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REGISTRO DE IMÓVEIS AULA 1 Prof. Lucas Fernando de Castro 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, iremos analisar o surgimento do Sistema Legislativo de Registro de Imóveis no Brasil, como se estruturou no Período Colonial, passando pela Independência, até chegarmos ao sistema vigente hoje. Para isso, teremos que entender, em linhas gerais, como se deu a aquisição e a apropriação de terras no país, pois as circunstâncias históricas de formação econômica, social e cultural determinam de forma significativa em qual direção os países organizam seus sistemas de registro. Isso significa entender como chegamos ao atual sistema de aquisição, extinção e modificação dos diversos direitos reais, quais eram e quais são as regras que controlam o acesso aos direitos reais decorrentes dos imóveis. TEMA 1 – SURGIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE NO BRASIL No Brasil, desde o Descobrimento até a Independência, toda a propriedade imobiliária era do Monarca português, ou seja, todo o território brasileiro era de propriedade do Rei de Portugal. Isso de fato simplificava a forma de organização e controle dos direitos reais decorrentes dos imóveis, pois não havia a necessidade ou a obrigatoriedade da instituição de um sistema de catálogo. Então, durante o período de 1500 até 1822, toda a propriedade era do Monarca. Entretanto, o rei português, que visava povoar o país, distribuiu “cartas de sesmarias” e “capitanias hereditárias” para que os detentores daquelas cartas pudessem ocupar o território, ou seja, serem possuidores de tais pedaços de terra. Esse documento era uma autorização para ocupação do território brasileiro, para atender a uma necessidade organizacional do Reino que concedia tais autorizações para que uma determinada pessoa pudesse administrar e organizar todas as necessidades estatais da colônia. Esse sistema ficou em vigência até a chegada da Família Real ao país, em 1808. Com a mudança da capital do Reino de Portugal para o Rio de Janeiro, surgiram as condições para a aceleração das aglomerações urbanas, das cidades e o consequente florescimento da atividade econômica e comercial, e a questão relativa à apropriação dos imóveis tornou-se necessária. Isso porque a Corte Portuguesa acabou por impor ao Estado o fomento da atividade econômica, pois eram necessários itens de vestuário, alimentação, 3 transporte, lazer, enfim, tudo aquilo a que estavam acostumados os nobres portugueses e o Rei. Tais produtos e demandas exigiam o crescimento da atividade comercial, da agricultura e da atividade industrial. É sabido que, para o florescimento de tais atividades, a tomada de crédito e o investimento por parte dos industriais, dos comerciantes e dos agricultores brasileiros acabam se tornando imperativos. E desde o tempo dos romanos, a principal forma de garantia para contratos de empréstimo eram os imóveis, como bens corpóreos que são, garantia mais robusta aos credores. De outro giro, os empréstimos eram garantidos não pela propriedade do bem imóvel, mas baseados na sua detenção. Surgiu, então, a necessidade de organizar um cadastro de direitos reais sobre imóveis, especialmente nessa época, para registro das garantias, principalmente das hipotecas. Com o aumento de tais operações de mútuo, o Estado Brasileiro entendeu que a confiabilidade, a publicidade e a segurança de registro do crédito (hipoteca) lastreado em imóveis aumentariam o grau de confiança dos credores e possibilitariam a expansão de tal segmento, permitindo o avanço da atividade econômica. Além disso, já se observava o crescimento na detenção imobiliária, seja no âmbito rural ou urbano, razão pela qual era necessária a regularização do cadastro dos direitos decorrentes de imóveis. TEMA 2 – SESMARIAS E CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Conforme definição das Ordenações Manuelinas e Filipinas, antigas leis vigentes em Portugal e nas colônias, “sesmarias são, propriamente, as datas de terras, casais ou pardieiros, que foram, ou são de alguns senhorios e que já em outros tempos foram lavradas e aproveitadas, e agora não são”. Esse documento era concedido a delegatários portugueses, visando distribuir e ordenar a posse na colônia. Em 1530, o rei D. João III, com o intuito de acelerar o processo de povoação e utilização econômica do território brasileiro, determinou a instituição das capitanias hereditárias, podendo os receptores de tais terras, mediante parcelamento, concedê-las pelo regime de sesmarias. Nesse estágio, seja a concessão da carta de sesmaria ou da capitania hereditária ou mesmo da concessão, não se configurava a transmissão da propriedade, mas tão somente do uso do imóvel, algo assemelhado ao usufruto, 4 no qual o donatário poderia utilizar e se apropriar dos frutos que o imóvel pudesse lhe render, por meio da exploração direta da terra. Após a concessão por parte do detentor da capitania, era necessária a confirmação da concessão pelo Rei, contendo os seguintes requisitos: ser cristão e efetuar o pagamento do dízimo do Mestrado de Cristo, estando as sesmarias isentas de pagamento de foro, ou seja, da taxa recolhida ao Estado para remuneração pela utilização do bem. Sua medida máxima era fixada por cada detentor de capitania e, a partir de 1753, tornaram-se obrigatórias a medida e a demarcação judicial dessas terras. Em 3 de março de 1770, o governador mandou passar a carta de concessão que, depois de registrada nas Secretarias do Governo, e de haver por ela dado posse ao concessionário, devia ser, com os autos do respectivo processo, novamente registrada na Secretaria da Casa da Fazenda e Administração. Tal registro tinha por fim tão somente a organização da ocupação do solo, pois, como dito anteriormente, toda a propriedade imobiliária pertencia ao Rei. Nessa fase do Período Colonial, a utilização dos imóveis era extremamente restrita e desorganizada, pois a povoação do território nacional era ainda incipiente, sendo a única atividade comercial na época a exploração da flora, da fauna e das riquezas minerais existentes no território nacional. Tal cenário somente se alterou com o desenvolvimento social, econômico e cultural, com a chegada da Família Real portuguesa em 1808. TEMA 3 – SURGIMENTO DA POSSE ORGANIZADA E O REGISTRO DO VIGÁRIO Com a chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808 e a transformação da cidade na sede do Reino, houve profundas modificações socioeconômicas no país, influenciando a apropriação dos imóveis. Criaram-se as condições para que a atividade econômica, agrícola e industrial gerasse riqueza e permitisse a apropriação de bens móveis e imóveis. Nesse cenário de crescimento econômico e cultural, a primeira norma a regular os registros de imóveis foi a Lei Orçamentária n. 317, de 21 de outubro de 1843, regulamentada pelo Decreto n. 482, de 14 de novembro de 1846. Ela organizava o registro das hipotecas, pois a obtenção de crédito por intermédio era a principal fomentadora das atividades comerciais. Inclusive foi um pouco 5 antes da primeira lei que se deu a fundação do Banco do Brasil (12/10/1808). Já a Caixa Econômica Federal foi criada em 12/01/1861. Portanto, igualmente como na Alemanha, o surgimento de um sistema de registro imobiliário iniciou-se pretendendo resguardar o crédito daqueles que fomentavam a atividade econômica, naquela época, principalmente, os Estados Unidos do Brasil e o Banco do Brasil. Importante sublinhar que não se buscava a proteção direta da propriedade imobiliária, mas sim da organização do crédito. Comoos acervos públicos acerca dos direitos sobre os imóveis não estavam organizados e estruturados o suficiente para dar a necessária segurança aos negócios jurídicos hipotecários e de crédito, a mencionada lei não foi suficiente para trazer os avanços indispensáveis à prosperidade da atividade comercial. Assim foi editada a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850 (conhecida também como registro do vigário), regulada pelo Decreto n. 1.318, de 30 de janeiro de 1854, o qual instituiu a obrigatoriedade do registro das terras possuídas por particulares, por intermédio do Registro Paroquial, que deveria se dar junto ao vigário de cada Freguesia do Império. Quem não efetuasse o registro teria sua posse considerada terra devoluta, ou seja, de domínio do Estado. Devemos destacar que esta lei fixou uma regra até hoje utilizada: a competência dos registradores imobiliários, pois o local do imóvel define em qual registro de imóveis ele está submetido. Apesar de sua obrigatoriedade e da sanção pela ausência de realização, o registro paroquial não induzia a nenhum efeito especial. A inscrição não produzia nenhum direito aos possuidores (art. 94). Esse registro era visto unicamente como início de prova em sede de usucapião. Nessa época, portanto, o tráfego imobiliário se dava por meio da tradição. TEMA 4 – LEI DO REGISTRO DE HIPOTECAS, CÓDIGO CIVIL E LEI DE REGISTROS PÚBLICOS A Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, regulada pelo Decreto n. 3.453, de 26 de abril de 1865, criou o registro geral em substituição ao registro de hipotecas, traçando algumas das principais feições do sistema registral atual. Nela foi reiterada a obrigatoriedade do processo de inscrição dos ônus reais e das hipotecas. 6 Nela, a transferência fática do bem, ou seja, a entrega das chaves foi substituída pelo registro, surgindo como única forma de aquisição dos direitos reais. Foi instituída a dupla eficácia do registro: a transcrição do título transformava com segurança o vínculo obrigacional em direito real e, para terceiros, tornava o vínculo real conhecido. Porém, ainda não houve obrigatoriedade da inscrição de alguns títulos, entendidos como privilegiados, tais como arrematações, adjudicações judiciais, sentenças em ações divisórias, transmissão pelo falecimento e hipotecas gerais e ocultas em favor da mulher casada e de incapazes, casos que são previstos no artigo 827 do Código Civil de 1916. No caso dos incapazes, para que o tutor ou curador pudesse exercer seu encargo, era constituída uma hipoteca geral e oculta de todos os seus bens, visando ressarcir o tutelado ou curatelado de eventuais problemas na administração de seu patrimônio. No caso da casada, era constituída uma hipoteca geral e oculta sobre os imóveis do marido, para garantia do dote e dos outros bens particulares dela, que estavam sujeitos à administração do marido. A segunda situação não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 e, o primeiro caso, foi afastado pelo Código Civil de 2002. Somente nesses casos, tais situações eram válidas mesmo sem o registro. Tal fato gerava ainda algum grau de incerteza na aquisição dos direitos reais de imóveis. O Código Civil de 1916 tratou da matéria registral imobiliária e acolheu os procedimentos do registro geral, alterando seu nome para registro de imóveis. Foi ele que tornou necessária a transcrição de (quase) todos os títulos translativos de direitos reais (art. 531 e 532). Sua principal inovação foi acolher a presunção de domínio do titular (art. 859), resguardando o direito do prejudicado de exigir a retificação. Adotou os princípios da inscrição (art. 530 e 676), da prioridade (art. 833), da especialidade (art. 846), da publicidade (art. 856) e da presunção (art. 859). Por isso, foi necessária a substituição da lei anterior de 1864 e foi editado o Decreto n. 4.827, de 7 de março de 1924, e seu regulamento, o Decreto n. 18.542, de 24 de dezembro de 1928. Com eles foi introduzido o princípio da continuidade. Após isso, a Lei de Registros Públicos, publicada em 31 de dezembro de 1973, modificada pela Lei n. 6.216, de 30 de junho de 1975, entrou em vigor em 7 1.º de janeiro de 1976, consagrando como figura central do ofício imobiliário a matrícula, ou seja, um assento para cada imóvel. Esse sistema, surgido na Alemanha no século XIII, permitia a organização dos cadastros, ordenados por imóveis e não mais por pessoas ou por direitos, sendo as mutações jurídicas reais daquele imóvel em específico anotadas na ficha. NA PRÁTICA O surgimento do direito registral imobiliário no Brasil somente se deu com a chegada da Corte Portuguesa, em 1808. Com ela, a necessidade de crédito deu início ao sistema organizacional do cadastro de imóveis. FINALIZANDO Nesta aula, pudemos verificar de forma reumida sob quais circunstâncias sociais, econômicas e culturais se deu o surgimento do registro de imóveis no Brasil. Com tais ferramentas, podemos avaliar qual papel a organização de um sistema de direitos reais teve e tem para o avanço da economia e das atvidades rurais e industritais no país. Trata-se de trazer segurança e estabilidade por meio da publicidade dos negócios jurídicos reais nele inscritos. 8 REFERÊNCIAS BALBINO FILHO, N. Direito registral imobiliário. São Paulo: Saraiva, 2012. CARVALHO, A. de. Registro de imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei n. 6.015 de 1973 com as alterações da Lei n. 6.216 de 1975, Lei n. 8.009 de 1990 e Lei n. 8.935 de 18.11.1994. Rio de Janeiro: Forense, 1998. CARVALHO, J. M. de C. A Construção da Ordem: A elite política imperial. Teatro das Sombras. A política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ERPEN, D. A.; PAIVA, J. P. L. Panorama Histórico do Registro de Imóveis no Brasil. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo: jan.-abr./1998. In: DIP, R.; JACOMINO, S. J. (Org.). Coleção doutrinas essenciais: direito registral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. v. II.
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