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A Arte de prever impactos - Aziz Ab'Saber

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Nos  últimos  30  anos  do  século  que  findou  —  incentivados  
pelos  movimentos  ambientalistas  e  por  exigências  de  instituições  
financeiras   internacionais   elaborou-­se   uma   metodologia  
interdisciplinar   de   previsão   de   impactos   aplicada   a   diversos  
tipos   de   projetos.  A   exigência   inicial   dirigiu-­se   para   os   grandes  
projetos   ditos   “desenvolvimentistas”,   fixando-­se   em   projetos   de  
usinas  hidrelétricas   e  nucleares.  Existiam   recursos   internacionais  
acumulados  suficientes  para  empréstimos  vul  tosos.  Havia,  porém,  
a  necessidade  de  se  precaver  em  relação  ao  retorno  dos  múltiplos  
recursos  a  serem  disponibilizados,  por  meio  de  juros  garantidos  e  
ressarcimentos  terminais.
Nos  estudos  de  previsão  de  impactos,  o  conceito  é  relativamente  
simples,  enquanto  a  sua  aplicação  a  cada  projeto  e  a  cada  tipo  de  
espaço  encerra  grandes  dificuldades.  O  que  sempre  está  em  jogo  é  
a  cadeia  de  consequências  que  o  pro  jeto  passa  a  acarretar  ao  meio  
ambiente  físico,  ecológico  e  também  social.
Todo  projeto  —  de  grande  ou  pequena  extensão  —  é  dirigi-­
do  para  uma  microrregião,  uma  subárea  do  território,  uma  ci  dade  
ou  um  bairro.  Em  muitos  casos,  o  conhecimento  do  “es  paço  total”  
é  absolutamente  imprescindível,  mesmo  porque  os  que  receberam  
a   incumbência   de   elaborar   o   projeto   procu  ram   esconder   ou  
minimizar  os  seus  impactos  negativos.  Exis  te  uma  certa  presença  de  
autocratismo  profissional  que  revela  um  corporativismo  prejudicial  
a   um   trabalho   marcadamente   interdisciplinar.   No   campo   das  
políticas  públicas  a  solução  se  complica  pela  ausência  da  avaliação  
de   prioridades,   pressões   múltiplas   por   parte   dos   interessados   e  
atendimento  a  políticos  totalmente  despreparados  para  previsão  de  
impactos.
No  Brasil,  a  exigência  de  EIA-­RIMAS  (Estudo  de  impactos  
ambientais  e  Relatório  de  impactos  sobre  meio  ambiente)  foi  muito  
escamoteada,  por  diversos  estratagemas  entre  tan  tos  interessados,  
entre  os  quais   estão   incluídas   equipes  ditas   especializadas,   e,   as  
vezes,  até  mesmo  os  autores  empresariais  dos  projetos.  E  já  houve  
casos  em  que,nas  audiências  públicas  para  um  pretenso  julgamento  
democrático  dos  projetos,  os  interessados  na  aprovação  enviaram  
dezenas  de  ônibus  cheios  de  seus  operários  ou  aliados.  De  tal  forma  
que  muitas  audiên  cias  públicas  se  transformaram  em  imperdoáveis  
farsas.
Convém   lembrar   que   as   técnicas   de   previsão   de   impactos  
necessários   nasceram   muito   antes   que   as   discussões   sobre  
desenvolvimento   e   sustentabilidade   econômica   de   empresas  
públicas  ou  privadas.  Foram  os  médicos  e  os  farmacólogos  que,  
por  ética  e  consciência  científica,  trabalharam  para  que  remédios  ou  
coquetéis  de  medicamentos  não  tivessem  impactos  ne  gativos  para  a  
vida  das  pessoas.  Fato  que  redundou  no  reco  nhecimento  de  remédios  
antagônicos  ou  sinérgicos;;  e,  de  ou  tra  parte,  pelo  comedimento  na  
dosagem  adequada  a  cada  caso,  idade  e  estado  geral  de  saúde.
Os   que   se   dedicam   a   complexa   tarefa   de   avaliar   projetos,  
incluindo   em   sua   bagagem   métodos   e   técnicas,   noções   sobre  
escala,  sítios  e  localização  e  a  composição  do  espaço  total  re  gional.  
Tudo  entranhado  de  grande  ética,  bom  senso,  sensibi  lidade  para  o  
social,  e  uma  capacidade  intuitiva  para  visuali  zar  o  futuro,  visto  a  
diferentes  profundidades  de  tempo.  Um  conjunto  de  procedimentos  
que  transformará  a  tarefa  de  pre  ver  impactos  em  uma  espécie  de  
arteciência  para  evitar  o  caos  e  combater  os  especuladores  criminosos.  
Seria  sempre  muito  bom  que  os  políticos  se  submetessem  a  um  teste  
sobre  a  dinâ  mica  e  tendências  que  incidem  sobre  os  seus  países  e  
regiões,  tendo  em  vista  os  cenários  incertos  do  porvir  do  planeta,  da  
vida  e  da  humanidade.
AZIZ   NACIB   AB’SABER é   professor   titular   do   Departamento   de   Geografia   da  
Faculdade  de  Filosofia.  Letras  e  Ciências  Humanas da Universidade de São Paulo (USP) 
e ex-­presidente  da  Sociedade  Brasileira  para  o  Progresso  da  Ciência  (SBPC)
A arte/ciência de prever impactos
Técnica  apareceu  na  medicina  e  foi  transplantada  para  estudos  ambientais
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