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20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 1/14 Insolvência Empresarial 1.1 Introdução O direito concursal brasileiro conhece incisivas modificações com o advento da Lei de Recuperação de Empresas (LRE), que trata da recuperação judicial, falência e recuperação extrajudicial de empresários. O novo diploma regente dos efeitos da crise econômico-financeira das empresas vem substituir o Decreto-Lei nº 7.661/45 (LFC – Lei de falências e concordatas), cuja vigência fica restrita aos processos de falência e concordata em curso, iniciados sob sua égide. Elegemos a sigla LRE para designar a nova regulamentação da insolvência porque seu intuito primordial não é a falência, embora esta também seja agraciada com disciplina mais clara e muito mais objetiva. A LRE pretende introduzir no sistema jurídico brasileiro instrumentos legais e mecanismos jurisdicionais capazes de propiciar a reorganização e o soerguimento de empresas viáveis que se encontram em crise econômico-financeira. Essa orientação não significa menosprezo pelo relevante instituto da falência, mas a valorização das possibilidades jurídicas de sua prevenção, tendo em vista os efeitos econômicos da insolvência, na estrutura social brasileira, às vésperas da globalização. 1.2 Síntese histórica Para bem compreender as causas, procedimentos e efeitos do fenômeno da insolvência empresarial, bem como suas múltiplas determinações e repercussões no universo socioeconômico, é inevitável que se recorra, ainda que superficialmente, aos subsídios históricos. Em outras palavras, a recuperação de empresas viáveis e a falência das inviáveis, como alternativas para a insolvência, não são fenômenos a-históricos. Resultam de um longo processo de maturação em que os institutos jurídicos se sucedem, sempre caracterizados pelo seu condicionamento por um modo de produção econômica predominante. O direito desempenha função disciplinadora das relações intersubjetivas, tendo por paradigma a conservação das respectivas estruturas sociais onde interage com outras instâncias sociais. Por isso, encetar uma viagem retrospectiva do direito concursal implica reconhecer a ocorrência de quatro fases distintas, onde predominam, respectivamente: •o direito concursal como regulador da execução dos bens do devedor; •a judicialização da execução concursal; •o caráter preventivo do estado de liquidação; e •a recuperação da empresa em crise. No direito romano arcaico, a execução incidia sobre a pessoa do devedor, do que é exemplo significativo a manus injectio, que autorizava ao credor manter o devedor em cárcere privado ou escravizá-lo. Desse instituto draconiano, o regime 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 2/14 executório passou para o sistema da constrição patrimonial com a lei Paetelia Papiria, que admitia a execução forçada das condenações em dinheiro por meio da venditio bonorum. Já no direito romano tardio, surgiram as primeiras regras orientadoras da administração da massa, a assembleia de credores, a classificação dos créditos, a revogação dos atos fraudulentos do devedor e, sobretudo, a regra essencial da par conditio omnium creditorum. O instituto da falência vem dos estatutos das corporações medievais, restringindo o caráter privado da execução, embora isso não signifique a emancipação física do devedor. É certo que num estatuto da cidade de Verona, no início do século XIII, foram esboçadas as primeiras regras que vieram a constituir essa execução patrimonial especial. Resumindo, a regulação do concurso creditício até a Idade Média: •não era privativa dos mercadores; •tinha caráter penal; •passou gradualmente da execução pessoal à constrição patrimonial; e •trouxe ao mundo jurídico as primeiras acordanças preventivas da liquidação. No século XVII, as Ordenações Filipinas trataram das quebras dos mercadores, e o Alvará Real de 1756, em Lisboa, estabeleceu um processo peculiar para os negociantes falidos. No direito francês, o Código Savary (1673) disciplinou o regime de insolvência sem particularizar os comerciantes, especificidade que só aconteceu na primeira década do século XIX, com a cisão legislativa do direito privado empresarial, por meio dos códigos de Napoleão Bonaparte, o civil e o comercial. Assim, o direito concursal, na Idade Contemporânea, surge como liquidação do ativo do devedor comerciante insolvente, sob a supervisão do Estado-Juiz. A liquidação do patrimônio do devedor passa a ser assegurada pelos organismos judiciais encarregados de aplicar a lei. É o regime que predominou no direito brasileiro da Lei de Falências e Concordatas (LFC), concebido em meados do século passado e agora substituído pela LRE. Contudo, a paulatina unificação do direito privado, a interpenetração do direito público e do direito privado e, ainda, a valorização dos direitos fiscal, do consumidor, previdenciário e financeiro levaram à procura de soluções mais fecundas e menos drásticas para as crises econômico-financeiras das empresas, tendo em vista as eventuais possibilidades de preservar os empreendimentos que, conquanto em dificuldades, conservam margens satisfatórias de viabilidade. Como lecionamos em nosso lei de falência e recuperação de empresas (59 : 21- 22): “O quadro da patologia empresarial, tal como concebido pelos antigos sistemas concursais, de natureza simplesmente falimentar, quase sempre conduzia a um estágio terminal, em que a figura do empresário assemelhava-se muito à do de cujussem herança. Esse mesmo quadro agora é compreendido de outra forma. Percebeu-se que o meio mais 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 3/14 razoável de obviar esse inconveniente é a recuperação da empresa paciente mediante a reversão da síndrome patológica, para proporcionar algumas possibilidades, ainda que diminutas, de solução do passivo. Evitar a morte do paciente é, no mínimo, mais inteligente do que eliminar a patologia pela supressão de seu portador. Somente quando o organismo da empresa exterioriza sinais tanatológicos, ou seja, quando a crise econômico-financeira atinge o grau de insolvência irreversível, é que se justifica a adoção de condutas liquidatórias. A questão, nesse caso, é prevenir a eventual disseminação dos efeitos da debacle da empresa, no mercado. Se impossível a cura, faz-se mister a liquidação, como medida protectiva do crédito público em face do contágio.” Sob essa nova perspectiva, a transformação do direito concursal veio como a resposta mais racional à necessidade de estabilização do mercado. Daí por que os atuais sistemas jurídicos regentes da insolvência privilegiam o parâmetro da realização dos direitos dos credores mediante a recuperação da empresa devedora. A falência, pelo seu cunho liquidatório, permanece como desfecho residual, como regramento inevitável reservado, exclusivamente, aos empreendimentos inviáveis. 1.3Princípios do regime concursal empresarial Os princípios estruturantes do regime legal de insolvência empresarial são as diretrizes que, em nexo de complementaridade, permeiam os procedimentos concursais, conferindo-lhes as matrizes para análise de seus problemas mais importantes: •o princípio da viabilidade da empresa em crise; •o princípio da prevalência do interesse dos credores; •o princípio da publicidade procedimental; •o princípio da par conditio creditorum; •o princípio da conservação e maximização dos ativos do devedor; e •o princípio da conservação da atividade empresarial viável. 1.3.1 Princípio da viabilidade da empresa A Lei de Recuperação de Empresas (LRE) fixa uma dicotomia essencialentre as empresas economicamente viáveis e as inviáveis. De tal arte que o mecanismo da recuperação é indicado para as primeiras, enquanto o processo de falência apresenta-se como a solução judicial da situação econômica das empresas inviá- veis. Viáveis, é claro, são aquelas empresas que reúnem condições de observar os planos de reorganização estipulados na LRE. A aferição dessa viabilidade está ligada a fatores endógenos (ativo e passivo, faturamento anual, nível de endividamento, tempo de constituição e outras características da empresa) e exógenos (relevância socioeconômica da atividade etc.). Qualquer plano de recuperação passa pela adoção de um dos meios estabelecidos na LRE e, como tal, deve ser oferecido à consideração judicial e dos credores. 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 4/14 É certo que, se verificada, desde logo, a impossibilidade de cumprimento do plano proposto, o indeferimento da pretensão recuperatória é de rigor. A constatação posterior (no curso da recuperação) da inviabilidade implica a conversão do processo de recuperação em solução liquidatória. 1.3.2 Princípio da prevalência do interesse dos credores Qualquer regime de insolvência visa satisfazer, equitativamente, pretensões creditícias legítimas. Mesmo ante a necessidade de se considerar o interesse social na manutenção ou não do empreendimento insolvente, o fato é que a solução proporcional do passivo sempre será o norte do procedimento adotado. A reestruturação da empresa em dificuldades é instrumental da satisfação dos credores, desde que observados níveis mínimos da paridade. O regime de insolvência, desde suas origens, retrata a preocupação do legislador com a sorte dos que titulam haveres contra o empresário em crise. Pode ser dito que, desde sua origem, é uma postura jurídica estabelecida, essencialmente, para atender aos direitos dos credores. Contudo, o interesse dos credores também não pode ser identificado como a realização de pronto de seus haveres. Pagamentos satisfatórios são aqueles que se aproximam do ideal de integral satisfação dos créditos. A predominância do interesse dos credores deve identificar-se com o interesse público inerente à empresa. 1.3.3 Princípio da publicidade dos procedimentos Os procedimentos para solução da insolvência devem ser transparentes, o que significa não somente a publicidade dos atos processuais, mas também a clareza e objetividade na definição dos diversos atos que os integram. O conceito de publicidade está conectado com o de previsibilidade. A estipulação objetiva de requisitos, fundamentos e prazos, se não impede a adoção de manobras procedimentais e expedientes protelatórios, dificulta bastante essa prática negativa. É claro que a plena publicidade não se aperfeiçoa apenas com sua menção legal. Pressupõe fiscalização permanente e zelosa do órgão judiciário, do administrador da massa, dos diversos corpos creditícios e do representante do Ministério Público. 1.3.4 Princípio da par conditio creditorum O tratamento equitativo dos créditos é o princípio regente de todos os processos concursais, considerando-se prioritariamente o mérito das pretensões antes que a celeridade na sua satisfação. A própria finalidade do concurso de credores observa o parâmetro da paridade, obstando que se priorize o mais célere em detrimento do mais meritório. Na verdade, esta regra diz respeito à proporcionalidade na consideração dos créditos, o que implica respeitar as peculiaridades que a lei atribui a cada um. Não se trata, pois, de nivelamento. 1.3.5 Princípio da conservação e maximização dos ativos O esvaziamento dos ativos do devedor em crise financeira, presas da ação de credores mais expeditos, em prejuízo da coletividade dos credores e da 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 5/14 observância do mérito que assiste a cada pretensão, não é fenômeno que se possa rotular como raridade. Sua frequência é uma das causas do insucesso da maioria dos concursos de credores. A realização das finalidades do processo de insolvência demanda que os ativos da empresa devedora sejam preservados e, se possível, valorizados. Não se trata de tutelar os ativos capazes de soerguer a empresa para desfrute de seu titular ou de seus administradores, mas da recuperação da unidade econômica e da manutenção de sua atividade produtiva, para satisfação dos credores e proveito da sociedade. Pode ser dito que a separação entre o destino da empresa e o de seus titulares apresenta-se, às vezes, como o caminho mais proveitoso no sentido de uma solução justa e eficaz para a conjuntura jurídico-econômica da insolvência. 1.3.6 Princípio da conservação da empresa viável A atividade empresarial afeta o mercado e a sociedade. O modo de produção econômica, no sistema capitalista, é determinante das demais instâncias sociais. Por isso, o interesse de agir nos processos regidos pela LRE reside na necessidade de um provimento judiciário para deslindar não só a crise econômico-financeira de um empresário, mas toda espécie de relações daí decorrentes e suas repercussões sociais. A preservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico de insolvência. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquela que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate. 1.4 Transição legal A vigência da LRE não acarreta a plena e imediata revogação da Lei de Falências e Concordatas (LFC). A transição de um sistema legal para outro envolve algumas situações que merecem tratamento peculiar, no sentido de se obter um perfeito enquadramento das conjunturas socioeconômicas no âmbito dos novos parâmetros normativos. As normas do Decreto-Lei nº 7.661/45 (LFC) continuam em vigor para aplicação aos processos de concordata preventiva, concordata suspensiva e falência, em curso no dia anterior ao do início da vigência da LRE. De tal arte que a empresa que, hoje, se defrontar com crise econômico-financeira, não poderá mais pleitear a concessão do favor legal da concordata preventiva. Contudo, o agente econômico que já se encontra em regime de concordata preventiva continua observando as regras da LFC, se não optar pelo ingresso no sistema da recuperação judicial, ou seja, se não possuir os requisitos necessários para tal. A existência de pedido de concordata anterior à LRE não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor, desde que este não tenha deixado de cumprir obrigação da concordata. Os créditos submetidos à concordata devem ser inscritos, por seu valor original, na recuperação judicial, abatidas as parcelas pagas pelo concordatário. Observe-se que essa alternativa não vale para as microempresas e empresas de pequeno porte, quanto ao plano especial de recuperação judicial. 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 6/14 Nos processos de falência em andamento, na data da vigência da LRE, não será possível a obtenção de concordata suspensiva, porque esta não existe mais, como alternativa legal à falência em curso. Na sistemática da LRE a recuperação judicial só é cabível como procedimento preventivo da falência. Aqueles devedores que, nos termos da legislação específica, estão proibidos de requerer concordata, também não podem postular nenhuma espécie de recuperação. A LRE é diploma subsidiário da Lei nº 6.024/74 referente à liquidação extrajudicial de instituições financeiras, da Lei nº 9.514/97, do Decreto-lei nº 73/66 e do Decreto-lei nº 2.321/87. Até que se publiquem as leis específicas previstas na LRE, para a disciplina desses casos. A LRE aplica-se, desdelogo, às falências decretadas em sua vigência, com base no artigo 162 (convolação de concordata preventiva em falência) da antiga LFC. Isso significa que, se o juiz decretar a falência do devedor que postulou a concordata, em face da ocorrência de impedimentos, da falta de condições para a concordata ou de inexatidão documental, a falência assim instaurada já será regida pela LRE e não pelas normas da LFC. Também assim no caso de concordata preventiva em curso com base na lei anterior, a convolação em falência por falta de pagamento de parcela da concordata (art. 175, § 8º, da LFC) coloca a empresa falida sob a égide da LRE. O CPC e o CPP são fontes subsidiárias da LRE, sempre que houver compatibilidade das normas daqueles estatutos instrumentais com a regulamentação processual contida na LRE. Devedor Empresário 2.1 Pessoa física e pessoa jurídica Só os devedores empresários (empresário unipessoal e sociedade empresária) estão subordinados ao regime jurídico da LRE (art. 1º). A legislação brasileira optou pelo sistema que reserva a falência e as recuperações para os agentes econômicos insertos no universo empresarial, deixando de lado os chamados agentes econômicos civis, destinatários da normação processual civil geral e, bem assim, algumas entidades econômicas de fins públicos. Quais são os empresários que podem obter recuperação empresarial e que estão sujeitos à falência? Para os fins da LRE, identifica-se como empresário tanto a pessoa física que, em seu próprio nome, exercita profissionalmente atividade negocial com intuito de lucro, como a pessoa jurídica nas mesmas condições. Ou seja, tanto o empresário unipessoal como a sociedade empresária são destinatários legais dos mecanismos judiciais de recuperação e falência. Sócios de responsabilidade ilimitada 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 7/14 Quando a LRE se refere ao “devedor”, alcança também os sócios ilimitadamente responsáveis que compõem as empresas em crise. Empresário individual Não é supérfluo aditar que o empresário individual, em caso de falência ou recuperação, responde com todo seu patrimônio particular, porque a firma individual não ostenta personalidade jurídica independente da de seu titular. Espólio O espólio também está sujeito à falência e à recuperação. A fim de assegurar aos credores a percepção dos haveres que mantinham em relação ao devedor falecido, a falência do espólio visa salvaguardar a memória do empresário falecido, pela solução dos seus débitos; e ensejar aos herdeiros do empresário o soerguimento da empresa do falecido. A LRE, ao contrário da LFC revogada, não condiciona o requerimento de falência do espólio à causa de pedir, ou seja, à impontualidade ou à execução frustrada. Seu silêncio leva a crer que os herdeiros, o cônjuge sobrevivente ou o inventariante podem requerer a falência do espólio, também com base nos atos ilegais enumerados em lei, até com o intuito de, eventualmente, tornar ineficazes atos revogáveis praticados pelo devedor. Quando a LRE utiliza a expressão qualquer herdeiro, obviamente quer dizer descendentes, ascendentes, colaterais e afins. E como pode ser qualquer herdeiro, individualmente considerado, não reclama a atitude conjunta dos herdeiros, como pressuposto para petição da falência nem da recuperação. Tenha-se em conta que a LRE estabelece prazo decadencial para que seja requerida a falência do espólio. Esse prazo é de um ano, a partir da morte do devedor. Decretada a falência do espólio, o processo de inventário ficará sobrestado, incumbindo ao inventariante a representação do espólio junto à massa falida. Empresário rural Consoante o art. 971 do CC, o empresário, cuja atividade rural constitua sua profissão principal, pode requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, caso em que ficará equiparado ao empresário sujeito a registro. Para todos os efeitos, diz o diploma civil. Assim também a sociedade cujo objeto é empresa rural. Ora, na medida em que assumem natureza empresarial, estão sujeitos ao regime de insolvência da LRE. A LRE não faz distinção entre grande e pequeno empresário rural. Referida solução parece não ser a mais justa porque há empresários que exploram propriedade rural apenas para fins de subsistência familiar. Certamente, a manutenção da economia doméstica não se iguala aos empreendimentos objetivados na LRE. Aliás, nesses casos, o patrimônio e a renda anual líquida ficam nos estreitos limites de isenção do Imposto de Renda. Sociedades simples O art. 982 do CC define como empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro. Simples são todas as demais. Estas se localizam fora do alcance da LRE. É que atividade própria de 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 8/14 empresário sujeito a registro é a organização econômica profissional para explorar a produção e/ou circulação de bens ou serviços. É a busca de lucro mediante o exercício da empresa. Atividades intelectuais e profissionais liberais As sociedades que se dedicam a atividades intelectuais (culturais, científicas, artísticas) e as sociedades civis de profissionais liberais estão fora do elenco da LRE, reconhecido seu caráter não econômico. Não se enquadram, posto que não exercem atividade econômica organizada com escopo lucrativo. Não são agências econômicas. Cooperativas As sociedades cooperativas ficam fora do elenco de insolventes afetados pelas recuperações ou pela falência. São entidades adstritas à regência da Lei nº 5.764/71 e do CC. Por definição legal (art. 982, parágrafo único, do CC), são sociedades simples de pessoas, cuja constituição destina-se à prestação de serviços aos associados. Entre suas características essenciais, destacam-se: a variabilidade ou dispensa do capital social; a limitação do valor da soma de quotas sociais que cada sócio poderá tomar; a intransferibilidade de quotas (mesmo que por herança); o quorum deliberativo fundado no número de sócios presentes às assembleias e não no capital social representado; singularidade de voto; retorno proporcional dos resultados sociais; e indivisibilidade do fundo de reserva. Sociedades em nome coletivo As sociedades empresárias em nome coletivo são aquelas formadas somente por pessoas físicas que respondem, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais. É a fala do art. 1.039 do CC. Como empresárias, estão sujeitas a falência e têm legitimidade ativa para postular recuperação. Nesse aspecto são idênticas a todas as outras sociedades empresárias. A decretação de quebra de uma sociedade em nome coletivo implica também a liquidação de seus sócios ilimitadamente responsáveis. Estes estão sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos que a falência produz em relação à sociedade, por força do art. 190 da LRE. Os sócios de responsabilidade ilimitada que se retiraram, voluntariamente, ou foram excluídos há menos de dois anos, respondem pelos encargos existentes na data em que sua saída foi arquivada na Junta Comercial, no caso de não terem sido solvidos até a data da decretação da falência. Sociedades limitadas Como as demais sociedades empresárias, as sociedades limitadas que têm por escopo a atividade econômica organizada, e as sociedades limitadas simples de fins econômicos, subordinam-se, quanto à insolvência, ao regramento da LRE. Personalista ou capitalista, a sociedade limitada simples ou empresária se sujeita ao regime de recuperação ou falência, quando insolvente. Como não tem sócios de responsabilidade ilimitada, a solução de sua insolvência não alcança, em regra, o cabedal daqueles. 2.2 Empresas excluídas 20/02/2019 UNIP- Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 9/14 Fora do regime de insolvência da LRE, está a sociedade de economia mista, ou seja, a pessoa jurídica de direito privado, criada mediante autorização legal, sob a forma de sociedade anônima, para a exploração de atividade econômica ou serviço de interesse coletivo, sob controle majoritário da Administração Pública direta ou indireta. Não está sujeita à recuperação judicial nem à falência. O art. 173, § 1º, inciso II, da CF destina-lhe o regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, mas não quanto ao regime de insolvência, reconhecidamente especial e específico. Da mesma forma, as empresas públicas não se sujeitam à recuperação judicial ou à falência, em caso de insolvência. Qualificadas com personalidade jurídica de direito privado, as empresas públicas são privadas, mas seu capital é integralmente público. A pessoa é particular; o capital é público. Segundo o art. 178 do Decreto-Lei nº 200/67, se a empresa pública acusar prejuízo continuado, poderá ser liquidada ou incorporada a outra entidade por ato do Poder Executivo. 2.3 Empresas sujeitas a regime especial A LRE (art. 2º, inciso II) exclui de sua incidência algumas empresas regidas por normação especial. As instituições financeiras são regidas pela Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974. Estão sujeitas a intervenção e eventual liquidação extrajudicial (trata-se de procedimento administrativo no qual o Estado assume os poderes de gestão e disposição da entidade financeira e a retira do mercado em face de sua inviabilidade ou inidoneidade). A liquidação extrajudicial é de interesse público. Por isso, pode ser decretada de ofício pelo Banco Central, a requerimento dos administradores da instituição financeira ou acolhendo os motivos justificadores da medida propostos pelo interventor. As sociedades anônimas de seguros (Decreto-lei nº 73/66 e Lei nº 10.190/01) submetem-se à liquidação compulsória. Configurada sua insolvência econômico- financeira, é cassada sua autorização e ingressam no regime liquidatório extrajudicial, sob a égide da superintendência de seguros privados. São efeitos imediatos da cassação da autorização: a suspensão das ações e execuções judiciais, o vencimento de todas as obrigações, a suspensão da incidência de juros, interrupção da prescrição extintiva e o cancelamento dos poderes administrativos da sociedade em liquidação. Se se verificar, na liquidação, que o ativo societário não é capaz de solver, no mínimo, metade dos débitos quirografários, o liquidante é o único legitimado para postular sua liquidação judicial. As sociedades de capitalização observam o disposto no Decreto-Lei nº 261/67. Também cumprem liquidação extrajudicial e, também, só o liquidante está apto a requerer sua falência. Nos termos da Lei nº 5.768/71, as empresas autorizadas à distribuição gratuita de prêmios (mediante sorteio), vale-brinde ou concurso, a título de propaganda, podem ser objeto de intervenção e liquidação extrajudicial, pelo Banco Central, nas mesmas condições previstas na legislação especial aplicável às entidades 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 10/14 financeiras. Também aqui só pode ocorrer a liquidação judicial se formulado o pedido pelo liquidante. Igualmente sujeitas ao processo de liquidação extrajudicial, contemplado na Lei nº 6.024/74, estão as sociedades empresárias de leasing, as cooperativas de crédito, as sociedades de capitalização e as de previdência privada aberta. Entenda-se. Podem falir, mas a pedido do interventor ou do liquidante, mediante autorização do Banco Central ou da Susep (seguradoras e sociedades de capitalização). Em outras palavras, o credor não tem legitimação ativa para postulação da quebra. Nesse caso, estão fora da LRE. No caso das sociedades operadoras de planos de saúde, quando insolventes são liquidadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei nº 9.656/98). Não podem ser liquidadas judicialmente. As disposições da LRE também não alcançam as obrigações assumidas nas câmaras ou prestadoras de serviços de compensação e de liquidação financeira. Tais encargos serão ultimados e liquidados na forma estabelecida nos regulamentos daquelas câmaras ou prestadoras de serviços. O produto da realização das garantias prestadas pelo participante, assim como os títulos, valores mobiliários e quaisquer outros seus ativos, objeto de compensação ou liquidação, serão destinados à liquidação das obrigações assumidas naquele âmbito. Enquanto não aprovadas leis específicas, diz o art. 197, a LRE se aplica às instituições financeiras em crise econômico-financeira, mas em caráter subsidiário, e no que couber. 2.4 Empresário não personificado A distinção entre empresário regular e irregular não tem relevância em matéria de tratamento legal, quando se cuida do expediente regulador de sua falência. Contudo, deve ser considerada em matéria de recuperação. A falência incide tanto sobre o empresário ou sociedade empresária regular, como sobre o empresário de fato, mas a recuperação só alcança os que praticam a empresa conforme a lei. A recuperação é instituto decorrente de favor legal conferido pelo órgão judiciário aos que preenchem os requisitos postos no direito positivo. Como desfrute de outorga jurídico-legal, submete-se às respectivas condições de exercício. Depois, a falência é extintiva do empresário e da própria atividade empresarial, inexistindo razão para que não atinja as sociedades e empresários irregulares. Por seu turno, o escopo da recuperação é, precisamente, o oposto: mira a preservação da atividade empresarial viável e regular. Para fins falitários, a inscrição no registro do comércio não é, pois, requisito indispensável à qualificação do empresário. É que, em se tratando de falência, a omissão de tal registro não desfaz o atributo empresarial. Uma sociedade pode estar inscrita no Registro de Empresas e não praticar a empresa; nem por isso será empresária. Mas também pode exercer a empresa sem se registrar. No primeiro caso, a presunção de seu caráter empresarial, em virtude do registro, 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 11/14 não tem correspondência material; no segundo, é empresária irregular ou não personificada, porque atua como tal. A inscrição no Registro de Empresas serve, sobretudo, para conferir direitos. Sua inobservância não pode ser causa excludente de falência, que, como se sabe, não traduz prêmio nem privilégio. Assim fosse e o empresário irregular se beneficiaria de sua própria irregularidade. Bem ao contrário, o exercício irregular acarreta sanções e restrições agravantes do estado de liquidação. Na sociedade não personificada a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios é, em regra, subsidiária. Só não o é em relação àquele sócio que celebrou assunção da obrigação em nome da sociedade. Isto decorre do mandamento exposto no art. 990 do CC, excluindo do benefício de ordem aquele que contratou pela sociedade. Sintetizando, para fins de falência, tem-se que: •empresário ou sociedade empresária é quem exerce profissionalmente atividade econômica direcionada à produção ou circulação de bens ou serviços, com intuito de lucro; •basta a atividade negocial para a qualificação de agente econômico; •é irrelevante o registro da firma individual ou a inscrição do ato constitutivo societário no registro respectivo. 2.5 Sócios Em termos de responsabilidade patrimonial derivada da insolvência empresarial, algumas distinções são muito importantesno que pertine com o contingente subjetivo da empresa. A pessoa jurídica (sociedade simples ou sociedade empresária) tem seu próprio patrimônio, conjunto de bens e valores que responde diretamente pelas dívidas sociais, e que não se confunde com o patrimônio individual dos sócios. Sua capacidade negocial e titularidade patrimonial determinam sua autonomia. Todavia, os sócios sempre poderão ser pacientes de alguma espécie de repercussão patrimonial, da sentença de falência. Os efeitos desta sobre aqueles dependem da espécie societária considerada, segundo seu grau de responsabilização social subsidiária. Sócios de responsabilidade limitada Normalmente, no caso de sociedades limitadas, a máxima responsabilização dos sócios cifra-se no dever de integralização do capital social. Em caso de falência, se o capital social não estiver completo, quaisquer sócios poderão ser compelidos a fazê-lo, tendo em vista o estágio de responsabilidade solidária e ilimitada em que se encontram. Também podem ser chamados a repor os dividendos e valores recebidos, bem como as quantias retiradas, a qualquer título, mesmo autorizados pelo contrato social, uma vez positivado que tais distribuições de valores ocorreram com prejuízo do capital realizado. A questão mais relevante é a que envolve os administradores desses entes societários. Pode ocorrer a responsabilização pessoal dos administradores da 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 12/14 sociedade anônima ou da sociedade limitada, em virtude de atuação irregular. Desta são amostras significativas o abuso de mandato, o descumprimento da lei e a infração aos estatutos ou ao contrato social (conforme o caso). No caso da sociedade limitada, em princípio, os administradores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas referida regra é excepcionada quando a lei os torna responsáveis para com esta e para com terceiros, solidária e ilimitadamente, pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei. O princípio integrante do art. 50 do CC enseja ao juiz, mediante requerimento da parte, desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, permitindo que os efeitos de relações obrigacionais alcancem o patrimônio particular dos sócios. A LRE sujeita os administradores ou liquidantes da sociedade falida às mesmas obrigações que incumbem ao falido, embora não os declare falidos. Sua responsabilidade pessoal e, bem assim, a dos sócios da sociedade limitada falida, serão apuradas no próprio juízo falitário, independentemente da realização do ativo e da prova de sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o rito ordinário estatuído no CPC. A prescrição do direito de exercer a ação de responsabilização em pauta ocorre em dois anos, prazo que tem por termo a quo a sentença de encerramento da falência transitada em julgado. Sócios de responsabilidade ilimitada Diversa é a situação dos sócios solidários ou de responsabilidade subsidiária ilimitada que integram as sociedades em nome coletivo. Nas sociedades de responsabilidade mista (comandita simples e comandita por ações), alguns sócios (os comanditados e os acionistas diretores, respectivamente) também se encontram na mesma condição. A decisão que instaura a liquidação judicial da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, sujeitos que ficam aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade que integram. É a projeção, no regime de insolvência empresarial, da indistinção patrimonial a que estão expostos. Os sócios ilimitadamente e solidariamente responsáveis ficam sujeitos aos efeitos patrimoniais da sentença que abre o concurso liquidatório. Paira sobre todos aqueles sócios a responsabilidade subsidiária pelas obrigações da sociedade. Serão declarados falidos. Sempre que a LRE se refere à denominação “devedor” abrange, também, os sócios ilimitadamente responsáveis, diretores e administradores por lei considerados solidários. A repercussão residual da liquidação não apanha apenas o sócio solidário militante; alcança também o ex-sócio solidário no biênio posterior à retirada. O sócio solidário também fica sujeito à falência, desde que se tenha retirado há menos de dois anos da sociedade quanto às obrigações sociais existentes na data do arquivamento da alteração contratual no Registro de Empresas, se não foram solvidas até a decretação da falência. 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 13/14 2.6 Impedidos de exercer a empresa Mesmo em face de interdição legal, os impedidos de exercer a empresa em nome próprio podem, de fato, vir a empreender. Se exercerem profissionalmente a atividade econômica, em nome próprio, merecerão da lei o mesmo tratamento dispensado aos empresários irregulares. Praticam, pois, atos válidos e sujeitam-se à falência. Em face de crise econômico-financeira, os impedidos de empreender não poderão valer-se da recuperação judicial, favor legal deferido apenas aos agentes econômicos regulares. Os impedidos de exercer a empresa, se o fizerem, também não poderão obter recuperação extrajudicial. Essa medida, conquanto seja de natureza contra tual, pactuada fora da órbita judiciária, deve ser, posteriormente, homologada em juízo. Para a homologação, o devedor deve instruir o pedido com o documento probatório de registro na Junta Comercial (art. 51, inciso V, da LRE), o que o impedido não pode ter. 2.7 Microempresa e empresa de pequeno porte Obediente ao diapasão protectivo outorgado às microempresas e empresas de pequeno porte, a LRE (arts. 70/72) as excepciona quando cuida de sua recuperação, permitindo que optem pelo procedimento normal ou observem o regime especial que a LRE lhes proporciona. Podem adotar quaisquer meios de recuperação judicial. Contudo, poderão apresentar plano especial, que deverão propor na petição inicial, apresentando o plano propriamente dito até 60 dias da publicação da decisão que deferir a medida. Esse plano é condicionado. Só alcança credores quirografários, ressalvados os créditos oriundos de adiantamento de contrato de câmbio, de repasse de recursos oficiais, de credor proprietário-fiduciário, de arrendador mercantil ou de proprietário ou promitente vendedor de imóvel, cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade. Em que consiste o plano especial? Trata-se de parcelamento do passivo abrangido em até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros legais. A primeira parcela deve ser paga no prazo máximo de 180 dias, a partir da distribuição do pedido de recuperação judicial. No plano especial em tela, o devedor sofre a restrição de não poder aumentar despesas nem contratar empregados sem autorização judicial, ouvido o administrador judicial e, se for o caso, o Comitê de Credores. É certo que essa modalidade de recuperação judicial não acarreta a suspensão do lapso prescricional das ações e execuções por créditos nela não compreendidos. Embora o juiz esteja dispensado de ouvir a assembleia de credores para deferir o pedido, se houver objeção de credores titulares de mais da metade dos créditos sujeitos ao plano, o pedido deverá ser julgado improcedente. Em consequên cia, será decretada a falência do devedor (art. 72, parágrafo único, da LRE). 20/02/2019 UNIP - Universidade Paulista : DisciplinaOnline - Sistemas de conteúdo online para Alunos. https://online.unip.br/imprimir/imprimirconteudo 14/14 A LRE não diz, mas é intuitivo que o juiz pode, analisando a proposta do devedor e verificando sua eventual inconsistência ou desejando maiores esclarecimentos, determinar as medidasque julgar cabíveis para aquilatar da viabilidade do pedido. Afinal de contas, a recuperação deve ser consentida para microempresa viável. Também não está na LRE, mas é lógico que, se a proposta não tiver cumprimento conforme o prometido, o juiz pode operar a convolação da recuperação
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