Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 COLETÂNEA Pró-reitoria de Ensino 1º semestre / 2013 2 Segundo Eixo Temático Organizadoras: Profª Me. Cristina Herold Constantino Profª Me. Débora Azevedo Malentachi Colaboradoras: Profª Mediadora Esp. Fabiana Sesmilo de Camargo Caetano Prof ª Mediadora Aline Ferrari Direção Geral Pró-reitor Prof. Me. Valdecir Antônio Simão 3 Introdução .....................................................................................................................04 Concepções de leitura .................................................................................................05 Textos selecionados ....................................................................................................09 Músicas .........................................................................................................................49 Charges .........................................................................................................................51 4 Estudos têm atestado que o homem é um ser sociável por natureza. Em outras palavras, é intrínseco à humanidade a necessidade de conviver, de estar em contato com o outro. Contudo, você e eu podemos assistir a um cenário social nem sempre tão fraterno. A humanidade parece por vezes pactuar com um mundo “menos humano”, onde o ser, o direito do outro, as diferenças de classe, de cor e de cultura não passam de retórica, fazendo prevalecer realmente o interesse pessoal a qualquer preço. Esta Coletânea é mais uma oportunidade para refletirmos sobre esta sociedade, o que queremos dela, como, também, o que podemos fazer por ela. Entendemo-nos como coparticipantes desse processo e nas ocasiões em que nos sentimos, em muito, pressionados a nos adequar a padrões ou a práticas reprováveis, certamente, não somos obrigados a nos conformar ou aceitar tudo sem refletirmos e questionarmos, sobretudo, acerca do real sentido de vivermos em sociedade. Sugerimos que inicie suas reflexões por aqui, a partir desta leitura, aliás, a partir de leituras de qualidade, de pontos de vista diferentes e bem fundamentados. Neste material de estudo, daremos sequência a assuntos pertinentes à leitura e interpretação textual. Em seguida, como um desafio para suas reflexões iniciais sobre este eixo temático da disciplina, apresentamos partes do artigo “Educação e Sociedade”. Posteriormente, introduzimos um bloco de temas relacionados à afrodescendência, ao indigenismo e algumas questões pertinentes aos direitos humanos. Serão apresentados, também, outros assuntos afins, charges, tiras, sugestões de leitura e vídeos. Ótima leitura! Das organizadoras 5 Na Coletânea Ética, Cultura e Arte, ressaltamos a importância da autoavaliação no percurso desta disciplina e, por que não, no percurso da toda a vida acadêmica e pessoal. Você já se colocou nesse processo? Já avaliou a si mesmo enquanto leitor? De que modo você lê? Quais estratégias emprega nas suas leituras? Quais as suas concepções de leitura? Insistimos em perguntas dessa natureza, pois acreditamos que por meio delas podemos estabelecer com você algumas reflexões pontuais e necessárias. Você sabia, por exemplo, que as ideias ou concepções que você tem a respeito da leitura influenciam a sua postura enquanto leitor e o modo como você se coloca frente aos textos? Vamos, então, ampliar ideias e avaliar algumas concepções, no intuito de aprimorar a sua visão, a sua postura, a sua vivência com a leitura. Para Leffa (1996), “Ler é [...] reconhecer o mundo através de espelhos”, “é, na sua essência, olhar uma coisa e ver outra”. Seria mais ou menos como fixar os olhos em um montante de dinheiro e ver uma casa luxuosa. Trata-se de um processo de “triangulação”. Segundo o autor, “sem triangulação não há leitura”, há somente uma tentativa de leitura. O leitor lê, mas não entende; olha, mas não vê. Quem já não passou por esta situação? Quantas vezes você já teve que confessar: “Li tudo, mas não entendi nada”? Em termos mais específicos, existem três linhas teóricas a respeito da leitura: alguns teóricos acreditam que ler é extrair significado do texto; para outros, atribuir-lhe significados; para o terceiro grupo, ler é interagir. Na primeira concepção, o texto tem maior importância, tem um fim em si mesmo, é a voz absoluta e precisa do leitor apenas para ser decodificado. O significado exato e completo está contido nas palavras do autor, cabendo ao leitor, simplesmente, a árdua tarefa de compreendê-las integralmente e, assim, descobrir esse significado. Na segunda concepção, o leitor ganha importância. Nessa acepção, a origem do significado de um texto está no leitor. “O mesmo texto pode provocar em cada leitor e mesmo em cada leitura uma visão diferente da realidade” (LEFFA, 1996, p. 14). Na terceira concepção, o sentido da leitura consiste, exclusivamente, da relação entre leitor e texto. Este não é mais importante que aquele, ou vice e versa. Ambos dependem um do outro e da interação entre eles, para que a atribuição de sentidos ocorra de modo eficaz. A leitura é, portanto, um processo de interlocução entre leitor e autor, mediado pelo texto. Não se trata apenas de extrair informações da escrita, decodificando-a palavra por palavra. É um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção de significados do texto. Quem desempenha o papel mais importante? O leitor? O autor? Ou seriam ambos protagonistas do diálogo e da interação que se estabelece no percurso da leitura? 6 E então? Qual a sua concepção de escrita? Você vai para o texto na esperança de acertar nas suas adivinhações e faz um esforço enorme na expectativa de extrair dali o sentido pretendido pelo autor? Ou sua relação com o texto denota seu interesse e capacidade em atribuir sentidos ao que lê a partir de seus conhecimentos e experiências prévias? Ou ainda, você “dialoga” com o autor, cuja voz se faz audível no texto escrito, e a partir dessa interação questiona a palavra do outro, complementando-a com a sua própria palavra, de modo a atribuir vários sentidos possíveis, verossímeis e coerentes a essa leitura? Lembre-se: o leitor que você é depende da concepção que você tem a respeito da leitura. Ainda com o intuito de pensar a leitura em seu sentido pleno, nos Parâmetros Curriculares Nacionais encontramos a seguinte definição: “A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc.(...)” (Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos de ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998, pp. 69- 70). Observe que, de fato, tal como nos ensinou Paulo Freire, “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Isto é, toda a leitura de mundo e outros elementos prévios que o leitor traz consigo contribuem, e muito, para que compreenda os conteúdos lidos. A partir da definição supracitada, vamos esmiuçar alguns desses elementos e acrescentar outros. Conhecimento sobre o assunto Sem conhecimento prévio sobre o assunto a ser lido, as dificuldades de compreensão são gigantescas, mas não intransponíveis. Se num curso de oratóriasomos convocados para falar ao público e altamente surpreendidos com o assunto sorteado, algo que desconhecemos totalmente ou sobre o qual temos pouco domínio, seria uma situação embaraçosa, não é mesmo? Não teríamos nenhuma chance nem mesmo tempo para buscarmos informações a respeito, a fim de conseguirmos, ao menos, meia dúzia de palavras que valem a pena serem ditas e ouvidas. Por outro lado, se nos for proposta a leitura de conteúdos sobre os quais não temos prévio conhecimento, a situação não será tão embaraçosa quanto a circunstância no curso de oratória, porque teremos tempo e condições para suprir essa lacuna por meio de uma série de leituras. O conhecimento prévio sobre o assunto possibilita ao leitor colocar em prática uma estratégia de leitura fundamental: inferir ou levantar hipóteses sobre o que será dito no texto antes mesmo de iniciar sua leitura. No percurso da leitura, caberá ao leitor confirmar ou refutar essas hipóteses. Mais adiante, trataremos sobre essa estratégia. Quanto mais leituras qualitativamente realizadas, sobre conteúdos diversos – não apenas os exigidos pela academia – maior o repertório de conhecimentos do leitor, tanto o de mundo quanto o linguístico. Consequentemente, maiores as possibilidades de compreensão e interpretação de textos. É mais do que natural e até mesmo necessário ao nosso crescimento, em alguns momentos da vida, sermos desafiados a compreender algum texto que nos apresente assuntos completamente novos, ou velhos assuntos tratados sob um viés completamente inusitado. Isso significa que, provavelmente, aquele texto exigirá mais que uma leitura para que possamos compreendê-lo em sua totalidade. Releituras fazem parte do processo. Depende do grau de complexidade não apenas decorrente da novidade do assunto, mas, também, do estilo de quem o produziu. Alguns escritores utilizam uma linguagem bastante Não há leitura qualitativa no leitor de um livro. A qualidade (profundidade?) do mergulho de um leitor num texto depende – e muito – de seus mergulhos anteriores. (Geraldi) 7 rebuscada, períodos muito extensos, inversão de classes gramaticais e outros fatores que podem, sim, exigir muito mais o empenho de seus leitores. Conhecimento linguístico Conhecer a língua e a gramática dessa língua também é importante para compreendermos os textos. Nesse sentido, nos inúmeros materiais de leitura sobre os quais você se debruça e foca a sua atenção, lance-lhes um olhar de detetive. Seja um detetive de palavras. Observe o estilo do autor, o emprego de regências e concordâncias. Atente para o modo como ele usa os pronomes. Se você não se lembra do que é regência, concordância; se não se lembra das regras básicas de colocações pronominais, sugerimos que, além de ter em mãos um bom dicionário de língua portuguesa, adquira uma gramática e a estude de vez em quando, para rever o que você já aprendeu em algum momento de sua vida escolar. Olhe atentamente para a escrita de determinadas palavras, as que são novas para você e as que você não considera fáceis. Memorize-as e comece a usá-las com certa frequência, nas situações que julgar convenientes, seja na fala ou na escrita. Internalize-as. Identifique, também, as figuras de linguagem utilizadas por bons autores, como, por exemplo, as ironias e metáforas. Se você não se lembra das figuras de linguagem, busque revisá-las e aplicá-las na produção de seus próprios textos. As figuras de linguagem, quando bem empregadas, enriquecem a escrita. E quando você as identifica nos textos que lê, consegue perceber os significados implícitos nas entrelinhas. Conhecimento sobre o autor O conhecimento prévio sobre o autor – seu estilo de escrita, as ideias que defende ou que contesta, suas crenças ou descrenças, seu posicionamento político e outros fatores – também garante ao leitor bagagem para compreender e inferir, por exemplo, o ponto de vista defendido por ele, suas ideias, seus argumentos e conclusões. Caso o leitor conheça, por exemplo, boa parte das obras de Cecília Meireles, uma das grandes representantes da literatura brasileira, e, certo dia, depara-se com um poema de sua autoria que antes não conhecia, já a partir de seu título poderá inferir algumas hipóteses-temáticas: talvez o poema aborde a transitoriedade das coisas e da vida, ou então a fantasia; talvez, a solidão; quem sabe, seja um poema marcado por apelos sensoriais. Enfim, as hipóteses antecipam possibilidades e, como consequência, auxiliam na compreensão leitora. Conhecimento sobre o gênero Uma bula de remédios exige uma leitura específica. Um gibi requer outra postura completamente diferente por parte do leitor. Não é possível ler um texto científico da mesma forma como se lê um artigo do jornal. É fundamental considerar as características específicas de cada gênero, pois esse tipo de conhecimento auxilia na compreensão. Ao ler um projeto acadêmico, por exemplo, é importante que o leitor conheça não apenas as especificidades do gênero e as partes que o compõem, mas, também, a função de cada uma dessas partes. Se não souber, por exemplo, em que consiste a introdução, a justificativa e os objetivos do projeto, encontrará grandes obstáculos para dialogar com o autor do projeto – via texto – e, por fim, terá sérias dificuldades para prosseguir a leitura, tornando-se impossível compreender o conteúdo em sua totalidade. Motivação e intenção É muito importante que o leitor esteja motivado para realizar a leitura e a intenção de fazê-la da melhor forma possível, mesmo quando tratar-se de uma leitura obrigatória, imposta por um sistema que requer a devolução de resultados para que lhe seja atribuído algum tipo de conceito ou nota. Se lhe faltar motivação, será mais difícil (não impossível) colocar os neurônios para trabalhar, já que, em se tratando de 8 leitura, esta consiste em um “trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto”. Porém, mesmo sem motivação, a intenção de ler pode fazer a diferença e ajudá-lo a cumprir suas tarefas. Ainda assim, a motivação não perde a sua relevância. Como encontrar motivação, por exemplo, para fazer a leitura de textos exigidos pela faculdade e que, embora abordem assuntos importantes para a sua formação acadêmica e profissional, não correspondem às suas preferências literárias? Se a motivação não vem de dentro, terá que buscá-la do lado de fora: nos objetivos! Objetivos Antes de iniciar qualquer leitura, é fundamental que tenhamos muito bem definido, ao menos, um objetivo para realizá-la. E, mais uma vez, a ideia da intenção vem à tona. A intenção de ler para cumprir determinado objetivo. Nossa postura frente aos textos, e também nossa motivação, dependerá disso. Sem motivação não saímos do lugar e sem objetivos não chegamos a lugar algum! Seu sucesso enquanto leitor requer, pois, a soma de vários fatores, mas, sobretudo, de objetivos específicos pré- determinados antes da leitura, com vistas ao cumprimento de algum objetivo geral. Citamos, por exemplo, as leituras realizadas com fins para uma pesquisa acadêmica. Se, por solicitação do professor, o objetivo geral de uma pesquisa for investigar o nível de leitura dos brasileiros, o acadêmico terá como objetivo específico coletar informações nos textos que, previamente selecionados para a realização da pesquisa, apresentam os dados necessários. Nem sempre é o professor quem determina o objetivo geral. Na graduação, em especial, muitas vezes é o aluno quem terá que tomar todas as decisões: qual será a temática da sua pesquisa dentro de determinado eixo do conhecimento, qual será o objetivo geral, quais os objetivos específicos, quais livros deverá selecionar, eassim por diante. Referências FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. GERALDI, J.W. Portos de passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. LEFFA, Vilson José. Aspectos da Leitura: uma perspectiva psicolinguística. Porto Alegre: Sagra: DC Luzzato, 1996. Você já definiu, por exemplo, quais os seus objetivos ao realizar as leituras propostas nesta disciplina? Para que suas leituras acadêmicas sejam de fato significativas, é muito importante que seus objetivos não se pautem em cumprir meras imposições ou obrigações. Para que façam sentido e promovam aprendizagem, é fundamental que suas leituras estejam alicerçadas, sobretudo, em objetivos pessoais. 9 Não há como analisar uma sociedade sem que esta análise perpasse àquilo que ela pensa, investe e faz acerca da educação. Escolhemos este como primeiro texto por acreditarmos na educação como um dos principais alicerces de uma sociedade. Cada sociedade é reflexo dos poucos ou muitos investimentos feitos no setor educacional. O artigo a seguir apresenta-se como proposta de análise da educação universitária e o seu compromisso com o pensar científico e o perfil de pesquisador. TEXTO 1 Educação & Sociedade Pedro Goergen "A crise de confiança estendeu-se aos próprios cientistas. Eles não só questionam agora a aplicação em massa da ciência ao mundo, mas postulam também perguntas inquietantes sobre o próprio status da ciência como método privilegiado de compreensão." (Krishan Kumar) A partir do início da modernidade, a ciência foi definida como o caminho privilegiado e mais seguro de acesso à realidade. O proceder científico facultaria ao homem desvendar os mistérios das incontroláveis forças ocultas que lhe impunham tanto medo. O homem disporia, afinal, de um instrumento que o tornaria verdadeiro senhor da criação. A ciência começou a ser vista, desde então, como o motor do desenvolvimento, símbolo do progresso. Estabeleceu-se uma relação indestrinçável entre ciência e desenvolvimento humano e social. Em sequência, uma das principais preocupações do homem passou a ser fazer ciência. Aos poucos, esta ciência passou a ser avaliada segundo seu maior ou menor sentido prático. Homens geniais e abnegados fizeram disso o sentido de sua vida. Instituições foram criadas e organizadas com o objetivo precípuo de produzir ciência e traduzir seus resultados para a prática. A universidade foi paulatinamente incorporando este sentido prático do saber. Dela se espera, cada vez mais, que produza conhecimentos úteis e também forme pessoas capazes de atender aos quesitos de um mundo laboral moldado pelas mesmas ciência e tecnologia. Ao longo das décadas, foram sendo desenvolvidos vários modelos de instituições acadêmicas que se distinguiam uns dos outros pelo sentido mais ou menos prático que davam à sua atuação, no interior da relação ciência e sociedade. As diferentes formas de organização social, mas, sobretudo, o estado evolutivo da sociedade foram dando, cada um a seu tempo, uma nova configuração a esta relação entre ciência, sociedade e universidade. [...] A sociedade em transformação [...] Todos concordam que a sociedade se encontra atualmente num profundo e célere processo de transformação. Instalou-se um grande debate entre modernos e pós-modernos a respeito da gravidade destas transformações. Os chamados pós-modernos defendem o ponto de vista de que estamos no início de uma nova era da humanidade, enquanto os modernos apenas admitem que o momento é de revisão da modernidade, pois defendem a ideia de que o conceito moderno de racionalidade deve ser preservado em suas características básicas. Sem querer nivelar as diferenças que distinguem as duas posições, parece- nos que elas convergem no reconhecimento das importantes transformações que vêm ocorrendo e na abrangência dos seus efeitos sobre os mais diferentes âmbitos da vida contemporânea (Goergen 1996, p. 10 5). Talvez se possa concordar com Octavio Ianni que fala de um novo "ciclo da história" ou "ponto de inflexão histórica". "Em poucos anos", diz este autor, "terminou um ciclo da história e começou outro. Muitas coisas estão mudando no mundo, abrindo outras perspectivas sociais, econômicas, políticas e culturais. Mesmo as coisas que não sofreram maiores abalos, já não podem ser mais como antes. Alteraram-se as relações no jogo das forças em curso na vida das sociedades nacionais e da sociedade mundial" (Ianni 1993, p. 26). Algumas páginas adiante, Ianni conclui que talvez se devesse dizer que terminou um ciclo particularmente importante de luta de classes, em escala nacional e internacional. Mas não terminaram as desigualdades, tensões e contradições que estavam e continuam a estar na base da vida das nações e continentes. Esse pode ser apenas um ponto de inflexão histórica, assinalando o fim de um ciclo e o começo de outro. (p. 33) O que não se sabe é para onde estas mudanças levarão. Mas o que afinal está ocorrendo? O primeiro elemento que se distingue no cenário social contemporâneo são a velocidade e o caráter permanente das transformações. Mudanças que antes teriam levado décadas ou mesmo séculos hoje se completam num espaço muito curto de tempo. Além disso, as transformações tornaram-se permanentes, gerando um estado intermitente de crise ao qual o homem ainda terá de se acostumar. O segundo aspecto é o crescimento assustador da quantidade de conhecimentos e informações hoje disponíveis. Se há pouco mais de um século todos os conhecimentos disponíveis cabiam dentro de uma pequena biblioteca e podiam ser dominados por um só ser humano, atualmente isto é inimaginável. O homem necessita especializar-se, fazer opções, escolher recortes sempre mais restritos da realidade sobre os quais concentra seus conhecimentos. Em terceiro lugar, o mundo contemporâneo caracteriza-se pela capacidade extremamente grande de armazenamento e de transmissão de conhecimentos e informações num espaço e tempo cada vez menores. "Este é o primeiro momento da história", diz Castells, "no qual o novo conhecimento é aplicado principalmente aos processos de geração e ao processamento de conhecimentos e da informação" (Castells 1996, p. 11). Com estes recursos, o mundo tornou-se globalizado, interligando os pontos mais remotos do globo terrestre através de meios eletrônicos de comunicação, em tempo real. Países, comunidades, empresas e até mesmo os indivíduos tornaram-se completamente interdependentes. Estas mudanças refletem-se sobre a essência mesma da sociedade e do próprio ser humano, a ponto de parecer justificado perguntar se ainda é possível falar da sociedade ou do ser humano no mesmo sentido como se fazia há algumas décadas. [...] Em lugar das sociedades nacionais, a sociedade global. Em lugar do mundo dividido em capitalismo e socialismo, um mundo capitalista, multipolarizado, impregnado de experimentos socialistas. As noções de três mundos, centro, periferia, imperialismo, dependência, milagre econômico, sociedade nacional, Estado- Nação, projeto nacional, caminho nacional para o socialismo, caminho nacional de desenvolvimento capitalista, revolução nacional e outras, parecem insuficientes, ou mesmo obsoletas. Dizem algo, mas não dizem tudo. Parecem inadequadas para expressar o que está ocorrendo em diferentes lugares, regiões, nações, continentes. Os conceitos envelheceram, ficaram descolados do real, já que o real continua a mover-se, transformar-se. (Ianni 1993, p. 35) A ofensiva dos pós-modernos volta a artilharia de seu discurso contra o imperialismo universalizante e dominador da modernidade, acusando-a de portadora de uma lógica que impõe seus parâmetros a tudo. Por isso, assim afirmam,o homem refugia-se no diverso, no individual, no local. "O vínculo social observável é feito de `lances' de linguagem", diz Lyotard (1985, p. 27).(...) A mentalidade neoliberal que, como verdadeira revolução, pôs todos os países, o mundo inteiro, sob seu domínio, foi capaz de invalidar qualquer outra lógica que não a sua. O ponto fulcral, o valor último, o argumento decisivo que ordena todo o sistema é o lucro. A ciência, rainha que foi, passa a ser ministro do novo rei, o lucro, cuja crueldade ajuda a potencializar e justificar. Seu poder é tanto que já não encontra limites, invadindo tudo, o ser e o pensar, e, sobretudo, convencendo a todos que fora dela não há salvação. 11 Não há dúvida de que a capacidade de produzir conhecimentos é um dos fatores determinantes da distribuição do poder econômico, em nível mundial. Os países que têm o melhor índice de produção de conhecimentos encontram-se na liderança da economia. Nas palavras de Castells, "o caráter estratégico das tecnologias e da informação na produtividade da economia e na eficácia das instituições sociais muda as fontes de poder na sociedade e entre as sociedades" (Castells 1996, p. 15). Paralelamente aos grandes benefícios, trazidos pela ciência, a explosão do saber centralizou-se em alguns poucos países, gerando situações complexas de uma nova dependência que se tornam o grande desafio para o próximo milênio. Nesse sentido, Leopoldo de Meis (1996, p. 25 ss.) lembra que, além dos benefícios, a explosão do saber e da capacidade do homem de domínio sobre a natureza também trouxe uma série de riscos. Cita entre outros, o desequilíbrio científico/tecnológico, isto é, a concentração da revolução científica em alguns poucos países. Segundo as estatísticas que se apresentam, 70% dos trabalhos científicos produzidos a cada ano se originam de sete países centrais que têm apenas 14% da população mundial enquanto o resto do planeta, que representa 86% da população, produz apenas 25% do saber, gerado a cada ano. Assim, para citar dois exemplos extremos, em 1989 os EUA produziam 35,1% das pesquisas enquanto o Brasil produzia apenas 0,47%. Há, portanto, um grave desequilíbrio entre uma pequena minoria de países que produz conhecimentos e uma grande maioria que os consome. Há pouca perspectiva de que este panorama possa mudar a curto prazo. Se é verdade que as conquistas do conhecimento se espalham rapidamente pelo planeta, não é menos certo que os centros hegemônicos que dominam e manipulam estes conhecimentos constroem, a partir disso, uma citadela de poder e uma fonte enorme de recursos. Os outros, se quiserem participar das benesses da ciência e da tecnologia, são obrigados a pagar por isso. Além desse desequilíbrio global do poder, que tem sua origem não mais no uso da força e das armas, mas no domínio do conhecimento, os avanços científico-tecnológicos envolvem outros importantes desafios. [...] É consensual que a educação é um dos elementos essenciais para o desenvolvimento no mundo contemporâneo. Ora, "os países que têm o menor desenvolvimento científico são os responsáveis pela educação da maior parcela dos jovens do planeta." (Meis, 1996, p. 28). Numa era em que se exige um nível cada vez maior de conhecimentos dos jovens que entram no mercado de trabalho, o qual só cresce nas áreas ligadas à ciência, o equilíbrio apontado representa uma desvantagem muito grande para os países em desenvolvimento. Outro elemento, apontado por Meis, é o excesso de informações, a decodificação do saber e a superespecialização. No século XVII, a biblioteca da Universidade de Oxford era uma das maiores do mundo com um acervo de 200 volumes. Em um ano ou pouco mais, um estudioso poderia inteirar-se de tudo. A explosão do saber que ocorreu no último século obrigou os intelectuais a delimitarem seus campos de conhecimento, levando, aos poucos, às superespecializações que caracterizam a ciência hoje. Atualmente, um especialista mal e mal é capaz de extrair da grande massa de conhecimentos produzidos aqueles que interessam à sua especialidade. As áreas de saber tornam-se cada vez mais delimitadas, mais técnicas, mais codificadas e, por isso, sempre mais herméticas e inacessíveis aos não-especialistas. Surgem verdadeiros guetos que atuam como reservas impenetráveis para aqueles que não dominam os símbolos, os códigos linguísticos especiais de modo que a pesquisa científica dentro da universidade desempenha papel importante não só na produção de novos conhecimentos, mas também na sua capacidade de tornar acessíveis aos seus estudantes os avanços contínuos do saber. Assim, o cientista moderno deve ser 12 também um decodificador, e a importância da universidade cresce à medida que aumenta a sua capacidade de decodificar e abranger um número crescente de especialistas nas diversas áreas do saber. (Meis 1996, p. 33) [...] Nesse contexto, deve ser lembrado também que um dos eixos importantes da problemática "ciência e sociedade" encontra-se no ensino das ciências. Entre as diferentes áreas do saber, uma das que menos se desenvolveram ao longo dos últimos séculos foi a da arte de ensinar. Enquanto a busca do saber avança a passos largos, o ensino de ciências é hoje ainda muito semelhante àquele usado há dois séculos. A ênfase principal desta forma de ensinar continua sendo a de transmitir ao aluno o maior número possível de informações e, dentro desta perspectiva, espera-se que, ao completarem seus cursos universitários, os estudantes estejam a par dos conceitos atuais das suas respectivas áreas profissionais. Entretanto, a explosão do saber dos últimos anos tornou esta tarefa impossível e, na realidade, não sabemos ainda como preparar os estudantes de forma a torná-los capazes de lidar de forma eficiente com a grande quantidade de novas informações gerada a cada ano, condição essencial para uma atuação de ponta. (Meis 1996, pp. 33-34) Ademais, grande parte do saber é produzido pelas indústrias ou organismos governamentais e não é publicado por razões estratégicas ou econômicas. Segundo Meis (1996), nos EUA cerca de 40% dos conhecimentos gerados a cada ano não são divulgados. Aliás, a universidade, acostumada à sua posição hegemônica como produtora de conhecimentos, é hoje obrigada a dividir sempre mais este espaço com outras organizações, especialmente industriais. Em alguns campos, como o da engenharia e o da computação, por exemplo, a maior parte das descobertas inovadoras já vem sendo feita fora da universidade. [...] Outro tema da mais alta relevância é a questão da ética. Antes da revolução científica, os conceitos de bem e de mal eram definidos a partir de princípios metafísicos ou teológicos. Com o avanço da ciência, estes tradicionais conceitos de fundamentação transcendental foram sendo substituídos pelos de útil ou inútil bem presos à sua serventia empírica. O uso dos conceitos funciona ou não funciona como paradigmas orientadores da ação humana implica profundas mudanças éticas e sociais, sem que sejam discutidos seus fundamentos e suas consequências. A revolução industrial, além de "estabelecer uma nova relação entre cidade e campo, lar e trabalho, homens e mulheres, pais e filhos, gerou uma nova ética e novas filosofias sociais". Agora, a época da globalização e da informática "sugere possibilidades de uma nova estrutura de cidadania e democracia nas quais até agora mal se pensou" (Kumar 1997, p. 172). Como se fora profeta, Habermas já alertava num de seus primeiros trabalhos acadêmicos dos anos 60 sobre os riscos da diluição da esfera pública. Hoje realmente constatamos que a privatização e a individuação, possibilitadas pela tecnologia da informação, conduzem ao esvaziamento e à diminuição da esfera pública nas sociedades atuais. Um dos campos da atividade humana onde se sente isso de forma mais clara é o da economia.Medidas econômicas são boas quando funcionam em termos de manutenção e sustentação do sistema econômico vigente e dos interesses a ele atinentes, sejam eles ou não escusos desde um ponto de vista de valores éticos mais gerais. A ação política ou econômica justifica-se a partir de objetivos fixados por interesses sem fundamentação em princípios universais e que não foram tematizados socialmente. [...] E agora podemos formular a pergunta: como se há de comportar a universidade profissionalizante no limiar de uma era que está em vias de suprimir aquilo que se chama trabalho? A universidade é solicitada a formar indivíduos "úteis" à sociedade, o que, no dizer de Forester (1997, p. 13), "significa quase sempre rentável". Nisto encontra-se também o risco de uma avaliação que se propõe simplesmente verificar em 13 que medida a universidade está respondendo a este mandado de formar indivíduos úteis. É urgente superar este "abreviamento" do papel da universidade que reduziu sua função a formar indivíduos para atender "necessidades sociais", sejam elas quais forem e recuperar seu papel de instância crítica da sociedade a partir de interesses humanos mais amplos democraticamente discutidos. [...] Numa época em que o trabalho que as pessoas têm a oferecer tornou-se supérfluo, a esperança no futuro tornou-se um simulacro. E o que dizer do ideal da formação conscientizadora e crítica que estimula o impulso à mudança e à transformação quando, logo adiante, estes contestadores do sistema terão que se jogar aos pés dos donos do poder que olharão com escárnio para aqueles que imploram "para obter aquilo que vilependiaram" (Forester 1997, p. 16)? Os homens submetem-se à mendicância do emprego, jogando seu orgulho aos pés dos poderosos, porque sabem que pior que a exploração, da qual fatalmente serão vítimas, é a vergonha de sequer serem exploráveis, de serem errantes supérfluos à margem do sistema. Se lermos Hobbes nesta perspectiva, devemos concordar que ele tinha razão com sua famosa frase "homo hominis lupus", a partir da qual ele buscava justificar a necessidade do Estado como instância imprescindível de ordenamento e civilização. Hoje, o Estado lava as mãos e se curva ante o poder supremo do mercado, cujas leis frias fazem girar as mós impassíveis dentre as quais cai esmagado e banhado em seu próprio sangue um número imenso de pessoas que, sob o olhar frio de menosprezo do homo oeconomicus, se perdem no ralo da história. Para estas, a vida torna-se uma insídia que não vale a pena ser vivida porque portada por seres que não dão lucro. E não dão lucro não porque não queiram ou não possam, mas simplesmente porque são deserdados do sistema. A sociedade cada vez menos divide-se em classes, em partidos, em favoráveis ou desfavoráveis, mas em excluídos ou incluídos, úteis ou supérfluos. A própria vida, como dizíamos, torna-se supérflua, inútil quando não dá lucro. O pior de tudo é que de tanta discussão, o tema do desemprego e da exclusão torna-se familiar, assumindo um certo ar de inocência como a pobreza que vemos todos os dias diante da porta, na esquina, nas ruas e em belas cores, na televisão. Tudo assume um ar teatral de espetáculo e, como tal, os crimes, as mortes, a violência, os estupros, tudo se torna, de certa forma, inocente. [...] A sociedade humana ainda faz de conta que o futuro do ser humano é o trabalho, quando, na realidade, este diminui a cada dia que passa. [...] A universidade despende um enorme esforço para formar empregáveis que jamais serão empregados. O emprego que a universidade ajuda alguém a conquistar representa necessariamente o sacrifício de outro empregado. Já não se gera nem se cria empregos, apenas os empregos são disputados. A universidade forma pessoas para que elas vençam esta disputa. Por isso há que ter cuidado quando se imagina, nas condições atuais, que a formação profissional é o pleno exercício da função social da universidade. [...] O Brasil tem cerca de 15 milhões de jovens. Desses apenas 20% encontram emprego. A média de escolaridade é de 4 anos. Diz-se que a maior parte não arruma emprego por falta de escolaridade. Por isso, na outra ponta, os estudos alongam-se cada vez mais. Acontece que todo este jogo é, pelo menos em grande medida, ilusório, uma vez que o número de empregos é objetivamente limitado. A cada novo empregado corresponde um novo desempregado. Quanto mais qualificados existirem, melhor para as empresas. Mesmo supondo uma situação em que todos os aspirantes ao emprego fossem muito bem qualificados, o número de desempregados não seria reduzido, apenas os desempregados seriam mais 14 qualificados, como ocorre nos países do Primeiro Mundo. Quem já visitou cidades europeias sabe que não é difícil encontrar motoristas de taxi com curso universitário e, até mesmo, com título de doutor. A universidade encontra-se numa situação extremamente difícil, pois, de um lado, ela é a instituição em grande medida responsável pela pesquisa científica cujos resultados, na atual conjuntura, favorecem o capital, e, de outro, é responsável pela formação profissional de um grande número de pessoas que no mercado não encontrarão trabalho, devido, exatamente, ao fator inibidor (de trabalho humano) da ciência e da tecnologia mais avançadas. O sistema produtivo serve-se exatamente dos avanços científicos invertidos em tecnologia para economizar mão-de-obra humana. Uma das características mais marcantes de nossa época é o domínio do pensamento utilitarista. Num mundo em que aumenta constantemente a competitividade, a educação é cada vez mais canalizada para o desenvolvimento das competências necessárias para o mundo do trabalho e não para a reflexão. A racionalidade e a lógica próprias do mundo da produção, do mercado e da geração de lucros expande-se para as outras esferas da vida, de modo que tudo começa a ser medido por tais parâmetros. Até o espaço mais íntimo das relações humanas acaba sendo invadido pelo pensamento utilitarista: o valor do presente que o convidado recebe é estabelecido a partir do valor do presente que recebeu antes. O valor de uma amizade mede-se pelas vantagens que ela pode trazer, na lógica custo/benefício. [...] Entre sociedade e indivíduo existe uma relação de amor e de ódio. De amor na medida em que o indivíduo deseja integrar-se a ela para viver e usufruir das regalias que o sistema lhe oferece, e de ódio na medida em que ele, para tanto, deve sacrificar sua autonomia, sua individualidade e intimidade. De certo modo, é obrigado a abrir mão de si mesmo para sobreviver (cf. Crochik 1997, p. 33 ss.). De um lado, a sociedade contemporânea, do mercado e do lucro, está organizada de tal modo que dispensa a adesão dos indivíduos para sua perpetuação; e, de outra parte, pelo caráter individualizante da informática, ela libera e fortalece a posição do indivíduo. A promessa final do computador, ligado às redes globais de comunicação, é colocar todo o mundo do conhecimento e da informação nas mãos do indivíduo isolado [que] escondido na privacidade de seu quarto, sentado em frente a um terminal de computador. (...) se diverte, educa-se, comunica-se com outras pessoas nas estradas da informação e providencia seu sustento prestando o necessário trabalho na economia da informação. (Kumar 1997, p. 168) [...] Do ponto de vista do nosso objetivo, a principal consequência desta realidade é que a habilidade e a capacidade de gerar novos conhecimentos passam a depender do acesso aos fluxos das redes. Vivemos definitivamente numa sociedade de informação, baseada no conhecimento. Porém, este conceito de fluxo tem consequências ainda mais amplas e profundas do que sua simples operacionalização através das redes informáticas. O próprio conhecimento tornou-se um permanente fluir, seja do ponto de vista da perda de sua fixidez oupermanência, seja do ponto de vista de sua geração que é feita de modo interativo com a participação de muitos pesquisadores e grupos de pesquisa de diferentes partes do mundo. Nesse sentido, a materialidade das redes e fluxos cria uma nova estrutura social em todos os níveis da sociedade. Tal estrutura é o que atualmente constitui a nova sociedade da informação, uma sociedade que poderia ser chamada sociedade dos fluxos, já que os fluxos não são feitos somente de informação, mas de todo o material da atividade humana (capital, trabalho, mercadorias, imagens, viagens, papéis mutáveis em interação pessoal etc.). (Castells 1996, p. 29) 15 Encontramo-nos numa nova fase da experiência humana. Em resumo, estamos vivendo numa sociedade envolta num processo de profundas transformações, orquestradas, sobretudo, pelos avanços na tecnologia de armazenamento e transmissão de informações. Esta nova realidade tem reflexos que mudam a sociedade, os indivíduos, as instituições e sua interação. A universidade e sua vocação A universidade tem que se preparar para o "choque do futuro" (Toffler). Da Idade Média para a Moderna, concomitantemente com as transformações epistêmicas às quais nos referimos acima, ocorreu uma profunda transformação da sociedade. Esta passagem implicou uma igual transformação das instituições sociais. Estado, direito, religião, ciência e também os sistemas de ensino não permaneceram os mesmos. Se é verdade, como opinam alguns autores, que a sociedade atual está passando por transformações com ordem de grandeza similar às que ocorreram na passagem da Idade Média para a Moderna, pode-se supor que também as instituições haverão de passar por transformações de similar ordem de profundidade. Por isso, a universidade está convocada a repensar suas funções institucionais no interior de uma sociedade transformada e em permanente processo de mutação. Este é um ponto importante para uma avaliação inovadora e prospectiva da universidade. Além de avaliar seu desempenho no âmbito das tarefas e funções tradicionais, fundadas em determinado modelo social e epistêmico (tarefa que não deve ser abandonada mesmo porque as transformações não são repentinas e nem abruptas), é preciso que a avaliação reserve espaço para uma reflexão mais radical, vale dizer, para um repensar dos próprios princípios fundantes do atual modelo universitário. A universidade não pode simplesmente continuar celebrando as "narrativas" das disciplinas, dos mestres, da verdade e do conhecimento sem relacioná-las de alguma forma às importantes questões levantadas pelo pós- modernismo a respeito do significado destas narrativas, de suas regulações segundo experiências sociais e éticas e de seus pressupostos no que tange à visão epistemológica do mundo. [...] A linguagem, por exemplo, é um dos elementos centrais a partir do qual se deve repensar significados, identidades e políticas. A universidade continua assumindo a posição positivista de linguagem, sem atentar para o fato de que a linguagem é construída a partir do jogo de condicionamentos históricos. Questiona-se hoje radicalmente a visão hegemônica de representação segundo a qual o conhecimento, a verdade e a razão são governados por códigos linguísticos essencialmente neutros e apolíticos. [...] Hoje se costuma dar grande destaque à relação entre a universidade e o setor produtivo. Trata-se, sem dúvida, de um aspecto importante do desempenho acadêmico, mas o discurso incisivo e, em certos setores fora e dentro da universidade, quase consensual de que a articulação entre a universidade e o setor produtivo é essencial e de que é a partir dele que se mede a "utilidade" da academia é, no mínimo, simplificado para não dizer que se encontra carregado de interesses ideológicos. É claro que a cooperação entre universidade e empresa é importante e deve ser estimulada ao máximo, mas é igualmente importante deixar claro que se trata de uma relação complexa que além das vantagens que ambos os lados dela esperam também envolve riscos sobretudo para a universidade. Também não tem lugar um otimismo exagerado uma vez que, em muitos casos, o próprio sistema produtivo descarta a produção das universidades em termos de cultura, ciência e tecnologia (Cunha 1997, p. 24). Em muitos casos, a universidade é lenta demais para o ritmo do mundo empresarial que prefere optar pela compra de pacotes tecnológicos prontos que têm aplicações imediatas. O produto das pesquisas acadêmicas, oferecido de forma bruta desde o ponto de vista de sua aplicação prática, não tem condições de ser absorvido pelo sistema produtivo. Isto gera uma grande frustração, 16 sobretudo naqueles setores acadêmicos que alimentam a esperança da produção de ciência e tecnologia nacionais. Reclama-se do desinteresse das empresas pelo investimento na área de ciência e tecnologia, mas ignora-se os fatores custo (importar tecnologia pronta é muitas vezes mais barato) e tempo. Na realidade, trata-se de uma situação perversa uma vez que a mesma sociedade, a maior interessada na produção de ciência e tecnologia nacionais, exige, como consumidora, produtos de última geração que só podem ser obtidos ou pela importação direta dos produtos ou pela compra rápida do know-how técnico- científico para produzi-los. [...] Bem se sabe que a universidade não pode simplesmente ser "inquilina da utopia", negando-se a prestar serviços à comunidade ou desenvolver projetos conjuntos com empresas, mas, em contrapartida, não pode abrir mão de sua tarefa crítica, abandonando-se à subserviência de reclamos econômicos numa sociedade comandada por grupos de interesse em que amplas margens da população são condenadas à miséria. É preciso ter em conta ainda um outro aspecto que, muitas vezes, passa desapercebido neste debate sobre a relação entre universidade e empresa. Trata-se da tendência de a universidade submeter-se à lógica do lucro na medida em que privilegia, no seu relacionamento com as empresas, as áreas de maior retorno econômico as quais, por isso, tornam-se focos de atração para boa parte dos alunos e pesquisadores, aliás, pelo poder de atração do retorno econômico, geralmente os melhores. O conhecimento a ser adquirido ou produzido na universidade passa a ser interessante apenas na medida em que for possível transformá-lo em dinheiro. A formação científica ou profissional é mais ou menos valorizada segundo seu potencial de lucro. O poder de compra que este garante é a carteira de identidade do homem contemporâneo. Muda-se a máxima cartesiana "penso, logo existo" para "compro, logo existo", ou seja, quem não é capaz de comprar não existe. Mesmo sem dispor de dados empíricos, nossa experiência nos permite afirmar sem risco que grande parte dos alunos que chegam à universidade apenas espera que ela lhes transmita conhecimentos e habilidades com os quais futuramente possa ganhar dinheiro. Com isso, as universidades são obrigadas a competir num mercado acadêmico cada vez mais dominado pela mesma lei da produtividade e do lucro que rege o mercado em geral. As perguntas fundamentais a respeito do ser humano, da formação, da cultura e da ética são ridicularizadas no interior da academia como "coisas que não servem para nada". O lucro, diz Forrester, torna-se "a única lógica, como a própria substância da existência, o pilar da civilização, a garantia de toda a democracia, o móvel (fixo) de toda a mobilidade, o centro nervoso de toda a circulação, o motor invisível e inaudível, intocável de nossas animações" (1997, p. 19). E, referindo isto à universidade, Renaut não entende por que "a gente não se pergunta jamais se a incapacidade de tantos universitários de participarem, com suas competências, dos debates atuais não seria um dos mais cruéis indícios do rebaixamento contemporâneo da universidade" (1995, p. 23). É claro que este nãoé um problema exclusivo da universidade e talvez nem nasça em seu seio, mas é sem dúvida parte de sua missão contribuir para superá-lo. Trata-se, no fundo, de salvar a dimensão mais profunda do homem preservando-o de sua exteriorização total no material. Para a universidade trata-se de uma questão ética que afeta a essência de sua atividade e de seu sentido social. O que queremos dizer é que o sentido social da universidade está sendo abreviado e reduzido à função de prestar serviços e cooperar com empresas. Sem negar que isto possa também ser socialmente relevante, acreditamos que o sentido social da universidade vai muito além disso. A universidade não pode mais voltar-se exclusivamente para o desenvolvimento unilateral da ciência e tecnologia como se esta perspectiva exaurisse o projeto humano. Há outras questões vitais para a sociedade e para a comunidade a partir das quais a comunidade decide seu futuro. Habermas critica com muita razão a universalização da racionalidade técnica e instrumental que torna a sociedade, como já dizia também Max Weber, não uma comunidade de seres humanos que convivem a partir da adesão a normas 17 dialogicamente estabelecidas, mas um complexo administrado pela imposição de normas técnicas. Ciência e tecnologia que encontram sua justificativa na eficiência assumem um papel fortemente ideológico na medida em que fogem da reflexão crítica uma vez que as regras técnicas requerem aceitação incondicional. Parece-nos, por isso, que a universidade, para além de seus evidentes deveres no campo da ciência e tecnologia, deve sentir-se responsável também pela emergência de uma nova responsabilidade favorável à reconstrução de uma sociedade que, sem rejeitar os ganhos da ciência e tecnologia, seja capaz de reinventar uma cultura mais humana. A universidade deve retomar seriamente a questão de sua função social na tensão da cultura e da profissionalização. É preciso encontrar um novo equilíbrio entre a formação técnico/profissional e a formação humanista/cultural. Para isso, é necessário que a universidade leve a sério, em todas as áreas de atuação, sua função cultural. [...] É, portanto, mister que a universidade desenvolva a necessária sensibilidade social para que, reconhecendo seus problemas e suas necessidades, possa instituir sua nova identidade e desenvolver estratégias de atuação. O debate sobre as funções da universidade deve, por conseguinte, ser posto desde uma perspectiva contemporânea, preservando proximidade com as questões mais relevantes da sociedade, tal como elas se apresentam na realidade. Esta aproximação com o local e o regional representa, de certa forma, um nadar contra a corrente, pois são hegemônicos aqueles interesses que correspondem à racionalidade científico- tecnológica, marcada por uma lógica universalizante que estandartiza formas de ser, de pensar e de agir, próprias do homem concreto, inserido em sua comunidade e cultura. Com relação a este surto homogeneizador, as características e os modos de ser locais são curiosamente considerados alienados. Na sociedade contemporânea, o homem está ameaçado por um processo de desenraizamento quanto à sua cultura e à perda de sua identidade. Mais sério é este risco para as gerações mais jovens que se formam num ambiente de fratura e sem pertença no qual a mídia exerce uma influência avassaladora e sem precedentes na desconstrução da identidade cultural e na elaboração de identidades fluidas e fragmentárias. Neste meio, conforme diz Henry Giroux, "os valores já não nascem a partir de uma pedagogia modernista de fundamentalismo e verdades universais, nem de discursos tradicionais baseados em identidades fixas e com uma estrutura final" (1996, p. 73). Esta realidade constitui talvez o maior desafio para a educação nos dias de hoje, pelo menos se acreditamos que o homem é algo mais que mero objeto de mercado e que a educação deve contribuir para formar este algo mais no homem. Uma das principais tarefas será a de recuperar o espaço humano que já foi perdido. Refiro- me em especial à deplorável situação em que se encontra considerável parcela dos jovens da nova geração. É uma geração que já não aspira a coisa alguma, desnorteada e fragmentada, que espera passar o tempo, que vê a morte e a vida como um espetáculo, que não sente responsabilidade social, que cultua a imediatez do momento, da experiência e do prazer. A droga é um prazer assim imediato e representa a fuga de um mundo sem sentimento e sem esperança. Tudo é fluido, precário, relativo. Nada mais abriga nem obriga; nada mais entusiasma, desafia ou compromete. O homem, a sociedade e a própria vida sofrem de uma profunda carência de sentido. Este mal, talvez o mais terrível dos nossos tempos, deverá um dia ser enfrentado, quem sabe quando o refúgio da atividade frenética, que a todos agita, ocupa e aliena, não oferecer mais proteção suficiente. A pergunta que se coloca para os educadores, e partimos do princípio de que todo professor universitário deve também ser educador além de cientista e pesquisador, é se já não estão confrontados com um novo tipo de ser humano, forjado na organização de princípios criados 18 pela intersecção da imagem eletrônica que veicula programas como "Faustão", "Gugu Liberato" ou "Silvio Santos", como representantes da cultura popular e do sentimento fatal de indeterminação. [...] A mídia, conforme diz Kumar, "não apenas comunica como constrói. Em sua pura escala e ubiquidade, ela está construindo um novo ambiente para nós, um ambiente que exige uma nova epistemologia social e uma nova forma de resposta" (p. 134). O consumismo, diz o mesmo autor em outra passagem, "invadiu os assuntos corporais e sexuais, a publicidade tem procurado nos conscientizar de novas ansiedades de identidade e segurança pessoal e garantir-nos que há mercadorias e serviços que podem satisfazer todas as nossas necessidades e aliviar todos os nossos medos" (p. 200). A cultura do homem que na história representa seu esforço de libertação e a luta por sua autonomia biológica e espiritual é hoje um instrumento de submissão, adestramento e embotamento do homem. [...] O homem reage com a fuga ante os graves problemas sociais que tanto mais o envergonham quanto melhores são as condições científicas e técnicas para resolvê-los. Isto não significa que o indivíduo se torne mais autônomo, pois sua frieza, seu isolamento e seu distanciamento vão de passo com sua submissão às regras técnicas que servem como justificativa ante a falta de vontade coletiva de resolver os problemas. As regras técnicas administram homens e coisas, impedindo que os indivíduos ajam segundo sua própria consciência. [...] Kant queria que a razão conduzisse o homem à sua maioridade, dominador de seu entorno e dono de seus atos. O que aconteceu foi este mundo científico-tecnológico cujas regras, em muitos sentidos, são a gaiola de ouro do homem contemporâneo, como já insinuava Weber. Esta sociedade tecnológica tem, de fato, necessidade não apenas de técnicos seguros de suas competências especializadas, mas também de líderes capazes de tomar decisões e de fazer opções de maior amplitude, de desenvolver uma visão mais ampla da área à qual seus saberes e suas habilidades técnicas se aplicam (cf. Renaut 1995, p. 226). [...] (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73301998000200005&script=sci_arttext. Grifos das organizadoras.) Por falar sobre as necessidades da sociedade tecnológica, vamos pensar, também, sobre a velocidade presente nesta mesma sociedade e algumas de suas consequências. Em um tempo em que a velocidade, inclusive das pessoas, é a todo momento colocada à prova, os relacionamentos, também, sofrem alterações. Atualmente, fala-se em relacionamento colaborativo, mas a que tipo de colaboração se refere? Relações que fomentam a discussãoconstrutiva? A reflexão? A transformação para melhor? Ou a colaboração que promove muito mais as facilidades que os desafios, muito mais o consumismo das ideias do outro que a produção científica das próprias ideias? Leia o próximo texto, com predisposição para a crítica e para uma autoanálise em relação ao seu tempo e às suas práticas, sobretudo, nas redes sociais. TEXTO 2 Redes Sociais e Colaboração Extrema: o fim do senso crítico? A partilha de informações ganhou proporções nunca imaginadas com a popularização das redes sociais. Ganhamos agilidade na troca de informações e estamos mais próximos. Mas a troca indiscriminada de informações descontextualizadas e humor portátil deixa uma questão em aberto: estamos perdendo o senso crítico? 19 Conectados. Essa palavra nunca fez tanto sentido quanto agora. Quando se discutia no passado sobre como os homens agiriam com o advento da aldeia global, termo cunhado pelo filósofo canadense Marshall McLuhan para explicar o projeto pelo qual o mundo se tornaria um lugar culturalmente homogêneo graças ao impacto da tecnologia, não se imaginava o quanto esse processo seria rápido e devastador. E o quanto ele estava errado sobre o seu meio propagador. Isso porque quando McLuhan apresentou o termo, em 1968, ele sequer imaginaria que não seria a televisão a grande responsável pela interligação mundial absoluta, e sim a internet, que na época não passava de um projeto militar do governo dos Estados Unidos. A internet mudou definitivamente a maneira como nos comunicamos e percebemos o mundo. Graças a ela temos acesso a toda informação do mundo à distância de apenas um toque de botão. E, quando começaram a se popularizar as redes sociais, um admirável mundo novo abriu-se ante nossos olhos. Uma ferramenta colaborativa extrema, que possibilitaria contato imediato com outras pessoas através de suas afinidades, fossem elas políticas, religiosas ou mesmo geográficas. Projetos colaborativos, revoluções instantâneas... Tudo seria maior e melhor quando as pessoas se alinhassem na órbita de seus ideais. O tempo passou, e essa revolução não se instaurou. Basta observar as figuras que surgem nos sites de humor e outros assemelhados. Conhecidos como memes (termo cunhado pelo pesquisador Richard Dawkins, que representaria para nossa memória o mesmo que os genes representam para o corpo, ou seja, uma parcela mínima de informação), essas figuras surgiram com a intenção de demonstrar, de maneira icônica, algum sentimento ou sensação. Ao fazer isso, a tendência de ter uma reação diversa daquelas expressas pelas tirinhas é cada vez menor. Tudo fica branco e preto. Ou se aceita a situação, ou revolta-se. Sem chance para o debate ou questionamento. Os vídeos de humor, então, se transformaram na ferramenta predileta para arrancar risos fáceis e instantâneos. Na Internet não há mais espaço para o humor cadenciado de Jerry Lewis, ou o pastelão escachado dos Três Patetas. Exigem-se risos em menos de um minuto. A história, o roteiro, o figurino foi deixado de lado e tudo isso foi trocado por um gato tecladista ou um garoto acima do peso que faz alguma gracinha involuntária. A situação da literatura na Web é ainda pior. Escritores e dramaturgos são citados fora de contexto, isso quando as citações realmente pertencem àqueles a quem são atribuídas. Uma profusão de frases soltas de romances, livros de autoajuda e toda sorte de produção literária comprimida para fazer sentido dentro dos parcos cento e quarenta caracteres da microblogagem. A situação é ainda mais grave quando um dos poucos entes criativos restantes na Internet produz algum comentário curto, espirituoso ou refletivo, a respeito de alguma situação atual ou recente... Em minutos pipocam cópias da frase por todo lugar. Copia-se sem o menor bom senso, 20 sem créditos. Pensar e refletir, e depois falar, são coisas do passado. O importante agora é copiar e colar, e depois partilhar. As redes sociais desfraldaram um mundo completamente novo, e o uso que o homem fará dessas ferramentas é o que ditará o nosso futuro cultural. Se enveredarmos pela partilha de ideias, gestando-as em nossas mentes e, depois, passando-as a outros, será uma estufa mundial a produzir avanços incríveis em todos os campos de conhecimento. Se, no entanto, a redes sociais se transformarem em uma rede neural de apoio à preguiça de pensar, a humanidade estará fadada ao processo antinatural de regressão. O advento das redes sociais trouxe para perto das pessoas comuns os amigos distantes, os ídolos e os ideais consumistas mais arraigados, mas aparentemente está levando para longe algo muito mais humano e essencial na vida em sociedade: o senso crítico. Será uma troca justa? (http://obviousmag.org/archives/2011/09/redes_sociais_e_colaboracao_extrema_o_fim_do_senso_critico.h tml. Grifos das organizadoras.) E assim a sociedade chega exatamente onde a educação nos leva. Nesse sentido, cabe a pergunta: como está a nossa educação básica? Entre índices altos e baixos, programas e projetos, o texto que segue apresenta alguns dados da realidade educacional paranaense. O objetivo é nos fazer refletir, à luz dos próprios dados, acerca do cumprimento das metas e consequente objetivo final que se deseja alcançar. Afinal, que tipo de educação queremos? Qual a educação que temos? TEXTO 3 Paraná atinge meta, mas com abismo entre cidades Dos alunos que concluem o ensino fundamental no estado, apenas 18,8% sabem Matemática e 29,6% dominam os conteúdos de Língua Portuguesa Metas O movimento Todos pela Educação elencou cinco metas a serem cumpridas até 2022: presença na escola, índice de alfabetização, qualidade do ensino, limite para conclusão do ensino médio e investimento na área. Rede pública “Abstrata”, álgebra gera dificuldades para alunos da rede pública (Derek Kubaski, especial para a Gazeta do Povo). Se os alunos do Ensino Fundamental II da rede pública do Paraná têm obtido um bom desempenho na Língua Portuguesa, o cenário não é o mesmo quando as letras começam a aparecer nas equações. Segundo o técnico pedagógico de Matemática do Núcleo Regional da Secretaria Estadual de Educação (Seed) em Ponta Grossa, Luiz Fabiano dos Anjos, o encontro dos alunos com a álgebra – no 8º ano – gera muitas dúvidas. “É algo muito abstrato e, por isso mesmo, difícil de aprender para muitos”, salienta. Pedagogo Luiz dos Anjos diz que aula de reforço é importante 21 Ele explica que a Seed, desde 2006, possui um programa de Salas de Apoio à Aprendizagem, que consiste em aulas de reforço nas disciplinas de Matemática e Língua Portuguesa, justamente as que são levadas em consideração nas metas do movimento Todos pela Educação. As aulas ocorrem no contraturno. “Não é apenas um reforço do que o aluno está vendo na classe. O papel do professor na Sala de Apoio é fortalecer o aprendizado dos pontos em que o estudante teve dificuldade ao longo dos anos anteriores”, salienta. Luiz Fabiano afirma também que normalmente são escolhidos professores mais preparados para lidar especificamente com alunos que sentem dificuldade de aprender. Por semana, são administradas quatro aulas de Matemática e quatro de Língua Portuguesa pelo programa. O Paraná alcançou a meta de aprendizagem de Língua Portuguesa e Matemática no ensino fundamental em 2011. No entanto, esse desempenho foi desigual entre os municípios. É o que demonstra o relatório De Olho nas Metas, divulgado ontem pelo movimento Todos pela Educação. O levantamento mostra que quase metade dos estudantes que concluem o 5.º ano sabe o que deveria em Língua Portuguesae Matemática, mas termina o ensino fundamental, no 9.º ano, com menos de um terço do conhecimento necessário nas duas disciplinas. O Todos pela Educação – movimento da sociedade civil que acompanha os índices educacionais – trabalha cinco metas para serem cumpridas até 2022. A meta 3, que mede o quanto o aluno aprendeu do que deveria em sua série, mostra que o desempenho dos estudantes do 5.º ano no Paraná é de 49,2% em Língua Portuguesa e 49,4% em Matemática. Mas, quando concluem o ensino fundamental, no 9.º ano, o desempenho cai para 29,6% em Língua Portuguesa e 18,8% em Matemática. A expectativa é que até 2022, segundo o movimento, 70% dos alunos tenham dominado os conteúdos. Os índices estão ligeiramente acima da meta estipulada pelo Todos pela Educação e são superiores à média nacional (veja infográfico ao lado). Apesar de ter alcançado a meta e ter superado a média nacional, o Paraná revela desigualdades internas que fazem com que o desempenho dos municípios esteja em queda. Desigualdade A desigualdade é alarmante quando se analisa o desenvolvimento de cada município. Em Sapopema, no Norte do estado, apenas 5,3% dos alunos que concluíram o 5.º ano aprenderam os conteúdos de Matemática necessários para a série, enquanto em Sertaneja, no Oeste, 96,3% dominavam o conteúdo. Em Língua Portuguesa, dos estudantes que se formavam no ensino fundamental, ou seja, terminavam o 9.º ano, em Ariranha do Ivaí, no Norte, só 3,5% tinham aprendido o necessário na disciplina. Em situação oposta estava Pérola d’Oeste, com desempenho de 41,9%. A Secretaria Estadual de Educação, no Paraná, não informou sobre as causas dos desempenhos, mas a gerente de Projetos Estratégicos do Todos pela Educação, Andréa Bergamaschi, conclui que a expectativa é que os números evoluam. “O relatório coloca luz nas políticas públicas para que as prefeituras, os estados e o governo federal possam aprender com as iniciativas que estão dando certo e verificar quais delas podem ser replicadas”, comenta. (http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1351315&tit=Parana-atinge- meta-mas-com-abismo-entre-cidades) 22 BLOCO TEMÁTICO: AFRODESCENDÊNCA, INDIGENISMO E DIREITOS HUMANOS Afrodescendência. Tratar sobre este assunto é falar um pouco de nós mesmos, na medida em que a história nos aproxima e a realidade atual nos impele à coparticipação social. Como primeiro texto, trouxemos a proposta da ONU para que nesta década – de 2013 a 2022 - seja dada uma atenção especial, no sentido de maior promoção de discussões e debates, à realidade afrodescendente em âmbito mundial. TEXTO 4 Resolução da ONU aprova Década do Afrodescendente a partir de 2013 O ano de 2013 pode dar início a um período de aprofundamento do debate sobre os direitos da população afrodescendente. É que foi aprovado pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma resolução contra o racismo e a discriminação racial onde foi proposto que o período de 2013 a 2022 seja a Década do Afrodescendente. A proposta ainda precisa ser ratificada pela Assembleia Geral da ONU, mas tudo indica que será aceita sem maiores interferências. Depois desse “parecer” da ONU, a década será oficialmente proclamada. A expectativa é que com a proclamação da Década do Afrodescendente haja uma contribuição efetiva para a criação de um fórum permanente sobre essa população e, assim, seja criada uma Declaração Universal dos Direitos dos Povos Afrodescendentes. De acordo com assessoria de imprensa da ONU, a Resolução contra o Racismo e a Discriminação Racial foi aprovada por 127 a 6 (Austrália, Canadá, Israel, Estados Unidos, Ilhas Marshall e República Tcheca), e 47 abstenções. No texto, é solicitado que o presidente da Assembleia Geral abra um processo preparatório informal de consultas intergovernamentais com vistas à proclamação da década, cujo título é Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento. De acordo com a assessoria internacional da Secretaria de Políticas Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o diplomata Albino Proli, a resolução pede que seja iniciado um processo de interlocução com os países-membros, visando discutir a implantação da década. “A resolução também é importante porque dá mais visibilidade ao tema nos fóruns internacionais, o que faz com que os países-membros da ONU comecem a dar importância à temática”, explicou Albino Proli. Outro ponto destacado pelo diplomata é o fato de que a resolução também recomenda aos 192 países- membros diretrizes políticas para atender às demandas da população negra no mundo. “A resolução reafirma os propósitos de combate ao racismo e promoção da igualdade racial em nível mundial, já firmados na 3ª Conferencia Mundial contra o Racismo, a Xenofobia, a Discriminação Racial e Intolerância Correlata, que aconteceu em Durban no ano de 2001” 23 A ideia de proclamar a década entre os anos 2013 e 2022 como a Década do Afrodescendente surgiu por meio dos movimentos sociais negros. O movimento se intensificou depois da Cúpula Ibero-Americana de Alto Nível em Comemoração ao Ano Internacional dos Afrodescendentes, realizada em Salvador, no final de 2011. “A partir daí houve uma interlocução com os movimentos e na Declaração de Salvador consta o apoio à realização de uma Década Afrodescendente.” De acordo com dados do IBGE obtidos a partir do Censo 2010, o Brasil é o país do mundo com o maior número de afrodescendentes, equivalente a 100 milhões de pessoas. (http://www.baoba.org.br/) Os tempos mudaram… de cor e raça, inclusive. O artigo a seguir trata desses dois conceitos, a partir de uma breve retomada histórica e alguns dados estatísticos acerca da sociedade brasileira. O objetivo é mantermo-nos informados e esclarecidos sobre a nossa realidade sociocultural. Veja você também! TEXTO 5 Cor ou raça RACISMO, NÃO - Ato na Bélgica em protesto contra o racismo e a violência contra os imigrantes Para analisar a composição da população, esta análise segue as linhas modernas da antropologia e indica os diversos grupos étnicos existentes no conjunto de uma população. É assim que essa informação aparece no item população da ficha de todos os países do mundo. Por etnia, entende-se um grupo de pessoas que compartilham vários atributos, como espaço geográfico, língua, costumes e valores e reivindicam para si o mesmo nome étnico e a mesma ascendência. Mas sempre há nisso grande dose de subjetividade. Daí a dificuldade em estabelecer fronteiras claras entre as etnias e quantificar o número de grupos étnicos existentes. A língua, por exemplo, que parece um critério objetivo, não é suficiente para determinar diversas etnias, se tomada isoladamente, pois muitos grupos étnicos usam o mesmo idioma. Também o fato de um grupo ser designado como etnia – e, como tal, possuir nome específico (etinônimo) – não é garantia de que realmente o seja. Na África Subsaariana são registradas mais de mil etnias com denominação própria, mas sabe-se que muitas dessas designações foram dadas pelos colonizadores europeus e não correspondem à maneira como os próprios grupos se veem. Definição A palavra etnia vem do grego éthnos, que significa povo ou nação. Na Grécia antiga, a denominação era utilizada em oposição a pólis, ou cidade: etnias eram todas as comunidades de cultura grega que não habitavam os núcleos urbanos. Na Idade Média, o termo passou a designar os não cristãos. No século XIX, a palavra etnia foi apropriada pelas ciências sociais e conferida aos povos considerados “primitivos”. Só recentemente o conceito foi ampliado, de modo a englobar não apenas o outro24 (aquele de quem se fala, o habitante “não civilizado” dos países coloniais e dependentes), mas também a própria pessoa (o “sujeito” que fala, os habitantes das metrópoles coloniais). Teorias racistas O moderno conceito de etnia desenvolveu-se no século XX, em oposição às teorias racistas, que evocavam argumentos de ordem biológica para justificar a dominação de um grupo humano sobre outros. A ciência considera incorreto denominar em diferentes raças quando se trata de seres humanos. Todos os homens e mulheres pertencem ao gênero Homo, à espécie Homo sapiens e à subespécie Homo sapiens. Eventuais variações genéticas são mínimas e insuficientes para configurar diferenciações raciais. Os homens agrupam-se socialmente, e as semelhanças e as diferenças – sempre culturais, nunca naturais – que estabelecem entre si decorrem de processos históricos. Fundamentalmente, um indivíduo pertence a determinada etnia porque acredita nisso, e tal crença é compartilhada pelos demais indivíduos que compõem o mesmo grupo. Conflitos A existência de vários grupos étnicos no interior das mesmas fronteiras nacionais é uma situação comum, pois as populações humanas não são homogêneas, em razão das migrações no decorrer da história. Mas as diferenças étnicas, em diversos casos no mundo atual, são muitas vezes manipuladas para acirrar conflitos de fundo político ou econômico. Alguns confrontos assumem proporções trágicas, como os que ocorreram entre as populações da antiga Iugoslávia – que se dividiu em seis países. Existem, em contrapartida, etnias que se espalham por diversos territórios nacionais. É o caso dos curdos no Oriente Médio, cuja região natal abrange cinco países. Na África, o principal motivo do desacerto entre as regiões étnicas e as fronteiras nacionais foi a partilha do continente pelas potências colonialistas europeias, formalizada em 1885, na Conferência de Berlim. Elas dividiram politicamente a África de acordo com seus interesses econômicos, sem respeitar os limites étnicos historicamente consolidados na região. E, para facilitar sua dominação, frequentemente insuflaram alguns povos contra outros. A partir daí, cada colônia adquiriu dinâmica própria, e os processos de independência não conseguiram corrigir as distorções. Brasil Em seu primeiro censo, em 1872, no Império, o Brasil apurou o item raça com quatro classificações: branco, preto, pardo e caboclo. Depois de mudanças nos censos posteriores, desde 1991 passou a adotar as cinco categorias utilizadas para “cor ou raça”: branca, preta, parda, amarela e indígena. Essa é a forma pela qual a composição étnica da população brasileira é apurada. Para coletar esse dado, o censo, feito pelo IBGE, baseia-se na declaração do entrevistado, que escolhe entre as cinco opções. Prevalece, portanto, uma abordagem cultural, ou seja, a forma como a própria pessoa se vê diante do grupo. Nesta pesquisa, consideramos a soma de pretos e pardos como sendo a população negra do Brasil. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011, os brancos compõem o maior segmento da população brasileira, com 47,7%. Em seguida, vêm os pardos, que chegam a 43,1%; os pretos, com 8,2%; os amarelos, com 0,5%; e os indígenas, com 0,4%. Os brancos são maioria nas regiões Sul e Sudeste; os pardos, no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste. A Bahia é o estado brasileiro 25 com a maior população preta (18,8%), seguida por Rio de Janeiro (12,8%), Maranhão (12,7%) e Roraima (9,6%). Por muito tempo, a quantidade reduzida de brasileiros que se diziam pretos foi reflexo da discriminação racial existente no país, que levava boa parte dos negros a se declarar pardos. Isso está mudando. Em 2008, os negros (a soma de pardos e pretos) tornaram-se, pela primeira vez desde o início do século XX, maioria da população brasileira. Essa tendência permanece em 2011, com os negros somando 51,3% da população, superando a soma de brancos, indígenas e amarelos, que, juntos, totalizam 48,7%. O avanço da população negra ganhou impulso em decorrência do fato de as pessoas se declararem mais como negras. A tendência tem explicação, em parte, no trabalho de movimentos sociais para resgatar a história e a cultura dos negros brasileiros. Esta é a quarta vez que os negros são a maioria da população no país. Em 1890, segundo dados do censo daquele ano, 56% dos residentes em território nacional eram negros. Distribuição por cor ou raça em 2009 (em %) Desde o primeiro recenseamento demográfico realizado no Brasil, há mais de 135 anos, ainda durante o período do Império, houve diversas mudanças nos critérios para a coleta de dados sobre “cor ou raça”. Veja como essa abordagem mudou no decorrer do tempo. 1872: no primeiro censo, há uma classificação racial baseada nas principais categorias usadas na época pela sociedade brasileira: branca, preta, parda e cabocla. 1890: um ano após a proclamação da República e dois depois da abolição da escravidão, o censo demográfico introduz uma pequena modificação nos termos anteriores de raça, trocando “parda” por “mestiça”. 1900 e 1920: sob forte influência das doutrinas raciais europeias e em plena vigência de uma política de “branqueamento” da população (que incluía o incentivo a uma forte imigração de europeus), esses dois censos não apuram a classificação racial da população. 1940, 1950 e 1960: como reflexo da imigração japonesa, iniciada em 1908, o censo adota três opções explícitas: branca, preta e amarela. Para os que não se encaixam nessas três categorias, o recenseador coloca um traço, que passa a abranger os que se declaram índios, caboclos, mulatos, morenos etc. Na tabulação dos dados, essa população é chamada de “parda”. 1970: sob o regime militar, esse censo não inclui a questão “cor ou raça”. 1980: o censo adota quatro categorias de cor ou raça: branca, preta, parda e amarela. 1991 e 2000: passa-se a cinco categorias: branca, preta, parda, amarela e indígena. Assim, são incluídos os povos autóctones do território nacional, que haviam sido classificados de caboclos nos dois primeiros censos e de pardos desde o ano de 1940. 2010: a questão “cor ou raça” passa a ser incluída nos questionários do universo, garantindo uma definição mais precisa do número de habitantes por cor no país. (https://almanaque.abril.com.br/materia/cor-ou-raca. Grifos das organizadoras.) A sequência de textos apresenta enfoques diferentes sobre um dos assuntos que mais divide opiniões: cotas raciais. Este projeto tem como base o princípio constitucional da isonomia, isto é, foi criado para atender o princípio da igualdade de todos perante a lei. Entretanto, para alguns, esse projeto dá ainda mais ênfase à discriminação entre os cidadãos, enquanto que, para outros, tem como objetivo reduzi-la. Como avaliar, sobretudo, os programas de bonificação nos vestibulares para afrodescentes? A polêmica tem sua gênese na ideia expressa pelo termo raça 26 humana, visto que, “para a biologia e a antropologia atuais é equivocado o conceito de raça humana” (texto 7), ou seja, “entre seres humanos não existem “raças” [...] as diferenças de genes entre um homem negro, um branco e um índio são ínfimas” (texto 6). Nesse sentido, é fato o alto índice de miscigenação no Brasil, assim como já é cientificamente comprovado que pessoas de diferentes populações e cores podem ter a maioria de seus genes vindos da África. Os textos explicam a proposta e apresentam opiniões que se divergem. Mais especificamente nos artigos 8 e 9, você poderá considerar sugestões, analisar argumentos e diferentes pontos de vista a esse respeito. Antes de emitir qualquer julgamento, opinião ou conclusão, o que mais importa é considerar em que medida esse projeto, ao lado de tantas outras políticas públicas, têm correspondido, respeitado e atendido de forma
Compartilhar