situações difíceis fortalecendo as mu- lheres agredidas. Assim, identificar e forta- lecer a rede de apoio à mulher em situação de violência está entre os pontos principais no atendimento dos profissionais da saúde nesta situação. Figura 13 – Informação é a chave para elaborar um plano de cuidados Importante! Atender mulheres em situa- ção de violência implica atuar no senti- do de fortalecer para evitar ou superar a violência, empoderando-as para que te- nham autonomia para mudar a situação de violência em que se encontram. 45 45 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 45 UN3 Atenção às mulheresem situação de violência no âmbito da Atenção Básica Lembre-se que a mulher em situação de vio- lência deve ter autonomia na decisão quanto à mudança na sua vida em relação à violência sofrida. São várias fases no processo, e reco- nhecer em que fase ela está proporciona uma atenção adequada as suas necessidades. Apontamos ao lado as fases do processo de mudança para a mulher em situação de vio- lência e as possibilidades de intervenção do profissional da saúde. O empoderamento da mulher, com esta as- sumindo a condução de sua existência, é fa- tor primordial para que a realidade de uma existência submetida a violência seja modi- ficada. Para isso, as ferramentas genograma e ecomapa podem ser utilizadas por você, profissional da saúde, que a partir de uma escuta atenta pode construir um projeto te- rapêutico singular (PTS) em conjunto com a mulher agredida. O PTS é um instrumento de organização do cuidado em saúde, conside- rando as singularidades e a complexidade da situação vivida. O genograma tem por função organizar os dados referentes à família e seus processos relacionais. Permite a visualização rápida e abrangente da organização familiar e suas principais características, constituindo um mapa relacional onde são registrados da- dos relevantes ao caso. O ecomapa é útil no mapeamento de redes de apoios sociais e ligações da família com a comunidade. Am- bos os instrumentos retratam graficamente constituição e dinâmicas relacionais de um grupo social, com foco na família. Enquanto o genograma identifica as relações dentro do sistema multigeracional familiar, o ecomapa Fases do processo de mudança da mulher em situação de violência Intervenção profissional 1 Não há tomada de consciência da situação de vio-lência ou nega que exista. Relacionar a sintomatologia com a situação de vio- lência. Oferecer informação para distinguir maus tratos de uma relação de respeito mútuo. 2 Inicia a tomada de consciência da situação de vio- lência em que vive; contudo, não sente que possa mudar ou que possa intervir para a mudança. Facilitar a expressão de emoções, medos, expec- tativas e dificuldades. Identificar apoios e pontos fortes e analisar o ciclo da violência. 3 Começa a pensar que não pode continuar a viver na situação presente, mas não sabe como mudar. Analisa prós e contras para a mudança que, con- tudo, não planeja ainda realizar. Apoiar cada iniciativa de mudança e estabelecer em conjunto o plano mais adequado. Analisar as dificuldades. Motivar para procurar ajuda especia- lizada ou outros apoios como grupos de suporte. 4 Inicia algumas mudanças e planeja a ruptura da situação, embora demonstre sentimentos ambi- valentes, como autoconfiança e insegurança ou medo de enfrentar o futuro. Valorizar os progressos e reforçar as decisões, realizando um acompanhamento continuado em coordenação com outros recursos. 5 O percurso de saída da situação de violência não é linear; pode haver momentos de abandono e re- trocessos até conseguir consolidar e manter a sua autodeterminação. Ajudar a compreender que os retrocessos e inse- guranças são parte do processo. Analisar em con- junto os motivos e situações que conduziram ao retrocesso. 6 Consolidado o processo de mudança, executa no-vos projetos de vida. Potenciar a sua participação em atividades e redes de suporte social, na criação de vínculos saudá- veis, no desenvolvimento da autoestima e da au- toconfiança. Adaptado de: RODRÍGUEZ; MOYA, 2012 apud DGS; ASGVCV, 2014. 46 46 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 46 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica representa as interações da família com pes- soas, instituições ou grupos sociais em de- terminado momento. Destaca-se que a equipe de saúde pode contribuir para o empoderamento da mulher fomentando também ações intersetoriais de geração de renda, oportunidades de forma- ção escolar e profissional e espaços cole- tivos de discussão da condição da mulher na sociedade. Com isso estará contribuindo para que as mulheres da comunidade pos- sam ter autonomia e oportunidade de mu- dança de vida. Outro aspecto a ser trabalhado pela equipe de saúde é a promoção da não violência. O desenvolvimento de ações intersetoriais na comunidade de promoção de ambientes que propiciem a convivência saudável, como por exemplo a prática de esportes em áreas públi- cas, pode oportunizar a redução dos índices de violência. O trabalho integrado com a educação, pro- movendo a reflexão sobre concepções e ati- tudes que podem ser modificadas e assim promover uma sociedade mais justa e iguali- tária para homens e mulheres é outro aspec- to importante na promoção da não violência. É importante você lembrar que as escolas trabalham com a organização do ano letivo de forma antecipada. Procure conhecer quem atua neste setor e participe da discussão e do planejamento das ações de saúde na es- cola, assim o trabalho fará parte do calen- dário escolar e poderá ser incrementado nas disciplinas curriculares. Em 2016 o Ministério da Saúde publi- cou o Protocolo da Atenção Básica: Saúde das Mulheres, que propõe um quadro-síntese para atenção às mu- lheres em situação de violência sexual e/ou doméstica/familiar no âmbito da Atenção Básica, detalhando o que fazer, como fazer e quem pode fazer. Aces- se: <http://189.28.128.100/dab/docs/ portaldab/publicacoes/protocolo_sau- de_mulher.pdf>. Entre as demais publicações que você pre- cisa conhecer para atender mulheres em situação de violência está a Norma Téc- nica denominada Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexu- al contra mulheres e adolescentes (BRASIL, 2012). Esta normativa está voltada para a atenção às mulheres em situação de vio- lência sexual e estabelece que os serviços devam organizar fluxos internos no setor da saúde definindo responsabilidades de aco- lhimento e entrevista, registro da história, exame clínico e ginecológico, exames com- plementares e procedimentos necessários de acordo com o caso e acompanhamen- to, incluindo o psicológico. Também é ne- cessário realizar a coleta de amostras para diagnóstico de infecções genitais e coleta de material para identificação do provável agressor. Além disso, entre as ações que o setor da saúde deve oportunizar para as mulheres agredidas sexualmente incluem-se o acesso à anticoncepção de emergência e a profila- xia de doenças sexualmente transmissíveis não virais e virais. O serviço de saúde é res- ponsável ainda pelo encaminhamento dos procedimentos de interrupção da gestação, conforme previsto no Brasil desde 1940 pelo Decreto Lei no 2.848, artigos 28, Inciso II do Código Penal, que permite a interrupção le- gal da gestação quando a gravidez resulta de violência sexual. 47 47 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 47 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica Figura 14 – Conheça em detalhe esta Norma Técnica con- tra violência sexual em mulheres e adolescentes Fonte: Ministério da Saúde (2012). A UBS pode ser cadastrada no CNES como serviço de atenção ambulatorial a pesso- as em situação de violência sexual e ofere- cer acolhimento, atendimento humanizado e multidisciplinar, preenchimento da ficha de notificação/investigação e encaminhamen- to, quando necessário, para outros pontos de atenção. Importante! A assistência à saúde da mulher que sofre violência sexual é prioritária e a recusa infundada ou in- justificada de atendimento pode ser caracterizada ética e legalmente como omissão, não cabendo neste caso a alegação de objeção de consciência, como previsto noscasos da realiza- ção da interrupção legal da gestação (BRASIL, 2011). Como você já percebeu, a atenção às mu- lheres em situação de violência deman- da ações intersetorais. A seguir, faremos algumas considerações quanto à rede de atenção. 3.2 Rede de atenção às mulheres em situação de violência A atenção às mulheres em situação de violên- cia demanda uma rede interna no setor saúde (intrassetorial) e uma rede externa (interseto- rial), as quais se complementam. Internamente, no setor saúde a atenção as mulheres em situação de violência deman- da a integração entre os serviços da Atenção Básica, rede laboratorial para diagnóstico, serviços de urgência e emergência, hospitais, ambulatórios especializados para a atenção à saúde das mulheres e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Já intersetorialmente, faz-se necessária a integração com os setores como a assistên- cia social, os sistemas de justiça, a seguran- ça pública, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Varas da Infância e Juventude, o Conselho Tutelar e os conselhos de direitos e a sociedade civil organizada existentes no território. Para mudar a realidade de violência vivida pelas mulheres é necessário mudar a re- lação dos homens agressores. Por isso, é importante conhecer os serviços que tra- balham com homens autores de agressão. Algumas experiências com grupos reflexivos para homens autores de violência domés- tica têm sido desenvolvidas pela Justiça. O projeto da Secretaria de Justiça do Paraná é um deles. 48 48 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 48 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica Figura 15 – A importância dos serviços que trabalham com homens autores de agressão Na organização da rede de atenção às mulheres em situação de violência sexual, as Portarias no 485 e 618/2014 são importantes, pois definem o funcionamento dos Serviços de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual no SUS e fazem referência ao cadastramento do Serviço no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como Ser- viço Especializado 165 e suas classificações. Os serviços de saúde podem realizar o ca- dastramento como Serviço Ambulatorial ou de Referência para a Atenção Integral às Pes- soas em Situação de Violência Sexual e ain- da como Referência para a Interrupção Legal da Gravidez. Esta organização pressupõe o atendimento em rede de atenção com enca- minhamento das pessoas para o atendimento conforme Norma Técnica Prevenção e Trata- mento dos Agravos resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes e a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento. Com relação à violência sexual, é importan- te destacar que em 2013 foi aprovada a Lei no 12.845, que tornou obrigatório o atendimen- to a vítimas de violência sexual e o tratamento no serviço público em hospitais. Além desta legislação, o Decreto no 7.958, de 13 de março de 2013, e a Portaria Interministerial no 288, de 25 de março de 2015, estabelecem a organi- zação e integração do atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de se- gurança pública e pelos profissionais de saú- de do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto à humanização do atendimento, ao registro de informações e coleta de vestígios de acordo com a Norma Técnica de Atenção Humaniza- da às Pessoas em Situação de Violência Se- xual, com registro de informações e coleta de vestígios. Estas normativas o processo com a finalidade de identificação e punição dos agressores. Você pode acessar os serviços que se cadastraram na atenção às pessoas em situação de violência sexual. Disponível em: <http://cnes2.datasus.gov.br/Mod_ Ind_Especialidades.asp?VEstado=&V- Mun=00&VComp=00&VTerc=00&VSer- vico=165>. Selecione seu estado e as classificações 001, 006 e 007. No âmbito da intersetorialidade, destacamos uma importante legislação que modificou no país no que se refere à punição dos agres- sores na violência doméstica, a Lei Maria da Penha (Lei no 11.340/2006). Esta lei foi um marco nacional na questão da violência contra a mulher e é a principal legislação brasileira para enfrentar a violência contra as mulheres. É reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mun- do no enfrentamento à violência de gênero. Dentro dessa conjuntura política, a nova lei pode ser considerada como um passo em direção ao cumprimento das determinações da Convenção de Belém do Pará e da Con- venção para a eliminação de todas as for- mas de violência contra as mulheres (CE- DAW), além de regulamentar a Constituição Federal. 49 49 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 49 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica REDE INTERSETORIAL ÝÝ Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher ÝÝ Casa da Mulher Brasileira ÝÝ Cras – Centro de Referência de Assistência Social ÝÝ Creas – Centro de Referência Especializado de Assistência Social ÝÝ Casas de Acolhimento Provisório ÝÝ Casas-Abrigo ÝÝ Deam – Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher ÝÝ Delegacia de Polícia ÝÝ IML – Instituto Médico Legal ÝÝ Ouvidoria da Secretaria de Políticas para as Mulheres ÝÝ Disque 100 – Disque Denúncias Nacional de Violência Sexual ÝÝ Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar ÝÝ Promotoria Especializada do Ministério Público ÝÝ Núcleo Especializado de Defensoria Pública ÝÝ ONG – Organizações não-governamentais ÝÝ Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Rua ATENÇÃO BASICA ÝÝ Unidade Básica de Saúde ÝÝ Estratégia Saúde da Família (ESF) ÝÝ Estratégia de Agentes Comunitários de Saúde (Eacs) ÝÝ Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) ÝÝ Consultório na Rua (Mulher em situação de rua) MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE ÝÝ Serviços de Atenção Especializada ÝÝ Hospitais ÝÝ Urgência e Emergência ÝÝ Unidades de Pronto Atendimento (UPA-24h) ÝÝ Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA/HIV/AIDS), Caps, Capsi, Caps-AD O termo Rede de Atendimento designa um conjunto de ações e serviços intersetoriais (com destaque dos se- tores de Assistência Social, da Justiça, da Segurança Pública e da Saúde), que “visam a ampliação e a me- lhora da qualidade do atendimento, a identificação ao encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência e integralidade e a humanização do aten- dimento”. Os serviços da Rede de Saúde compõem a Rede de Atendimento às Mulheres em Situação de Violência e devem esgotar todos os recursos disponíveis para oferecer a Atenção Integral à Mulheres em Situação de Violência desde o acolhimento com escuta qualifica- da até o monitoramento/seguimento das mulheres na Rede de Atendimento, fortalecendo a integração entre os seviços que compõem a rede. 50 50 Atenção à saúde das mulheres em situação de violência 50 UN3 Atenção às mulheres em situação de violência no âmbito da Atenção Básica Em 2015, outra legislação que destacamos é a que inclui o feminicídio no rol dos crimes hediondos. O principal ganho com a Lei do Feminicídio (Lei no 13.104/2015) é justamen- te tirar o problema da invisibilidade. Além da punição mais grave para os que cometerem o crime contra a vida, a tipificação é vista por especialistas como uma oportunidade para dimensionar a violência contra as mulheres no país quando ela chega ao desfecho ex- tremo do assassinato, permitindo, assim, o aprimoramento das políticas públicas para coibi-la e preveni-la. No Brasil, a rede de atenção e proteção ainda precisa ser mais estruturada. Nesse sentido, lembramos que o setor saúde tem um grande potencial articulador da rede
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