Prévia do material em texto
! Skinner vai ao Cinema! Volume 2! ! ! ! www.walden4.com.br! ! ! ! ! ! Michela Rodrigues Ribeiro! Ana Karina Curado Rangel de-Farias! Organizadoras!!! 2014! Instituto Walden4!! !!!!!! ! ! !!! Capa: Rodolfo Nunes!! imagens e fotografias:! http://www.corbisimages.com! http://www.iconarchive.com! Cenas extraídas dos filmes discutidos ! Skinner vai ao cinema (Volume 2), 1a ed.!! Organizado por Michela Rodrigues Ribeiro e Ana Karina Curado Rangel de- Farias!! Brasília, Instituto Walden4, 2014! 262 p.! ISBN: 978-85-65721-04-2! 1. Psicologia ! 2. Behaviorismo ! 3. Análise do Comportamento! !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Aos nossos familiares, que nos amam, nos apoiam e valorizam nossas conquistas.!!!!!!! Aos nossos clientes e alunos, que nos inspiram, nos desafiam e são grandes fontes reforçadoras para nosso trabalho. Sobre os autores!! Alessandra de Cássia Araújo Fonseca Lledó! Especialista em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análi- se do Comportamento (IBAC). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! Alessandra Rocha de Albuquerque! Doutora em Ciências do Comportamento, pela Universidade de Brasília (UnB). Pro- fessora da Universidade Católica de Brasília (UCB). Áreas de atuação: Controle de Estímulos.!! Ana Karina C. R. de-Farias! Mestre em Processos Comportamentais, pela Universidade de Brasília (UnB). Psi- cóloga do Núcleo Regional de Atenção Domiciliar – Hospital Regional do Gama – Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal (SES-DF). Professora do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Áreas de atuação: Análise Com- portamental Clínica, Comportamento Social, Psicologia da Saúde.!! Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão ! Formação em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC). Graduada em Psicologia, pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! André Amaral Bravin ! Mestre em Ciências do Comportamento, pela Universidade de Brasília (UnB). Pro- fessor da Universidade Federal de Goiás (UFG) – Campus Jataí. Áreas de atuação: Farmacologia e Toxicologia Comportamental, Análise Comportamental Clínica.!! Carlos Augusto de Medeiros! Doutor em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e do Instituto Brasiliense de Análise do Compor- tamento (IBAC). Áreas de atuação: Comportamento Verbal, Análise Comportamental Clínica.!! Cláudio Herbert Nina e Silva! Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás. Professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Rio Verde (UniRV). Áreas de atuação: Psicopato- logia Comparada Psicanálise – Psicologia Analítica Junguiana, Etofarmacologia da Ansiedade e Cognição Animal.!!! �i Fábio Henrique Baia! Doutor em Ciências do Comportamento pela UnB. Professor Adjunto da Universida- de de Rio Verde (UniRV). Áreas de atuação: Análise Comportamental Clínica; Adic- ção e Análise Comportamental da Cultura e fenômenos sociais.!! Helen Carolina Ferreira Pereira! Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! Maria Verônica Studart Lins de Albuquerque! Especialista em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análi- se do Comportamento (IBAC). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! Michela Rodrigues Ribeiro! Doutora em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Professora do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Áreas de atuação: Comportamento de Escolha, Análise Comportamental Clínica.!! Raquel Maria de Melo! Doutora em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Professora do Depto. de Processos Psicológicos Básicos, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília (UnB). Área de atuação: Controle de Estímulos.!! Patrícia Serejo de Jesus! Mestre em Processos Comportamentais, pela Universidade de Brasília (UnB). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! Penélope Ximenes! Doutoranda em Educação, pela Universidade de Brasília (UnB). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! Sara Alves Martins! Especialista em Análise Comportamental Clínica, pelo Instituto Brasiliense de Análi- se do Comportamento (IBAC). Área de atuação: Análise Comportamental Clínica.!! Wanderson Barreto ! Especialista em Avaliação Psicológica pela Faculdade Arthur Thomas. Graduado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Áreas de atuação: Análise Comportamental, Avaliação Psicológica e Sexualidade Humana!! Yvanna Aires Gadelha-Sarmet! Mestre em Psicologia, pela Universidade de Brasília (UnB). Área de atuação: Análi- se Comportamental Clínica.!! �ii Sumário!! Sobre os autores .......................................................................................................... i Sumário ...................................................................................................................... iii Prefácio ...................................................................................................................... iv “Batman” e os três níveis de seleção: Filogenia, ontogenia e cultura ........................ Fábio Henrique Baia, André Amaral Bravin e Cláudio Herbert Nina e Silva 1 “Alfie, o sedutor”: A promiscuidade masculina no olhar comportamental ................ Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão e Carlos Augusto de Medeiros 38 “500 dias com ela”: Análise comportamental de relações afetivas ............................ Helen Carolina Ferreira Pereira e Carlos Augusto de Medeiros 64 Homossexualidade, coerção e homofobia em “Orações para Bobby” ....................... Wanderson Barreto e Michela Rodrigues Ribeiro 90 “Invictus”: Uma lição sobre análise de contingências ............................................... Raquel Maria de Melo e Alessandra Rocha de Albuquerque 111 “Meu pai, uma lição de vida”: Análise de contingências durante a velhice ............... Alessandra Rocha de Albuquerque e Raquel Maria de Melo 134 “A nova onda do imperador”: Aprendizagem de habilidades sociais e o estabelecimento de relações de amizade .................................................................... Yvanna Aires Gadelha-Sarmet, Patrícia Serejo de Jesus e Penélope Ximenes 157 “Instinto”: Descrição, previsão e controle do comportamento violento ..................... Maria Verônica Studart Lins de Albuquerque e Ana Karina C. R. de-Farias 186 Regras, coerção e eventos privados em “Sozinho contra todos” ................................ Sara Alves Martins e Ana Karina C. R. de-Farias 221 “28 dias”: Análise Contingencial do Ambiente de Internação para o Tratamento de Dependência Química ................................................................................................ Alessandra de Cássia Araújo Fonseca Lledó e Ana Karina C. R. de-Farias 240 �iii Prefácio!! ! B. F. Skinner – o proponente da Análise do Comportamento – sempre priori- zou a educação em seu trabalho. Para ele, não existiam alunos ruins, incapazes de aprender, mas sim contingências que não favoreciam a aprendizagem. Talvez, o aluno não tivesse aprendido porque o professor ainda não teria utilizado a melhor estratégia de ensino para aquele aluno específico. Isso, na verdade, tem sido um grande desafio para os professores. Vamos considerar nossa sociedade atual. Al- guns autores, como Juan Pozo – um teórico da aprendizagem da atualidade –, a de- finem como a “sociedade da informação”, na qual a disponibilidade de informações pode gerar um aumento da aprendizagem; por outro lado, entretanto, pode colocar os indivíduos em contato com informações supérfluas e superficiais, gerando uma condição na qual sabemos pouco demuitas coisas. Além disso, nessa “sociedade da informação”, o avanço tecnológico reforça a busca por respostas imediatas, por estimulação constante e por conclusões obtidas após pouca reflexão. ! ! Tendo em vista esse cenário, um professor que precisa ensinar conteúdos curriculares, às vezes pouco estimulantes e que terão conexão com outros conteú- dos apenas em médio ou longo prazo, pode se ver em dificuldades para ensinar. Daí, surgem algumas questões: como ensinar conteúdos acadêmicos que compe- tem com a diversidade de informações disponíveis atualmente? Quais são as me- lhores estratégias de ensino? O que o professor pode fazer para motivar o aluno? Uma alternativa interessante consiste em trabalhar conteúdos curriculares utilizando análises de filmes. Tal estratégia tem sido largamente utilizada para o ensino de Psicologia, mas em geral as discussões permanecem no nível do debate oral em sala de aula. Com a proposta de oferecer capítulos que discutam diferentes temas em Análise do Comportamento, de forma que o aluno possa não só refletir sobre o filme em si, mas também aprender a aplicar certos conceitos em situações análogas à realidade, além de poder consultar material escrito e esclarecer dúvidas sempre que necessário, organizamos, em 2007, o primeiro volume de “Skinner vai ao cine- ma”, livro com análises de filmes que abordavam temas diversos. Tendo em vista sua boa aceitação, optamos por sua republicação em edição revista e atualizada, e pela elaboração do presente volume, que apresenta análises de novos filmes. ! ! No primeiro capítulo, Fabio Baia, André Bravin e Cláudio Herbert Nina e Silva trazem uma discussão sobre os diferentes níveis de seleção do comportamento em uma sequência de filmes adorados pelos amantes dos super heróis – a trilogia do Batman. Em seguida, dois capítulos enfocam os comportamentos de sedução e as relações amorosas sob o ponto de vista comportamental, a partir da análise dos fil- mes “Alfie, o sedutor” (por Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão e Carlos Augusto de Medeiros) e “500 dias com ela” (por Helen Carolina Ferreira Pereira e Carlos Augus- to de Medeiros), indicando as contingências presentes na aprendizagem de padrões afetivos. No quarto capítulo, Wanderson Barreto e Michela Rodrigues Ribeiro tam- �iv bém abordam relações interpessoais, entretanto sob um enfoque familiar, em um contexto de conflito devido à homossexualidade de um filho. O filme “Orações para Bobby” apresenta a dificuldade de uma família em aceitar a homossexualidade, e suas atitudes homofóbicas são analisadas sob o ponto de vista dos diversos perso- nagens. ! ! Em seguida, com a análise do filme “Invictus”, conceitos sobre aprendizagem, análise funcional e agências de controle são abordados por Raquel Maria de Melo e Alessandra Rocha de Albuquerque. No sexto capítulo, as mesmas autoras trazem o ponto de vista da Análise do Comportamento a respeito do envelhecimento, adoe- cimento e das possibilidades de mudança de comportamento e aprendizagem, en- focando o personagem principal e suas relações familiares no filme “Meu pai: Uma lição de vida”. Já no sétimo capítulo, Yvanna A. Gadelha-Sarmet, Patrícia Serejo de Jesus e Penélope Ximenes apresentam, a partir da análise do desenho “A nova onda do imperador”, aspectos sobre o funcionamento da terapia analítico-compor- tamental infantil e do treinamento de habilidades sociais na infância. ! ! Os dois capítulos seguintes apresentam personagens cujo padrão comporta- mental mais característico é marcado por comportamentos violentos, realizando a análise das contingências que os levaram a desenvolverem tal padrão. No filme “Instinto”, Maria Verônica Studart L. de Albuquerque e Ana Karina C. R. de-Farias discutem a descrição, previsão e controle do comportamento agressivo, levando em consideração os três níveis de variação e seleção do comportamento. Em seguida, Sara Alves Martins e Ana Karina C. R. de-Farias apresentam os efeitos da coerção e de regras no mundo privado do personagem principal de “Sozinho contra todos”. ! Por fim, Alessandra de Cássia Fonseca A. Lledó e Ana Karina C. R. de-Farias, com a análise do filme “28 dias”, discutem o tratamento da dependência química em um contexto de internação, apontando como os conceitos básicos da Análise do Com- portamento podem auxiliar no entendimento e intervenção nesses casos.! ! Skinner tinha razão! Para ensinar bem, é preciso utilizar estratégias que al- cancem o interesse do aluno e motivem o professor. As sugestões aqui estão à dis- posição para aqueles que querem usar o recurso do cinema como estratégia de en- sino de conceitos e reflexões da Análise do Comportamento. Agora, é só pegar a pipoca e bons filmes a todos!!!! Michela R. Ribeiro! Ana Karina C. R. de-Farias! As Organizadoras!! ! �v “BATMAN” E OS TRÊS NÍVEIS DE SELEÇÃO: FILO- GENIA, ONTOGENIA E CULTURA!! Fábio Henrique Baia !1 Fesurv – Universidade de Rio Verde! Universidade de Brasília !! André Amaral Bravin! Universidade Federal de Goiás – Campus Jataí! Universidade de Brasília !! Cláudio Herbert Nina e Silva! Fesurv – Universidade de Rio Verde! Aos 6 anos, Bruce Wayne (Gus Lewis) presencia o assassinato seguido de roubo de seus pais. Anos após o traumático evento o jovem Bruce Wayne (Christian Bale) abandona seus estudos universitários e retorna à sua cidade natal, Gotham City, para acompanhar o julgamento que concederá liberdade condicional a Joe Jill (Richard Brake), o assassino de seus pais. Acompanhado por sua amiga de infância �1 E-mail: contato@fabiobaia.com.br 1 Título do Filme: Batman Begins! Título Original: Batman Begins! Ano: 2005! Diretor: Christopher Nolan! Produtor: Charles Rowen Emma e Thomas Larry Franco! Lançado por: Warner Bros. e par romântico Rachel Dawes (Kate Holmes), o jovem milionário presencia o as- sassinato do homem que tirou a vida de seus pais. Rachel acompanha a saída de Bruce do julgamento. Bruce revela a Rachel que planejou matar Jill. Sua amiga se revolta e leva Bruce ao centro da miséria de Gotham. Rachel diz a Bruce que os verdadeiros culpados pelo assassinato dos pais de Bruce são os mafiosos que pro- duzem “novos Jills” a cada dia. Bruce decide enfrentar o mafioso mais poderoso da cidade. Bruce se encontra com o mafioso Carmine Falcone (Tom Wilkinson), o man- dante da morte de Jill. Os dois discutem e Falcone mostra a Bruce como todo o sis- tema judiciário de Gotham é corrupto. Falcone diz a Bruce que ele nunca entenderá verdadeiramente um criminoso, por conseguinte, não será capaz de compreender o mundo do crime, pois é rico e famoso demais para poder compreender as razões de alguém se tornar criminoso. Após o encontro com Falcone, Bruce Wayne decide fugir de sua cidade deixando para trás a vida de milionário para compreender como um criminoso se comporta e quais são suas motivações. Anos depois, Bruce acorda em uma prisão na China após ter pesadelos com o dia em que caiu em uma caverna na propriedade de seus pais. Bruce briga na prisão e é levado para a solitária. Dentro da soli- tária está um homem que se apresenta como Henri Du- card que mais tarde descobriremos se tratar na verdade de Ra’s Al Ghul (Liam Neeson), líder da Liga das Som- bras, organização que planeja a destruição de Gotham City, cidade que representa o crime e a decadência da humanidade. Pela lógica de Ra’s, a morte de milhares de habitantes de Gotham faria com que as pessoas de todo o mundo reconsiderassem seu modo de vida e estabeleces- sem políticas contra a criminalidade. Sem saber dos planos de Ra’s, Bruce aceita o convite e é treinado. No teste final de treinamento Ra’s ordena a Bruce que execute um criminoso e o informa de seus planos para Gotham. Bruce se recusa a matar, di- zendo que o que o diferencia do criminoso é justamente o fato de não ser um assassino. Bruce luta contra os membrosda Liga das Sombras para salvar sua cidade natal e explode a base da organização. Sem saber que Ducard é na verdade Ra’s, Bruce o salva como gratidão por lhe treinar e o orientar em sua busca por vingança contra os criminosos.! De volta a Gotham, Bruce é informado por seu mordomo Alfred Pennyworth (Michael Caine) que, por ter sumido por 7 anos, foi declarado como morto, tendo a empresa de seus pais sido dirigida por William Earle (Rutger Hauer), que pretende tornar a empresa pública, vendendo as ações que pertenciam a Bruce. Bruce tam- bém descobre que Falcone domina a cidade e que sua amiga Rachel tenta fazer justiça – como auxiliar da promotoria de justiça – no caso que investiga o mafioso �2 Falcone. Bruce decide lutar contra o crime organizado da cidade e se alia a James Gordon (Gary Oldman), um sargento incorruptível da polícia local. Usando uma fan- tasia inspirada em um morcego e equipamentos tecnológicos avançados fornecidos por Lucius Fox (Morgan Freeman), Bruce se torna Batman, um justiceiro que forne- ce à policia e ao sistema judiciário condições para prender os criminosos de Gotham. Como Batman, Bruce intercepta um carregamento de drogas e consegue que Falcone seja preso. Na ação Batman descobre que apenas metade do carre- gamento seria utilizado em vendas, o restante seria enviado a alguém do Narrows, um bairro do subúrbio de Gotham onde está localizado o Asilo Arkham, manicômio onde estão presos os maiores criminosos da cidade. Em sua investigação Batman descobre o envolvimento do Dr. Jonathan Crane (Cillian Murphy), um criminoso que usa a alcunha de Espantalho e utiliza um gás que insufla o medo nas pessoas.! Batman e Espantalho lutam e, sob os efeitos de gases tóxicos, Batman é incendiado e precisa fugir recebendo ajuda de Alfred e Lucius, que preparam um antídoto para a droga.! Bruce desperta dos efeitos da droga três dias após o embate com o Espanta- lho. Já é aniversário de Bruce e, durante a festa de aniversário, Bruce descobre que Ra’s Al Ghul está vivo e que pretende destruir Gotham naquela noite. Bruce luta contra Ra’s, que vence a luta colocando fogo na mansão Wayne. Bruce consegue escapar e luta contra Ra’s que intoxicou todo o Narrows com a droga do medo do Espantalho. Batman vence a luta, e não salva Ra’s da morte, salvando a cidade de uma intoxicação generalizada que destruiria seus habitantes. Com o feito Batman é considerado herói pelos habitantes de Gotham. Nas ruínas da mansão, Bruce Way- �3 ne conversa com Rachel dizendo que a ama, porém sua amiga informa que Gotham precisa mais do Batman do que ela precisa de Bruce. Assim Rachel informa a Bruce que quando a cidade não mais precisar de uma inspiração como Batman para com- bater o crime ela será sua esposa. Na cena final, o sargento Gordon informa a Bat- man que um louco fantasiado de palhaço está matando pessoas e praticando rou- bos, deixando na cena do crime uma carta de baralho que representa o Coringa.! Os eventos desse filme ocorrem 2 anos após o primeiro. A cena de abertura é um assalto a banco no qual o único bandido sobrevivente é o Coringa (Heath Led- ger) que consegue fugir. Gordon (agora Tenente) e a detetive Ramirez (Monique Curnen) investigam o assalto. Batman chega ao cofre e pede a Gordon para apre- ender todo o dinheiro que está sendo lavado pela máfia em bancos da cidade. Gor- don diz que dependerá do promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart) para con- seguir o mandato. Os chefes da máfia, preocupados com o andamento dos fatos, fazem uma reunião com seu contador Lau (Chin Han). Lau, em fuga para China, in- forma aos mafiosos que tomou medidas preventivas para resguardar o dinheiro da máfia. A reunião é interrompida por Coringa que se oferece para matar Batman. A �4 Título do Filme: Batman - “O Cavaleiro das Trevas”! Título Original: Batman - The Dark Knight! Ano: 2008! Diretor: Christopher Nolan! Produtor: Charles Rowen Emma e Christopher Nolan! Lançado por: Warner Bros. operação de busca nos bancos é fracassada pelas precauções de Lau. Dent e Gor- don discutem, e cada um culpa os confederados do outro de estarem ligados à má- fia. Batman vai à China e consegue prender Lau, que colabora com a polícia e per- mite a prisão de todos os chefes da máfia. O Coringa ameaça a população caso Batman não releve sua identidade civil. Bruce realiza uma festa para arrecadar fun- dos para a campanha para eleger Dent como promotor público. Rachel (Maggie Gyl- lenhaal), que é assistente e na- morada de Harvey Dent, avisa a Bruce (pretendente a namo- rado de Rachel) que não pode mais esperar por ele. O Corin- ga invade a festa na tentativa de matar Dent. O Comissário Loeb (Colin McFarfalane) e a Juíza Surilo são mortos por atentados planejados pelo pa- lhaço do crime. O Coringa ameaça ainda matar o prefeito Anthony Garcia (Nestor Camp- bell) durante o enterro do co- missário Loeb. Na homenagem a Loeb, o Coringa realiza um atentado atirando contra o pre- feito. Gondon se coloca na fren- te do prefeito, recebe os tiros e morre. Dent tortura um dos comparsas do Coringa para obter informações sobre o que o Coringa planeja para sua noiva Rachel. Bat- man impede que Dent mate o criminoso e lhe diz que Dent é o cavaleiro branco de Gotham, o homem que pode inspirar os habitantes da cidade. Batman informa a Dent que irá se revelar para impedir mais mortes pelo Coringa. Dent realiza uma co- letiva de imprensa e declara ser Batman e é preso. Na transferência para prisão, o Coringa tenta matar Dent, é impedido por Batman e é preso por Gordon – que, ao contrário do que todos pensavam, ainda estava vivo. Na cadeia o Coringa é tortura- do por Batman, que deseja saber onde está Harvey Dent. Coringa informa que Dent e Rachel foram pegos por seus comparsas, estão em diferentes locais da cidade e que apenas um poderá ser salvo. Batman decide salvar Rachel, mas é levado ao local onde estava Dent e o salva, entretanto ele tem o rosto desfigurado por quei- maduras. Rachel morre, mas antes diz a Dent em um telefonema que aceita casar- se com ele. O Coringa foge da cadeia e leva Lau consigo. Em seguida, ele ameaça explodir um hospital se Coleman Reese (Joshua Hart), que diz saber quem é o Batman, não seja morto. Bruce salva Reese. O Coringa diz a Dent que não é culpa- do pela morte de Rachel, e que os verdadeiros culpados seriam os policiais corrup- �5 tos e o líder da máfia Salvatore Maroni (Eric Roberts). Dessa forma, convence Dent a se vingar da morte de Rachel. Dent aparece como o vilão Duas Caras e mata poli- ciais corruptos e o mafioso Maroni. A morte de suas vítimas é decidida por uma mo- eda jogada ao alto, no conhecido jogo cara ou coroa. Em outra de suas investidas, o Coringa explode o hospital e seqüestra um ônibus com 50 pacientes, ameaçando matar todos os habitantes de Gotham. Em duas balsas que estão no rio, uma com civis e outra com criminosos, foram colocadas bombas com um detonador, o Corin- ga informa que o detonador explode a barca oposta, e caso ninguém acione o deto- nador, ambas as barcas explodirão. Batman e Gordon localizam o Coringa. Batman luta contra o Coringa, ninguém detona os explosivos da barca oposta e o Coringa é preso. Nos escombros do prédio onde Rachel foi morta Dent ameaça a família de Gordon. Batman chega ao local, luta contra Dent, que acaba morto ao cair do pré- dio. Batman diz a Gordon que ele deve culpá-lo pela morte de Dent para evitar que a imagem de Dent seja associada a de um assassino. Dent é considerado um már- tir, recebe homenagens enquanto Batman é considerado um criminoso e é caçado pela polícia.! ! ! Personagens e Personalidade!! A análise da personalidade de personagens ficcionais tem sido empregada com bons resultados para aperfeiçoar o aprendizado de teorias da personalidade (Weiten, 2009). Uma das principais vantagens da utilização de personagens famo-sos da ficção seria a de tornar “o estudo das teorias da personalidade mais agradá- vel e interessante para o aluno” (Mueller, 1985, p. 75). No entanto, devido à redução da freqüência do hábito da leitura, o uso de personagens literários por professores de Psicologia foi sendo substituído por personagens da televisão e do cinema como ilustração de estudos de caso de teorias da personalidade (Polyson, 1983). Em um estudo sobre a preferência de alunos de graduação de Psicologia por recursos didá- ticos específicos, Carlson (2000) observou que a maioria dos participantes preferiu a discussão da personalidade de personagens de filmes de grande sucesso comercial em detrimento de outros recursos didáticos para o estudo de teorias da personali- dade.! Dessa forma, justifica-se o uso dos filmes “Batman Begins” e Batman: “O Ca- valeiro das Trevas” para apresentar a perspectiva da Análise do Comportamento acerca da personalidade. Ambos os filmes ilustram a noção analítico-comportamen- tal de que a personalidade é um conjunto de vários repertórios de comportamento adquiridos por uma pessoa ao longo de sua vida (Skinner, 1969/1980). Os filmes dispensam a referência a conflitos inconscientes e se concentram em mostrar como os resultados daquilo que as personagens fizeram ao longo de suas vidas tornaram- nas aquilo que elas são atualmente. ! �6 Mas o que significa “ser” alguém? “Ser” significa fazer, comportar-se (Skinner, 1989/1995). Então, “ser” o Batman ou o Coringa significa comportar-se de uma de- terminada forma em alguns contextos específicos e não em outros. Tornar-se o Batman ou o Coringa não depende do “desejo” ou da “vontade”, mas sim da exposi- ção do indivíduo à contingências ambientais peculiares.! Dessa maneira, conhecer a personalidade de uma pessoa significa saber o que ela faz e conhecer os contextos responsáveis pelas ações dela (Skinner, 1974/1993). Nesse sentido, pode-se entender a personalidade como sendo um con- junto de comportamentos que o indivíduo desenvolveu a partir de suas experiências de interação com o ambiente (Linton, 1945). Aquilo que se chamará de “Eu” dora- vante neste capítulo, portanto, resume-se “à pessoa, seu corpo e comportamentos em interações características com o meio, tomadas como objetos discriminativos de seu próprio comportamento verbal” (Keller & Schoenfeld, 1950/1974, p. 385).! Em “Batman Begins”, a noção de personalidade em termos de comportamen- tos e não de estruturas internas é ilustrada claramente na cena em que Bruce Way- ne se comporta frivolamente em um restaurante na presença de uma atônita Ra- chel. Na companhia de duas belas modelos, Wayne promove uma arruaça na fonte de um restaurante e, posteriormente, tenta se justificar a Rachel afirmando que ele não era apenas aquilo e que, por dentro, ele era muito mais. Rachel dá a ele uma resposta que sintetiza a proposta analítico-comportamental para o estudo da perso- nalidade que será discutida a seguir: “Bruce, não é o que você é por dentro que im- porta: é o que você faz que define você”.! Batman e Bruce Wayne: Múltiplos “Eus” Coexistindo na Mesma Pele! De acordo com a revisão de várias análises psicológicas sobre “O Cavaleiro das Trevas”, realizada por Lang (1990), a estória do Batman é apresentada como um exemplo de discussão sobre o “conflito inconsciente” entre personalidades opos- tas. O debate é se a “verdadeira” personalidade de Bruce Wayne seria o Batman ou não. Contudo, sob a ótica analítico-comportamental, essa tentativa de estabelecer uma distinção entre as personalidades aparentemente contrastantes de Bruce Way- ne e Batman perde a razão de existir. Afinal, muitos “eus”, entendidos como repertó- rios de comportamento distintos (Skinner, 1974/1993), passaram a coexistir na mesma pele de Bruce Wayne ao longo de sua história de vida.! A visão do senso comum considera a personalidade como algo que o indiví- duo possua e não como algo que ele faça (Skinner, 1989/1995). Em virtude dessa noção de “posse”, acredita-se que, se a pessoa tem uma personalidade “extroverti- da”, então ela deverá exibir comportamento extrovertido em todos os contextos. Por causa dessa noção equivocada de coerência transcontextual da personalidade, jul- ga-se que Bruce Wayne e Batman são personalidades “conflitantes” e, portanto, mu- tuamente excludentes (Lang, 1990).! �7 Contudo, partindo-se do pressuposto de que contingências distintas estabe- lecem pessoas distintas (Skinner, 1989/1995), pode-se afirmar que seria inadequa- da a busca de coerência de “personalidade”. Na realidade, Bruce Wayne e Batman são diferentes “eus” em um único corpo físico. Cada um desses “eus” foi construído e se expressará em contextos específicos. O filho traumatizado, o milionário incon- seqüente, o amigo leal, o inimigo brutal, o amante apaixonado, o justiceiro vingativo e o homem da lei são os múltiplos “eus” que se constituíram no complexo conjunto de repertórios de comportamento adquiridos por Bruce Wayne com o decorrer dos anos. ! É importante esclarecer que a noção de múltiplos “eus” é diferente do concei- to de “personalidade múltipla”. Os “eus” correspondem a repertórios de comporta- mento emitidos de acordo com as contingências em vigor destituídos de quaisquer rótulos de “normalidade” ou “patologia”. Por outro lado, o conceito de “personalidade múltipla” pressupõe uma hipotética “patologia”, o chamado Transtorno de Identidade Dissociativa, no transcurso do qual, após a ocorrência de um trauma psicológico, “personalidades-hóspedes” disputam o controle do comportamento do indivíduo com a “personalidade original” (Barlow & Durand, 2008). Portanto, a noção de “eus” diz �8 respeito às diversas interações de uma pessoa com contextos específicos, ao passo que a idéia de “personalidade múltipla” se reporta a estruturas internas fictícias em interação consigo mesmas. ! Com bastante precisão, o filme “Batman Begins” revela a aprendizagem dos diferentes repertórios de comportamento que, eventualmente, darão origem ao “eu” nomeado como Batman. O primeiro aspecto da vida de Bruce Wayne enfatizado pelo filme, ao contrário da visão defendida pela maioria das análises psicológicas sobre a personalidade do Batman, organizadas por Lang (1990), não foi o trauma do assassinato dos pais. Antes disso, o filme apresenta cenas que revelam que o com- portamento do menino Bruce Wayne foi colocado sob o controle de regras estabele- cidas por seu pai Thomas Wayne. ! Embora haja controvérsia sobre a definição de regra (Ribes-Iñesta, 2000; Schlinger & Blakely, 1987), o termo regra no presente trabalho está sendo utilizado com o significado de estímulo discriminativo verbal que especifica uma determinada contingência (Skinner, 1969/1980). Nesse sentido, as regras estabelecidas por Thomas Wayne delimitavam a amplitude dos comportamentos do jovem Bruce Wayne e, no futuro, do próprio Batman. Dentre as regras de Thomas Wayne, podem ser citadas: “Bruce, por que caímos? Para aprender a nos levantarmos”; “Devemos lutar pela justiça em Gotham”; “Todas as criaturas têm medo, especialmente as as- sustadoras”; e “Não tenha medo”. ! O comportamento governado por regras tem uma peculiaridade: ele está re- lacionado a duas contingências temporalmente distintas (Skinner, 1969/1980). A mais afastada no tempo aponta para a razão primordial de existência da regra. Já a mais próxima temporalmente reforça o próprio comportamento de seguir a regra. Dessa maneira, enquanto a contingência mais próxima incentiva o comportamento, a mais afastada fornece a justificativa para a ocorrência dele (Baum, 1994/1999). Por exemplo, no caso da regra “devemos lutar pela justiça em Gotham”, a justificati- va é a busca da justiça, enquanto o reforço cotidiano que a mantém se encontra na erradicação progressiva do crime em Gotham por meio da prisão dos delinqüentes.! Portanto, não é o evento traumáticodo homicídio dos pais que deve ser en- carado como sendo a condição ambiental exclusiva para o surgimento do “eu” Bat- man. Se parte significativa dos comportamentos do Batman foi modelada a partir da exposição direta a contingências durante e após o trauma do assassinato, tais como o período vivido entre os criminosos, a moral que caracteriza a ação do Batman pode ser entendida como comportamento governado por regras estabelecidas no contato com o médico humanitário Thomas Wayne antes do assassinato. Por outro lado, o “eu” Batman caracterizado pelo comportamento aguerrido, violento e militar- mente eficiente do Batman foi modelado pelas contingências estabelecidas por Ra’s Al Ghul durante o treinamento de ninjitsu na Liga das Sombras. Quando Ducard/ Ra’s pergunta a Bruce Wayne porque ele procurou a Liga das Sombras, ele respon- de que pretendia levar o medo àqueles que usavam o medo como arma contra os �9 inocentes. Ducard/ Ra’s replica que se Wayne desejasse usar o medo como arma, ele deveria primeiro aprender a lidar com o próprio medo. ! A partir daí, Ducard/Ra’s estabeleceu um ambiente para desenvolvimento do autoconhecimento. Esse também é um dos objetivos da psicoterapia, isto é, de de- senvolvimento de autoconhecimento para Wayne. A psicoterapia pode ser entendida como um contexto no qual contingências são estabelecidas com o intuito de aumen- tar a freqüência do comportamento de auto-observação (Skinner, 1989/1995). Du- card/Ra’s modelou esse comportamento de automonitoração e de autodescrição de Wayne paralelamente ao treino ninjitsu. Essa medida tomada por Ra’s foi extrema- mente importante para o estabelecimento do “eu” Batman, porque o eu somente pode ser conhecido através de auto-observação e de autoconhecimento modelados pela comunidade verbal na qual o indivíduo se insere (Skinner, 1989/1995). ! Todas essas variáveis na história de vida de Batman colaboraram para a construção de seu(s) “eu(s)”. Desse modo, observa-se que o filme “Batman Begins” ilustra de forma bastante clara a multideterminação do comportamento do Batman. De acordo com Skinner (1953), da mesma forma que uma causa única pode ter múltiplos e simultâneos efeitos sobre o comportamento de um organismo, um com- portamento específico pode ser o resultado de múltiplas causas.! O Coringa e a Tese do Dia Ruim! Até antes do desfecho surpreendente de “O Cavaleiro das Trevas”, o espec- tador é levado a crer que tudo aquilo que o Coringa fez no decorrer do filme foi ser um “agente do caos”, completamente anormal e inexplicável. Contudo, os compor- tamentos-problema do Coringa foram estabelecidos a partir dos mesmos princípios gerais de aprendizagem responsáveis pelo desenvolvimento dos chamados compor- tamentos normais (Lundin, 1969/1977).! Em “A Piada Mortal” (Moore & Bolland, 1988), história em quadrinhos que inspirou parte do roteiro de “O Cavaleiro das Trevas”, o Coringa afirma que não exis- �10 tem quaisquer diferenças tangíveis entre ele e qualquer outra pessoa, pois “só é preciso um dia ruim para reduzir o mais são dos homens a um lunático” (p. 45). Já no filme, vê-se o Coringa buscando demonstrar a sua tese do dia ruim. Para tanto, ele organizou contingências que visavam aumentar a frequência de comportamen- tos-problema desempenhados por Harvey Dent e, com isso, desacreditá-lo diante da sociedade de Gotham como promotor. ! Além disso, o Coringa tenta modelar o comportamento do Batman e levá-lo a se comportar do mesmo modo que o próprio Coringa. O objetivo primordial do Co- ringa em “O Cavaleiro das Trevas” não era matar o Batman (ele inclusive afirma a importância que Batman tem para sua existência, uma vez que isso lhe dá sentido à vida e que um depende do outro), mas sim provar a sua hipótese de qualquer pes- soa pode vir a ser como ele, basta ser exposto às condições necessárias para tanto. Quando se depara com o Batman, o Coringa diz a ele: “Para eles [o povo de Gotham], você é só um louco”. ! A visão niilista e o comportamento brutal do Coringa foram, provavelmente, efeitos colaterais de contingências aversivas, mas o filme não revela isso de manei- ra explícita como em A Piada Mortal. Nessa história, o Coringa é apresentado como um comediante fracassado, empobrecido e desempregado, cuja esposa grávida morre eletrocutada em um acidente doméstico (Moore & Bolland, 1988). No filme, apenas o fato de todas as várias versões para a origem do Coringa fazerem refe- rência a uma vida de dissabores, permite inferir um histórico de comportamentos de esquiva de humilhação pessoal.! O filme mostrou claramente como o “eu” cruel e impiedoso conhe- cido como o Duas Caras foi o resultado direto da exposição de Harvey Dent a eventos aversivos pelo Coringa ao longo do filme. Ao libertar criminosos de alta periculosidade do manicômio judiciário Asilo Arkham e iniciar uma brutal onda de terrorismo urbano, o Coringa estabeleceu contingências programadas para: (1) punir o comporta- mento de seguir a lei emitidos por Harvey Dent; e (2) reforçar negati- vamente o comportamento de transgressão da lei por parte dele. ! Por exemplo, o comportamento de Harvey Dent de seguir as normas legais de investigação criminal foi consequenciado pelo Corin- ga com o assassinato de uma juíza e do comissário de polícia de Gotham. Por outro lado, quando essa campanha terrorista se aproximou do auge, com a tentativa quase bem-sucedida de assassinato do prefeito de Gotham e do suposto baleamento do Tenente Gordon durante os funerais do chefe de polícia de Gotham, vários comportamentos de infringir a lei, emitidos por Harvey Dent, como torturar um preso sob custódia policial, passaram a ser reforçados nega- tivamente ao evitar, provisoriamente, a ocorrência de novos assassinatos. Por meio desse processo, o Coringa modelou o “eu” Duas Caras.! �11 Em virtude disso, o Duas Caras passou a se enquadrar na categoria das pes- soas que “desistem da sociedade” depois de passarem por eventos coercitivos ex- tremos (Sidman, 1989/2003). E depois da ocorrência de dois eventos cruciais resul- tantes da ação do Coringa, o assassinato de Rachel e a deformação irreversível por queimaduras do rosto de Dent, o “eu” Duas Caras passou a predominar em freqüência sobre o “eu” Harvey Dent, demonstrando que a tese do dia ruim do Co- ringa faz sentido.! É importante lembrar, entretanto, que as pessoas reagem aos eventos aver- sivos de formas distintas por causa de sua história de vida (Sidman, 1989/2003). O Batman, o Coringa e o Duas Caras perderam entes queridos, fontes inestimáveis de reforçamento positivo, de forma trágica. Todos passaram a usar o medo como arma, a topografia de seus comportamentos apresentava grande similaridade. No entanto, retomando a noção de multideterminação do comportamento, os “eus” predominan- tes no repertório de cada um desses personagens poderiam ser atribuídos uma sé- rie de fatores, tais como a idade na qual os eventos aversivos cruciais ocorreram, o suporte financeiro, social e afetivo de que dispuseram, as desfigurações físicas pe- las quais passaram e,, sobretudo, um fator que é bem ilustrado em ambos os filmes, as regras que controlaram os comportamentos de cada um dos três foram tão dís- pares a ponto de fazer com que um se tornasse herói e, os outros, vilões. As regras de Thomas Wayne contribuíram para o comportamento justiceiro do Batman, afas- tando-o da vingança e aproximando-o da justiça e de uma noção ética bem peculiar, como será discutido mais à frente neste capítulo.!! Sentimentos, Emoções e Análise do Comportamento em “Bat- man”!! O medo é tema recorrente em ambos os filmes. Batman e Ra’s Al Ghul rela- tam que imprimir medo nos inimigos é efetivo no controle dos comportamentos du- rante o combate. Já os mafiosos e o Coringa dizem que o medo é o melhor caminho para atingirem suas ambições. A sociedade ocidental atribui ao medouma função causal do comportamento. Para Rodrigo Pimentel, um comentarista de segurança da TV Globo, traficantes cariocas colocam fogo em automóveis para “causar” medo na população e, diante de tal sentimento os governantes atenuam o combate ao crime (Folha.com, 2010; Pimentel, 2010). Entretanto, Skinner (1989/1995) aponta que sentimentos e emoções não causam comportamentos. Sendo assim, resta questionar que papel as emoções e os sentimentos desempenham em relações comportamentais? Como definir emoções e sentimentos?! Os termos emoções e sentimentos têm sido utilizados de maneira indiscrimi- nada por analistas do comportamento. É possível distinguir entre os elementos defi- nidores de tais termos. Emoções podem ser descritas, grosso modo, como respos- tas reflexas, já sentimentos podem ser definidos genericamente como respostas �12 verbais a essas emoções. Assim, o medo pode ser descrito como emoção quando se destaca os estados fisiológicos como aceleração cardíaca, tremores e desconfor- to abdominal. Já medo como sentimento é a emissão da resposta verbal “estou com medo” que descreve todos os estados corpóreos anteriormente descritos. Ou seja, medo como sentimento é um comportamento operante controlado por eventos refle- xos antecedentes e por conseqüências liberadas por audiências treinadas (isto é, ouvintes).! O problema dessa definição é a criação de distinções nem sempre tão cla- ras. O tremor das mãos e a aceleração cardíaca são reflexos que compõem a emo- ção medo como a emoção paixão. Um jovem pode observar aceleração cardíaca e tremores na presença de seu pai que acaba de ser informado de um mal feito, nes- se contexto ele pode dizer que teve a emoção de medo. Por outro lado, esse mes- mo jovem em sua primeira experiência sexual pode ter as mesmas respostas (tre- �13 mor e aceleração cardíaca) eliciadas pela namorada nua e descrever tais sensa- ções como excitação ou paixão. Apesar das semelhanças das respostas fisiológicas o jovem provavelmente conseguiria descrever claramente os sentimentos que teve. Essa distinção é proveniente também da propensão a se engajar novamente em comportamentos relacionados aquelas sensações. Se a probabilidade de se engajar é baixa o jovem dirá ter sentido medo, por outro lado, se a probabilidade for alta dirá ter sentido paixão. Assim a definição de sentimentos e emoções revela interação entre eventos reflexos e operantes.! Se o uso dos termos emoção e sentimentos têm sido realizado de maneira indiscriminada o mais correto seria utilizar um termo que não destaca apenas com- ponentes reflexos ou operantes, mas sim interações entre esses eventos. Darwich e Tourinho (2005) propõem o uso do termo respostas emocionais, já que esse versa- ria sobre a interação sem dar excessivo destaque a elementos reflexos ou operan- tes. Reconhecer emoções e sentimentos como interações reflexos-operantes não significa atribuir qualquer papel causal na determinação do comportamento por es- ses eventos. Pelo contrário, essa definição permite considerar que um mesmo estí- mulo desempenha papel múltiplo na determinação de comportamentos. Por exem- plo, vídeos de agressão a crianças podem funcionar como estímulos condicionados para eliciação de reflexos, ao mesmo tempo funcionarem como operações estabe- lecedoras para emissão de comportamentos que tenham como consequências a remoção desses estímulos. ! Portanto, considerar emoções ou sentimentos como interações nos ajudam a prever comportamentos ao considerar os eventos ambientais que produzam essas interações, sendo possível compreender o papel desempenhado pelo ambiente na determinação de cada resposta em interação. A seguir será apresentado como es- tímulos participam da determinação de reflexos e comportamentos operantes com destaque a suas funções e os processos de aprendizagens envolvidos. Com isso, será possível compreender a “função” do medo na trama dos filmes aqui analisados. ! Sentimentos Determinados por Condicionamento Reflexo! Como dito anteriormente, respostas emocionais envolvem a compreensão de reflexos. Watson foi o primeiro behaviorista a se dedicar ao estudo das emoções dando destaque a interações reflexas. Para Watson as emoções são respostas cor- póreas eliciadas (isto é, produzidas) por estímulos antecedentes. Na tentativa de compreender os determinantes dessas respostas Watson conduziu experimentos baseados na noção do condicionamento reflexo (Gehm & Carvalho Neto, 2010; Kel- ler & Schoenfeld, 1950/1974).! O princípio do condicionamento respondente foi primeiramente relatado em um discurso proferido por Pavlov (1903/2005) sendo depois melhor exposto pelo próprio autor em outros trabalhos (por exemplo, Pavlov, 1927/2005; 1934/2005). Nesses trabalhos Pavlov descreveu o processo no qual um estímulo neutro (NS) – �14 incapaz de produzir respostas dada sua apresentação – tornava-se um estímulo condicionado (CS). Note que a definição dos estímulos ocorre dependendo de (1) a eliciação de uma resposta e (2) a necessidade de treino para aquisição da função eliciadora da resposta. Estímulos que não dependem de treino para eliciar respostas são chamados de estímulos incondicionados (US) – já que nenhuma condição é ne- cessária para que esse estímulo elicie respostas –, enquanto que estímulos que de- pendem de treino para eliciar respostas são chamados de estímulos condicionados (CS). Já a respostas são diferenciadas em função do estímulo eliciador, assim res- postas produzidas por US são classificadas como respostas incondicionadas (UR). Por outro lado, respostas produzidas por estímulos condicionados são chamadas de respostas condicionadas (CR) . !2 Pavlov (1934/2005) delineou um experimento para investigar o processo no qual um NS torna-se um CS em um contexto de estudo da salivação de um cão. Nesse estudo, inicialmente um som (NS) foi apresentado a um cão e não se obser- vou nenhuma resposta de salivação em função da apresentação do estímulo. Na segunda fase, uma carne foi apresentada ao animal (colocada em sua boca) e ob- servou-se que o cão salivava. Uma vez que a carne produziu uma resposta sem ne- cessidade de treino classificou-se a carne como estímulo incondicionado (US), já a resposta de salivação eliciada pela carne foi classificada como resposta incondicio- nada (UR). Na terceira fase carne (US) e som (NS) foram emparelhados (isto é, apresentados em conjunto), e foi observado que o cão continuava a salivar (UR). Na última fase apenas o som (CS) foi apresentado e observou-se que o cão salivava (CR) dada à apresentação exclusiva do som. Com este estudo demonstrou-se que o som tornou-se um estímulo condicionado em função do emparelhamento ao US. Nesse caso foram necessários alguns emparelhamentos para que o NS se tornasse CS.! Rescorla (1988) avançou os trabalhos de Pavlov ao demonstrar que o condi- cionamento reflexo não ocorre em função do emparelhamento de estímulos, mas sim por meio do estabelecimento de relações contingentes entre estímulos incondi- cionados e estímulos neutros. A principal diferença entre as propostas de Pavlov (emparelhamento) e Rescorla (contingências) tange sobre como estímulos neutros (NS) tornam-se estímulos condicionados (isto é, estímulos antes neutros, mas que após processo de aprendizagem tornam-se capazes de eliciar respostas específi- cas). Enquanto para Pavlov o condicionamento depende do pareamento, ou seja, apresentar o NS em conjunto com CS, para Rescorla a contingência é o elemento determinante.! �15 As siglas utilizadas são abreviações do inglês, como pode ser notado a seguir. Unconditioned sti2 - mulus (estímulo incondicionado) – US; Unconditioned Response (resposta incondicionada) – UR; Neutral Stimulus (estímulo neutro) – NS; Conditioned Stimulus (estímulo condicionado) – CS; Condi- tioned Response (resposta condicionada) – CR. Rescorla (1968) relataque contingência constitui as relações de probabilida- de de ocorrência do CS na presença do US, contrastada com a probabilidade de ocorrência do CS na ausência do US. Portanto, enquanto o pareamento prevê como determinante apenas a probabilidade do CS ocorrer junto ao US, na proposta de contingência deve-se considerar também a probabilidade da ocorrência do CS na ausência do US. Rescorla delineou um experimento que permitiu verificar a precisão das previsões da teoria do emparelhamento de Pavlov e sua teoria da contingência.! No Experimento 1 do trabalho de Rescor- la (1968), ratos foram treinados a pressionar uma barra, recebendo comida como reforço. Após a modelagem foi realizada uma fase na qual vigorou um esquema VI 2 min. Depois de observada estabilidade no responder, os sujeitos foram divididos em três grupos (N=8) sendo ex- postos à fase de condicionamento reflexo. O grupo R-1, recebeu choques (US) de maneira independente da apresentação de tom (CS), po- rém, a probabilidade de ocorrência de um tom ou de um choque foram a mesma durante a sessão. Assim, foi possível que tons e choques tivessem probabilidade de ocorrer tanto ao mesmo tempo quanto em momentos distintos, ou seja, a pro- babilidade de ocorrência em conjunto foi menor do que 1. O grupo G foi exposto à programação da relação choque-tom de modo que choques e tons sempre ocorressem em conjunto. Para tanto, foi utilizada a mesma programação do grupo R-1, porém, choques programados foram cancela- dos caso a previsão de apresentação não atendesse ao critério de ocorrer em con- junto ao tom. Assim, a probabilidade de ocorrência de choque e tom em conjunto foi de 1. Em função do cancelamento de choques, a quantidade de choques nesse grupo foi menor do que o grupo R-1. Para controlar esse problema, foi programado o grupo R-2, a programação foi similar ao grupo R-1, porém com a quantidade de choques recebidos pelos sujeitos do grupo G. Após a fase de condicionamento re- flexo foi realizada a fase de teste. Tal fase consistia na apresentação do tom (CS) utilizado na fase anterior durante o esquema de reforçamento VI 2 min. A medida utilizada para averiguar o efeito de condicionamento reflexo foi a taxa de supressão de respostas na fase de teste comparada a quantidade de pressão a barra na fase pré-condicionamento reflexo. Ou seja, a mudança na freqüência de respostas de- monstraria um efeito disruptivo do CS sobre o comportamento de pressionar a bar- ra.! É possível observar nos resultados que os grupos cuja probabilidade de ocor- rência tom-choque foi menor (grupos R-1 e R-2) apresentaram menor taxa de su- �16 pressão do que o grupo G cuja probabilidade de ocorrência de choque em conjunto ao tom foi de 1. Assim é possível afirmar que a probabilidade foi a determinante para o condicionamento reflexo e não o pareamento, já que nos grupos R-1 e R-2 também houve pareamentos, entretanto, o tom não adquiriu o mesmo valor informa- tivo (isto é, o poder de sinalizar a ocorrência do US) como no grupo G. ! A Flor Azul e a Droga de Dr. Crane (O Espantalho)! ! Antes de prosseguir com a análise comportamental do efeito da droga, urge tecer alguns comen- tários acerca de uma possível abordagem integrativa entre os co- nhecimentos analítico-comporta- mentais e os achados de áreas or- ganicistas. A abordagem biocom- portamental (Donahoe, Burgos & Palmer, 1993; Donahoe & Palmer, 1994) se baseia no referencial ana- lítico-comportamental, contudo, contempla os achados das neuro- ciências supondo que o conheci- mento por elas produzido pode be- neficiar a primeira ao prover “um modelo de conexões neurais capaz de conferir maior poder explicativo ao selecionismo skinneriano” (Ca- valcante, 1997, p. 263). ! ! A pedra angular a qual se apóia a abordagem biocomporta- mental é a aceitação de que “o comportamento complexo pode ser entendido como o produto cumulativo de processos de reforçamento relativamente simples” (Donahoe e cols., 1993, p. 18) e que “argumentar a favor de uma integra- ção da análise experimental do comportamento e da fisiologia de nenhum modo se sobrepõe à independência da análise do comportamento" (Donahoe e cols., 1993, p. 19).! Como é sabido, o objeto de estudo analítico-comportamental são as intera- ções organismo-ambiente (Skinner, 1953; Todorov, 2007). Na medida em que se está falando de comportamentos de organismos, suas condições biológicas são re- quisitos para processos comportamentais ou, como descrito por Starling (2000), são �17 plataforma biológica para os comportamentos. Estes aspectos são constitutivos do comportamento, seja ele público ou privado (Starling, 2000; Tourinho, Teixeira & Maciel, 2000).! Por assim ser, a abordagem biocomportamental supõe que o processo de se- leção por conseqüências também ocorre no nível orgânico, mais precisamente, no funcionamento do sistema nervoso central. Conforme descrito por Donahoe e Pal- mer (1994): !! (…) os efeitos seletivos dos ambientes ancestral e individual modificam essa biologia em termos de conexões entre neurônios. Algumas dessas mudanças são retidas; isto é, elas são aprendidas. Tais mudanças ocorridas nas conexões neurais perdu- ram no sistema nervoso e [então], ambientes subseqüentes exercem seus efeitos seletivos sobre um organismo modificado (p. 23).!! De fato os estudos de neuroimagem já têm demonstrado claramente que dife- rentes histórias de interação (além das farmacológicas) alteram o funcionamento neural e promovem plasticidade cerebral (Brody e cols., 1998; Paquette e cols., 2003; Straube, Glauer, Dilger, Mentzel & Miltner, 2006). As psicoterapias, como um exemplo de interação organismo-ambiente, promovem alterações na plataforma bio- lógica; dito de outra maneira, a interação do organismo com o ambiente deixa “mar- cas” no organismo (para o nosso propósito, no sistema nervoso central) e, como descrito por Donahoe e Palmer (1994), as contingências subseqüentes exercerão seus efeitos seletivos sobre um organismo modificado. Segundo Cavalcante (1997), a perspectiva biocomportamental esclarece que “uma vez que processos compor- tamentais e fisiológicos subjacentes à ação tenham sido selecionados, eles podem servir àquelas atividades mais sutis designadas como ‘pensar’, ‘lembrar’, ‘imaginar’, etc.” (p. 270). ! Para a análise do comportamento, ambiente é definido como eventos do uni- verso capazes de afetar o organismo, e parte desse universo são as condições aná- tomo-fisiológicas, o mundo sob a pele (Skinner, 1953). Para tanto, salienta-se que: (a) um conjunto de eventos ambientais (internos ou externos ao organismo) torna-se ambiente quando se faz diferenciado para ele a partir de suas interações com con- tingências de reforçamento, que lhe são externas; e (b) do ambiente, é dito que afe- ta o organismo como um todo, e não partes do mesmo (Tourinho e cols., 2000).! A discussão central é que para o comportamento tornar-se um operante dis- criminado, o processo de diferenciação do ambiente interno (fisiológico) é idêntico ao processo de diferenciação do ambiente externo (físico) do organismo (Tourinho e cols., 2000). Tal qual posto pelos autores: !! (…) universo interno e universo externo são condições para a ocorrência de proces- sos discriminativos de suas partes, mas não definem o fenômeno comportamental propriamente dito. Partes do universo tornam-se partes do ambiente de um organis- �18 mo quando passam a controlar diferencialmente suas respostas (antes disso, são parcelas do universo indiferenciadas para o organismo) (Tourinho e cols., 2000, p. 426).!! Parafraseando (Skinner, 1963/1969), sentimentos como a alucinação, medo ou pânico, por exemplo, enquanto fenômeno comportamental (isto é, enquanto rela- ção), não são identificados com nenhuma alteração fisiológica específica, embora tal alteração possa ser constitutivade uma relação à qual se denomina alucinação, medo ou pânico. Estímulos alucinatórios de medo ou pânico, não são a mesma coi- sa que a experiência de alucinação, medo ou pânico. Conforme sumariza Tourinho e cols. (2000): !! (…) no que diz respeito ao ‘ato de sentir’, ou ao sentimento enquanto relação com- portamental, pode-se estar falando de respostas discriminativas de condições públi- cas ou privadas; pode-se sentir a aspereza de uma pedra (estímulo/propriedade de um evento público), ou a contração de um músculo (estímulo/propriedade de um evento privado). É freqüente a confusão entre ‘ato de sentir’ e ‘coisa sentida’, quan- do o sentimento envolve a discriminação de estímulos privados. Neste caso, a coisa sentida é uma condição corporal, produto colateral da história ambiental do indivíduo (Skinner, 1985 ) e sua especificação pertence ao campo da anatomia e da fisiologia 3 (Skinner, 1974 ). A uma ciência do comportamento cumpre explicar os processos 4 através dos quais respostas discriminativas de condições corporais tornam-se pos- síveis (p. 427).!! Na trama, Dr. Jonathan Crane (o Espantalho) utiliza um gás que desencadeia o medo/pânico e alucinações em suas vítimas. Esta estratégia beligerante garante o sucesso do criminoso que, com seus alvos nestas condições, têm maior chance de êxito para realizar roubos e/ou assassina- tos. Tal é o potencial bélico da substância que Ra’s Al Ghul, para colocar em prática o plano de destruir Gotham, contamina a água da cidade com a droga a fim de estabelecer uma intoxica- ção generalizada.! ! Presume-se que por sua �19 Skinner, B. F. (1985). Cognitive Science and Behaviorism. British Journal of Psychology, 76, 3 291-301. Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.4 formação em medicina com expertise em psiquiatria e especialização em psicofar- macologia, Dr. Crane conheça a neurobiologia do medo, pânico e alucinação, isto é, a plataforma biológica que dá sustentação a estes comportamentos. Ele utiliza isso a seu favor. Enquanto estímulo eliciador, a droga é uma substância ativa no orga- nismo humano, capaz de interagir com a plataforma biológica e eliciar responden- tes. A depender das condições de treino para um operante discriminado (inclusive frente a esta alteração fisiológica), os comportamentos da pessoa podem ser descri- tos pela comunidade verbal, e pela pessoa em questão, como “medo” ou “pânico” (Darwich & Tourinho, 2005; Tourinho e cols., 2000), exercer a função de es- tímulos, e controlar outras respostas do organismo. Adicionado a isso as pessoas contaminadas apresentam alucinações e delírios, isto é, veem coisas na ausência da coisa vista, e sentem-se perseguidas ou ameaçadas pelas alucinações ou pelos outros elementos realmente presentes no ambiente (Skinner, 1974/1993).! ! Neste ponto de vista, trata-se de uma interação respondente-operante. Con- forme explicado por Darwich e Tourinho (2005), !! (…) respostas emocionais são apresentadas como fenômenos complexos que en- volvem tanto a eliciação de condições corporais específicas quanto a emissão de operantes. Assim, a definição ou nomeação de uma resposta emocional advém da discriminação verbal das condições corporais presentes no momento e da relação de contingência entre a presença de tais estímulos (públicos e privados) e a emissão de operantes anteriormente selecionados (...). Considera-se, pois, que alterações que caracterizam respostas emocionais possuem também uma relação com a histó- ria de reforçamento que permite a um indivíduo responder verbalmente ou não ver- balmente sob controle discriminativo de alterações em suas condições corporais. (p. 112).!! Tal como ocorre de o alimento ser um estímulo incondicionado (US) para a resposta fisiológica de salivar, uma droga pode ser um US para respondentes os quais compõem comportamentos que a comunidade verbal ensina-nos a chamar de medo/pânico, alucinações e delírios (cabe lembrar que outros estímulos, exterocep- tivos, por exemplo, também fazem parte destas relações). A neurobiologia tem apontado uma imbricada arquitetura neural relacionada às respostas típicas de medo/pânico, que foram filogeneticamente selecionadas em nossa espécie (Andrea- tini e cols., 2001; Blanchard e cols., 2001; Graeff, 2003, 2007; Graeff & Brandão, 1999; Mezzasalma e cols., 2004; Shuhama, Del-Ben, Loureiro & Graeff, 2007). Ao mesmo tempo a disciplina tem discorrido sobre o funcionamento de estruturas rela- cionadas a comportamentos ditos delirantes ou de alucinação (Graeff & Brandão, 1999) e algumas destas estruturas são plataforma biológica para ambas as classes de respostas. O pressuposto de Donahoe e seu grupo (1993, 1994) é que as intera- ções organismo-ambiente no que tange ao aprendizado de contingências aversivas, �20 dentre outras, selecionarão circuitos neurais relativos à plataforma biológica supraci- tada.! Assim, a droga do espantalho pode eliciar respondentes que, em composição com as estimulações exteroceptivas, são descritos pela comunidade verbal como sendo típicos de medo/pânico. E ao mesmo tempo esses eventos podem exercer a função de estímulos e predispor a ocorrência de alucinações e delírios, ou ainda ou- tros comportamentos, tal como nos diagnósticos de psicoses tóxicas. Em termos comportamentais, como sumarizado por Darwich e Tourinho (2005):!! (…) alterações nas condições corporais podem adquirir função de estímulo discrimi- nativo, como quando sinalizam a ocasião para uma nomeação apropriada do que está sendo sentido e quando sinalizam que se está diante de uma alta (ou baixa) probabilidade de emitir resposta que será reforçada [...]. Estímulos discriminativos não causam operantes. Independentemente de quais conseqüências a discrimina- ção de alterações em condições corporais sinalize, a emissão de operantes depende das conseqüências passadas de respostas da mesma classe em situações seme- lhantes (p. 117).! ! Portanto, embora a droga possa predispor a ocorrência de comportamentos ditos de pânico e alucinações, a maneira de expressar o pânico e o conteúdo das alucinações e delírios, dependerá da ontogênese, isto é, da história de vida de cada organismo. Tomemos o próprio Batman como exemplo. Enquanto criança Bruce �21 caiu no poço e a estimulação dolorosa (US) fora emparelhada com os morcegos (estímulos neutros – NS) que de lá saíram. A aprendizagem ocorrera e uma genera- lização respondente se deu quando este estava no teatro e viu atores vestidos tal qual morcegos (estímulos condicionados – CS), simulando seu vôo. Ao sair do tea- tro sob efeito dos respondentes condicionados, Bruce é exposto a uma nova situa- ção aversiva: a morte de seus pais. Este evento sugere um novo emparelhamento (condicionamento de ordem superior), o qual fortalece a função eliciadora do CS em questão – figura de morcego.! As interações de Bruce certamente alteraram o comportamento do organismo como um todo, e no recorte de Donahoe e seu grupo (1993, 1994), alteraram o fun- cionamento da plataforma biológica relativa à aprendizagem de “medo” e “pânico”. A primeira exposição de Bruce à droga, enquanto estava sendo treinado por Ra’s Al Ghul, foi seguida de alucinações e delírios de seu objeto fóbico: morcegos. Após es- tes eventos, Bruce volta a Gotham e decide tornar-se Batman. Neste meio tempo o filme demonstra interações que poderiam ser “confundidas” com técnicas compor- tamentais como a inundação/implosão (por exemplo, ao entrar na caverna e por lá permanecer mesmo tendo morcegos voando a seu redor, ao mesmo tempo em que novos emparelhamentos não ocorreram) e o contracondicionamento (por exemplo quando o já herói Batman executa seus feitos e deixa sua marca, a silhueta de um morcego). Em resumo, neste período um novo tipo de interação entre Bruce e seu objeto fóbico ocorrem. A segunda vez que ele é contaminadocom a droga, desta vez uma dose maior administrada pelo Espantalho, ele volta a ter alterações percep- tuais. Contudo neste momento não ocorre a manifestação de alucinações e delírios com seu objeto fóbico, haja vista que neste ínterim ocorrera uma nova história de interação com este objeto, o que alterou a plataforma biológica e a maneira deste expressar seus comportamentos de “medo”, “pânico” e “alucinações”. Embora não tenham ocorrido alucinações com o objeto fóbico, propriamente dizendo, Batman experienciou uma “deformação” da realidade, mais próximo de um efeito descrito pela literatura psiquiátrica como psicodelia.! Em suma, estas evidências demonstram que a ontogênese altera o substrato neural que dá suporte à manifestação dos comportamentos (condicionamentos aversivos, no presente caso), e que a estimulação deste substrato afeta o compor- tamento dos organismos em função de suas histórias de interação (os conteúdos de uma alucinação provavelmente serão aqueles relativos às histórias de aprendiza- gem aversiva). Novas interações com as contingências de reforçamento (inundação/ implosão, contracondicionamento, no caso do Batman) alteram novamente a plata- forma biológica, e a estimulação deste substrato afetará o comportamento do orga- nismo de maneira diferencial ao que ocorrera da primeira vez. ! Outro exemplo é quando Rachel vê a máscara do Espantalho e, sob efeito da substância, vê uma série de vermes saindo, sobretudo, dos orifícios da máscara. Provavelmente Rachel possui em sua história de aprendizagem, alguma aversão a �22 insetos. Daí, a estimulação predispõe a ocorrência de delírios e alucinações relati- vos a insetos, e não a flores ou morcegos, por exemplo.! Em resumo, contingências de reforçamento (Skinner, 1953) e contingências de emparelhamento de estímulos (Rescorla, 1968) selecionam tanto comportamen- tos públicos como respostas encobertas. Segundo Darwich e Tourinho (2005), o modelo selecionista skinneriano “viabiliza a compreensão de alteração de respostas emocionais a partir da manipulação de contingências operantes” (p. 117). Estas res- postas emocionais são acompanhadas de um substrato orgânico, o qual também sofre efeito das contingências seletivas (Donahoe e cols., 1993; Donahoe & Palmer, 1994). Alterações na história de vida do organismo afetam o funcionamento do substrato orgânico e, em contrapartida, sua estimulação não mais predisporá os comportamentos como acontecera outrora. Conforme o aforismo de Heráclito de Éfeso já apontara, ninguém se banha no rio duas vezes porque tudo muda no rio e em quem se banha (Souza & Kuhnen, 1999). Se as contingências seletivas forem distintas (isto é, se o rio for diferente), as alterações do organismo, como um todo, ocorrerão (isto é, o homem que se banha não será o mesmo).!! “Batman”: Ética, Moral e Justiça! Uma Breve Introdução à Teoria Moral de Skinner! A ética é assunto inevitável em qualquer discussão sobre os comportamentos de Batman. Há trabalhos na filosofia que versam exclusivamente sobre esse ponto (por exemplo, DiGiovanna, 2008; Kershnar, 2008; White, 2008). Para responder a questão na ótica behaviorista radical é preciso primeiramente compreender concei- tos mais básicos tais como comportamento operante, comportamento social, bens pessoais e bens dos outros. ! O comportamento operante é aquele cujas respostas produzem conseqüên- cias que alteram a probabilidade de respostas parecidas voltarem a ocorrer. Tais consequências podem ser reforçadoras – quando aumentam ou mantém a probabi- lidade – ou punitivas – quando diminuem a probabilidade de o comportamento ocor- rer novamente (Skinner, 1953). Na prisão na China Bruce luta contra outros presos, o comportamento de brigar é mantido por eventos reforçadores como criminosos machucados gritando de dor. Muitos dos reforçadores que controlam o comporta- mento operante são liberados por outros membros de mesma espécie (Guerin, 1994). Classifica-se essa situação como comportamento social, isto é quando res- postas de um organismo não produzem diretamente conseqüências, estas são me5 - diadas por comportamentos (isto é, ocasiões, respostas e conseqüências) emitidos por outro organismo. Portanto, a noção de comportamento social exige a relação �23 O termo diretamente é utilizado em comparação com respostas emitidas em ambiente mecânico – 5 termo utilizado por Skinner (1953, p. 299) – no qual as conseqüências são produzidas sem a neces- sidade do envolvimento de outro organismo. entre eventos ambientais e eventos comportamentais na qual outro organismo (que não o emissor da resposta) seja necessário para produção de conseqüências (An- dery, Micheletto & Sério, 2005).! Um organismo pode então emitir respostas que produzem consequências que aumentam a probabilidade de seu comportamento voltar a ocorrer, ou liberar reforços para comportamentos de outros organismos. Por exemplo, Jill ao matar o Sr. e a Sra. Wayne produziu como conseqüência para seu comportamento os per- tences das vítimas como dinheiro e jóias. Dittrich e Abib (2004) relatam que o com- portamento ético é definido do ponto de vista analítico-comportamental como a inte- ração entre os três tipos de bens (i.e., bem pessoal, bem dos outros e bem cultural). Quando a conseqüência produzida é um reforçador positivo para o comportamento de quem emite a resposta, considera-se esse evento reforçador como bem pessoal (Dittrich, 2003). Por outro lado, bens dos outros, define situações nas quais a res- posta emitida por um organismo produz consequências reforçadoras positivas para o comportamento de outro organismo ou quando um organismo produz reforçadores negativos para outrem (Dittrich & Abib, 2004). Batman ao prender o mafioso Falcone produziu consequências reforça- doras positivas para o comporta- mento de investigar de Gordon. O detetive tentava sem sucesso prender o mafioso utilizando mé- todos legais, isto é, sem apelar para corrupção ou qualquer outro tipo de procedimento não aceito pelas leis. Batman captura o ma- fioso Falcone e entrega a Gor- don, reforçando positivamente o comportamento do detetive de se manter na lei e buscar a ordem na cidade. Essa situação caracteriza a produção de bem dos ou- tros. Porém, como alerta Abib (2001) mesmo quando um organismo produz bens dos outros, o seu comportamento é de alguma maneira reforçado, afinal trata-se de um comportamento operante. A condenação de Falcone à cadeia foi o evento refor- çador que manteve o comportamento de prender criminosos de Batman. Portanto, mesmo ao produzir bem dos outros o organismo de certa forma produz bem pesso- al. ! Há ainda um terceiro tipo de bem, o bem das culturas. Cultura pode ser defi- nida, grosso modo, como a manutenção do ambiente social. Para Skinner (1971/1977), o bem cultural é definido como conseqüências de práticas culturais que aumentam a sobrevivência da cultura, isto é, são consequências que produzem o aumento da probabilidade de manutenção desse ambiente social (Dittrich & Abib, 2004). O uso sustentável – isto é, o consumo de modo a permitir a renovação dos recursos – dos recursos naturais é um exemplo de bem cultural, isso porque novas �24 gerações poderão usufruir desses recursos. Por outro lado, o uso excessivo conduz culturas a desaparecerem, uma vez que, sem recursos seus membros morrem ou abandonam aquele ambiente social. Foi o que ocorreu, segundo Diamond (2005), aos habitantes da ilha de Páscoa . Para transportar e erguer suas famosas estátuas 6 gigantes, os membros daquela cultura precisavam cortar árvores. O desmatamento das árvores levou o ecossistema local ao colapso, sem árvores o pasto e os vege- tais não se protegiam do sol, e sem pasto, os animais (fonte de proteína) morreram. Sem vegetais, a alimentação tornou-se inviável, por fim toda a sociedade pereceu. ! Diferentemente do que ocorrecom o bem dos outros, o bem da cultura não produz consequências reforçadoras para quem o produz, uma vez, que por defini- ção a conseqüência produzida é a manutenção da prática cultural. Além disso, as conseqüências produzidas como bem da cultura ocorrem em longo prazo e, muitas vezes, o atraso da conseqüência é maior que o tempo de vida do organismo que emite o comportamento responsável pelo bem da cultura. Assim, o comportamento de produzir bem para a cultura encontra grande obstáculo, afinal como já frisado, produzir bens é um comportamento operante, portanto, dependente de suas con- sequências. Para Skinner (1971/1977), cabe a cultura ensinar seus membros a se comportarem de modo a produzir bens para cultura, pois caso contrário, a cultura perecerá.! Para Horta (2004), um indivíduo só irá se engajar em práticas culturais que produzam o bem da cultura, se o ambiente social criar situações nas quais o bem dos outros e o bem da cultura estejam relacionados a bens pessoais. Alguns cami- nhos podem ser seguidos para que a cultura ensine seus membros a emitir compor- tamentos que produzam bens para a cultura, por exemplo, por treinos de autocon- trole, seguimento de regras e agências de controle que criem ambientes que contro- lem o comportamento do organismo. ! O autocontrole é caracterizado por uma situação quando uma resposta cha- mada de resposta controladora produz mudanças ambientais determinantes de comportamentos subseqüentes (Skinner, 1953; Todorov & Hanna, 2005). Os estu- dos sobre autocontrole têm demonstrado como os comportamentos tendem a ficar mais sob controle de consequências imediatas do que de consequências atrasadas, isto é, quando a passagem de tempo entre o fim da resposta e o início da con- sequência é maior em relação a outras opções, o indivíduo tende a preferir a opção cuja relação entre resposta e conseqüência apresente menor distância temporal (por exemplo, Chung & Hernstein, 1967). A suscetibilidade a reforços imediatos se �25 A ilha de Páscoa foi habitada por volta de 1.200 d.C. a 1.500 d.C. pelo povo Rapanui que construía 6 estátuas de pedra com cerca de 5 toneladas. Essas gigantescas estátuas são chamadas de Moai, que segundo se acredita, representavam os primeiros habitantes da ilha mortos durante a coloniza- ção do arquipélago. As estátuas sempre ficavam de costas para o mar (possivelmente para enfatizar a colonização das ilhas). Para transportar os Moais do interior da ilha até a costa foi necessária a derrubada de árvores para o transporte. Acredita-se que grandes toras foram usadas como roldanas para o transporte dos Moais. explica nas palavras de Abib (2001) por que “na história filogenética as conseqüên- cias imediatas do comportamento tiveram maior valor de sobrevivência do que con- seqüências atrasadas ou proteladas” (p. 109). É tarefa dos membros da cultura criar contingências sociais que promovam o controle do comportamento por consequên- cias mais atrasadas. O treino de autocontrole envolve fazer com que o organismo entre em contato com reforçadores atrasados que possuem maior magnitude – mai- or quantidade – ou de diferentes qualidades – tipos diferentes de reforços, como doce versus salgado – para que esses reforços (ainda que atrasados) possam exer- cer controle sobre o responder. É por meio de treinos como esse que indivíduos passaram a ter seus comportamentos controlados não apenas por bens pessoais, mas também por bens dos outros ou bens da cultura (Dittrich, 2003). ! Nos dois filmes Bruce precisa fazer uma escolha: abandonar o capuz de Batman que produzirá um bem pessoal – casamento com Rachel – ou permanecer como Batman e produzir o bem dos outros e o bem cultural – diminuição da crimina- lidade. Nesse sentido, Batman emite comportamentos que podem ser classificados como autocontrolados. Mas qual seria a resposta controladora (isto é, a resposta que modifica o ambiente de modo a controlar comportamentos subseqüentes)? Fica claro nos episódios que Bruce não procura por Rachel, não se observa ligações, convites ou tentativas de se aproximar de sua amada. A única vez que Bruce procu- �26 ra por Rachel é ao retornar a Gotham, após 7 anos desaparecido, e mesmo assim, ele se disfarça e apenas a observa de longe. Após assumir o manto de Batman, não se observa mais esse comportamento. Evitar contatos com Rachel faz com que não sejam eliciados respondentes em Bruce, que como será discutido depois, podem funcionar como ocasião para abandonar o capuz. Ou seja, ao não procurar por Ra- chel, Bruce se esquiva da produção de respondentes, o que por seu turno diminui a probabilidade de escolher a situação que produz exclusivamente o bem pessoal. O treino de autocontrole fará com que o organismo se torne mais sensível a reforços a longo prazo, aumentando assim a chance de que o bem dos outros e o bem da cul- tura controlem o comportamento do membro da sociedade. ! Outra maneira de fazer com que membros emitam comportamentos que pro- duzam o bem da cultura – vale lembrar que este é um tipo específico de bem dos outros, porém produzido pelo comportamento de vários organismos – é por meio do seguimento de regras. Como apresentado no início desse capítulo, regras são estí- mulos discriminativos verbais que descrevem uma contingência (Skinner, 1974/1993). Ou seja, não basta ser apenas um estímulo verbal, para ser considera- da regra é preciso que (1) esse estímulo controle a emissão de uma resposta por (2) ter sido correlacionado com uma consequência que altera a probabilidade de nova ocorrência da resposta que a produz. Há dois tipos de regras segundo Skinner (1969/1980): regras de conselho e regras de mando. Regras de conselho descre- �27 vem contingências cujas respostas produzem consequências que modelariam o comportamento, ainda que, tal estímulo verbal não estivesse presente. Por exemplo, Ra’s Al Guhl, ao treinar Bruce para o combate, alerta seu pupilo para vários de seus erros ao combater um inimigo. Dentre esses equívocos Ra’s aponta o descuido com o ambiente que contextualiza a luta. Bruce se atenta apenas ao combatente e não observa como o gelo sob qual luta está frágil. É certo que Bruce poderia ter apren- dido a atentar ao ambiente circundante ao ser derrotado por seus inimigos em fun- ção de seu descaso ao contexto, por isso, pode ser considerada regra de conselho. Por outro lado, quando regras são seguidas em função de consequências progra- madas por quem proferiu a regra, considera-se essa como regra de mando (Nico, 1999). O Coringa proferiu várias regras de mando, dentre elas destacam-se a ame- aça de matar cinco pessoas caso Batman não revele sua verdadeira identidade, como Batman não cumpre a ameaça o Coringa mata a juíza Surilo e o comissário Loeb, além de atentar contra a vida do prefeito Garcia e de Dent. Além dessa amea- ça o Coringa ainda revela que irá explodir um hospital caso Reese não fosse morto por um cidadão de Gotham. São realizados dois atentados contra a vida de Reese, o primeiro evitado por Gordon, o segundo por Bruce. Como Reese não é morto, o Coringa explode o Gotham Hospital. Nota-se que as consequências por fazer o que o Coringa diz são liberadas por ele próprio. Os comportamentos de fazer o que a instrução dada pelo palhaço especifica não seriam produzidas diretamente pela res- posta especificada na regra. !7 Regras do tipo mando podem controlar o comportamento dos indivíduos que aderem a práticas culturais que favorecem a sobrevivência da cultura. Como apon- tado por vários autores (Abib, 2001; Dittrich, 2003; Dittrich & Abib, 2004, Horta, 2004) consequências do tipo bem da cultura não retroagem sobre o comportamento de organismos que se engajam em práticas culturais que a produzem, já que, estão distantes no tempo e afetam apenas organismos futuros. Um tipo de regra de man- do que é facilmente encontrada em sociedades são as leis.Geralmente leis especi- ficam o comportamento a ser emitido e o tipo de consequência aversiva produzida caso a resposta especificada na regra não seja emitida. Segundo Skinner (1953), as agências de controle são responsáveis pela criação de tais regras e a fiscalização – isto é, a aplicação das consequências descritas nas regras – caso membros da cul- tura não se engajem no comportamento descrito. Portanto, agências de controle são �28 A classificação dos tipos de regras foi realizada por Skinner (1969/1980) enfatizando o tipo de des7 - crição das contingências e a conseqüência do seguimento da regra. Já Hayes, Zettle e Rosenfarb (1989) enfatizaram o controle exercido pela regra. Quando o seguimento de regras ocorre em função de consequências sociais, os autores classificaram este tipo de controle como aquiescência (em in- glês pliance). Por outro lado, comportamentos cuja recorrência depende da correspondência entre o que a regra específica e eventos ambientais classifica-se esse controle como rastreamento (tracking). Pode-se afirmar que enquanto Skinner enfatizou os tipos de regras em termos da descri- ção da regra e suas consequências, Hayes enfatizou o controle exercido pela regra sobre o compor- tamento. A classificação utilizada por Hayes e cols., tem sido mais utilizada atualmente, sobretudo nos estudos referentes à sensibilidade do comportamento a mudanças nas contingências. grupos organizados que produzem contingências de reforçamento que modelam e mantêm o comportamento ético. O governo, a religião, a economia, a psicoterapia e educação são agências de controle. Nos filmes de Batman, a agência de controle que recebe maior destaque é o governo.! O governo é representado nos filmes pela polícia, o sistema judiciário e o executivo. Mafiosos e criminosos menores não seguem as leis da cidade. Traficam drogas, extorquem cidadãos, assassinam quem dificulta seus lucros. Em “Batman Begins”, o sistema judiciário está totalmente corrompido. Jill, o assassino de Tho- mas e Martha Wayne colabora com a promotoria ao depor revelando crimes do ma- fioso Carmine Falcone. Na saída do julgamento é assassinado. Rachel diz que o juiz do caso exigiu um julgamento público, provavelmente para favorecer o assassinato. Quando Bruce confronta Falcone, o mafioso aponta para vários membros do siste- ma judiciário que estão no bar e que são seus comparsas. Já em “O Cavaleiro das Trevas”, Harvey Dent é um promotor que luta para que a lei seja cumprida. Isto é, para que aqueles que não seguem as regras tenham seus comportamentos punidos. Dent é auxiliado pelo Tenente Gordon que investiga e prende bandidos para que Harvey possa acusá-los. A juíza Surilo é, nas pala- vras de Dent, entusiasta do sistema judiciário, ou seja, partilha de sua busca pelo seguimento das regras. ! O fato de o sistema estar corrompido no primeiro filme mostra como a regulação do comportamento por uma agência de con- trole depende do seguimento das regras estabelecidas. Se a agência de controle não libera reforçadores para quem segue as regras ou eventos punitivos para quem não segue, então a agência perde sua função na manutenção do ambiente social. Batman reconhece essa função, por isso luta para que o siste- ma volte a funcionar, ou seja, luta para que o sistema judiciário volte a punir aqueles que não seguem as regras. ! Leis especificadas por agências de controle e autocontrole são apenas algumas das maneiras de fazer com que um organismo emita comportamentos que participam de práticas culturais que pro- duzem bens da cultura – a manutenção do ambiente social.! Dittrich (2003, 2004) destaca que a sobrevivência da cultura é o valor mais importante na discussão ética. O conceito de valor é definido como (1) o efeito das consequências sobre o comportamento e (2) o sentimento que acompanha tal efeito (Abib, 2001; Dittrich, 2008). Portanto, a sobrevivência da cultura é um valor no sentido de que (1) mantém a existência do ambiente social e (2) produz sentimentos similares aqueles produzidos por consequências reforçadoras positivas. Existem, no entanto, outros valores em uma cultura, tais valores podem ser chamados de se- cundários, no sentido que são menos importantes para a manutenção da cultura. Dentre os valores secundários, destacam-se o amor, a liberdade, a justiça.! �29 A questão sobre Batman ser ético ou não pode ser respondida de forma sim- ples: Batman é ético, pois produz mudanças ambientais como redução do crime, diminuição da corrupção, sensações de segurança para os cidadãos de Gotham. Todas essas mudanças podem ser definidas como bem dos outros, já que a con- sequência produzida é um reforçador positivo ou negativo para outrem. Por exem- plo, quando Batman impede que Rachel seja assassinada por capangas a mando de Falcone, está produzindo bem do outro, pois evita a morte da assistente da pro- motoria. Um leitor mais desavisado diria que Batman está apenas preocupado con- sigo mesmo. Para esse leitor, salvar Rachel não é um bem do outro, já que Bruce tem interesse romântico na garota que salva. Também pode ser argumentado que Batman está em busca de vingança pessoal, tudo o que faz é apenas em função de torturar bandidos, uma vingança pela morte de seus pais. Seria Batman um egocên- trico ético, isto é, um indivíduo que visa apenas bens pessoais, mas cujas ações produzem também o bem do outro e da cultura?! Considerando o repertório comportamental de Batman nos dois filmes, ele não deve ser considerado um egocêntrico ético. Um exemplo desse egocentrismo pode ser observado no começo do primeiro filme, em que Bruce agredia bandidos na cadeia apenas porque ver criminosos sangrando reforçava seu comportamento. Mesmo que a surra proferida por Bruce diminuísse a probabilidade de aqueles pre- sos voltarem a cometer crimes, seu comportamento não estava sob controle de pro- duzir bem do outro. Entretanto, Batman tem seus comportamentos controlados pe- los efeitos que os mesmos produzem para outros e para a sociedade de Gotham. Tanto é verdade que Bruce pensa em se revelar como Batman para evitar que mais pessoas sejam mortas pelo Coringa. De qualquer maneira, a discussão se os com- portamentos éticos são determinados por bens pessoais ou bens dos outros como critérios definidores de egocentria ética perde sua força de inquisição se observada sob a ética skinneriana. Isto porque como já exposto, mesmo quando um indivíduo produz bem do outro seu comportamento é de alguma forma reforçado. Isto é, de alguma maneira produz o bem pessoal, pois caso contrário tal conduta não voltaria a ocorrer. A pergunta sobre o comportamento de Batman ser egocêntrico ético tor- na-se então equivocada do ponto de vista da seleção por consequências.! Batman é ético como já apontado, porém pode-se questionar se Batman é justo. Justiça é o equilíbrio entre bens pessoais, bem dos outros e bens da cultura (Abib, 2001). Essa noção de equilíbrio é importante. Como apontado por Dittrich (2006) sendo a sobrevivência da cultura o valor mais importante, qualquer prática que promova essa sobrevivência é justificável. Batman constrói um equipamento baseado em sonar que é capaz de monitorar toda a sociedade de Gotham. Lucius, seu amigo e parceiro no desenvolvimento de tecnologias, avisa que é contra o equi- pamento, pois o considera não ético. Isto porque o equipamento invade a privacida- de das pessoas. O sistema de monitoramento é ético do ponto de vista skinneriano já que permite monitorar a cidade e punir aqueles que colocam em risco a sobrevi- �30 vência da sociedade de Gotham, como é o caso do Coringa. Entretanto, o sistema não é justo, pois coloca apenas o bem da cultura como critério. Não há equilíbrio entre o bem pessoal e o bem da cultura. Os cidadãos de Gotham têm sua privaci- dade invadida, e a perda da privacidade significa perda de reforçadores positivosimportantes para membros daquela cultura. Abib relata que quando agências de controle estabelecem contingências nas quais o bem da cultura é produzido a des- peito do bem pessoal, os membros da sociedade buscam refúgios em reforços ime- diatos e amorais. Portanto, monitorar a cidade é ético, porém não é justo e a ausên- cia da justiça pode produzir situações que desfavorecem a sobrevivência da cultura.! A noção de justiça de Ra’s e a Liga das Sombras é outro bom exemplo de como apesar de ético não é justo. Matar todos os cidadãos de Gotham para estabe- lecer condições de mudança cultural pode até ser ético se promover a sobrevivência da cultura ocidental. Porém não é justo, e justiça é um valor secundário importante. Rachel por outro lado, compartilha com uma noção skinneriana de justiça, o equilí- brio entre o bem pessoal e bem dos outros. Assim, apesar de uma medida ser ética isso não que dizer que seja justa. Pode ser que uma medida favoreça a sobrevivên- cia da cultura, mas por outro lado, poderá também criar situações que aumentem a probabilidade dos membros emitirem comportamentos que produzam apenas bens pessoais, o que não é ético. A dificuldade entre o planejamento cultural, isto é, pro- moção de práticas culturais que produ- zam o bem da cultura, e os efeitos pre- vistos – a sobrevivência da cultura – versus os efeitos obtidos – o que real- mente ocorre – exibe como é árdua a tarefa de estabelecer contingências que produzem comportamentos éticos. ! Ao planejar uma mudança cultu- ral, o analista do comportamento pode prever que eventos produzirão o bem da cultura, mas deve considerar que nem sempre os efeitos previstos ocor- rerão. Portanto, um planejamento cultu- ral deve considerar: (1) a sobrevivência da cultura; (2) o equilíbrio entre bem pessoal e bem cultural; (3) valores se- cundários como amizade, liberdade, jus- tiça; (4) possíveis efeitos não previstos. Com base nessas considerações é que uma intervenção cultural deve ser executada. Na conclusão desse capítulo apresentare- mos se Batman é ou não um bom planejador cultural. Porém, antes será versado sobre outros elementos importantes nos episódios. !! �31 Considerações Finais!! Os filmes “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas” permitem a professo- res, estudantes e interessados em Análise do Comportamento compreender os três níveis de seleção do comportamento (filogenia, ontogenia e cultura) e as interações entre esses níveis. Como descrito neste capítulo, apesar dos níveis serem apresen- tados de maneira didática como elementos separados, em verdade, a seleção do comportamento envolve a interação entre os níveis. Por exemplo, ao escolher quem salvar (se Rachel ou Harvey) Batman emite um comportamento operante. Tal com- portamento é selecionado por suas conseqüências, ou seja, é selecionado no nível da ontogenia. Porém, participam dessa seleção reforços disponíveis em seu ambi- ente social, como o bem para os outros (Harvey é para Batman um modelo de como os cidadãos podem se comportar para salvar Gotham City). Assim também o nível cultural participa da seleção do comportamento de escolher de Batman. Com isso, nota-se a interação entre diferentes níveis de seleção do comportamento. ! �32 A interação entre os três níveis é de suma importância para compreensão do comportamento complexo. Sem considerar tais interações torna-se difícil compreen- der corretamente quais são as variáveis determinantes do comportamento comple- xo. Quando se fala em personalidade estamos diante de um caso de vários compor- tamentos complexos. Ao se dizer que alguém é altruísta, estamos afirmando que na verdade em dada situação a pessoa apresenta maior probabilidade de se engajar em comportamentos que produzam o bem para outros. Como apontando neste ca- pítulo, o comportamento altruísta pode ser controlado por conseqüências liberadas por um ambiente social (nível ontogenético), como é o caso da população de Gotham que aplaude as ações de Batman, tendo nesta personagem inclusive a figu- ra de um modelo comportamental. Porém, o comportamento altruísta não deve ser visto como meramente um comportamento operante. Diante da eminência da explo- são da barca com civis, Batman pode ter certas respostas emocionais eliciadas (ní- vel filogenético e ontogenético). Além disso, o comportamento de ajudar ao próximo é uma prática cultural na família Wayne (nível cultural) como pode ser comprovado pela criação do trem que liga toda a cidade de Gotham. ! Portanto, o presente capítulo quis esclarecer que uma análise de comporta- mentos devem ser realizadas de modo a identificar as variáveis determinantes dos mesmos, ao invés de recorrer a conflitos inconscientes subjacentes ao indivíduo. Realizar tal análise implica em considerar os três níveis de seleção, ainda que, o comportamento seja genérico, como o caso do altruísmo, pode-se compreender de que maneira cada nível de seleção participa da de- terminação do comportamentoNesse sentido, uma visão analítico- comportamental pode contribuir para a compreensão e modifica- ção de comportamentos complexos, como os analisados nos fil- mes “Batman Begins” e “O Cavaleiro das Trevas”.!! Referências Bibliográficas!! Abib, J. A. D. (2001). Teoria moral de Skinner e desenvolvimento hu- mano. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14, 107-117.! Andery, M. A., Micheletto, N., & Sério, T. M. (2005). A análise de fenô- menos sociais: Esboçando uma proposta para a indentificação de contingências entrelaçadas e metacontingências. Revista Brasileira de Análise do Comportamento , 1, 135-148.! Andreatini, R., Blanchard, C., Blanchard, R., Brandão, M. L., Carobrez, A. P., Gri- ebel, G., Guimarães, F. S., Handley, S. L., Jenck, F., Leite, J. R., Rodgers, J., Schenberg, L. C., Da Cunha, C., & Graeff, F. S. (2001). The brain decade in debate: II. Panic or anxiety? From animal models to a neurobiological basis. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 34, 145-154.! Barlow, D. H. & Durand, V. M. (2008). Psicopatologia: uma abordagem integrada. São Pau- lo: Cengage Learning.! �33 Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultu- ra. Porto Alegre: Artmed.! Blanchard, C., Blanchard, R., Fellous, J. M., Guimarães, F. S., Irwin, W., LeDoux, J. E., ,McGaugh, J. L., Rosen, J. B., Schenberg, L. C., Volchan, E., & Da Cunha, C. (2001). The brain decade in debate: III. Neurobiology of Emotion. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 34, 283-293.! Brody, A. L., Saxena, S., Schwartz, J. M., Stoessel, P. W., Maidment, K., Phelp, M. E., & Baxter Jr., L. R. (1998). FDG-PET predictors of response to behavioral therapy and pharmacotherapy in obsessive compulsive disorder. Psychiatry Research: Neuroima- ging Section, 84, 1-6.! Carlson, J. F. (2000). From Metropolis to Never-neverland: Analyzing fictional characters in a personality theory course. Em M. E. Ware & D. E. Johnson (Eds.), Handbook of de- monstrations and activities in the teaching of psychology. Atlanta, GA: Psychology Press.! Cavalcante, S. N. (1997). Abordagem biocomporatmental: Síntese da análise do comporta- mento? Psicologia: Reflexão e Crítica, 10, 263-273.! Chung, S., & Hernstein, R. J. (1967). Choice and delay of reinforcement. Journal of Experi- mental Analysis of Behavior, 10, 67-74.! Darwich, R. A. & Tourinho, E. Z. (2005). Respostas emocionais à luz do modelo causal de seleção por consequências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cogniti- va, 7, 107-118.! DiGiovanna, J. (2008). É certo criar um Robin? Em M. D. White & R. Arp (Orgs.), Batman e a filosofia: “O Cavaleiro das Trevas” da alma (pp. 29-38). São Paulo: Madras.! Dittrich, A. (2003). Introdução a filosofia moral skinneriana. Em C. E. Costa, Luzia, J. C. & H. H. N. Sant’Ana (Orgs.), Primeiros passos em análise do comportamento e cognição (pp.11-24).Santo André: ESETec.! Dittrich, A. (2004). A ética como elemento explicativo do comportamento no behaviorismo radical. Em M. Z. Brandão e cols. Colocar todos (Orgs.), Sobre comportamento e cog- nição: Vol. 13. Contingências e metacontingências - Contextos socioverbais e o com- portamento do terapeuta (pp. 21-26). Santo André: ESETec.! Dittrich, A. (2006). A sobrevivência das culturas é suficiente enquanto valor na ética behavi- orista radical? Em H. J. Guilhardi colocar todos (Orgs.), Sobre comportamento e cog- nição: Vol. 17. Expondo a variabilidade (pp. 11 – 22). Santo André: ESETec.! Dittrich, A. (2008). O problema da “justificação racional de valores” na filosofia moral skinne- riana. Revista Psicolog, 1, 21-26.! Dittrich, A., & Abib, A. D. (2004). O sistema ético skinneriano e consequências para a prática dos analistas do comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17, 427-433.! Diamond, J. (2005). Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. Rio de Janeiro: Record.! Donahoe, J. W., Burgos, J. E., & Palmer, D. C. (1993). A selecionist approach to reinforce- ment. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 60, 17-40.! Donahoe, J. W., & Palmer, D. C. (1994). Learning and Complex Behavior. Boston/London: Allyn & Bacon.! Folha.com (2010). Rio tem nova madrugada de ataques; ônibus é incendiado. Folha de São Paulo Online. Recuperado em 24 de Novembro, 2010 de http://www1.folha.uol.- �34 com.br/cotidiano/835279-rio-tem-nova-madrugada-de-ataques-onibus-e-incendia- do.shtml! Gehm, T. P. & Carvalho Neto, M. B. (2010). O que disse Watson sobre as emoções?. Em: M. M. C. Hübner coloque todos (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 25. Análise experimental do comportamento, cultura, questões conceituais e filosóficas (pp. 69-75). Santo André: ESETec.! Graeff, F. G. (2003). Serotonina, matéria cinzenta periaquedutal e transtorno de pânico. Re- vista Brasileira de Psiquiatria, 25, 42-45.! Graeff, F. G. (2007). Ansiedade experimental humana. Revista de Psiquiatria Clínica, 34 (5), 251-253.! Graeff, F. G., & Brandão, M. L. (1999). Neurobiologia das Doenças Mentais. São Paulo: Le- mos.! Guerin, B. (1994). Analyzing Social Behavior: Behavior Analysis and the Socail Sciences. Reno: Context Press.! Hayes,S.C; Zettle, R. D.; Rosenfarb, R. (1989). Rule-following. Em S. C. Hayes (Ed.) Rule- governade behavior: cognition, contingencies and instrucional control (p.191-220). New York: Plenum Press.! Horta, R. G. (2004). Sobre comportamento moral e cultura. Em A. C. Cruvinel, A. L. F. Dias, & E. N. Cillo, (Orgs.), Ciência do comportamento: Vol. 4. Conhecer e avançar (pp. 29- 34). Santo André: ESETec.! Keller, F. S. & Schoenfeld, W. N. (1950/1974). Princípios de Psicologia. (C. M. Bori & R. Azzi, trads.). São Paulo: EPU.! Kershnar, S. (2008). O ódio virtuoso de Batman. Em M. D. White & R. Arp (Orgs.), Batman e a filosofia: “O Cavaleiro das Trevas” da alma (pp. 39-48). São Paulo: Madras.! Lang, R. (1990). Batman & Robin: A family romance. American Imago, 47, 293-319.! Linton, R. (1945). The cultural background of the personality. New York, NY: Appleton Cen- tury.! Lundin, R. W. (1969/1977). Personalidade: Uma análise do comportamento. (R. R. Kerbauy & L. O. S. Queiroz, trads.). São Paulo: EPU.! Mezzasalma, M. A., Valença, A. M., Lopes, F. L., Nascimento, I., Zin, W. A., & Nardi, A. E. (2004). Neuroanatomia do transtorno de pânico. Revista Brasileira de Psiquiatria, 26, 202-206.! Moore, A. & Bolland, B. (1988). A Piada Mortal. São Paulo: DC Comics/Abril Jovem.! Mueller, S. C. (1985). Persons in the personality theory course: Student papers based on biographies. Teaching of Psychology, 12, 74-78.! Nico, Y. (1999). Regras e insensibilidade: Conceitos básicos, algumas considerações teóri- cas e empíricas. Em R. R. Kerbauy, & R. C. Wielenska (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 4. Psicologia comportamental e cognitiva - Da reflexão teórica à di- versidade na aplicação (pp. 31-39). Santo André: ESETec. ! Paquette, V., Lévesque, J., Mensour, M., Leroux, J. M., Beaudoin, G., Bourgouin, P., & Be- auregard, M. (2003). “Change the mind and you change the brain”: Effects of cogniti- ve-behavioral therapy on the neural correlates of spider phobia. NeuroImage, 18, 401- 409.! Pavlov, I. P. (1903/2005). A psicologia e psicopatologia experimentais dos animais. Em or- ganizadores Pavlov – Coleção Os pensadores (pp. 23-42). São Paulo: Nova Cultural.! �35 Pavlov, I. P. (1927/2005). O conceito de reflexo e sua extensão. Em Pavlov – Coleção Os Pensadores (pp. 63-73). São Paulo: Nova Cultural.! Pavlov, I. P. (1934/2005). Reflexo condicionado. Em Pavlov – coleção os pensadores (pp. 75– 99). São Paulo: Nova Cultural. ! Pimentel, R. (24 de novembro de 2010). Bom dia Brasil. Rio de Janeiro: Rede Globo de Te- levisão.! Polyson, J. A. (1983). Students essays about TV characters: A tool for understanding perso- nality theories. Teaching of Psychology, 10, 103-105.! Rescorla, R. A. (1968). Probability of shock in the presence and absence of CS in fear con- ditioning. Journal of Comparative and Physiological Psychology, 66, 1-5.! Rescorla, R. A. (1988). Pavlovian conditioning: It’s not what you think it is. American Psycho- logist, 43, 151-160.! Ribes-Iñesta, E. (2000). Instructions, rules and abstraction: A misconstrued relation.! Behavior and Philosophy, 28, 41-55.! Schlinger, H., & Blakely, E. (1987). Function-altering effects of contingency-specifying! stimuli. The Behavior Analyst, 10, 41-45.! Sidman, M. (1989/2003). Coerção e suas implicações. (M. A. Andery & T. M. Sério, trads.). Campinas: Livro Pleno.! Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Free Press. ! Skinner, B. F. (1963/1969). Behaviorism at fifty. Em B. F. Skinner (Org.), Contingencies of reinforcement: A theoretical analysis (pp. 221-268). New York: Appleton Century Crofts.! Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências do reforço: Uma Análise Teórica. Em: Os pensa- dores. São Paulo: Abril Cultural.! Skinner, B. F. (1971/1977). O mito da liberdade. Rio de janeiro: Edições Bloch.! Skinner, B. F. (1974/1993). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.! Skinner, B. F. (1989/1995). Questões recentes na Análise Comportamental (A. L. Neri, trad.) Campinas: Papirus.! Shuhama, R., Del-Ben, C. M., Loureiro, S. R., & Graeff, F. S. (2007). Animal defense strate- gies and anxiety disorders. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 79 (1), 97-109.! Souza, J. C. & Kuhnen, R. F. (1999). Pré-Socráticos. São Paulo: Nova Cultural.! Starling, R. R. (2000). A interface comportamento/neurofisiologia numa perspectiva behavio- rista radical: O relógio causa as horas? Em R. R. Kerbauy (Org.), Sobre Comporta- mento e Cognição: Vol. 5. Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico (pp. 3-15). Santo André: ESETec. ! Straube, T., Glauer, M., Dilger, S., Mentzel, H. J., & Miltner, W. H. R. (2006). Effects of cogni- tive-behavioral therapy on brain activation in specific phobia. NeuroImage, 29, 125-135.! Todorov, J. C. (2007). A psicologia como estudo das interações. Psicologia: Teoria e Pesqui- sa, 23, 57-61.! Todorov, J. C. & Hanna, E. S. (2005). Quantificação de escolhas e preferência. Em J. Abreu- Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do Comportamento: Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 175-188). Porto Alegre: Artmed.! �36 Tourinho, E. Z., Teixeira, E. R., & Maciel, J. M. (2000). Fronteiras entre a Análise do Com- portamento e Fisiologia: Skinner e a temática dos eventos privados. Psicologia: Refle- xão e Crítica, 13, 425-434.! Weiten, W. (2009). Introdução à Psicologia (Z. G. Botelho & M. L. Brasil, trads.). São Paulo: Cengage Learning.! White, M. D. (2008). Por que Batman não mata o Coringa? Em M. D. White & R. Arp(Orgs.), Batman e a filosofia: “O Cavaleiro das Trevas” da alma (pp. 17-28). São Pau- lo: Madras.!! �37 ! “ALFIE, O SEDUTOR”: A PROMISCUIDADE MASCU- LINA NO OLHAR COMPORTAMENTAL!! Ana Karina Vieira de Bezerril Beltrão! Centro Universitário de Brasília !! Carlos Augusto de Medeiros !8 Centro Universitário de Brasília ! ! A cultura tem uma enorme influência sobre o comportamento das pessoas; ao mesmo tempo, ela se constitui nos comportamentos dos indivíduos em grupo ao longo do tempo (Skinner, 1953/2003). A forma como a cultura aborda diferentes conceitos varia de tempos em tempos. No entanto, a importância dada a temas como amor, casamento, relações amorosas e relações sociais é facilmente obser- vada em diferentes épocas (Babo & Jablonski, 2002; Passinato, 2009; Silva & We- ber, 2006; Zordan, 2008). Tais temas estão impregnados nas produções culturais, �38 E-mail: c.a.medeiros@gmail.com 8 Título do filme: “Alfie, o sedutor”! Título original: Alfie! Ano: 2004! Diretor: Charles Shyer! Produtor: Charles Shyer! Lançado por: Universal como valores, normas, manifestações artísticas, dentre outros, exercendo controle sobre o comportamento das pessoas.! Nas produções artísticas contemporâneas, é comum encontrar temas que gi- ram em torno do amor como um ingrediente determinante na vida das pessoas. En- tre essas produções artísticas, está o filme “Alfie: o sedutor” que, no presente estu- do, na modalidade de investigação documental, constitui fonte de informação para a análise dos comportamentos de sedução e de outros comportamentos do persona- gem principal nas diversas relações amorosas apresentadas ao longo do filme.! Procurou-se investigar como as variáveis interagem com o organismo no am- biente imediato e no percurso do filme. Por meio da análise dessas interações, o es- tudo buscou entender o comportamento do personagem principal e compreender como os comportamentos se modificam quando variáveis ambientais são alteradas. ! Vale ressaltar que houve a tentativa de se descrever as relações funcionais às quais pertencem os comportamentos dos personagens, mas, por se tratar de um filme, algumas informações necessárias para uma análise funcional mais precisa podem faltar. São feitas conjeturas plausíveis sobre as variáveis de controle relevan- tes no filme, mas não se tem como assegurar todas as análises aqui apresentadas com convicção. Logo, trata-se de uma análise especulativa, porém, útil no sentido em que as relações funcionais observadas podem se repetir em contextos reais, ajudando na predição e no controle de padrões comportamentais emitidos no con- texto das relações amorosas.! ! O Filme – Um Breve Resumo!! “Alfie: O sedutor”, filme de 2004, é uma refilmagem da versão original de 1966. Na versão atual, Alfie, personagem interpretado por Jude Law, assume o pa- pel do sedutor inescrupuloso.! Alfie é um belo londrino que vive em Nova York e leva a vida relacionando-se com várias mulheres, em sua maioria, carentes. A sedução do personagem é apa- rentemente motivada pelo sexo fácil com as diversas parceiras. ! O personagem tece reflexões sobre a vida, os costumes e sobre seus com- portamentos falando diretamente à câmera. Isso torna o telespectador seu confiden- te ou seu cúmplice. Alfie mostra ao espectador como é seu dia a dia. Apresenta seu apartamento simples, de solteiro, e dá dicas de como se vestir bem gastando pouco. Trabalha numa empresa de aluguel de limusines, emprego que considera conveni- ente ao seu estilo de vida. ! Apresenta à audiência a situação de Marlon (seu único amigo no início do filme). Relata que Marlon tem uma ex-namorada, Lonette, e que este deseja reatar seu namoro. Isto, para Alfie, não faz sentido, já que compromisso para ele é consi- derado “a própria morte”. ! �39 Alfie leva uma relação amorosa com Julie, a qual chama de “quase namora- da”. Julie e o filho Max suprem as carências afetivas de Alfie. Para ele, não há ra- zões para oficializar sua relação com Julie, já que evita compromisso e não a consi- dera bonita o suficiente. Porém, sua relação cômoda com Julie é encerrada quando ela descobre o comportamento promíscuo de Alfie. Incialmente, Alfie não parece se importar tanto com esse rompimento, entretanto, ele terá muita relevância nos acon- tecimentos que se seguem no filme. ! Marlon pede para Alfie procurar Lonette para mediar a situação entre ela e o amigo. Porém, essa conversa entre Alfie e Lonette acaba em bebida, sinuca e sexo. Alfie descreve a sua incapacidade de se controlar em função dos atributos físicos de Lonette. Nessa mesma noite, Lonett procura Marlon para reatar com ele. Aparente- mente, a traição ao amigo seria até vantajosa para todos, caso Lonette não tivesse ficado grávida de Alfie. Quando comunica a Alfie que estava grávida, ela o solicita a levá-la a uma clínica de abortos para retirar o bebê. Tais eventos levam Alfie à refle- xão acerca de seu estilo de vida. ! Alfie tenta reatar com Julie, mas não obtém sucesso e, depois desta situação, outros acontecimentos ocorrem, tais como vivenciar o desespero de seu chefe com o fim do casamento. A essa altura do filme, ele passa por uma fase de dificuldade de ereção. Ao procurar o médico, constata que não há causa fisiológica para sua impo- tência sexual. Porém, o médico encontra um caroço que pode ser um câncer. Esse evento também leva Alfie a questionar a forma como leva sua vida e a conhecer um �40 homem muito mais velho (Joe), com quem passa a ter conversas que contribuem para o seu processo de autoconhecimento. ! Alfie mora com Nikki, uma linda mulher que conhece no Natal, e com ela, vi- vencia todas as fases de um relacionamento, a admiração, a paixão, o dia-a-dia de um relacionamento, o esfriamento e o fim doloroso. Nesse ponto, o diretor exibe o fim do relacionamento entre eles de uma forma bem dramática, com Nikki saindo do apartamento de Alfie só com uma mala e debaixo de chuva. ! Outro ponto importante do filme ocorre quando Alfie vai visitar Marlon e Lo- nette, que se casam e mudam de cidade. Ao chegar lá, não tem a recepção que es- perava. Lonette não havia abortado e contara para Marlon o que ocorrera entre Alfie e ela naquela noite. Nesse momento, Alfie percebe o quanto magoou seu amigo e que seus comportamentos têm consequências. ! Por fim, Alfie se envolve com Liz, uma mulher que, como ele, é libidinosa e promíscua. Nessa relação, decide investir de verdade. Porém, é rejeitado por ela e trocado por um homem mais jovem. Tais experiências fazem Alfie encarar a vida de forma diferente. Pelo menos, em seu discurso.!! Análise Comportamental do Filme!! O filme inicia com o personagem dentro de seu apartamento. Ele se descreve emitindo algumas regras consideradas por ele importantes. Essas regras se consti- tuem em conselhos para a audiência, principalmente, masculina, acerca de como devem ser portar em relação às mulheres, tendo seus comportamentos reforçados, principalmente por sexo sem compromisso. Skinner (1969/1984) descreve regras como estímulos especificadores de relações comportamentais conhecidas como contingências. Trata-se de relações do tipo “se” determinado comportamento ocor- rer, “então” certas consequências são prováveis. Por exemplo, Alfie emite a seguinte regra: “jovens, não se envolvam com uma mãe solteira. Vejam, elas podem vir com assessórios absolutamente irresistíveis” (referindo-se a Max, o filho de Julie). Essa regra poderia ser reformulada da seguinte forma: “Se envolver-se (comportamento) com uma mãe solteira, então é provável que não consiga deixá-la (consequência) por ela ter um filho com o qual você não gostaria de perder o contato”. De acordo com Skinner, a emissão de regras por parte de um falante (aquele que emite uma resposta verbal) se dá, principalmente, sob o controle discriminativo do próprio con- tato com a contingênciadescrita na regra. No caso de Alfie, esse contato prévio com as contingências significa já ter tido diversos tipos de relações afetivas com muitas mulheres. Nesse sentido, o comportamento de emitir regras quanto a isso pode ser mantido pelos reforçadores condicionados generalizados de admiração da audiência (Alves & Isidro-Marinho, 2010; Medeiros, 2002; Oliveira, 2009; Valls, 2010), princi- palmente, a masculina. Ser reconhecido como alguém que já seduzira várias mulhe- res seria muito reforçador para alguém que se descreve um sedutor, como Alfie.! �41 Alfie descreve-se, então, como um homem de sorte. Tal descrição pode ser tratada como um mando disfarçado de tato (Medeiros, 2002), sendo mantido pela 9 argumentação, por parte da audiência, de que ele possui muito mais que sorte, que é belo e tem muita com- petência na área de con- quista. Medeiros define mandos disfarçados de tatos como repostas ver- bais cuja topografia su- postamente estaria sob o controle de estímulos an- tecedentes não verbais, mas são, na verdade, são contro ladas por con- sequências específicas. Assim, aparentemente, Alfie está meramente se descrevendo como al- guém de sorte, ou seja, resposta verbal que esta- ria sob o controle discri- minativo de seus suces- sos casuais nas relações com as mulheres. Por outro lado, sua resposta verbal parecer ser controlada por uma discordância do ouvinte, no caso, um reforçador específico. Como evidência da função manipulativa dessa resposta verbal, Alfie se contradiz, descrevendo-se como um homem irresistível, além de emitir regras com a função de mando, como: “ter al- gum dinheiro é importante, mas geralmente uma boa conversa é mil vezes melhor”.! Ele continua descrevendo a si mesmo falando sobre coisas que são impor- tantes em sua visão. “Todos os homens estão cheios de R.S.B.: rostos, seios e bun- �42 Skinner (1957/1978) define tato como o operante verbal cuja topografia está sob o controle de es9 - tímulos discriminativos não verbais. Na linguagem cotidiana, os tatos são chamados de comentários, narrativas, descrições, nomeações, entre outros. Os reforçadores que mantêm os tatos são os condi- cionados generalizados, como atenção ou a mera concordância do ouvinte (aquele que reforça o comportamento verbal do falante, que é quem emite a resposta verbal), por exemplo. Dizer “sou um homem de sorte” seria um tato caso essa resposta verbal fosse controlada apenas por estímulos não verbais, ou seja, ter tido sucesso em várias situações mesmo sem mérito. Também seria um tato no sentido de ser mantido por um reforçador condicionado generalizado “concordo, você tem sorte mesmo”. Por outro lado, se a resposta verbal “sou um homem de sorte”, ao invés de ser controlada por estímulos não verbais, for controlada por reforçadores específicos “não, você é bom mesmo”, a sua função seria de mando e não de tato. Mandos são respostas verbais que têm topografias contro- ladas por reforçadores específicos (Skinner, 1957/1978). Na linguagem cotidiana, são conhecimentos como pedidos, ordens, instruções, conselhos, etc. Entretanto, existem mandos com topografia de tato, ou seja, possuem função de mando. Essas respostas verbais são chamadas de mandos disfar- çados de tato. das”, aqui ele generaliza seu comportamento de focar em rostos, seios e bundas, como um padrão amplo de comportamento masculino. No caminho para o trabalho, expõe as variáveis que controlam o seu comportamento de morar em Manhattan: “Sempre me disseram que as mulheres mais bonitas do mundo vivem em Manhat- tan. E no que se refere a bundas se movimentado, tenho que pensar numa coisa: localização, localização, localização”. Os comportamentos de Alfie, aparentemente, são em função de obter disponibilidade de sexo. Sob essa ótica, ele descreve a va- riabilidade dessas possibilidades. “Só olhar em volta, cada uma delas, vejo que são únicas e especiais. E com tantas delícias neste mundo, ou seja, tanta preciosidade e diversidade, como pode um homem se contentar com uma só?” Alfie continua a dissertar sobre o valor reforçador das mulheres sobre o seu comportamento: “Mi- nhas prioridades são as mulheres, o vinho e... bom, acho que são tudo, as mulheres e o vinho. Se bem que mulheres e mulheres são uma boa opção também”. Essas respostas verbais de Alfie podem ser tratadas como um tato acerca dos principais reforçadores que controlam o seu comportamento, ou seja, mulheres. Ao mesmo tempo, a frequência de respostas verbais em relações a mulheres emitidas por Alfie no início do filme chama a atenção. Quais reforçadores estariam controlando o seu comportamento de enfatizar para o ouvinte que mulheres são tão reforçadoras para ele? Caso efeitos especiais sobre o comportamento do ouvinte sejam importantes no controle dessas respostas verbais, elas perderiam o caráter de tato puro e pode- riam ser classificadas como tatos impuros (Skinner, 1957/1978). !10 Fica clara, portanto, a tentativa de se descrever como um homem e, como tal, tem seus comportamentos controlados pelos reforçadores mais importantes no con- trole dos comportamentos dos homens. Ao mesmo tempo, justifica seus comporta- mentos promíscuos como função de tais reforçadores. Novamente, ele se vangloria, uma vez que sugere que tem acesso a tais reforçadores, os quais não estão acessí- veis à maioria dos demais homens como, por exemplo, Marlon e seu chefe. ! Alfie também se apresenta como um homem que está ligado à moda: “dizem que a roupa tem uma linguagem universal. Como a maioria dos homens, cuido da minha aparência. Afortunadamente, hoje vou trabalhar bem apresentado!” Ele tem no modo de vestir um dos aspectos da linguagem não-verbal de apresentação de si próprio. Descreve a autorregra de como passa perfume em seu corpo e do uso de 11 cuecas que não apertem demais. A maneira correta de passar perfume e quais rou- �43 Tatos impuros, de acordo com Skinner (1957/1978), são respostas verbais com topografia de tato 10 em que o controle pelo estímulo antecedente é corrompido pelo efeito do estímulo consequente. Sendo assim, a resposta verbal estaria tanto sob o controle do estímulo antecedente quanto sob o controle do estímulo consequente. A precisão do controle pelo estímulo antecedente seria prejudica- da com a adição do controle pelo estímulo consequente. Skinner (1969/1984) define autorregra como a regra emitida e seguida pelo mesmo indivíduo, que 11 exerce a função de falante e ouvinte simultaneamente. pas íntimas usar dizem respeito à possibilidade de ter relações sexuais ao longo do dia. De fato, para Alfie, um homem sempre deve estar preparado.! ! Como dito anteriormente, o ouvinte é a pessoa que reforça o comportamento do falante, e, portanto, sua presença é necessária para estabelecer e manter o comportamento verbal (Baum, 1994/2006). Alfie fala olhando direto para a câmera, e essa fala pode ser entendida como um episódio verbal entre ele, como falante, e o ouvinte, o espectador do sexo masculino. Esse entendimento se baseia na fala dele que, olhando para a câmera, diz: “Lembre-se de quantas garotas já caíram na sua”, “Não, já sei o que estão pensando...”. Para o presente trabalho, todas as vezes que o personagem faz essa narração para a câmera, o entendimento é de que ele está se dirigindo à sua audiência. Resumindo, nesse primeiro “papo com a audiência masculina”, Alfie se gaba. ! Não restam dúvidas que Alfie emite comportamentos que servem de ocasião para a emissão do tato: “Alfie tem autoestima elevada quanto às mulheres”. Medei- ros (2009, citado por Caixeta, 2009) oferece uma tradução comportamental para o conceito de autoestima como uma categoria descritiva de comportamentos ou um sistema funcionalmente unificado de resposta sob o controle de variáveis ambien- tais. De acordo com Medeiros, as respostas contidas nesse sistema têm como ca- racterísticas altaprobabilidade de reforçamento em contexto social, a exposição às �44 situações em que o reforçamento social é apenas provável e não certo, autodescri- ções elogiosas, enaltecendo a alta probabilidade de reforçamento social (e.g., “sou irresistível”), e a eliciação de respostas emocionais reforçadoras em contextos de exposição social. Esse sistema de respostas é observado em Alfie, principalmente, nas relações amorosas. Ao mesmo tempo, pode-se observar como o contato com a perda de reforçadores e com estímulos aversivos ao longo do filme vão deteriorando esse seu sistema de respostas. Essa deterioração serve de evidência de que auto- estima nada mais é do que um conceito que descreve comportamentos os quais são determinados por eventos ambientais e, conforme Caixeta (2009) e Silva e Isidro- Marinho (2003), não possui status de causa do comportamento. ! Na primeira cena dentro do apartamento, mesmo tendo falado sobre si, o personagem não fala seu nome. Já fora do apartamento, quando vai dizer seu nome (Alfie) ao espectador, encontra uma de suas vizinhas, que o questiona se ele deixou bombons na frente de sua porta. Ele fala que não e que possivelmente foi um admi- rador secreto, mas dá a entender que sim pelos outros comportamentos. Ela diz es- tar de dieta. A vizinha é uma personagem senhora de terceira idade e que está aci- ma do peso. Ele a questiona: “Você?”, como se estivesse surpreso por ela fazer die- ta e tece um elogio sobre a aparência da senhora: “uma garota com uma aparência como a sua (...) tem garantida a atenção de todos os homens”.! O comportamento dele é um reforço positivo para os possíveis mandos dis- farçados da senhora – “estou tão gordinha”. A fala é autodepreciativa, a qual serve de ocasião para se dizer que a senhora tem baixa autoestima (Caixeta, 2009). Alfie discrimina que tem o poder de manipular contingências de reforço e exercer controle sobre o comportamento de mulheres vulneráveis como a sua vizinha. Ele olha para a câmera e diz: “O que acabei de dizer levantou-lhe a autoestima”. É provável que tenha mesmo aumentado a probabilidade momentânea de comportamentos que são descritos como autoestima elevada. Porém, o reforço dele aumenta a probabilidade de a senhora se engajar em outros comportamentos autodepreciativos que, em lon- go prazo, servem de ocasião para dizer que tem baixa autoestima (Medeiros, 2009, citado por Caixeta, 2009). O mais relevante no controle do comportamento de Alfie é que o seu elogio também aumentou a probabilidade de ela distribuir reforçadores, o que cotidianamente é chamado de bom humor (Skinner, 1953/2003). De acordo com Baum (1994/2006), as relações envolvem trocas de reforçadores, assim, Alfie refor- ça os mandos disfarçados de sua vizinha e ela arruma seu apartamento gratuita- mente, mediante a emissão do mando disfarçado dele: “não se incomode se a sujei- ra chegar ao corredor”. ! Na cena seguinte, ele aparece se relacionando sexualmente com Dorie, no banco de trás da limusine. Alfie está deitado no banco e Dorie sentada por cima dele. Ele descreve essa sua posição como a sua favorita, uma vez que posição dá o maior prazer à mulher e o menor esforço para ele. Em outras palavras, sugere como �45 entrar em contato com reforçadores de grande magnitude e com baixo custo da 12 resposta (Moreira & Medeiros, 2007). Além disso, para evidenciar o sucesso de 13 sua posição sexual, utiliza o argumento da autoridade, relatando tal posição como a preferida do presidente Kennedy. Ele faz uma relação de equivalência entre ele e o presidente (Sidman & Tailby, 1982): os dois saberiam como dar a cada mulher o máximo de prazer com o menor esforço. Além disso, ele se equipara a um dos mai- ores presidentes dos EUA. Não restam dúvidas de que Alfie tende a se descrever de forma positiva. ! Ele tenta mostrar ao telespectador padrões comportamentais que são efica- zes, segundo ele próprio, para que se tenha disponibilidade de sexo. Então, ao final do sexo, ele instrui o telespectador a fazer carícias na parceira, tendo a du- ração deste comportamento uma con- tagem até 1002, para que o espectador tenha uma noção de quanto tempo ele atuou nas carícias de praxe após a re- lação sexual. Em seguida, Alfie vai para o banco da frente do carro, no seu tra- balho de motorista de limusine e, en- quanto se encaminha para deixar a cli- ente, ela conversa com ele sobre o que falará para o marido. Ele descreve para ela o que pensa sobre as mulheres que dão detalhes de sua própria vida: “A di- ferença é que quanto mais detalhes der, menos interessado ele ficará”. Ela responde: “Não importa o que eu diga. Ele acha que nenhum homem me olha duas vezes”. Alfie entende essa fala como um mando disfarçado e respon- de: “Certo, querida. Está esperando um elogio”. A interpretação que pode ser feita é que ele tem um treino discriminativo apurado em elogiar as mulheres e, mesmo ela dizendo a ele que não, ou seja, que de fato ela estava tateando a situação com o marido, ele se predispõe a reforçar o �46 A magnitude do estímulo reforçador refere-se a uma grandeza quantitativa acerca do estímulo re12 - forçador (Moreira & Medeiros, 2007). Segundo os autores, quanto maior a magnitude do estímulo reforçador, maior a sua eficácia em fortalecer o comportamento que o produz. Moreira e Medeiros (2007) definem como custo da resposta uma medida quantitativa acerca do 13 requisito comportamental para a liberação do reforço. Por exemplo, ir a uma farmácia comprar um remédio é uma resposta mais custosa do que pedi-lo por telefone. De acordo com os autores, quanto maior o custo da resposta, menor a sua probabilidade de ocorrência. comportamento dela com um elogio quando ela menos esperar. Ao fazê-lo, ele dimi- nuirá a probabilidade de seus comportamentos de baixa autoestima. De fato, Alfie estaria executando um reforçamento diferencial (Alves & Isidro-Marinho, 2010; Oli- veira, 2009; Valls, 2010), colocando em extinção os mandos disfarçados de autode- preciação e apresentando reforçamento em outras situações em esquemas de re- forçamento de tempo variado (Moreira & Medeiros, 2007). Nos esquemas de tempo variado, o estímulo reforçador é apresentado sem que uma resposta específica pre- cise ser emitida. De fato, os reforçadores são apresentados em intervalos irregula- res. Como Alfie faz elogios quando Dorie menos espera, e sem que ela emita algum comportamento para tanto, seus elogios são liberados em esquema de tempo varia- do.! O personagem dirige-se ao espectador e diz que o que o afas- ta do casamento são as mulheres casadas; para ele, depois de um tempo, elas exigem mais do que um homem pode dar. Nesta cena, pode-se averiguar, pela fala, uma descrição do esforço do persona- gem em se esquivar de uma rela- ção mais íntima. Tão logo o perso- nagem percebe estímulos aversi- vos condicionados que exijam uma resposta de aproximação, ele se esquiva desaparecendo. Ainda na limusine, Dorie diz: “Não seria es- petacular se fossemos para sua casa em vez de fazermos essa cena toda?” Ele discrimina a fala dela como uma tentativa de maior intimidade, pois relata querer ir à sua casa. Então, decreta para a audiência: “Sim. Definitivamente é hora de desaparecer”. Logo, indí- cios por parte da parceira de que um maior envolvimento seria refor- çador para ela funcionam como estímulo aversivo condicionado (Sidman, 1989/1995). Ambos os conceitos descrevem estímulos que sinalizam a probabilidade de entrada em conta- to com estímulos aversivos caso o mesmo comportamento continue sendo emitido �47 (contingência de punição) ou que respostas de fuga ou esquiva não sejam emitidas (contingência de reforçamento negativo). Pode-se se entender que a relação estável para Alfie é aversiva, e que os indícios de que uma relação assim seja reforçadora para sua parceira funcionamcomo estímulos aversivos condicionados. O compor- tamento de Alfie fica sob o controle desses estímulos, uma vez que sinalizam con- sequências aversivas de grande magnitude; pode-se dizer que Alfie está atento a tais indícios (Skinner, 1974/1982).! Depois desse primeiro encontro, o personagem descreve as possíveis con- tingências nas quais pode vir a se engajar. Uma seria ir à sua própria casa comer algo frio no apartamento frio. Ele tomou a decisão de atravessar a cidade para se acomodar na casa de sua quase namorada, Julie. Alfie acha Julie uma mulher doce. A doçura de Julie é um estímulo que controla o comportamento dele de ir ao encon- tro dela sempre que comida quentinha e se acomodar têm função reforçadora, po- rém o estímulo que mais é reforçador para Alfie, segundo ele próprio, é o sexo. Ob- viamente, esses reforçadores não são suficientes para que Alfie se engaje em uma relação estável com Julie. Ele tem como regra que homens são compradores de sexo. “Já disse como somos nós; os homens. Somos compradores de sexo”. Como comprador de sexo, ele avalia que Julie não tem as coisas que realmente importam, ou seja, que os atributos físicos dela não são suficientes para que ele fique somente com ela, nas suas palavras: “E o problema é que a Julie não tem essas coisas su- perficiais que realmente importam”.! Nessa cena, ele também se engaja em comportamentos de esquiva de rela- cionar-se intimamente. Alfie discrimina que ela quer se compromissar: “O que ela realmente quer dizer é... que quer um compromisso. Traduzindo: ‘Me colocar em um altar’”. Ele se esquiva de entrar em contato com a contingência e logo fica sob o controle das próprias regras, dirige-se para o telespectador e diz que “não vale a pena se tornar dependente de nada nesta vida. Contraria a sua verdadeira natureza e se torna um homem morto”. A resposta verbal “morto” pode ser tratada como uma extensão metafórica do tato (Skinner, 1957/1978), ou seja, obviamente, um homem, se está casado, não está morto. Logo, um homem casado não é um estímulo dis- criminativo não verbal para a emissão da resposta verbal “morto”. A resposta verbal “morto” é estendida para o estímulo “homem casado” pelo fato de esses dois estí- mulos partilharem algumas propriedades como, de acordo com Alfie, serem condi- ções aversivas que impedem comportamentos que produzem reforçadores, como aqueles relacionados à promiscuidade. Para Alfie, portanto, pode-se concluir que seduzir mulheres diferentes é estar vivo e passar todo o tempo com uma única pes- soa é estar morto. Ele interpreta compromisso como uma forma de dependência, como a morte, ou seja, tem isso como uma regra para as relações e generaliza para todas aquelas nas quais estabelece um mínimo de vínculo. Alfie aponta a qualidade de doçura, a de adorável e a de bonita para Julie, porém ainda não discrimina que já �48 depende de Julie, uma vez que seu repertório comportamental se desorganiza quando os reforçadores disponibilizados por ela são retirados do seu ambiente. ! ! Alfie se demonstra habilidoso em interpretar o comportamento das pessoas conforme ilustrado acima, porém, quando se fala de sentimentos, pode-se supor que seu repertório discriminativo é pobre. Principalmente com relação ao que se chama, em Psicologia, de “empatia”. Na cena com Julie, ela diz: “eu te amo”, ao que ele responde “obrigado, gata” e Julie fala: “Você disse ‘obrigado’?”. Nesse momento, Alfie olha para a audiência e pergunta o que houve, como se de fato não tivesse en- tendido a inadequação de sua resposta. Caso a resposta verbal de Julie fosse um mando disfarçado, ou seja, dizer “eu te amo” sendo mantido por um “eu também”, Alfie não proveu o reforçamento para a função de mando, e sim, para função de tato: “Obrigado Gata! [sua informação foi muito útil]” (Medeiros, 2002). No desenro- lar da cena, Alfie não reforçou diferencialmente o comportamento de Julie como fez com o mando disfarçado de Dorie. De fato, parece que ele não discriminou a função manipulativa de sua resposta verbal, e se comportou em relação a ela como se fos- se um tato. Na realidade, a resposta verbal dela pode ser interpretada como um mando disfarçado que ele não reforçou, aparentemente por não compreendê-lo. A diferença entre as duas situações em que Alfie discriminou a função manipulativa �49 dessa cena com Julie é que, nesta, o suposto estímulo tateado é um sentimento. Daí a hipótese, de que, em temas emocionais, Alfie não tem um bom repertório dis- criminativo. ! A interpretação que se pode fazer sobre Alfie é que ele é privado de contato com aspectos emocionais de seus ambientes ou que ele não se importa com o que as pessoas estão sentindo. De fato, faz sentido. Um sedutor promíscuo, frequente- mente, apresenta estímulos aversivos às pessoas com as quais se relaciona ou as priva do reforçamento de sua presença. Caso seu comportamento ficasse sob con- trole discriminativo do que as pessoas sentem quando ele as trata dessa maneira, seria provável que emitisse comportamentos operantes e respondentes que servem de ocasião para se dizer “culpa” ou “ressentimento” na linguagem cotidiana (Gui- lhardi, 2002). Portanto, não há razões para que o seu comportamento fique sob o controle discriminativo do comportamento emocional das outras pessoas, já que suas consequências seriam aversivas. Até o episódio com Marlon e com Lonette, não se observa, no filme, a emissão de comportamentos característicos de culpa por parte de Alfie. A sensação produzida na audiência é a de que ele realmente não se importa. ! Por outro lado, outra explicação para essa falta de compreensão é a possibi- lidade de uma inconsistência no roteiro, uma vez que ele é habilidoso em discrimi- nar outros comportamentos femininos para poder seduzir as mulheres.! Alfie tem uma boa habilidade em interpretar a fala das mulheres e de utilizar elogios como reforçadores, essa é uma de suas estratégias de sedução. Outra es- tratégia nas suas relações é manter o foco nos comportamentos femininos, tentando manipular as contingências de forma que as pessoas, e não ele, se exponham. Julie diz que o ama e a resposta de Alfie é dizer obrigado. Nesta situação, não se estabe- lece relação de intimidade, pois apenas Julie se expõe. Alfie parece não estar sen- sível a nenhum tipo de comportamento que o faça entrar em contato com seus pró- prios afetos. Além disso, outra possibilidade de análise é a de que, se Alfie dissesse para ela que também a amava, estaria fornecendo estímulos discriminativos para um passo seguinte na relação, ou seja, o estabelecimento de uma relação estável. Logo, ao não dizer que a ama, ele diminui a probabilidade de ela emitir mandos para que uma relação estável fosse estabelecida.! As críticas de Alfie ao casamento são comuns ao longo do filme. Na empresa em que trabalha, o dono tem um modo muito grosseiro de tratar a esposa e o per- sonagem descreve a relação de casamento dos dois. Alfie se posiciona de forma a generalizar todos os casamentos a partir desse exemplo: “Um cara meio doido: ob- servem a forma que fala com a pobre mulher. Ela está lhe dando seus melhores anos ajudando-lhe nos negócios, submissa. E agora reparem só [o que ele faz com a mulher]. É estranho eu respeitar a instituição matrimonial”. Alfie descreve para a audiência a relação do dono da empresa com a mulher como um modelo generali- zado da instituição casamento. Pode-se entender que Alfie argumenta em favor de �50 relações sem compromisso ao invés de relacionamentos estáveis, contrastando o contato com reforçadores nas duas situações. É como se ele aqui dissesse que os comportamentos num contexto de “solteirice” fossem reforçados com maior frequência e magnitude (Moreira & Medeiros, 2007) do que se emitidos no contex14 - to de um relacionamento estável. ! O comentário do Alfie acerca do conflito de Marlon e Lonetteenvolve uma questão de gênero: “Uma crise dos 18 meses de relação. Lonette quer uma casa, um bebê, uma família. Marlon quer mais 18 meses para pensar”. Ou seja, Alfie dis- crimina muito bem uma norma cultural muito comum de que as mulheres procuram se relacionar para formarem família, terem relações estáveis e de que os homens fogem de compromissos (Babo & Zablonski, 2002; Carvalho & Medeiros, 2005; Pas- sinato, 2009; Zordan, 2008). E dá esse exemplo na relação de Marlon e Lonette de como essa aprendizagem pode gerar conflito entre gêneros. Alfie também descreve muito bem a privação de Marlon. Como Lonette terminou com Marlon, ele se encon- tra na privação dela e, consequentemente, o valor reforçador de Lonette aumentou. No entanto, vale lembrar que, de acordo com Carvalho e Medeiros (2005), apesar da importân- cia dessa norma cultural, nem todos os homens e nem todas as mulheres têm seus comportamen- tos mantidos por esses reforçadores descritos.! A situação do amigo o faz pensar na pró- pria situação. O amigo é um modelo de como al- gumas relações podem fazer falta, caso se fique privado delas. Tal evento o leva a procurar Julie novamente. Lá, encontra a porta com o trinco fe- chado e pede a ela que abra a porta com elogios, uma de suas estratégias de sedução. Ela não se rende ao comportamento de sedução dele, não abre o trinco e joga nele a calcinha vermelha de Dorie, indício do comportamento promíscuo de Alfie (No final de seu encontro com Dorie, ela co- locou a calcinha no seu paletó sem que ele visse. Julie encontra a calcinha no lixo de sua casa porque Alfie a colocou lá ao percebê-la em seu paletó). Ao ser rejeitado por Julie, Alfie depara-se com uma consequência aversiva do seu comportamento promíscuo, ou seja, a perda dos reforçadores que a doçura de Julie sinalizava.! No encontro de Alfie com Lonette, a função aversiva condicionada do sofri- mento em potencial de Marlon não parece controlar o comportamento de Alfie ao �51 Frequência é um parâmetro do estímulo reforçador que altera a sua eficácia em fortalecer o com14 - portamento que o produz (Moreira & Medeiros, 2007). A frequência de reforços diz respeito ao núme- ro de vezes que o reforçamento ocorre numa unidade de tempo. flertar com ela. Cabe interpretar que Alfie não tem estabelecida a função aversiva condicionada generalizada do sofrimento do outro (Skinner, 1953/2003). O controle dos reforçadores envolvidos na sedução é tão forte sobre o seu comportamento que ele não fica sensível ao fato de que o envolvimento sexual com Lonette pode produ- zir consequências aversivas em longo prazo para ele e, principalmente, para Lonet- te e Marlon. Em palavras do senso comum, Alfie não tem autocontrole. Segundo Rachlin e Green (1972, citado por Fantino & Fantino, 2002), o autocontrole é pri- mordialmente um caso especial de escolha entre reforçamento menor imediato ver- sus reforçamento maior atrasado. Alfie age de maneira impulsiva, tendo seu com- portamento controlado pelo reforço imediato, mesmo correndo o risco de entrar em contato com estímulos aversivos de maior magnitude no futuro (Nery & de-Farias, 2010; Rachlin & Green, 1972, citado por Fantino & Fantino, 2002). Quando Alfie re- encontra Marlon, na manhã seguinte, ele tenta ignorá-lo por não conseguir tirar Lo- nette e a “sua bunda da cabeça”. Nesse ponto do filme, novamente, Alfie emite comportamentos sob o controle de consequências individuais, os quais não pare- cem sofrer influência das consequências de seus comportamentos para os outros. A interpretação é que Alfie não quer ser descoberto por questões práticas, ou seja, não quer perder reforçadores, como o sexo com a mulher do amigo, e os reforçado- res provenientes da amizade com Marlon. Entretanto, é inevitável falar com Marlon, que lhe conta que ele pediu Lonette em casamento quando ela o procurou. Alfie en- tende que, pelo “pecado” que cometeu por ter tido relações sexuais com Lonette, o “castigo”, é ter seu melhor amigo casado. Por outro lado, ele entende que, graças a ele ter feito sexo com a namorada do melhor amigo, Marlon “ganhou o jogo”.! Essa análise de Alfie pode ser tratada como uma resposta de racionalização, conforme descrita por Medeiros e Rocha (2004). As respostas de racionalização po- dem ser vistas, de acordo com os autores, como distorções do tato acerca das va- riáveis controladoras do próprio comportamento, tendo a si mesmo como ouvinte. Essas respostas tendem a enfraquecer a função aversiva condicionada do próprio comportamento punido no passado (Medeiros & Rocha, 2004). No caso de Alfie, os comportamentos de flertar e fazer sexo com a mulher do amigo são passíveis de punição social. Esses comportamentos, quando adquirem a função de estímulo dis- criminativo controlador de respostas de auto-observação, tendem a evocar compor- tamentos respondentes e operantes comuns na culpa, no remorso e na vergonha. Uma esquiva comum é a resposta de racionalização, na medida em que Alfie enxer- ga um lado bom para o amigo a partir do fato de ele ter tido relações sexuais com Lonette. Com essa resposta verbal, talvez Alfie se sentisse menos culpado pelo que fizera. Por outro lado, nesse ponto do filme, ainda não é claro se Alfie realmente emite comportamentos que servem de ocasião para que o senso comum diga as palavras “culpa”, “remorso” ou “vergonha” (ou seja, em termos do senso comum, ainda não é claro se ele sente culpa, remorso ou vergonha). ! �52 Pela segunda vez, ele faz um paralelo entre a vida de Marlon e a dele. A hi- pótese que se pode levantar é a de que os comportamentos do amigo funcionam como operações estabelecedoras que evocam a emissão de comportamentos pre- correntes (Skinner, 1969/1984) sobre os próprios comportamentos, principalmente 15 em relação à Julie: “A palavra do dia: resistência. A capacidade para se recompor das desilusões amorosas. Capacidade de se relançar”. Inicialmente, ele emite esse tato sob o controle discriminativo do fim da relação entre Marlon e Lonette e, em se- guida, o emite em função do fim de seu relacionamento com Julie: “Compreendam, não se trata de pôr outra no lugar de Julie. Trata-se de voltar à vida... de novo. As mulheres não significam muito para mim”.! Depois dessa situação com Lonette e Marlon, e do rompimento com Julie, ele tenta voltar à vida de sair com várias mulheres. Com tudo o que aconteceu, Alfie evi- tou entrar em contato com as consequências de seus comportamentos. Ele não emitiu, em princípio, respostas emocionais em decorrência dos estímulos aversivos com os quais entrara recentemente em conta- to. No entanto, nas outras experiências sexu- ais, ele não teve ereção. Nessas experiênci- as, a falta de ereção de Alfie é seguida de estímulos aversivos como críticas, irritação e ridicularização de suas parceiras sexuais em potencial. Nesse momento, Alfie emite o clássico tato distorcido “isso nunca aconteceu antes!” mantido pela retiradas desses estímu- los aversivos.! Mediante esse problema de ereção, o personagem procura ajuda médica, que aponta como causa da falta de ereção “situa- ções emocionalmente estressantes”. De acordo com Baum (1994/2006), para enten- der como um indivíduo torna-se apto para se autodescrever ou auto-observar, há necessidade de levar em conta o papel do con- texto social em que ele está inserido ao longo de sua história. Em várias situações �53 Baum (1994/2006) discute o conceito de comportamento precorrente como aquele que produz es15 - tímulos que servem de ocasião para emissão de novos comportamentos que, em uma cadeia com- portamental, venham a resultar em reforçamento. Os comportamentos precorrentes são a principal ocasião para se dizer “pensamentos” e ocorrem em situações definidas por Skinner (1974/1982) como problemas. Skinner define como problemas aquelas condições de estímulo que não evocam prontamente uma respostaque venha a produzir reforçamento e, portanto, servem de ocasião para a emissão de comportamentos que tornem a resposta que produza o reforçamento mais provável (i.e., comportamentos precorrentes). A insistência de Marlon em reconquistar Lonette, ao ponto de decidir casar com ela, e a ausência de Julie em sua vida, assim como de todos os reforçadores envolvidos na relação com Julie, constituem-se em um problema para Alfie, situação que evoca a emissão de comportamentos precorrentes. No fim, Alfie lança mão da velha fórmula de recorrer a novos reforça- dores similares, no seu caso, novas mulheres. do filme, Alfie é questionado se está bem; em muitas delas, caberia dizer qualquer outra coisa, mas Alfie automaticamente responde: “eu estou sempre bem”. Seu comportamento fica sob o controle dessa autorregra (Skinner, 1969/1984) e, neste aspecto, não consegue se auto-observar, ou seja, ficar sob controle discriminativo dos próprios comportamentos (Skinner, 1953/2003). Essa autorregra pode estar re- lacionada à insensibilidade às contingências aversivas às quais é exposto (Catania, 1998/1999), na medida em que não discrimina as suas próprias respostas emocio- nais evocadas por tais contingências. Ao mesmo tempo, comportar-se de acordo com essa regra para alguém como Alfie, cujas conquistas amorosas são muito re- forçadoras, aumenta a probabilidade de reforçamento, uma vez que pessoas que aparentam estar felizes e confiantes tendem a ser mais atraentes. ! Quando o médico fala de emoção, Alfie foge dizendo: “Estresse? Emocional- mente? Não. Nunca”. Imediatamente, ele leva em consideração a separação com Julie; o comportamento de pensar em Julie elicia respostas de sua história juntos e ele tem uma ereção. Com isso, constata-se que a parte fisiológica está normal e o problema estava relacionado ao rompimento com Julie. Alfie comenta: “Como sem- pre digo: se não te pegam de uma forma, pegam de outra”.! Nessa consulta, Alfie faz uma coleta de material peniano para biópsia e vai para casa. Ao chegar a sua casa, Lonette o espera na porta da frente. Ao vê-la, Alfie diz que teve saudade e pergunta como ela tem passado. Ao que ela responde se- camente que está grávida. Eles vão a uma clínica de aborto. Nesse contexto, Alfie demonstra sensibilidade às possíveis consequências para o amigo, para Lonette e para ele próprio se um bebê de traços brancos nascesse (Lonette e Marlon são afrodescendentes). Ele se dá conta das consequências aversivas da relação sexual com Lonette. A notícia da gravidez o faz pensar na possibilidade de Marlon desco- brir. Ele elabora uma hipótese de como essa situação produziria sofrimento em Mar- lon. Aqui, ele fica sob o controle do sofrimento do outro. “Ambos sabíamos que, se o bebê nascesse com traços de branco, seria o fim para o Marlon”. Entrar em contato com consequências aversivas, tais como a gravidez de Lonette, faz Alfie dizer que começou a mudar a forma de encarar as coisas. Aparentemente, o personagem dis- crimina que precisa mudar a forma de se comportar de modo a evitar mais contatos com estímulos aversivos.! Como dito anteriormente, nas relações que estabelece com as pessoas, Alfie se apresenta de forma a se mostrar sempre bem. Ele procura se colocar para o ou- tro de maneira agradável, ou seja, elogiando algum aspecto da pessoa ou pergun- tando como a pessoa está ou se sente. Quando é indagado como ele se sente, in- �54 traverbaliza que está bem e não emite tatos puros acerca de si mesmo (Medeiros, 16 2002). Nas interações, Alfie utiliza mandos disfarçados e respostas de esquiva. A retomada desse assunto é para pontuar que, de fato, ele fez pequenas mudanças. Ao receber o resultado da biópsia, que deu negativo, o personagem tem uma con- versa no banheiro com Joe. Alfie se comporta tateando seus eventos privados e, quando perguntado por Joe se está bem, tenta sair de sua resposta automatizada de dizer sim, e diz: “espero”. Nesse ponto, o personagem parece ter ficado mais sensível às contingências que são responsáveis por seu comportamento emocional.! De fato, o comportamento do personagem ficou mais sensível, mas não o su- ficiente para ele mudar seu estilo de vida. Então, ele diz que vai operar mudanças no ambiente: em prol da saúde, vai beber suco de cenoura com vegetais e colocá-la como prioridade; em relação às mulheres, ele se mantém dentro do mesmo padrão comportamental de sedução. Alfie flerta com Liz, uma mulher rica e mais velha. Como Alfie diz: “Uma mulher de verdade”. O personagem interpreta que incorreu em mudança por estar investindo em uma mulher rica que, para ele, não ficaria com qualquer um, o que deixa clara a função reforçadora condicionada generalizada de tê-la. A interação social de flerte entre ele e a mulher o faz se questionar se está fi- cando mais interessante. Liz, portanto, serviria de troféu para Alfie, já que ela não ficaria com qualquer um. Seu comportamento parecer ser controlado pelo “vencer” (reforçadores condicionados generalizados) e não pelos possíveis reforça- dores advindos de uma relação com Liz. Ficar com Liz seria um indício de seu pró- prio valor. Daí é possível questionar a autoestima de Alfie, na medida em que as suas descrições de si mesmo dependeriam de reforçadores condicionados generali- zados. ! Com a mudança do seu melhor amigo e de Lonette para outra cidade sem convidá-lo para visitá-los, privado da presença de seu amigo, dirigindo um táxi, Alfie descreve a solidão que sente no Natal, segundo ele: “uma noite que traz à memória todas essas tradições familiares... Falta de esperança, angústia, desespero. De ma- neira nenhuma ficar só”.! Quando se pensa que ele vai descrever sobre a dificuldade de estar só no Natal, ele faz um contraponto, dizendo que esse é um momento de se trocar pre- �55 Medeiros (2002) descreve a emissão de intraverbais em substituição aos tatos puros como uma 16 manipulação do comportamento verbal. Skinner (1957/1978) descreve os intraverbais como respos- tas verbais controladas por estímulos antecedentes verbais em que a similaridade formal entre o es- tímulo e a resposta são irrelevantes. A principal fonte de controle no intraverbal é a relação temática entre o estímulo e a resposta, de modo que é emitida a resposta verbal que é frequentemente refor- çada na presença desse estímulo (Skinner, 1957/1978). A pergunta “você está bem?” é um estímulo verbal que normalmente controla a resposta intraverbal “estou ótimo”. Tatos acerca da própria condi- ção na presença dessa pergunta (e.g., “estou mal”) provavelmente não seriam reforçados pelo ouvin- te sem muita intimidade com o falante. No caso de Alfie, parece que o intraverbal “estou ótimo” em substituição ao tato acerca da sua condição tem uma frequência muito elevada até mesmo com aqueles ouvintes com os quais tem intimidade. Como seus intraverbais são reforçados e não os ta- tos, o seu próprio repertório de auto-observação se torna enfraquecido. Logo, Alfie, estando sempre bem, raramente sabe como realmente está. sentes: “Por isso, penso que casais não devem nunca se separar entre o Dia de Ação de Graças e o dia 2 de janeiro. Sempre tenha alguém ao seu lado. Sempre. Esse é o momento para se trocar presentes”. Aqui se pode entender que ele tem dificuldade de ficar só, principalmente em datas festivas, mas tem dificuldade de discriminar isso nele mesmo. Ter alguém, portanto, é reforçador para Alfie mesmo que seja aversiva a perda do acesso a outras mulheres. Carvalho e Medeiros (2005) discorrem sobre as variáveis que controlam o permanecer relacionamentos pouco reforçadores ao invés de ficar solteiro, o que, em muitos casos, seria mais reforça- dor.! O serviço de táxi é solicitado e ele es- taciona para atender aos clientes; en- tão, entra no carro Nikki, a quem ele discrimina como “um milagre natalino”. Alfie a descreve como “Ela era exube- rante. Era como...uma mistura de sen- sualidade com loucura que me fascina. Nos lugares que íamos, nos olhavam com espanto. Era brilhante! Graciosa, original, louca, surpreendente. Ah, não esquecendo, sabia fazer coisas mara- vilhosas”. Os reforçadores de curto prazo que Nikki proporcionava eram esses descritos. No entanto, observando a contingência de maneira mais ampla e conhecendo a parceira melhor, Alfie des- creve: “Acabou o encanto. Para começar, já não tinha argumentos. Depois, as coi- sas continuaram a piorar. Tornou-se fechada e melancólica. Maniática. Quebrou mi- nha motocicleta e eu não tinha seguro. Depois, comecei a sentir vontade de querer parar e fui pensando no que realmente tínhamos em comum”. Neste momento, ele entra em contato, minimamente, com o questionamento de que reforçadores mútuos mantêm uma pessoa na relação com a outra. Por fim, Alfie a descreve como uma escultura de mármore linda e perfeita, mas que, ao chegar perto dela, percebia sua insignificância. Assim, ele termina a relação.! Mesmo relatando que não deseja mais manter a relação com Nikki, a ausên- cia de companhia e dos reforçadores envolvidos representa uma situação aversiva para ele. Nesse momento, Julie volta a ter função reforçadora. Pode-se discutir o fenômeno da ressurgência (Moreira & Medeiros, 2007), isto é, comportamentos que eram previamente reforçados (por exemplo, procurar Julie) se tornam mais prová- veis quando não se tem acesso a reforçadores outrora disponíveis. ! Outro encontro amoroso que ocorre no filme se dá entre Alfie e Liz, numa tar- de que o personagem chama de: “A tarde do absinto”. Nesta cena, observa-se que ela se comporta de maneira parecida com a dele. Por exemplo, ele elogia sua tatu- �56 agem. Liz por sua vez, responde com uma pergunta “Gosta de tatuagens exóticas?”. Assim como ele, ela tenta manter o foco no outro, como uma forma de comporta- mento de manipulação da situação. Nas demais relações, era Alfie quem fazia isso. ! ! Em seguida, no filme, há uma ocasião que ele e Julie se encontram. Alfie a elogia e lamenta o que aconteceu entre eles. Alfie também diz que sente falta de Max (filho de Julie), tenta dizer o quanto foi bom, que não se compromete com nada, e que, se ela quisesse, eles poderiam se encontrar outra vez. Alfie não é su- perficial neste momento, pode-se dizer que ele descreve seus eventos privados. Mas Julie pune o comportamento dele, dizendo que não foi bom, que isso são águas passadas e se comporta de forma a extinguir seu comportamento, pelo me- nos na presença dela, apresentando-lhe o novo namorado. A resposta de sedução dele é seguida de um estímulo aversivo (“não foi bom”) o qual sinaliza que ele não é tão bom assim e que não conseguiu fazê-la feliz. Ao mesmo tempo, ao não corres- ponder suas respostas de sedução, ela retira os reforçadores que as mantinham, o �57 que se configura em uma extinção. Os dois procedimentos têm como efeito principal a diminuição da frequência do comportamento, no caso, tenderiam a fazer com que Alfie deixasse de tentar seduzi-la. Em seguida, ele tateia que gostou de vê-la nova- mente e sai da situação, indo embora após cumprimentar o casal. Neste momento, ele tem que lidar com mais uma situação aversiva em decorrência de seu compor- tamento frente às mulheres.! Para dar seguimento a um negócio que queria fazer com Marlon, foi fazer-lhe uma visita. Ao chegar lá, descobre que Lonette não fizera o aborto e que ela e Mar- lon criam o filho. Novamente, Alfie tem que enfrentar uma consequência aversiva de seus comportamentos promíscuos. Com essa visita, ele repensa os erros que come- teu. Identifica, com isso, que evita lidar com situações aversivas, como no dia que levou Lonette para abortar e não perguntou diretamente se ela havia feito o aborto, simplesmente ficou calado. É possível inferir que ele se cala diante das possibilida- des de situações que o façam entrar em contato com estímulos aversivos. Na visita a Marlon e Lonette, ele lembra-se disso e fala: “Só não quis admitir a mim mesmo. O comportamento clássico. Não disse nada”. Com o desenrolar da história, Alfie en- tra novamente em contato com as consequências aversivas de seu comportamento, ao ver todo o sofrimento que causou no amigo. Nesse ponto do filme, Alfie demons- tra pela primeira vez estar sob controle do caráter aversivo do sofrimento de outra pessoa, quando vê que magoou Marlon. Em uma breve comparação, o fato de Julie ter descoberto a promiscuidade de Alfie só foi aversiva para ele pela perda dos re- forçadores outrora disponíveis. Entretanto, o fato de tê-la magoado não exercera controle sobre o seu comportamento como o ocorrido com Marlon.! Essa é mais uma experiência que motiva Alfie a mudar seu comportamento, então ele compra flores para Liz. Quando chega lá para entregar-lhe as flores, en- contra-a com outro homem. Nesse momento, tem a experiência de estar no papel em que colocava frequentemente as mulheres, um papel de descartável. Alfie ques- tiona: “o que ele tem de melhor que eu?”, ao que Liz responde: “ele é mais novo que você”. E aqui se pode dizer que novamente está enfrentando uma situação aversiva. Ele entra em contato com uma rejeição, como sofrera com Julie. Pelo que se obser- va, a rejeição é muito aversiva para ele, que costumava ter seus comportamentos mantidos em esquema de reforçamento contínuo . Além disso, ela representa um 17 estímulo punitivo condicionado generalizado, ou seja, uma derrota. ! Com a exposição a todas essas contingências aversivas, Alfie, ao final do fil- me, fala de seus sentimentos, e diz que, com essas experiências, aprendeu a ge- renciar seus sentimentos. Afirma que falou a verdade (i.e., emitiu tatos puros) ape- nas com Liz e que, ironicamente, ela o traiu. Neste sentido, Alfie tem autoconheci- mento sobre seus comportamentos nas suas relações amorosas: descreve que, em �58 Conforme Moreira e Medeiros (2007), a exposição ao não reforçamento após o comportamento 17 ser mantido em um esquema em que todas as respostas eram reforçadas (i.e., esquema de reforça- mento contínuo) elicia fortes respostas emocionais. todos os relacionamentos, exceto neste, ele mentiu. Alfie fala: “Estou cego por uma crença errada. Não me olhem. Eu nunca me casarei”, no entanto, os sentimentos das mulheres que eram insignificantes passam a ser considerados por ele “como olhavam pra mim, se preocupavam. O carinho que me dispensavam e... costumava me sentir com o controle das coisas”. Privado de afeto ou de possíveis pessoas que possam lhe disponibilizar afeto, ele diz: “agarra à minha solidão... minha vida sou eu. Mas não tenho tranquilidade. E se não tem isso, não tem nada. Sendo assim, como vai ser agora?” Alfie se questiona sobre a sua condição e a descreve como uma consequência de suas ações no mundo. Por fim, ele discrimina sua dificuldade de ficar só.! Considerações Finais!! Pode-se concluir que a produção cultural apresentada no filme é, em boa par- te, uma reprodução dos comportamentos observados no cotidiano. É possível ainda dizer que os comportamentos apresentados de forma caricaturada pelo persona- gem, com a sua extrema insensibilidade no aspecto emocional, retratam, com certa fidedignidade, os comportamentos difundidos pela cultura contemporânea de como os homens se posicionam em suas relações afetivas. ! Pode-se concluir que essa produção cinematográfica passa duas mensa- gens: a primeira é a de que os homens devem evitar o envolvimento em relações �59 estáveis e serem motivados por sexo fácil sem compromisso. A segunda seria jus- tamente a mensagem oposta, no sentido em que a solidão e o sofrimento são inevi- táveis, caso se viva dessa forma. O primeiro modo seria entender a produção do filme como uma forma de motivar os homens a usarem Alfie como um modelo de padrão comportamental para obterem sucesso em seus comportamentosde sedu- ção. A evidência para essa interpretação é a de que, ao longo do filme, a audiência fica muito mais exposta às regras emitidas pelo personagem de como emitir com- portamentos que seduzam as mulheres do que expostos àquelas regras de que vale a pena se relacionar intimamente. Outro modo de entender o filme passaria pela produção que quer mostrar para os homens que sedução não é tudo e que o ama- durecimento envolve ver as mulheres e as relações de outra forma. De qualquer maneira, a influência desses estímulos apresentados no filme sobre a audiência vai depender de variáveis outras na vida do espectador ao longo de sua própria história e que estejam influenciando a vida dele no momento em que assiste ao filme (Skin- ner, 1953/2003).! Outro ponto bastante difundido na cultura e bem trabalhado no filme é esse pavor do personagem acerca do casamento, reproduzindo e dando modelo para o gênero masculino na sociedade. A despeito disso, o personagem se engaja, ao final do filme, numa tentativa de iniciar uma relação estável com Liz. Alguns pontos de- vem ser considerados a esse respeito. Em primeiro lugar, os inúmeros contatos com estímulos aversivos e com a perda de reforçadores ao longo do filme em decorrên- cia de seu modo de vivenciar as relações amorosas. Além disso, tais experiências foram acompanhadas de várias reflexões feitas pelo personagem, principalmente a partir de suas conversas com Joe. A partir dessas ponderações, é possível concluir que Alfie, de fato, teve seu padrão comportamental modificado. Por outro lado, não se deve negligenciar a mudança de perfil de Liz em relação às demais mulheres com as quais Alfie se relacionara ao longo do filme. Liz, como estímulo discriminati- vo, sinalizou a disponibilidade de outros reforçadores aos quais Alfie não teria aces- so caso mantivesse uma relação estável com Julie, Lonette, Nikki, dentre outras. Ter uma relação com Liz poderia ser considerado, então, uma manutenção de padrão ao invés de uma mudança. Isto é, os comportamentos de Alfie em relação às mulhe- res e os reforçadores que os controlam continuam os mesmos. Desse modo, não é possível afirmar com convicção se os padrões comportamentais de Alfie teriam se modificado em decorrência das situações vivenciadas no filme. ! Um contra-argumento à ausência de mudança de padrão comportamental em Alfie quanto à propensão aos relacionamentos estáveis foi o seu diálogo com Julie do meio para o final do filme. De fato, Alfie propõe a ela um novo relacionamento, porém, não fica claro se Alfie pretende manter o mesmo tipo de relação que tinha com ela anteriormente ou se pretende assumi-la em uma relação estável.! Apesar da tentativa de estabelecer esse padrão comportamental de seduzir várias mulheres e ter relações sexuais sem envolvimento afetivo, o personagem tem �60 que lidar com um efeito, também bastante vivenciado pelas pessoas atualmente, que é a solidão. Efeito este bastante trabalhando nos consultórios de Psicologia como queixa inicial dos clientes. Alfie passou a vivenciar as contingências comuns na solidão após o rompimento com Julie. Esse rompimento resultou em várias puni- ções negativas, na medida em que Alfie perdeu acesso a vários reforçadores co- muns em uma relação estável. Por outro lado, até que ponto evitar a solidão justifi- caria o estabelecimento e a manutenção de relações pouco reforçadoras, como dis- cutem Carvalho e Medeiros (2005)? Não restam dúvidas de que Alfie sofreu bastan- te ao longo do filme como consequência de seu estilo de se relacionar, porém, caso se engaje em uma relação estável como resposta de fuga e/ou esquiva desse sofri- mento, não parece provável que esteja pronto para se engajar em relacionamentos considerados saudáveis. Em outras palavras, por mais que tenham sido terapêuti- cas as experiências de Alfie no filme, ainda parece haver um longo caminho pela frente para que ele consiga vivenciar uma relação sob o controle de reforçadores positivos. ! A própria análise feita por Alfie acerca de sua relação com Nikki, com base na metáfora das estátuas imperfeitas, possibilita uma reflexão acerca das variáveis controladoras de seu comportamento de se engajar em uma relação estável. No fim das contas, de acordo com a metáfora, o valor reforçador condicionado de ter al- guém socialmente desejável como a belíssima Nikki (ver a estátua de longe) é maior do que quando já se possui alguém e, principalmente, quando se entra em contato de fato com essa pessoa (ver a estátua de perto, com suas imperfeições). No mo- mento em que Alfie decide romper sua relação com Nikki, ele a vê só de calcinha, vestida com uma camisa social sua, tomando um copo de vinho e com manchas de tinta sobre a pele. Em seguida, ele comenta: “qualquer homem, ao ver essa cena, ficaria excitado. O fato de isso não mexer nada comigo significa que é o fim”. É mui- to provável que o mesmo efeito acontecesse com Liz. Ao possuí-la, rapidamente, ela perderia o valor. Mesmo com Julie, que também o rejeitara, é muito provável que ele tentasse ter com ela a mesma relação que tinha antes, caso ela o aceitasse de volta, ao invés de assumi-la em uma relação estável. ! “Alfie: o sedutor” possibilita, portanto, refletir acerca das variáveis controlado- ras dos comportamentos de entrar e manter uma relação afetiva estável. Quais re- forçadores deveriam controlar esses comportamentos para se vivenciar uma relação considerada saudável? Qual a chance de Alfie ter seu comportamento sob o contro- le de tais reforçadores ao final do filme? Até que ponto o sofrimento nas relações amorosas é a melhor maneira de aprender isso? O que o filme parece tentar mos- trar é que colecionar belas estátuas e evitar a solidão são motivações correlaciona- das com o fracasso nas relações amorosas.!!! ! �61 Referências Bibliográficas!! Alves, N. N. F & Isidro-Marinho, G. (2010). Relação terapêutica sob a perspectiva analítico-comportamental. Em A. K. C. R. de-Farias (Org.), Análise Com- portamental Clínica: Aspectos teóricos e estudos de caso (pp. 66-94). Porto Alegre: Artmed. ! Babo, T. & Jablonski, B. (2002). Folheando o amor contemporâneo nas re- vistas femininas e masculinas. Revista ALCEU, Puc-Rio / Depto. de Comunicação Social, 24, 36-53.! Baum, W. M. (1994/2006). Compreender o Behaviorismo: Comportamen- to, cultura e evolução (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y., Tomanari & E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.! Caixeta, B. (2009). Auto-estima na perspectiva do Behaviorismo Radical. Trabalho de conclusão de Curso de Graduação em Psicologia não pu- blicado, Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília, DF.! Carvalho, M. C. G. B. de & Medeiros, C. A. (2005). Determinantes do seguimento da regra: “Antes mal acompanhado do que só”. Universitas: Ciências da Saú- de, 3, 47-64.! Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (D. G. Souza, trad. coord.). Porto Alegre: Artes Médicas.! Fantino, E. & Fantino, S. S. (2002). From patterns to prosperity: A Review os Rachlin´s the science of self-control. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 78, 117-125.! Guilhardi, H. J. (2002). Análise comportamental do sentimento de culpa. Em A. M. S. Teixei- ra, M. R. B. Assunção, R. R. Starling & S. S. Castanheira (Orgs.), Ciência do Compor- tamento: Conhecer e avançar (Vol. 1, pp. 173-200). Santo André: ESETec.! Medeiros, C. A. (2002). Comportamento verbal na terapia analítico-comportamental. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 4, 105-118.! Medeiros, C. A. & Rocha, G. M. (2004). Racionalização: Um breve diálogo entre a psicanáli- se e a análise do comportamento. Em M. Z. da S. Brandão, F. C. de S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. de Moura, V. M. da Silva, & S. M. Oliane (Orgs.), So- bre comportamento e cognição: Vol. 13. Contingências e metacontingências:Contex- tos sócioverbais e o comportamento do terapeuta (pp. 27-38). Santo André: ESETec.! Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed.! Nery, V. de F. & de-Farias, A. K. C. R. (2010). Autocontrole na perspectiva da Análise do Comportamento. Em A. K. C. R. de-Farias (Org.), Análise Comportamental Clínica: Aspectos teóricos e estudos de caso (pp. 112-129). Porto Alegre: Artmed.! Oliveria, C. G. A. J. (2009). Efeito da escuta diferencial sobre a frequência de comportamen- tos verbais queixosos. Trabalho de conclusão de Curso de Graduação em Psicologia no Centro Universitário de Brasília não publicado, Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília, DF.! Passinato, V. (2009). Análise comportamental dos contos de fada: Uma questão de gênero. Trabalho de conclusão de Curso de Graduação em Psicologia no Centro Universitário de Brasília não publicado, Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília, DF.! �62 Sidman, M. (1989/1995). Coerção e suas implicações (M. A. Andery & M. T. Sério, trads.). Campinas: Psy.! Sidman, M. & Tailby, W. (1982). Conditional discrimination vs. matching-to-sample: An ex- pansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis, 8, 91-112.! Silva, A. I. da & Isidro-Marinho, G. (2003). Auto-estima e relações amorosas. Universitas: Ciências da Saúde, 1, 2 jul./dez. 2003. Disponível em: <http://74.125.113.132/search? q=cache:hVkipDJZtngJ:www.publicacoesacademicas.uniceub.br/index.php/ciencia- s a u d e / a r t i c l e / v i e w / 5 0 7 / 3 2 8 + o r i g e m + d o + t e r m o + a u t o e s t i m a & h l = p t - BR&ct=clnk&cd=6&gl=br>. Acesso em 20 mai 2011.! Silvia, M. C. A. & Weber, L. N. D. (2006). Regras e auto-regras: Um estudo sobre o compor- tamento de mulheres no relacionamento amoroso. Em H. J. Guilhardi & N. C. Aguirre (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição: Vol. 18. Expondo a Variabilidade (p. 55-70). Santo André: ESETec.! Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.! Skinner, B.F. (1957/1978). Comportamento Verbal (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.! Skinner, B. F. (1969/1984). Contingências de reforço: Uma Análise Teórica. Em V. Civita (Org.), Skinner: Os pensadores (R. Moreno, trad.). São Paulo: Abril Cutural. ! Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix.! Valls, D. R. B. (2010). Análise comportamental de relatos verbais repetitivos. Trabalho de conclusão de Curso de Graduação em Psicologia no Centro Universitário de Brasília não publicado, Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília, DF. ! Zordan, E. P. (2008). Os mitos conjugais na perspectiva de adultos jovens. Dissertação de conclusão do Curso de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Psicologia da PUCRS, não publicado. Porto Alegre, RS.!! �63 ! “500 DIAS COM ELA”: ANÁLISE COMPORTAMEN- TAL DE RELAÇÕES AFETIVAS!! Helen Carolina Ferreira Pereira !18 Centro Universitário de Brasília – UniCEUB ! Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento - IBAC!! Carlos Augusto de Medeiros !19 Centro Universitário de Brasília – UniCEUB ! O ideal de amor romântico encontra-se presente culturalmente desde após a idade média (Carpenedo & Koller, 2004), e de acordo com este modelo, a única forma de alguém ser feliz, é encontrando uma pessoa com quem possa vivenciar uma relação afetiva/sexual. O modelo em questão é permeado de regras impreci- sas, que levam constantemente as pessoas a buscarem ajuda psicológica, por esta- �64 O presente texto trata-se da monografia de conclusão de curso de graduação em Psicologia do 18 Centro Universitário de Brasília da primeira autora orientada pelo segundo autor. E-mail: c.a.medeiros@gmail.com 19 Título Original: 500 Days of Summer ! Título no Brasil: 500 Dias com Ela! Ano: 2009! Roteiro: Scott Neustadter e Michael H. Weber ! Direção: Marc Webb! Produção: Mark Waters rem sofrendo pelo que se chama “mal de amor”. Dentre elas, cabe citar: “o amor dura para sempre”, “um amor que morreu pode renascer” e “o amor conquista tudo”. ! ! Faz-se necessário ressaltar que, nas últimas décadas, o modelo idealizado de amor romântico não foi o elemento primordial para o estabelecimento das uniões conjugais (Carpenedo & Koller, 2004). No entanto, para os autores, na atualidade, este tornou-se o ápice da realização pessoal, principalmente para culturas latino- americanas. Pessoas acompanhadas, dentro do contexto de uma relação afetiva, têm o seu comportamento socialmente reconhecido, sendo vistas pelo grupo como possuidoras de grande valor pessoal. Pessoas solteiras, por outro lado, são fre- quentemente privadas de tal reconhecimento e, ao mesmo tempo, rotuladas de fra- cassadas do ponto de vista afetivo e pessoal. ! ! Os filmes e demais produções artísticas e culturais, com frequência, transmi- tem o modelo idealizado de amor romântico, e uma série de mitos associados a ele. Poucas dessas produções questionam a imprecisão desses mitos na condição de variáveis de controle do comportamento. Atualmente, embora ainda pequena, há uma movimentação dos produtores artísticos em função de questionar esses mode- los. Fato que pode ser visto claramente na produção de Shrek® (Dreamworks Ani- mation, 2001), no qual o príncipe não vem de cavalo branco nem atende aos pa- drões de aparência e polidez idealizados e a real beleza da princesa não se dá em função de seus atributos físicos e sim de qualidades pessoais. ! O filme “500 dias com ela”, também se apresenta de modo a questionar tais modelos, e o quanto o controle de modo extenuante das regras referentes ao ideal de amor romântico podem levar as pessoas a limitarem suas possibilidades nas re- lações afetivas e a sofrerem de modo significativo. ! ! A análise do filme “500 dias com ela” visa possibilitar uma maior compreen- são de conceitos da Análise do Comportamento aplicados ao contexto de relações amorosas. Os conceitos utilizados foram os relacionados ao comportamento contro- lado por regras, o comportamento emocional, o comportamento verbal e o terceiro nível de seleção. Questões de gênero também foram discutidas à luz da Análise do Comportamento, na medida em que o filme aponta para algumas mudanças em re- lação aos modelos tradicionais. ! O presente estudo é relevante, uma vez que o comportamento não é livre de influências do ambiente, e o profissional de psicologia deve estar atento aos mode- los sociais que exercem influência sobre o modo como as pessoas vão se compor- tar no contexto de suas interações. Somente a partir dessa compreensão é que será possível auxiliar quem busca ajuda pela psicoterapia a compreender as variáveis que controlam seu comportamento, e as reais possibilidades de mudança por meio desse processo. ! O presente estudo traz um breve resumo do filme com a sua análise aprofun- dada em seguida, sendo finalizados com as considerações finais. A análise enfocou �65 os comportamentos emitidos pelos protagonistas Tom Hansen e Summer Finn, ten- do como pano de fundo o contexto das relações afetivas contemporâneas. !! Descrição do Filme! ! ! O enredo do filme “500 dias com ela” dá-se em torno da estória de Tom (Jo- seph Gordon-Levitt), um arquiteto formado que trabalha como escritor de cartões em uma empresa de Los Angeles, e sua recém-conhecida colega de trabalho, Summer (Zooey Deschanel). ! Tom, ao conhecer Summer, assistente de seu chefe, Vance (Clark Gregg), acredita estar diante da sua predestinada, e por isso, a única mulher capaz de fazê- lo feliz. Diante disso se empenha em comportamentos a fim de conquistá-la e esta- belecer um relacionamento nos moldes tradicionais de namoro com ela. Summer, por sua vez, representa de modo caricatouma geração de mulheres, que por ques- tões históricas e culturais, adota uma postura mais independente em relação aos homens, e não acredita que precisa estar vivenciando uma relação amorosa nos moldes tradicionais de namoro e casamento para ser feliz. ! O decorrer da trama é marcado pela presença de um narrador, que relata ini- cialmente aos telespectadores eventos da infância e desenvolvimento dos persona- gens. Tal fato parece uma tentativa de explicar o motivo do comportamento destes durante a estória. ! O narrador diz o seguinte trecho sobre Tom:!! �66 O garoto, Tom Hansen, de Margate, Nova Jersey, cresceu acreditando que nunca seria verdadeiramente feliz até o dia em que conhecesse a predestinada.! Essa crença vem de uma exposição precoce à triste música pop britânica e à má compre- ensão do filme ‘‘A Primeira Noite de um Homem’’.!! Sobre Summer a narrativa é a que segue:!! A garota, Summer Finn, de Shinnecock, Michigan, não acredita na mesma coisa. Desde o fim do casamento de seus pais, ela só amava duas coisas: a primeira era seu longo cabelo escuro; a segunda era a facilidade para cortá-lo, sem sentir nada. ! ! ! O enredo do filme não ocorre de forma linear aos fatos vivenciados pelos personagens. A primeira cena é marcada pela reação de Tom após o término do re- lacionamento, na qual quebra pratos em casa, ouve conselhos dos amigos e é con- fortado por sua irmã mais nova, Rachel (Chloë Grace Moretz). Nesta cena Tom rela- ta que tudo parecia bem e, de modo repentino, Summer rompeu o relacionamento. Seus amigos e irmã lhe dão diversos conselhos, dentre eles dizem que há outros peixes no mar, e o lembram que já terminou outros namoros no passado. Tom ape- nas enfatiza que agora é diferente porque ama Summer de verdade. Cabe ressaltar que o término ocorre após Tom levar Summer para assistir “The Graduate”, o filme no qual acredita estar evidente o amor verdadeiro. ! A partir da primeira cena, outras vão sendo introduzidas, retratando os 500 dias do período do relacionamento e a percepção de Tom durante cada momento. Dessa forma é apresentado o momento no qual conhece Summer e acredita que de fato está diante da sua predestinada até o momento em que questiona suas crenças em destino e no amor verdadeiro. ! �67 O início do relacionamento é marcado pelo diálogo onde Summer deixa claro para Tom que o envolvimento é apenas casual e não deseja ser namorada de nin- guém. Summer pergunta a Tom se isso para ele seria um problema, ao passo que ele responde não ser. Tom se engaja na relação, mas em muitos momentos se mos- tra confuso e insatisfeito com essa forma de se relacionar. Seus amigos também o questionam sobre o que, de fato, o relacionamento deles seria. ! ! Tom, com o término da relação, passa a escrever cartões muito melancólicos até ser transferido para o setor de consolações por Vance. Meses depois, Tom en- contra Summer no casamento de uma amiga de trabalho em comum. O encontro faz com que relembrem os tempos do “namoro” e divertem-se. Summer pega o buquê da noiva. Na viagem de volta para casa sentam-se juntos, e ela o convida para uma festa em seu apartamento. Tom vai à festa, cheio de expectativas em re- lação a um possível retorno, e vê Summer mostrando uma aliança de noivado a uma amiga. Isso o faz perceber que o relacionamento, de fato, acabou. ! Após a festa na casa de Summer, Tom passa por um período de depressão, durante o qual não cuida da aparência, da alimentação, ingere bebidas alcoólicas com frequência e evita contatos sociais relevantes. Depois de alguns dias vai ao trabalho de ressaca. Nesse momento passa a questionar suas crenças em amor verdadeiro, destino, pede demissão do emprego e passa a dedicar-se à arquitetura. ! A penúltima cena do filme é marcada pelo encontro entre Tom e Summer, ela já casada. Ele a questiona, perguntando sobre como ela que nunca quis namorar pôde ter-se casado. Tom relata a Summer a sua atual descrença no amor dizendo que ela estava certa. Summer discorda dele e diz que ele estava certo, mas que não estava certo sobre ela, e que agora ela estava sentindo pelo marido o que nunca sentiu por Tom. No fim deste diálogo, ele deseja que Summer seja feliz. ! ! A última cena do filme é marcada por Tom chegando a uma entrevista de em- prego, na qual conhece Autumn (Outono, em inglês), interpretada por Minka Kelly. Ela, uma bela mulher, é sua concorrente para a vaga. Tom a convida para um café após a entrevista. ! O filme acaba com a seguinte narrativa: “Tom finalmente aprendeu que não existem milagres. Não existem coisas como o destino. Nada está destinado a ser. Ele sabia. Ele tinha certeza disso agora. Tom tinha... Desculpa!”. ! O resumo descrito pode não contemplar toda a riqueza de dados que o filme possui e que são relevantes para a análise do estudo em questão. Considerando este fato, outros dados podem aparecer na análise quando forem úteis para de- monstrar aspectos relevantes para o estudo.! ! ! ! �68 ! Comportamento Emocional de Tom! ! ! Segundo Kohlenberg e Tsai (1991/2001) sentimentos não são causa de com- portamentos e sim respostas emocionais respondentes e operantes decor- rentes da interação do organismo com o seu ambiente. A esse respeito, Skinner (1989/2002) ilustra da seguinte maneira “não choramos por- que estamos tristes, ou sentimos tristeza porque choramos; cho- ramos e sentimos tristeza porque alguma coisa aconteceu (tal- vez alguém a quem amávamos tenha morrido)’’ (p. 15). Cabe ressaltar que as pessoas aprendem a nomear o que sentem por meio de dicas públicas que a comunidade verbal forne- ce de modo contíguo a esses eventos. ! !O comportamento emocional de Tom no decorrer do filme ilustra bem a proposição do Behaviorismo Radical a res- peito do fenômeno emocional. Skinner (1953/1993) diz que quando as pessoas relatam o que sentem, nomeando esse sentimento, referem-se ao que aconteceu a elas, e que tipos de topografias comportamentais tenderão a emitir. A emissão de tais respostas depende das práticas de reforço da comunidade verbal onde estão inseridas. Tom, ao dizer que ama Summer, demonstra sua probabilidade de emitir com- portamentos que são reforçados por estar perto dela e de favore- cê-la, o que fez no decorrer da estória. O filme mostra cenas nas quais Tom se comporta em função de agradar Summer. As cenas são marcadas por Tom perguntando se Summer quer sair para jantar, ir ao cine- ma e a presenteando com um livro e um CD. ! ! O amor (i.e., os comportamentos resumidos pelo termo) que sente/emite em relação à Summer ocorre em decorrência dos reforçadores disponibilizados por ela no âmbito da relação afetiva dos dois. Isso fica claro nas palavras de Tom “Amo como ela me faz sentir. Como se tudo fosse possível, como se a vida valesse a pena”. A afirmação de Tom é perfeitamente condizente com o enunciado de Skinner (1989/2002), o qual enfatiza que no contexto das relações afetivas, quando se diz “Eu te amo” significa “Você me dá prazer ou faz-me sentir bem” ou “Você reforça meu comportamento” (p. 16). Cabe ressaltar que os reforçadores emitidos por Summer para o comportamento de Tom, são tanto generalizados, em função do controle social que os modelos simbólicos exerciam sobre o seu comportamento, quanto naturais, decorrentes da vivência da intimidade, que envolve troca de afeto, sexo, dentre outros. ! ! Segundo Moreira e Medeiros (2007) a forma como as pessoas se comportam emocionalmente, em seu aspecto respondente, deve-se ao emparelhamento de es- �69 tímulos, onde um estímulo que provoca uma reação emocional é apresentado logo após ou contíguo a outro que não provocaria qualquer reação. Summer, nos mo- mentos de interação com Tom, reforça significativamente o comportamento dele, e muitos dos estímulos presentes quando estão juntos, tornam-seestímulos condicio- nados que eliciaram respostas emocionais em Tom, mesmo na ausência de Sum- mer. Tal proposição fica clara com a seguinte narrativa: “Amo ouvir uma música sempre que penso nela”. A música é parte da contingência onde o comportamento foi reforçado, e por isso torna-se um estímulo discriminativo que facilita os operantes de lembrar de Summer, além de eliciar certas respostas condicionadas comuns quando estavam se divertindo juntos (cf. Skinner, 1953/1993). Essas alterações comportamentais comuns no lembrar ocorrerão na ausência de Summer.! ! O sofrimento apresentado por Tom decorrente do rompimento da relação jus- tifica-se pela perda de reforçadores que Summer disponibilizava. Essas alterações comportamentais estão de acordo com a proposição de Skinner (1989/2002) de que “não choramos porque sentimos tristeza, e sim choramos e sentimos tristeza porque algo aconteceu” (p. 16). Nesse caso, o que aconteceu foi a perda de reforçadores outrora disponíveis.! ! A cena que mostra o comportamento do personagem logo após o término do relacionamento demonstra com clareza padrões respondentes e operantes que constituem suas repostas emocionais. São respostas operantes emitidas pelo per- sonagem “quebrar os pratos, ingerir bebida alcoólica, relatar aos amigos o que aconteceu”. As alterações comportamentais operantes são toleradas na cultura, já que foram emitidas “no calor da emoção”. De modo contíguo a essas respostas, o personagem apresenta o franzir de testa e respiração ofegante. Tais topografias são alterações fisiológicas referentes ao padrão respondente dos estados emocionais.! ! Outras respostas emocionais emitidas por Tom ao longo filme seriam descri- tas na linguagem cotidiana como ciúmes. Costa e Barros (2009) sustentam que res- postas emocionais nomeadas como ciúme tendem a aparecer no contexto no qual o indivíduo discrimina a possível perda de reforçadores. Segundo os autores, as topo- grafias emitidas quando alguém diz sentir ciúmes possuem a função de afastar o rival, diminuir a competição, e também chamar a atenção do parceiro. Essas topo- grafias foram apresentadas por Tom, quando outro homem foi cortejar Summer em sua frente. Ele solicitou que o rival se afastasse e diante da negativa envolveu-se em uma briga. ! ! As proposições de Banaco (2005, citado por Costa & Barros, 2009) e Touri- nho (2006, citado por Cunha & Borloti, 2009) compreendem o ciúme como uma “emoção social”, de modo que o que é sentido pelo sujeito é experimentado dentro de um contexto cultural e sob o controle das práticas verbais de um grupo. A manei- ra pela qual se comporta após a briga, ilustram esse aspecto cultural do ciúmes. Em alguns contextos culturais, emitir comportamentos ciumentos é tratado como de- monstração de afeto e prova de amor. Tom, após a briga, apresentou comportamen- �70 tos descritos cotidianamente como euforia em relação ao seu feito, sendo que Summer desaprovou seu comportamento. Aborrecido, Tom disse que apanhou por ela. Infere-se, a partir da cena que, ao dizer isto, Tom estava dizendo que fez por amor a ela, portanto, ela não tinha o direito de sentir raiva dele. Tom, devido às prá- ticas de seu grupo, comportou-se como se o seu comportamento ciumento devesse ser reforçado por Summer. !! A Comunicação entre Tom e Summer! ! ! Segundo Cordova e Jacobson (1999, citado por Silva & Weber, 2006), parte dos problemas que os casais enfrentam em uma relação deve-se à dificuldade de comunicação entre os parceiros. A esse respeito, Kohlenberg e Tsai (1991/2001) di- zem que em contexto de relações de intimidade, os envolvidos devem ser claros um com outro a respeito do que sentem, de modo que possam ter suas necessidades atendidas. No entanto, Medeiros (no prelo) ressalta que nem sempre há uma corre- lação precisa entre a variável de controle do comportamento verbal e a sua topogra- fia. As manipulações do comportamento verbal, segundo o autor, ilustram como o comportamento verbal não se reduz a um instrumento de expressão de ideias, e sim, como operantes que atuam no ambiente social. Em decorrência disso, muitas vezes a comunicação clara é comprometida, na medida em que os ouvintes tem acesso à topografia, mas nem sempre conseguem discriminar a função do compor- tamento verbal. ! �71 Bomb Machine Realce ! O relacionamento entre Tom e Summer é marcado pela diferença do tipo de relação que seria reforçadora para os comportamentos de ambos. Para Summer é reforçador estar com Tom, compartilhar momentos de intimidade, mas o rótulo de namorada dele apresentava funções aversivas. Já para Tom, tê-la como namorada nos moldes tradicionais é um reforçador poderoso capaz de fortalecer vários ope- rantes. Nesse momento, a regra “ela era a sua predestinada, portanto a única capaz de fazê-lo feliz” pode ter estabelecido tal função reforçadora sobre o seu comporta- mento. ! ! O início do relacionamento entre Tom e Summer é marcado pelo diálogo onde ela deixa claro para Tom que deseja apenas que o relacionamento entre eles seja casual, e pergunta se para ele há algum problema, ao passo que ele responde que para ele está tudo bem assim. Em termos comportamentais, o diálogo entre Tom e Summer é marcado pela emissão de um tato emitido por Summer. Trata-se 20 de um tato na medida em que a sua resposta verbal está sob o controle discrimina- tivo do tipo de relação que seria reforçadora para ela com ele, e não sob o controle das possíveis consequências apresentadas por Tom na condição de ouvinte. No en- tanto, Tom responde com um operante verbal manipulativo, um tato distorcido , em 21 que sua resposta verbal se dá em função de não perder os reforçadores provenien- tes da relação de intimidade com Summer, e não em função do tipo de relação que seria reforçador para ele viver com ela.! ! Quando Tom e Summer vão ter a primeira relação sexual, ele fica desconfor- tável como o fato de ela não ser sua namorada, e emite o seguinte intraverbal 22 para si próprio: “Certo! É só uma garota. Só uma garota. Ela quer ser casual. Por isso está na minha cama, pessoas casuais fazem isso. Tudo bem, tudo ótimo!”. Tom ao racionalizar para si que pessoas casuais fazem isto, está de acordo com a conexão que a cultura estabeleceu para sexo sem compromisso igual a relaciona- mento casual (Medeiros & Rocha, 2004). Outros intraverbais foram emitidos por Tom, no decorrer do filme, dentre eles cabe citar: “Por favor, somos adultos, sabe- �72 O tato é operante verbal cuja topografia é determinada é estímulo antecedente não verbal (Skin20 - ner, 1957/1978). Suas consequências mantenedoras são generalizadas e não determinam a sua to- pografia. Os exemplos cotidianos mais comuns são relatos, narrativas e comentários. O tato distorcido é definido por Medeiros (no prelo) como a resposta verbal com topografia de tato 21 a qual é determinada pelas consequências tanto para tatos precisos, quanto para tatos distorcidos. Nos tatos distorcidos, o controle pelos estímulos antecedentes é corrompido pela influência dos es- tímulos consequentes. Skinner (1957/1978) introduz o conceito de comportamento intraverbal o qual possui a topografia 22 determinada por um estímulo antecedente verbal, porém, não há correspondências formais entre o estímulo e a resposta verbais. Os intraverbais são instalados pelas consequências generalizadas disponibilizadas pelo ouvinte quando determinadas respostas verbais ocorrem na presença de certos estímulos verbais, constituindo o controle temático, conforme definido por Skinner (1957/1978). Os intraverbais são muito comuns em resposta de prova, frase prontas, paráfrases e resumos. mos o que sentimos. Não precisamos de rótulos. Namorado, namorada, tudo isso é muito juvenil”. ! ! Os operantes intraverbais emitidos por Tom eram apenas respostas de racio- nalização no seu discurso (Medeiros & Rocha, 2004). Issodevido ao fato de que o seu comportamento de modo algum estava sob o controle do discurso moderno emitido por ele, de que “pessoas casuais têm relação sem compromisso” e “adultos não precisam de rótulos”. Tal discurso era uma regra que controlava o comporta- mento de Summer, não de Tom, que simplesmente os repetia, sem autoconheci- mento, para conseguir lidar com uma relação afetiva fora dos moldes que seriam reforçadores para ele (Medeiros & Rocha, 2004).! ! Quando a relação tornou-se pouco reforçadora e Summer passou a punir os comportamentos de Tom, ele reagiu de modo a dizer o que o relacionamento deles significava para ele. A noção de significado para o Behaviorismo Radical é a de que os usos dos termos que uma pessoa aprende dentro do seu grupo, é que vão definir o significado de cada palavra para o indivíduo (Skinner, 1957/1978). Este significado depende das práticas de reforço da comunidade verbal, que podem variar entre dife- rentes comunidades. Os comportamentos emitidos no contexto da interação afetiva entre Tom e Summer para ele significavam um namoro, enquanto que, para ela, sig- nificavam um relacionamento casual. Tom deixa claro quando emite o seguinte rela- to:!! Não venha com essa. Nem tente. Não é assim que se trata um amigo. Beijos na sala da copiadora, mãos dadas na loja. Sexo no chuveiro. Amigos uma ova! (...) Não é a única a dar opinião, eu também posso. E digo que somos um casal, droga!!! Modelação Inversa e Autorregras no Comportamento de Sum- mer!! A narrativa inicial do filme enfatiza a separação dos pais de Summer, e o fato de, ao contrário de Tom, ela não acreditar que só seria feliz quando encontrasse al- guém com quem pudesse vivenciar um amor nos moldes dos contos de fada, filmes e demais produções artísticas. ! ! Segundo Baldwin e Baldwin (1986), quando um observador vê o comporta- mento de um modelo ser punido tende a fazer o contrário do que fez o modelo. Ape- sar de o filme não mostrar esses dados de forma detalhada, com base no relato verbal de Summer, é possível inferir que seu comportamento tenha sido inversa- mente modelado quando viu o comportamento dos seus pais entrarem em contato com estímulos aversivos decorrentes da interação afetiva/sexual vivenciada no con- texto da conjugalidade. Ela diz: “Eu gosto de ter vida própria, relacionamentos são confusos, as pessoas ferem os sentimentos, quem precisa disso? E a maioria dos casamentos acaba em divórcio hoje, como o dos meus pais”. Tal fato, dentre outros, �73 pode ter colaborado para que ela não condicionasse o sentido da sua vida à espera de encontrar um homem que pudesse fazê-la feliz, ou a salvasse dos perigos do mundo, como os príncipes fazem com as princesas (Passinato, 2009). ! ! Baldwin e Baldwin (1986) também enfatizam que a modelação inversa tende a ocorrer quando é reforçador para o comportamento da pessoa mostrar que não é uma pessoa conformista. Agir contrariamente a modelos sociais é uma característi- ca que o filme mostra a respeito do comportamento de Summer, não só em contex- tos de relações afetivas, mas em diversos outros campos. Isso fica claro no seguinte diálogo com Tom, sobre preferências musicais:!! Summer: - Qual é? Eu amo Ringo Starr. ! Tom: - Ninguém ama Ringo Starr. ! Summer: - Por isso eu o amo. ! ! Infere-se, a partir do relato verbal de Summer no decorrer da estória, que esta tenha reformulado a regra do modelo tradi- cional de relações afetivas, que diz que “uma pessoa só será feliz quando encon- trar o amor verdadeiro”. Summer questio- na o modelo tradicional, emitindo compor- tamentos, no contexto das relações afeti- vas, controlados por reforçadores mais próximos aos naturais. Quando uma pes- soa reformula uma regra, e esta passa a ser uma variável de controle do seu com- portamento, ela passa a ser uma autorre- gra (Meyer, 2005). Os comportamentos de Summer, no decorrer da estória, parecem estar sob o controle da autorregra emitida pela personagem, ao dizer que gosta de ter vida própria, relacionamentos são confusos e não necessariamente se têm que estar vivenciando uma relação afetiva nos mol- des tradicionais para ser feliz. ! ! É importante notar que os compor- tamentos de Summer em relação a Tom não eram mantidos por reforçamento nega- tivo, como é comum em muitos casais (Carvalho & Medeiros, 2005). Ela o encon- trava, beijava, dava carinho a Tom quando esses comportamentos produziam reforça- �74 dores positivos. Porém, ela não os emitia para evitar cobranças, reclamações, ou mesmo, prevenir o rompimento. Regras comuns nos relacionamento tradicionais não exerciam controle sobre o comportamento dela como, por exemplo: “meu tempo livre eu tenho que passar com o meu namorado”; “tenho que me dedicar à relação mesmo que nem sempre esteja com vontade”; “estar disponível sexualmente para o parceiro faz parte das atribuições de uma boa namorada”.!! Papel de Gênero no Comportamento de Summer! ! ! Ao longo das últimas décadas, houve uma mudança importante no controle social do comportamento feminino. Antes, a mulher devia exercer o seu papel de mãe, esposa, cuidadora e do lar, e somente assim poderia ter o seu comportamento socialmente reconhecido pelo grupo. Devido a mudanças históricas, como o adven- to da pílula anticoncepcional, o Movimento Feminista, a entrada para o mercado de trabalho e para as faculdades, houve uma ampliação das possibilidades femininas (Carpenedo & Koller, 2004). O sexo ficou desvinculado do casamento e da procria- ção; o advento da pílula anticoncepcional permitiu que a maternidade, se ocorresse, fosse de acordo com a conveniência do momento; e as mulheres passaram a expe- rimentar os reforçadores decorrentes de outras interações, dentre elas, o trabalho. ! ! Apesar das mudanças ocorridas, Rocha e Coutinho (2000, citado por Carpe- nedo & Koller, 2004), chamam a atenção para o fato de que, junto com os novos modelos, os velhos ainda se fazem presente. E tal fato pode ser constatado com modelos ainda presentes na comunidade verbal, que ensinam as mulheres que po- dem sim ter seu espaço profissional, mas só serão verdadeiramente felizes quando encontrarem um homem com quem possa estabelecer uma relação afetiva/sexual estável. Segundo Gonçalves (2007, citado por Pastana, Maia & Maia, 2010) a mu- lher solteira ainda é vista como “solitária, infeliz, frustrada e insatisfeita, considerada tanto vítima, quanto culpada de sua condição” (p. 57). ! ! Os modelos instituídos ainda presentes têm especial caráter aversivo para algumas mulheres. Isso faz com que seja reforçador para o comportamento de al- gumas demonstrarem que as diferenças entre os sexos é algo irrelevante. Mulheres assim se comportam sob o controle do que é reforçador positivo para o seu compor- tamento, e não em função de se adequarem ao papel de gênero imposto pelo gru- po. Muitas ainda assumem uma postura tipicamente masculina no modo de se com- portar. A personagem Summer Finn representa de modo caricato esse grupo que teve seu comportamento inversamente modelado. No decorrer do filme, Summer apresenta topografias comportamentais tidas socialmente como masculinas. Tem um amplo histórico de relações afetivas, inclusive com uma pessoa do mesmo sexo, diz a Tom que não deseja um relacionamento estável, e deixa claro que só faz aqui- lo que é reforçador para o seu comportamento, em contraposição aos modelos so- ciais. Os três seguintes diálogos marcam bem essa postura. ! �75 ! Summer e Mckenzie (Geoffrey Arend):! Summer: - Não acredita que uma mulher gostaria de ser livre e independente?! Mckenzie: - Você é lésbica?! Summer: Não, não sou. Só não fico confortável sendo namorada de alguém. Não fico confortável sendo nada de ninguém. Eu gosto de ter vida própria (...) Somos jo- vens, moramos em uma das cidades mais lindas, podemos nos divertir enquanto podemose guardar as coisas sérias para depois.! Mckenzie: - Cacete! Você é um homem. Ela é um homem. !! Tom e Summer: !! Tom: - Mas ele estava na sua vida, então por que dançou comigo?! Summer: - Porque eu quis.!! Tom e Summer: ! Summer: - Temos sido como Sid e Nancy há 23 meses.! Tom: - Sid esfaqueou a Nancy sete vezes com a faca de cozinha. Quer dizer, temos nossas diferenças, mas não acho que eu seja Sid Vicious.! Summer: - Não, eu sou o Sid.!! O Controle por Regras dos Comportamentos de Tom! Existe uma Predestinada ! Segundo a narrativa inicial do filme, a exposição precoce ao modelo social de relação amorosa presente na comunidade de Tom exerceu forte influência para o estabelecimento da regra que passaria a ser a variável de controle do seu compor- tamento no contexto de uma relação amorosa. De acordo com o modelo exposto a Tom, uma pessoa só pode ser verdadeiramente feliz quando encontra o seu par ro- mântico, que está destinado a ser encontrado em algum momento da vida, e quan- do isto acontecer, tudo fará sentido. Todas as outras coisas, como trabalho, amigos e lazer são aspectos secundários. ! �76 Sid Vicious foi baixista da banda Sex Pistols. Músico inglês reconhecido como um ícone da cultura 23 Punk. Nasceu em Londres em 1957 e faleceu em Nova Iorque em 1979. Sid conheceu Nancy e os dois viveram uma relação com muitos conflitos e uso de drogas. Nancy foi encontrada morta no apar- tamento onde vivia com Syd e a culpa do crime recaiu sobre ele. Tal fato inspirou um filme onde Syd mata Nancy com uma faca de cozinha. ! A observação do comportamento de outra pessoa pode influenciar direta- mente o comportamento de quem observa (Baldwin & Baldwin, 1986). Quando isto ocorre, o comportamento observado serve de modelo para o comportamento do ob- servador. Os modelos podem ser pessoas que participam ativamente na vida do ob- servador ou podem ser simbólicos, como os apresentados nos livros, filmes, músi- cas, descrições verbais, dentre outros meios de transmissão cultural. A esse respei- to, Baldwin e Baldwin enfatizam que “os observadores que veem, ouvem ou leem sobre o comportamento de um modelo, ganham informação sobre o comportamento e podem usar esta informação para orientar seu próprio comportamento” (p. 164). ! Segundo Baum (1994/1999) os mo- delos mais imitados são aqueles que re- presentam sucesso e status dentro de um grupo. Ou seja, aqueles que têm dispen- sado aos seus comportamentos reforçado- res generalizados, como admiração e res- peito, dentre outros. ! Infere-se a partir do que foi apre- sentando no filme, que Tom, ao observar os modelos sociais, apresentados em fil- mes, livros e música, teve seu comporta- mento diretamente afetado. Tal fato pode ser claramente observado no seu modo de se comportar no contexto da relação amo- rosa que teve com Summer. Baum (1994/1999) enfatiza que, o controle por regras pode ser estabelecido quando um ouvinte escuta a verbalização de uma re- gra ou lê uma instrução, e esta passa a exercer controle sobre seu comportamento. Diante disso, infere-se pelo desenrolar da estória, que a aprendizagem de Tom, em relação a acreditar que só poderia ser verdadeiramente feliz quando encontrasse sua predestinada, deu-se em função da observação de modelos e regras transmitidas a ele por sua comunidade verbal refe- rentes ao ideal de amor romântico. ! Segundo Skinner (1974/2004), o estabelecimento do controle por regras se dá de maneira mais rápida do que a própria exposição às contingências. Tal fato pode ser observado com clareza no histórico do personagem. Tom, ainda na infân- cia, antes de se expor às contingências presentes numa interação afetiva/sexual, com base nos modelos sociais apresentados, foi exposto à regra que estabelece a relação entre felicidade e a realização do ideal de amor romântico. O narrador deixa bem claro como foi estabelecida essa regra quando inicia a descrição de Tom.! �77 Dentre outras coisas, o filme “A Primeira Noite de um Homem” narra a história de um jovem que vence diversos obstáculos para conseguir ficar com a mulher amada. No final desse filme, ambos lutam contra tudo e contra todos e terminam fu- gindo de ônibus. Ao comparar o comportamento do protagonista de “A Primeira Noi- te de um Homem” ao comportamento de Tom, cabe inferir, que este foi um dentre os modelos, para o estabelecimento da regra de que Tom só seria feliz quando encon- trasse sua predestinada. De modo semelhante ao protagonista do filme, Tom for- mou-se em arquitetura e conformou-se com o emprego que conseguiu, ficando a espera que sua predestinada chegasse para dar sentido à sua vida. As seguintes palavras de Tom e do narrador demonstram isso com clareza: Tom: - Eu precisava de um emprego e aqui estamos nós. Narrador: - Tom conheceu Summer em oito de janeiro, e ele soube imediatamente que ela é quem ele procurava. ! Regras são construídas no contexto de uma comunidade verbal e especifi- cam para o indivíduo qual o modelo de comportamento que é reforçado pelo grupo (Baum, 1994/1999). O personagem Tom representa um jovem da sociedade con- temporânea atual, a qual é fortemente marcada pelo ideal do amor romântico, com este se constituindo em uma fonte de glamourização da vida (Pastana e cols., 2010). Os filmes, as músicas e os contos de fadas que transmitiram a regra de que “só encontrando o amor verdadeiro Tom seria feliz” são produtos da comunidade onde o mesmo se encontra inserido (Lazarus, 1985/1992; Passinato, 2009). ! O modelo idealizado de amor romântico transmitido pelos filmes, contos de fadas, li- vros, revistas e músicas são permeados de re- gras que definem que características físicas e de personalidade o parceiro deve ter para que a relação dê certo, o que fazer para manter uma relação, o que fazer para conquistar o amor da sua vida e o que fazer para reconquis- tá-lo quando for necessário, dentre outras. ! De acordo com Shilinger e Blakeli (1987, citado por Paracampo & Albuquerque, 2005), o comportamento descrito pela regra, pode ser emitido depois de passado certo tempo após a apresentação da mesma. Nesse caso o com- portamento é evocado diante de estímulos descritos pela regra. Uma das regras referen- tes ao ideal do amor romântico é que “existe uma pessoa certa, predestinada para ser en- contrada, e quando esta chegar, a pessoa logo saberá”. Esta regra também foi uma variável de controle relevante sobre o comportamento de �78 Tom, e foi transmitida ao personagem ainda na infância. No entanto, os comporta- mentos descritos por ela foram emitidos quando Tom encontrou Summer. Nesse caso, Summer funcionou como um estímulo discriminativo para o seguimento da re- gra. Essa regra pode ser verificada na cena que marca o diálogo entre o casal sobre o tema amor. Segue a descrição: !! Summer: - Não existe isso de amor, é fantasia. ! Tom: - Acho que você está errada. ! Summer: - Está bem, então o que estou perdendo? ! Tom: - Acho que você saberá quando sentir.! A Importância da Beleza Feminina para o Estabelecimento de uma Relação Estável! O personagem Tom, de modo semelhante aos homens de sua idade no con- texto cultural onde vive, valoriza o atributo aparência física nas mulheres. A aparên- cia representa um pré-requisito para que uma mulher seja sua namorada. O fato de Summer ter-se tornado um estímulo discriminativo (SD) para que Tom se compor- tasse a fim de conquistá-la é devido ao fato desta compartilhar características físi- cas valorizadas pelo grupo no qual Tom encontra-se inserido. A seguinte narrativa demonstra isso com clareza.! �79 ! (...) Summer Finn era a mulher. Altura mediana, peso mediano, pés um pouco maio- res que a média, para todos os propósitos, ela era apenas mais uma garota. Mas ela não era. (...) Todo apartamento que Summer alugava era oferecido a uma taxaem média 9,2% mais baixa que o valor de mercado. Na viagem de ida ao trabalho, re- cebia uma média de 18,4 olhadas por dia. Era uma qualidade rara, o efeito Summer, rara e algo que todo homem adulto encontrou pelo menos uma vez na vida.!! Segundo Passinato (2009), com base no modelo do príncipe dos contos de fadas, os meninos aprendem que o pré-requisito primordial para que uma moça seja sua namorada são os atributos físicos. Os príncipes se apaixonam quase que de modo instantâneo pelas princesas de beleza inigualável. O mesmo aconteceu com Tom Hansen quando viu Summer Finn. Isso fica claro através da seguinte narrativa: “Tom conheceu Summer em oito de janeiro, e ele soube imediatamente que ela é quem ele procurava”. ! Segundo Buss (1999, citado por Silva & Weber, 2006), embora os homens procurem em suas parceiras características como bondade, entendimento e habili- dades para cuidar dos filhos “a atratividade da parceira tem uma importância des- proporcionalmente maior do que outras qualidades” (p. 58). A partir disso, é possível inferir que apresentar-se para o grupo onde se encontra inserido ao lado de uma mulher tão bela quanto Summer é especialmente reforçador para o comportamento dos rapazes. Ao fazê-lo, passam a ser vistos como competentes e capazes no que se refere ao padrão afetivo masculino. Em outras palavras, mulheres sexualmente atraentes trazem status, admiração e respeito como reforçadores condicionados ge- neralizados para os seus parceiros. O discurso dos amigos de Tom a respeito do que consideram importante para estabelecerem um relacionamento afetivo sexual também demonstra com clareza a regra de que aspectos físicos são considerados fatores importantes. Segue a narrativa: !! Mckenzie: - Contanto que ela seja bonita e esteja disposta, né? ! Paul (Matthew Gray Gubler): - Acho que, tecnicamente, a garota dos meus sonhos, provavelmente teria um peito avantajado, cabelo diferente, provavelmente gostaria de esportes (...).! ! ! A comunidade reforça o comportamento de pessoas que são esteticamente adequadas para o padrão de beleza instituído pelo grupo. Quando se trata de bele- za feminina, esta é vista como um ideal a ser conquistado pelo homem, que entra em contato com reforçadores sociais, quando se apresenta com uma bela mulher ao seu lado; e um ideal a ser alcançado por outras mulheres, que se empenham em comportamentos a fim de se adequarem ao padrão. Ao belo, como bem constatado no diálogo a seguir entre Tom e Mckenzie, é dada a permissão até da falta de edu- cação. ! �80 ! Tom: - Que merda! Por que garotas bonitas acham que podem tratar todos mal e fi- car tudo bem? ! Mckenzie: - Séculos de fortalecimento. ! Um Amor que Morreu Pode Renascer! A regra, encontrada por Lazarus (1985/1992), baseado em relatos e grava- ções de sessões com pacientes, de que “um amor que já morreu pode renascer” (p. 108) pode ser verificada no comportamento de Tom. Isso ocorre quando após o tér- mino do relacionamento, Tom se empenha em comportamentos com a função de produzir a presença de Summer e de restabelecer a relação. Ele procura estar em lugares onde possa encontrá-la e, nos momentos em que estão juntos, procura ser agradável, fazendo-a lembrar os bons momentos que passaram juntos. A seguinte narrativa demonstra o fato com clareza: “Tom andou até o apartamento dela, intoxi- cado pela promessa da noite. Ele acreditava, que desta vez, suas expectativas iam- se alinhar com a realidade”.!! Afinidades Garantem o Sucesso de uma Relação ! Segundo Otero e Ingberman (2004, citado por Silva & Weber, 2006), seme- lhanças existentes entre os parceiros levam a interações especialmente reforçado- ras. As semelhanças compartilhadas entre Tom e Summer também se constituíram em uma variável de controle para reforçar o comportamento dele de acreditar que ela era sua predestinada. Isso pode ser observado na seguinte fala de Tom: “Ela gosta de Magritte e Hopper. Falamos sobre Banana Fish por uns 20 minutos, tão compatível... louco. Ela não é como achei que fosse, é incrível!”.! Segundo Otero e Ingberman (2004, citado por Silva & Weber, 2006), afinida- des e diferenças não são fatores que no início de uma relação terão como predizer se o relacionamento vai-se estabelecer, uma vez que o início é marcado por ativida- des de lazer. Nessa fase os parceiros procuram mostrar o que têm de mais interes- sante a fim de que seus comportamentos sejam reforçados com a atenção e a admi- ração do outro. Ao longo da estória de Tom e Summer, embora eles tivessem algu- mas afinidades, as diferenças tornaram a relação pouco reforçadora para o compor- tamento de Tom. Summer, sempre que podia, fazia questão de mostrar a Tom o quão diferente dele ela era. O que fica claro no seguinte diálogo entre o casal: !! Tom: - Em Londres, 1964, as garotas sabiam se vestir. Hoje, usam óculos enormes, tatuagens. Bolsas com cachorros dentro. Quem permitiu isso?! Summer: - Algumas pessoas gostam.! Tom: - Gosto de como se veste.! Summer: - Estava pensando em tatuar uma borboleta no tornozelo.! �81 O Amor Conquista Tudo! ! A despeito das tentativas de Tom em fazer com que a relação afetiva com Summer se tornasse estável aos moldes tradicionais de um namoro, Summer resis- tia e fazia questão de mantê-la casual. Além de o reforçamento intermitente ter con- tribuído para a insistência de Tom, a regra de que o amor conquista tudo pode ter contribuído para a manutenção de seu comportamento. Infere-se, a partir disso, que talvez o comportamento de Tom estivesse sob o controle da regra encontrada por Stenberg (1999, citado por Silva & Weber, 2006) de que “o amor conquista tudo”, se comportando em função de fazer com que os sentimentos de Summer por ele mu- dassem. ! Variáveis que Afetaram a Permanência e a Mudança do Comporta- mento de Tom sob o Controle de Regras Discrepantes das Contin- gências! Segundo Newman, Buffington e Hemmes (2002, citado por Paracampo & Al- buquerque, 2005), o seguimento de regras discrepantes das contingências “depen- de do esquema de reforço que reforça ou não o seguimento da regra” (p. 234). O relacionamento entre Tom e Summer é marcado, a maior parte do tempo, por es- quema de reforço intermitente. Indícios de que fosse a predestinada e de que teriam uma relação estável eram apresentados intermitentemente, o que mantinham os comportamento de Tom em relação a ela. A intermitência passa a ocorrer após Summer dizer a Tom que não deseja um relacionamento sério, passando a reforçar �82 apenas algumas das tentativas dele de se aproximar. Esse esquema fica claro nas palavras de Summer: - “Não posso essa semana, que tal na próxima? Espero que signifique que está pronto para sermos amigos”. ! ! O esquema de reforço intermitente torna o comportamento sob o controle da regra discrepante das contingências mais resistente à extinção (Newman e cols., 2002, citado por Paracampo & Albuquerque, 2005). Fato que justifica a manutenção do comportamento de Tom em permanecer na relação com Summer, mesmo quan- do a relação tornou-se pouco reforçadora e com maior contato com estímulos aver- sivos. Isso pode ser observado em uma das cenas, onde Summer pune o compor- tamento de Tom, e ele vai embora chateado após discutir com ela. No entanto, em seguida ela o procura, e emite todos os reforçadores que tem elevada magnitude para o comportamento dele, como atenção, afeto e relação sexual. Esta cena, com ela na porta do apartamento dele, é marcada pelo seguinte diálogo: !! Summer: - Eu não deveria ter feito aquilo. ! Tom: - O quê? ! Summer: - Ficado com raiva de você. Desculpa! ! ! ! Segundo Zettle e Hayes (1982, citado por Paracampo & Albuquerque, 2005), o seguimento de regras estará sob o controle de duas variáveis distintas, podendo ser o reforço emitido pelo grupo para o comportamento de seguir a regra (con- sequências sociais),ou sob as consequências que se seguirão após a emissão do comportamento sob o controle da regra. Apesar de o controle social estabelecido para o seguimento da regra “encontrando o amor verdadeiro, serei feliz” no compor- tamento de Tom, este experimentou alguns reforçadores naturais decorrentes da interação afetiva/sexual com Summer. No entanto, com o passar do tempo, as con- sequências naturais reforçadoras para o seu comportamento sob o controle da regra já não estavam mais sendo produzidas pela relação. Pelo contrário, Tom em muitos momentos estava tendo os seus comportamentos punidos por Summer. Diante dis- so, a probabilidade seria de que Tom rompesse o relacionamento, o que não ocor- reu. Fato este que demonstra com clareza que o comportamento de Tom estava mais sob o controle das consequências sociais mediadas para o responder de acor- do com a regra, do que sob as consequências naturais decorrentes da interação com as contingências. ! ! Segundo Skinner (1974/2004) o controle por regras é útil quando as contin- gências são estáveis, e torna-se problemático quando as contingências mudam e o controle exercido pela regra não. Isso faz com que o comportamento exercido sob o controle da regra, em muitos casos, entre em contato com estímulos aversivos ao invés de ser reforçado. Houve uma mudança nas contingências do relacionamento entre Tom e Summer quando ela sinalizou que não mais dispensaria ao comporta- mento dele os reforçadores provenientes da relação de intimidade com ela. Isto �83 ocorre quando ela rompe o relacionamento com ele. Este fato fez com que o con- trole da regra de que Summer era sua predestinada e todas as respostas emitidas sob este controle não fossem reforçadas, ou mesmo, fossem punidas. A seguinte fala de Tom caracteriza essa variável de controle para os comportamentos que emi- tiu na tentativa de reconquistar Summer. “São uns mentirosos. Não quero superá-la. Quero-a de volta. Por um lado quero esquecê-la, pelo outro sei que ela é a única no universo que me faria feliz”. ! ! Segundo Paracampo e Albuquerque (2005), “o seguimento de regras tende a deixar de ocorrer quando produz perda de reforçadores” (p. 232). O controle da re- gra para o comportamento de Tom mudou quando este emitiu comportamentos com a função de restabelecer sua relação com Summer que não foram reforçados. A au- sência de reforço por parte de Summer, aliado ao fato de Tom vê-la com uma alian- ça, o que foi extremamente aversivo, fez com que o comportamento de procurá-la diminuísse de frequência.! ! O reforço emitido de modo intermitente para o comportamento de Tom no de- correr da relação com Summer tornou mais difícil a diminuição do efeito da regra de que ela era sua predestinada. Embora o enredo do filme gire em torno do questio- namento dos mitos referentes ao amor romântico, em alguns casos, não necessari- amente o controle da regra muda quando a pessoa entra em contato com estímulos aversivos na relação. O indivíduo pode continuar se comportando sob o controle de regras imprecisas em outros relacionamentos, e para este o predestinado continua a existir, argumentando que o da relação anterior não era o “correto”. ! ! Após discriminar a impossibilidade do relacionamento se restabelecer, Tom passa a emitir topografias de respostas nomeadas como depressão, quando pode- se observar que ele não se alimenta, evita contatos sociais, emite respostas emoci- onais de choro, dentre outras. Nesse período, Tom também questiona as regras que controlam seu comportamento, e discrimina o seu controle social.!! Perceber que tudo em que você acredita é mentira é uma droga. Sabe! Destino, al- mas gêmeas, amor verdadeiro e todos aqueles contos de fada infantis (...). São es- ses cartões, os filmes e as músicas pop. São os culpados por todas essas mentiras.!! ! O histórico de pouca exposição às contingências em contextos de relações afetivas/sexuais pode ter se constituído em um, dentre os fatores, que fizeram com que Tom demorasse a responder às novas contingências. O seu comportamento era estável e só mudou devido ao contato com estímulos aversivos e quando deixou de produzir reforçadores (Chase & Danforth, 1991, citado por Paracampo & Albuquer- que, 2005). Cabe inferir que talvez pelo controle da regra “à espera da predestina- da”, Tom não tenha se exposto às contingências de um relacionamento de modo re- levante, por não ter conseguido perceber em outras pessoas características de mu- lher descritas pelo modelo que controlava seu comportamento. O controle por re- gras pode tanto restringir quanto aumentar a variabilidade comportamental, a de- �84 pender das condições em que é estabelecido (Paracampo & Albuquerque, 2005). No caso de Tom, a regra restringiu as possibilidades de variação do comportamento. ! ! No decorrer do filme algumas regras úteis foram verbalizadas a Tom por seus amigos, irmã e também por Summer. Essas regras foram úteis por descreverem com mais precisão as contingências que Tom estava vivenciando, e poderiam pro- duzir reforçadores para o comportamento dele, caso seguisse os conselhos. Dentre elas cabe citar:! Conselhos de Rachel: ! ! Só porque uma garota bonita que gosta das suas bizarrices, não quer dizer que ela é “aquela”. É como nós falamos, ainda tem muito peixe no mar.!! Diálogo entre Tom e Summer:!! Tom: - Mas preciso de algo concreto. Mesmo sabendo que não vai acordar se sentindo diferente. ! Summer: - Eu não posso te dar isso. Ninguém pode.! ! ! As regras descritas por Rachel são especialmente úteis por questionar mitos referentes ao amor romântico, onde com- partilhar gostos em comum, embora seja favorável, não é ga- rantia de que uma relação será bem sucedida. De fato, caso Tom se expusesse às novas contingências poderia conhecer outra pessoa. Com um novo relacionamento, ele poderia obter acesso aos reforçadores decorrentes de uma nova relação de intimidade. A regra descrita por Summer é verdadeira no sentido de que relações afetivas envolvem sensibilidade aos efeitos do comportamento de uma pessoa sobre a outra, e os sentimentos decorrentes dessas interações podem mudar (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). No entanto, apesar de úteis, tais conselhos não foram se- guidos por Tom logo após a sua emissão. ! ! O não seguimento das regras descritas por Rachel pode ser explicado em decorrência da magnitude dos reforçadores obtidos na relação com Summer se- rem muito importantes para Tom, devido ao forte controle social exercido sob o comportamento dele. O fato de as regras descreverem consequências reforçadoras atrasadas e o contato com consequências aversivas imediatas também contribuiu para que a probabilidade de seu seguimento seja baixa. ! O conselho de Summer pode ter tido pouca utilidade devido ao fato de Tom não ter um histórico mais amplo de exposição às contingências em contextos de re- lações amorosas. O comportamento de Tom sob o controle dos mitos referentes ao ideal de amor romântico, como “há uma predestinada” e “o amor dura para sempre”, �85 associado a pouca variabilidade, pode ter tornado pouco provável que ele discrimi- nasse que ninguém pode dar garantias de um amor para sempre. ! ! Segundo Carvalho e Medeiros (2005), o controle por regras discrepantes das contingências leva ao que cotidianamente chama-se de sofrimento, o que pode ser observado com clareza nas consequências produzidas pelo comportamento de Tom. Discriminar as regras que controlavam seu comportamento e a origem social delas foi especialmente útil para Tom. Este passou a autoconhecer-se e reformulou as re- gras antigas e imprecisas por outras que descreviam melhor as contingências que passaria a vivenciar. Nesse sentido, Tom emitiu autorregras, e passou a comportar- se sob este novo controle, expondo-se a novas contingências. O que deixa clara a proposição de Carvalho e Medeiros (2005), ao enfatizaremque não basta a mudan- ça na regra, é necessário para que o novo repertório se estabeleça, de modo que o comportamento novo seja exposto às contingências, sendo reforçado em novas in- terações. ! ! Tom, ao reformular a regra de que sua vida só teria sentido quando encon- trasse um amor verdadeiro, deixou de comportar-se apenas em função de encontrar alguém com quem pudesse viver uma relação nos moldes do amor romântico. O personagem se expôs às novas contingências. Isso fez com que pedisse demissão do emprego que pagava suas contas e passasse a se dedicar a profissão que esco- lheu, com o objetivo de experimentar os reforçadores provenientes da interação com o trabalho, o que cotidianamente é chamado de realização profissional. A última cena do filme é marcada pelo encontro ocasional com Autumn, onde, por fim, con- segue visualizar os outros “peixes do mar” tanto mencionados por seus amigos e irmã. O filme termina com a seguinte narrativa sobre Tom: “Se Tom aprendeu algo, é que você não pode atribuir um significado cósmico a um simples evento terreno. Coincidência. É o que tudo é”.! ! Considerações Finais !! Com o presente estudo, foi possível relacionar conceitos da Análise do Com- portamento aos comportamentos emitidos pelos personagens Tom e Summer no contexto de uma relação amorosa. Ao analisar a comunicação entre o casal, pode ser observado que o comportamento verbal de Tom se apresentava de modo mani- pulativo. O personagem apresentou respostas de racionalização, intraverbais e tatos distorcidos. Isso devido ao fato de que seu comportamento ocorria em função de não perder os reforçadores que Summer liberava para o seu comportamento. Os reforçadores poderiam se tornar indisponíveis caso fossem emitidos tatos puros. ! Foram encontrados no comportamento de Tom regras imprecisas referentes ao ideal de amor romântico transmitido pelos modelos sociais. Sendo elas “um amor que morreu pode renascer”, “o amor conquista tudo”, “para que uma mulher seja namorada de um homem é necessário que seja bela”, “afinidades garantem o su- �86 cesso de uma relação”, “existe uma pessoa predestinada a ser encontrada”. No en- tanto, o controle dessas regras, por não descreverem com clareza as contingências que o personagem estava vivenciando, acabou por fazê-lo entrar em contato com diversos estímulos aversivos e também perder reforçadores, o que justifica o sofri- mento que este vivenciou ao longo da estória. ! O comportamento emocional de Tom no contexto da interação afetiva com Summer apresentou padrões respondentes e operantes, e pode ser observado o caráter fortemente social de algumas respostas emocionais. Dentre elas, cabe citar os comportamentos ciumentos que Tom emitiu quando Summer foi cortejada por ou- tro homem. Tom, após se envolver em uma briga, ficou eufórico com seu feito, e es- perava que seu comportamento ciumento fosse reforçado por Summer. Isso devido ao fato de que o comportamento ciumento, em alguns contextos culturais, é tratado como demonstração de amor e afeto. ! A observação dos comportamentos emitidos por Summer no decorrer do filme possibilitaram compreender o quanto as mudanças nos papéis de gênero nas últi- mas décadas possibilitaram às mulheres uma maior ampliação de possibilidades de �87 interações afetivas. O controle que antes era de caráter fortemente social, atualmen- te é mais natural. Isso devido ao fato de que na atualidade, as mulheres têm a alter- nativa de se envolverem em uma relação que seja reforçadora para o seu compor- tamento, e não somente para serem aceitas pela sociedade porque têm um marido. ! Os conceitos de modelação inversa e autorregras também puderam clara- mente ser observados no comportamento de Summer. A personagem se comporta- va em função de reforçadores que eram naturais para o seu comportamento, e dei- xava clara, pelo seu relato verbal, sua oposição aos modelos sociais estabelecidos. ! O filme é especialmente rico em dados que podem ser aprofundados e úteis em análises futuras, dentre elas o comportamento verbal de Summer, e o fato de que apesar de todo o seu discurso moderno, ao final esta se casou nos moldes tra- dicionais do que seria uma relação reforçadora para o comportamento de Tom. Não se pretendeu com esse trabalho esgotar tais possibilidades. ! Sugere-se que análise de filmes que relacionem os conceitos da Análise do Comportamento ao comportamento de personagens em diversos contex- tos seja algo mais presente nas produções acadêmicas. Isso devido ao fato de que facilitam o entendimento de tais conceitos, e também ilustra de modo significativo, um recorte de parte das contingências que ocorrem na cultura vigente e que exercem controle sob o comporta- mento das pessoas. !! Referências Bibliográficas!! Baldwin, J. D. & Baldwin, J. I. (1986). Behavior principles in everyday life. New York: Prentice-Hall. ! Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamen- to e cultura. (M. T. A. Silva & M. A. Matos, Trads.). Porto Alegre: Artmed. (Obra originalmente publicada em 1994). ! Carpenedo, C. & Koller, S. H. (2004). Relações amorosas ao longo das décadas: Um estudo de cartas de amor. Interação em Psicologia, 8 (1), 1-13. ! Carvalho, M. C. G. B. & Medeiros, C. A. (2005). Determinantes do seguimento da regra “antes mal acompanhado do que só”. Universitas Ciências da Saúde, 3 (1), 47-64. ! Costa, N. & Barros, R. S. (2009). Ciúme: Uma interpretação analítico-comportamental. Acta Comportamentalia, 18 (1), 135-149. ! Cunha, L. S & Borloti, E. B. (2009). O efeito de contingências de reforçamento programadas sobre o relato de eventos privados. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, XI (2), 209-230. ! Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações tera- pêuticas intensas e curativas. (R. R. Kerbauy, Trad.). São Paulo: ESETec. (Obra origi- nalmente publicada em 1991). ! Lazarus, A. (1992). Mitos conjugais. (J. V. Gomes, Trad.) Campinas: Editorial Psy. (Obra ori- ginalmente publicada em 1985). ! �88 Medeiros, C. A. (no prelo). Mentiras, indiretas, desculpas e racionalizações: Manipulações e Imprecisões do comportamento verbal. Comportamento em Foco. ! Medeiros, C. A. & Rocha, G. M. (2004). Racionalização: Um breve diálogo entre a psicanáli- se e a análise do Comportamento. M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V. M. Silva, & S. M. Oliane (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 13. Contingências e metacontingências: Contextos socioverbais e o comportamento do terapeuta (pp. 27-38). São Paulo: Esetec. ! Meyer, S. B. (2005). Regras e autorregras no laboratório e na clínica. Em J. Abreu-Rodri- gues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 221-227). Porto Alegre: Artmed. ! Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed. ! Paracampo, C. C. P. & Albuquerque, L. C. (2005). Comportamento controlado por regras: Revisão crítica de proposições conceituais e resultados experimentais. Interação em Psicologia, 9 (2), 227-237. ! Passinato, V. (2009). Análise comportamental dos contos de dadas: Uma questão de Gêne- ro. Monografia de conclusão do curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Edu- cação e Saúde, do Centro de Ensino Universitário de Brasília – Uniceub, Brasília-DF. ! Pastana, M. & Maia, A. C. B. & Maia, A. F. (2010). Análise sobre relacionamentos amorosos no livro “Sex And The City”. Revista de Psicologia da Unesp, 9 (2), 55- 65. ! Silva, M. C. & Weber, L. N. D. (2006). Regras e auto-regras: Um estudo sobre o comporta- mento de mulheres no relacionamento amoroso. H. J. Guilhardi, & N. C. Aguirre (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 18. Expondo a variabilidade(pp. 55-70). São Paulo: Esetec. ! Skinner, B. F. (1978). O comportamento verbal. (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Obra originalmente publicada em 1957). ! Skinner, B. F. (1993) Ciência e comportamento humano. (J. C. Todorov & R. Azzy, Trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Obra originalmente publicada em 1953). ! Skinner, B. F. (2002). Questões recentes na análise comportamental. (A. L. Neri, Trad.). São Paulo: Papirus. (Obra originalmente publicada em 1989). ! Skinner, B. F. (2004). Sobre o Behaviorismo. (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo: Cultrix. (Obra originalmente publicada em 1974). !!! �89 ! HOMOSSEXUALIDADE, COERÇÃO E HOMOFOBIA EM “ORAÇÕES PARA BOBBY” !! Wanderson Barreto! Pontifícia Universidade Católica de Goiás!! Michela Rodrigues Ribeiro !24 Pontifícia Universidade Católica de Goiás! Centro Universitário de Brasília! Consultório Particular! “Orações para Bobby” é um filme baseado no livro homônimo de Leroy Aa- rons, publicado em 1995, e conta a história real de Bobby e Mary Griffith (Ryan Kel- ley e Sigourney Weaver, respectivamente) na década de 1970, em Walnut Creek, Califórnia, EUA. O filme mostra a história de Bobby, um rapaz que apresenta dificul- dades em lidar com sua homossexualidade e com o preconceito de sua mãe Mary. Após a homossexualidade de Bobby ser revelada por seu irmão mais velho à sua �90 E-mail: michelaribeiro@uol.com.br 24 Título do filme: Orações para Bobby! Título original: Prayers for Bobby! Ano: 2009! Diretor: Russel Mulcahy! Produtor: Damian Ganczewski! Lançado por: Lifetime Television família, uma série de questionamentos, busca de explicações e culpas ocorrem, in- clusive com várias tentativas de tratamentos terapêuticos e religiosos que pretendi- am a “cura do problema”. Bobby decide sair de casa na tentativa de se afastar da intolerância da mãe, muda-se de cidade, entra em contato com um ambiente mais tolerante e chega a se relacionar com um rapaz, porém ele não consegue se esque- cer das palavras negativas de sua mãe quanto à sua sexualidade e vivencia senti- mentos de que é doente e pecador. ! Após um tempo longe da família, Bobby busca uma nova aproximação com a mãe e, em uma discussão, ela lhe diz: “Eu não vou ter um filho gay!”. Estas são as últimas palavras que Bobby se lembra antes de cometer suicídio aos 20 anos de idade. Após a morte de seu filho, Mary lê em seu diário: “Na minha família, já ouvi várias vezes eles falando que odeiam os gays, que Deus odeia os gays também. Isso realmente me apavora quando escuto minha família falando desse jeito, porque eles estão realmente falando de mim”. Mary se sente culpada e busca repensar seus dogmas religiosos e morais, aproxima-se de uma igreja e de um grupo de pais que aceitam a homossexualidade como uma forma saudável de vida e se torna uma defensora da causa homossexual.! O filme mostra como os comportamentos afetivos e sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram, nas décadas de 70 e 80, vistos com dúvidas e estranhamento, como algo errado e anti-natural. E apesar de ser comum, no século XXI, ver articu- lações sobre as várias formas de prazer e expressões de sentimentos relacionados à sexualidade, além de ser possível ver vários comportamentos sexuais não hete- �91 rossexuais expostos nos meios de comunicação de massa, é interessante observar como a sexualidade humana ainda gera curiosidade e é vista como tabu. Tendo em vista tal realidade, o presente trabalho buscou fazer uma análise dos comportamen- tos das personagens do filme “Orações para Bobby”, no que diz respeito à homofo- bia e à coerção sobre a homossexualidade, sob o ponto de vista da Análise do Comportamento.!! Homossexualidade: Conceito e História! ! Dentre as várias possibilidades de expressão sexual, Pedrosa (2006) aponta os três conceitos mais utilizados na literatura: a bissexualidade, a heterossexualida- de e a homossexualidade. O indivíduo bissexual é aquele que tem seu desejo sexu- al direcionado tanto para o sexo masculino quanto para o feminino. O indivíduo he- �92 terossexual é aquele se tem seu desejo sexual direcionado para outro indivíduo do sexo oposto, sendo este tipo de expressão predominante na natureza e na socieda- de. Já a homossexualidade, seja em humanos ou não-humanos, ocorre quando o organismo tem a orientação do desejo sexual direcionada a outro organismo do mesmo sexo. Outros autores definem a homossexualidade como uma preferência emocional e por condutas eróticas e sexuais por parceiros do mesmo sexo, sendo manifestada comportamental e cognitivamente (Forastieri, 2005; Müller, 2000; Sán- chez, 2009). É importante informar que os conceitos de homossexualidade e hete- rossexualidade também podem ser considerados como pontos extremos de um con- tinuum dentro do qual diversas ocorrências podem estar presentes, considerando-se variáveis como a identidade sexual, a prática sexual e a orientação sexual e afetiva (Cardoso, 2008). ! Juntamente com o conceito de homossexualidade, encontram-se os termos homoerotismo ou homoerótico que, embora sejam mais empregados como estilos artísticos e literários, também dizem respeito à homossexualidade, ou seja, relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo (Mucci, 2005). “A homossexualidade é uma experiência recorrente, mas, como todo comportamento humano, é normatizada pela sociedade e influenciada pela cultura, manifesta-se de forma diferente, nas di- versas sociedades estudadas e varia de época para época” (Ferreti, 1998, p. 154).! As práticas homossexuais na Antiguidade (1300 a.C., aproximadamente), principalmente na Grécia e em Roma, eram toleradas, encorajadas e exigidas; não eram vistas como tabu, imoralidade, pecado ou doença como começaram a ser tra- tadas logo após a popularização do Cristianismo, que considera qualquer ato não procriador (masturbação, homossexualidade, etc.) como pecado. A concepção dos atos homossexuais continuou mudando e, no século XIX, a homossexualidade co- meçou a ser vista sob o prisma das Ciências Biológicas e da Medicina, que deram caráter de doença a esta expressão da sexualidade. A visão patológica de desvio mental e sexual manteve-se até a década de 1970 (Naphy, 2006; Pedrosa, 2006). Neste período, as ideias aversivas quanto à homossexualidade também tiveram a colaboração da Psicologia, cujas teorias sugeriam que a homossexualidade era o resultado de um processo desastroso, uma anormalidade de comportamento e uma inversão sexual (Guimarães, 2009). Pedrosa (2006) mostra que, até o final da déca- da de 1970, era proposta a “cura” da homossexualidade por meio de tratamentos psiquiátricos e psicológicos, como a terapia de aversão. Tal técnica consistia em manipular estímulos aversivos, como, por exemplo, apresentar imagens homoeróti- cas acompanhadas de choques elétricos com a intenção de inibir a resposta de de- sejo homossexual e condicionar repulsa e respostas negativas quanto à homosse- xualidade (Wolpe, 1983, citado por Pedrosa, 2006). Este tipo de tratamento criava uma aversão aos contatos sexuais, mas não eliminava completamente o desejo homossexual e os pacientes vivenciavam constantes sentimentos de culpa ou expe- rimentavam algum tipo de disfunção sexual (Pedrosa, 2006). ! �93 A ideia de cura da homossexualidade é apresentada no filme “Orações para Bobby” de uma forma diferente do exposto acima. Há uma cena em que Mary busca tratamento psiquiátrico para Bobby após ler a seguinte frase em um livro: “Se um homossexual que quer renunciar à homossexualidade encontra um psiquiatra que sabe ‘curar’ a homossexualidade, ele tem uma grande chance de se tornar um hete- rossexual feliz e nos eixos”. Mary leva o filho a uma psiquiatra e esta exige que Bobby esteja interessado na “cura” para que o tratamento seja eficaz, sugere que ele está em dúvidas quanto à sua sexualidade por não terse relacionado sexual- mente com garotas e orienta que o pai se aproxime do filho para lhe dar modelo de masculinidade. Além disso, sua mãe coloca mensagens pela casa com trechos da Bíblia que dizem que a homossexualidade é pecado ou que incentivam uma mu- dança de padrões por meio da força de vontade; em outros momentos, faz orações ao pé da cama de Bobby antes de ele dormir, pedindo a Deus que o “cure”.! Pedrosa (2006) relembra que, em 1973, depois de rever estudos que indica- vam que a homossexualidade não se enquadrava nos critérios utilizados para cate- gorizar as doenças mentais, a Associação Americana de Psiquiatria retirou o ho- mossexualismo do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). A Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de considerar a homossexualidade como doença em 1991 (Pedrosa, 2006). Posteriormente, o Conselho Federal de �94 Psicologia (2005), no Brasil, em seu Código de Ética Profissional do Psicólogo, Art. 2º, alínea “b”, aponta que é vedado ao psicólogo induzir convicções quanto à orien- tação sexual. Esta passagem do atual código de ética encontra-se em acordo com a resolução 001/99 do Conselho Federal de Psicologia (1999), Art. 2º, que resolve que “os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.” A resolução 001/99 ainda aponta que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio e nem perversão e, sendo assim, os psicólogos não devem promover serviços que propo- nham sua cura.! Como dito anteriormente, os tratamentos utilizados até o final da década de 1970 baseavam-se em técnicas coercitivas com a finalidade de eliminar do repertó- rio comportamental dos indivíduos as práticas e desejos homoeróticos. Este era o contexto de vida das personagens Bobby e Mary Griffith: o uso da coerção nos tra- tamentos era aceita e praticada. A seguir, serão apresentadas algumas análises a respeito da visão analítico-comportamental sobre o uso da coerção.! ! A Coerção!! A coerção se refere ao uso de contingências de punição (positiva e negati25 - va) e de reforçamento negativo que visam controlar o comportamento das pessoas no sentido de suprimir ou evitar uma resposta considerada inadequada. A punição positiva é a apresentação de um estímulo aversivo que tem força para reduzir a probabilidade futura de ocorrência de uma resposta: no filme, Bobby sofre com as condutas invasivas e com as falas apresentadas pela psiquiatra, por um grupo reli- gioso e, principalmente, pela mãe. A punição negativa é a retirada de estímulos re- forçadores que mantêm uma resposta e tem como efeito a diminuição da probabili- dade de ocorrência futura da mesma; um exemplo disso pode ser observado quan- do a família de Bobby deixa de vivenciar os momentos felizes, que são mostrados no início do filme, para focar em sua “cura”. O reforçamento negativo aumenta a probabilidade de uma resposta pela retirada de uma estimulação aversiva do ambi- ente; um exemplo disso ocorre quando a mãe de Bobby busca se livrar da culpa pela morte do filho na Igreja e em um grupo de pais de homossexuais. Os eventos aversivos visavam à mudança da orientação sexual de Bobby e o contato com estas contingências aversivas gerou outros comportamentos que serão discutidos posteri- ormente. ! �95 Coerção é um termo originalmente utilizado por Durkheim (1895/2001), que aponta que a socieda25 - de utiliza a coerção (constrangimento) para induzir os indivíduos, por meio da educação e costumes, a um jeito de pensar e agir. No presente trabalho, porém, o termo coerção será utilizado consideran- do as análises de Skinner (1953/2003) e Sidman (1989/1995). A sociedade, de um modo geral, é punitiva e aceita a prática da coerção como algo natural; faz parte dos costumes. Qualquer pessoa, criminosa ou não, so- fre coerção, pois seu uso garante, num curto espaço de tempo, a modificação do comportamento, fortalecendo assim a prática da coerção (Moreira & Medeiros, 2007; Sidman, 1989/1995; Skinner, 1953/2003).! P a r a S k i n n e r (1953/2003), em um ato coercitivo, a estimula- ção aversiva pode fazer com que o organismo tente eliminar tal esti- mulação por meio da fuga ou esquiva. A fuga é a remoção do estímu- lo aversivo que está em contato com o organis- mo. Na esquiva, ocorre a evitação e a prevenção de um estímulo aversivo. Em ambos os casos, diz-se que a resposta foi reforçada negativamente, pois há uma tendência de aumento da probabilidade de ocorrência da mesma no futuro por eliminar ou evitar um estímulo aversivo. Um exemplo de fuga pode ser visto quando Bobby decide morar em outra cidade, ficando longe do controle aversivo da mãe que busca rigidamente “curá-lo” de sua homossexualida- de. Um exemplo de esquiva é quando, inicialmente, Bobby evita falar com seu irmão sobre sua sexualidade, por medo de não ser compreendido e odiado por sua família (i.e., ao se calar, ele evita críticas e ódio).! De acordo com Sidman (1989/1995), a coerção está presente em contextos naturais e sociais. Em outras palavras, consequências aversivas podem ser promo- vidas pelo ambiente físico, como quando uma pedra entra em nosso sapato ou quando nos ferimos com um espinho de uma rosa, mas também podem ser promo- vidas pelo nosso ambiente social: (1) na família, onde os pais ameaçam e punem o comportamento de seus filhos com castigos ou com a retirada de seu lazer; (2) no trabalho, no qual os empregados produzem sob a ameaça de demissão ou redução salarial; (3) nas escolas, onde alunos tiram notas boas, evitando a reprovação, e com ela, a punição dos pais; (4) nas religiões, que prometem os males do inferno para condutas classificadas como pecaminosas ou mundanas; (5) pelo governo e suas leis, que descrevem contingências de punição (prisão, multa, etc.) para com- portamentos considerados inadequados ou nocivos para a boa convivência em gru- po; entre outros. Assim, a coerção é utilizada, como uma prática natural e eficiente de controle comportamental. O filme mostra que as coerções que Bobby sofreu vie- ram principalmente do seu ambiente familiar e religioso: mãe conservadora e religi- �96 osa que vê o comportamento homossexual do filho como doença e pecado, assim como o grupo de jovens que Bobby frequenta na Igreja e a psiquiatra que concorda em “curar” sua homossexualidade.! Skinner (1953/2003) posiciona-se contra o uso da punição e do controle aversivo, pois produzem subprodutos indesejáveis como medo, ansiedade, culpa, vergonha, prejuízo nos repertórios sociais, dificuldade na resolução de problemas interpessoais e na manutenção de relacionamentos positivos. Sugere-se que, no lugar de punição, seja usado o reforçamento positivo para manter ou aumentar a probabilidade de ocorrência de comportamentos “adequados”, ou o reforçamento diferencial, que envolve extinção e reforçamento positivo: o comportamento “indese- jável” é extinto e há, ao mesmo tempo, o reforço de comportamentos alternativos (Moreira & Medeiros, 2007). Um exemplo de reforçamento positivo pode ser obser- vado na relação que Bobby tem com sua prima onde há aceitação, carinho, atenção e compreensão dos desejos e sentimentos de Bobby. Outro exemplo de reforça- mento positivo pode ser ilustrado com a relação entre David (namorado de Bobby) e sua família. David, diferente de Bobby, demonstra maior entendimento e aceitação de sua homossexualidade, ao mesmo tempo em que seus pais o apóiam e aceitam sua sexualidade. Os sentimentos positivos (auto-aceitação e autoconfiança) podem ser consequências do apoio, da valorização e da aceitação dos comportamentos homoeróticos de David. ! A Homofobia e suas Características! Caracteriza-se a homofobia como um medo, rejeição e hostilização em rela-ção aos homossexuais ou à homossexualidade de modo geral. O comportamento homofóbico caracteriza-se por atos de discriminação, violência física e verbal, medo e desprezo aos homossexuais e assédio moral (Blumenfeld, 2004; Junqueira, 2009; Marinho, Marques, Almeida, Menezes & Guerra, 2004; Nascimento, 2010; Pedrosa, 2006). Outra característica da homofobia é a desqualificação de todos que não cor- respondem ao ideal normativo da sexualidade, ou seja, a heterossexualidade; as práticas sexuais não heterossexuais são vistas como desvio, crime, aberração, do- ença, perversão, imoralidade ou pecado (Junqueira, 2009; Pocahy & Nardi, 2007). Existe ainda a homofobia “internalizada” que, segundo Pereira e Leal (2002), diz respeito ao medo da própria homossexualidade. A homofobia “internalizada” não é simplesmente uma ideia ou sentimento negativo em relação à própria homossexua- lidade, ela é também caracterizada como um desconforto do indivíduo em relação à homossexualidade em geral (Meyer & Dean, 1998, citados por Newcomb & Mus- tanski, 2010).! Na sociedade atual, inclusive no Brasil, a homofobia é exercida por meio do incentivo ao castigo, à hostilidade, ao preconceito e à reprodução de forma caricatu- ral dos comportamentos homossexuais nos meios de comunicação (Mott, 2003). Os costumes e as mensagens sociais da cultura homofóbica, que defendem a heteros- �97 sexualidade e ignoram ou reprovam a homossexualidade, contribuem e mantêm as percepções errôneas, muitas vezes negativas, que as pessoas têm dos homosse- xuais (Caixeta, 2007; Hardin, 2000; Lunn, 1993). Para Junqueira (2009) e Pedrosa (2010), as escolas são instituições que preservam e ampliam ideias negativas quan- to à homossexualidade na medida em que as crianças aprendem com suas famílias a aversão contra o homossexual e tal conduta é reforçada socialmente pelo grupo (professores e alunos), que também comunga com estas ideias. Dessa maneira, uma criança que presencia o pai xingando um homem de “bicha” se sentirá à vonta- de para fazer o mesmo com um colega de escola sem, muitas vezes, ser repreendi- do por tal conduta.! Pedrosa (2006) aponta que os atos homofóbicos têm forte influência dos dogmas religiosos judaico-cristãos, segundo os quais a homossexualidade é conce- bida como pecado e como conduta antinatural, especialmente por não permitir a re- produção de outros seres humanos. Guimarães (2009) revela que, para a Igreja Ca- tólica, não bastava que a reprodução fosse a finalidade da relação sexual, mas que esta reprodução de descendentes deveria estar dentro de um modelo familiar hete- rossexual e o contrário seria considerado imoral e anti-natural. ! Em “Orações para Bobby”, há vários exemplos da visão religiosa sobre a ho- mossexualidade, como quando Mary se refere a uma passagem bíblica: “É, este é um pecado terrível. A Bíblia chama de abominação. ‘Se um homem se deitar com outro homem, os dois devem ser executados’”. Em outra situação, Mary diz a um padre que a homossexualidade é um pecado punido com a morte. Muitas ideias como essas até hoje permanecem presentes em grupos religiosos.! A homofobia como prática social desenvolvida ao longo da história da huma- nidade é um tipo de comportamento organizado em grupo, no qual a coerção sobre o homossexual é passada de um indivíduo para o outro por meio de regras ou dire- tamente pelas contingências (Pedrosa, 2006). As regras são estímulos discriminati- vos verbais que descrevem certa contingência; as contingências são as relações entre eventos ambientais e comportamentais ou entre eventos comportamentais e comportamentais nos quais há uma relação de dependência entre eles (Skinner, 1953/2003). Pode-se dizer que uma contingência pode ser definida por uma relação “se... então...”. Se ocorrer determinada situação, então o indivíduo se comportará de determinada forma. Ou ainda, se eu fizer algo, então haverá determinada con- sequência. Um exemplo de aprendizagem por regra ocorre quando uma pessoa aprende com a religião ou com a família que ser homossexual é pecado e errado e segue ou repete tal regra; dessa forma, sua aprendizagem ocorreu por meio da re- gra “ser homossexual é pecado e errado”. No caso da aprendizagem que ocorre di- retamente por meio de uma contingência, um exemplo seria quando uma pessoa hostiliza um homossexual e, como consequência, seu comportamento é reforçado pelo grupo social com elogios, atenções, aprovações, etc.; se a pessoa continua hostilizando um homossexual, diz-se que, nesse exemplo, seu aprendizado ocorreu �98 por meio de uma contingência de reforço social. É importante esclarecer que, mes- mo quando um indivíduo aprende por meio de regras, seu comportamento também será mantido pelas consequências que ele obtém em seu ambiente (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2003). ! No filme, a avó de Bobby (interpretada por Madge Levinson) diz que os ho- mossexuais deveriam ser mortos e à sua volta todos se divertem com o comentário. Para Caixeta (2007), o comportamento da pessoa homofóbica é mais eficaz numa situação de grupo, pois terá como consequência reforçadora o reconhecimento e a admiração pelo grupo homofóbico que valoriza o ideal de “virilidade” e “masculinida- de”. Este processo de aprendizagem é dinâmico, complexo e longo. Dessa maneira, diversas situações de aprendizagem por regras e por contingências podem ocorrer na história de vida de uma pessoa (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Skinner, 1953/2003).! As informações acima sobre a homofobia podem ser ilustradas em algumas cenas do filme “Orações para Bobby”, como, por exemplo, na cena do aniversário da avó quando o irmão de Bobby, Ed (interpretado por Austin Nichols), coloca uma bolsa feminina, faz trejeitos femininos e diz: “Acho que fica bem em mim, o que vo- cês acham? Vó, esse batom é ótimo. Lindo!”. E a conversa segue:!! Mary: “Ed, pare com isso!”.! Ed: “Por quê? O que tem mãe?”.! Mary: “É nojento!”.! Avó: “É. Bichas deveriam ser alinhadas e fuziladas!”.!! �99 Como já afirmado, no filme, a homofobia aparece com a ideia de que a ho- mossexualidade é pecado e doença, como na cena em que Ed e Mary conversam sobre Bobby:!! Ed: “Ele acha que pode ser homossexual”.! Mary: “Ele não é!”.! Ed: “Ele não queria que eu te contasse. Ele ia tomar um monte de aspirinas”.! Mary: “Não tenho dúvida de que Deus pode cuidar disso. Ele vai nos ajudar. Ele vai curar o Bobby”.!! Durante o filme, há outros exemplos de homofobia na fala das personagens. Um rapaz chama Bobby de “viado”, após os dois terem se esbarrado numa festa; a psiquiatra reproduz o ideal heterossexual e sugere a mudança da orientação sexual de Bobby; e o pai diz que Bobby não é gay, apenas não encontrou uma garota atra- ente. Ocorrências como essas podem gerar no indivíduo desconforto e sentimento de inadequação em seu ambiente familiar. A seguir, serão discutidos os possíveis efeitos produzidos pela homofobia.! A Homofobia e seus Efeitos! Para Caixeta (2007), o preconceito e a homofobia são comportamentos prati- cados pela “cultura homofóbica”: os membros deste grupo cultural apresentam e re- cebem reforços por se comportarem reprovando ou ridicularizando a figura homos- sexual; os efeitos destes comportamentos para os homossexuais são os sentimen- tos de vergonha e culpa, que podem contribuir para o desenvolvimento enfraquecido de habilidades sociais.! A homofobia gera sentimentos negativos quanto à sexualidade. O homosse- xual, ao observar a reação social quanto à homossexualidade e com medo do pre- conceito, passa a evitar exposição pública, desenvolve sentimento de inadequação e tende a ser mais reservado na expressão de sentimentos, a fim de não ser identi- ficado como gay ou lésbica (Lasso, 1998; Nascimento, 2010; Pereira & Leal, 2002). ! Outro efeito da homofobia é que os homossexuais, ao encontrarem uma so- ciedade quepune e ignora a expressão homoerótica, buscam expressar sua sexua- lidade em grupos ou lugares exclusivos para gays, lésbicas e bissexuais, onde ficam longe do controle heterossexual (Costa, 1994; Mott, 2003). Existe também o medo de eventualmente serem descobertos e discriminados (Mott, 2003; Müller, 2000). Nestes casos, a homossexualidade é mantida em segredo, como no caso do fenô- meno conhecido por “ficar no armário”. ! Uma análise funcional sobre o desenvolvimento dos padrões de comporta- mentos característicos do “ficar no armário” e da homofobia “internalizada” deve in- cluir eventos e variáveis presentes na história de aprendizagem do indivíduo. A Figu- ra 1 apresenta um diagrama com algumas possíveis variáveis dessa história, mos- �100 �101 Figura 1. Variáveis que podem estar presentes na história de aprendizagem da homofobia. trando que os indivíduos, ao longo da vida, podem aprender os comportamentos homofóbicos não só diretamente pela aprendizagem pelas contingências ou por re- gras, como já dito, mas também por modelação (Raich, 2008; Skinner, 1953/2003). Nos quadros A, B e C da Figura 1 são apresentados os elementos da contingência tríplice para a análise funcional – contextos ou estímulos antecedentes, respostas ou classes de respostas, e consequências. O quadro D apresenta um padrão com- portamental desenvolvido pelas repetidas exposições aos eventos apresentados nos quadros A, B e C.! A aprendizagem por modelação (quadro A da Figura 1), isto é, imitar um mo- delo de homofobia, permitiria ao indivíduo o acesso a reforçadores e/ou punidores que podem aumentar ou diminuir a ocorrência de seus comportamentos homofóbi- cos na presença de quem ofereceu o modelo. A aprendizagem por regras (quadro B da Figura 1), presente em situações nas quais o indivíduo segue ou repete uma re- gra homofóbica, ocorre quando tal comportamento produzirá, com maior probabili- dade, o acesso a reforçadores e/ou punidores. Por fim, a aprendizagem pelo contato direto com as contingências (quadro C da Figura 1) envolveria o fato de os compor- tamentos ditos homossexuais acontecerem em vários contextos de vida das pesso- as e, em geral, envolverem contingências de punição positiva e negativa. Estas con- tingências poderiam contribuir para a diminuição da probabilidade de ocorrências de comportamentos homossexuais nos contextos em que eles foram punidos ou o au- mento na probabilidade de comportamentos homofóbicos nos contextos em que eles foram reforçados. Veja que as consequências podem incluir tanto reforçadores quanto punidores. Quando a ocorrência de reforçadores para respostas homofóbi- cas é mais frequente do que os punidores, a tendência é de que essas respostas sejam mantidas no repertório do indivíduo.! É preciso que estas relações entre os comportamentos e suas consequências reforçadoras ou punitivas aconteçam em vários momentos da vida do indivíduo para que o comportamento punido seja suprimido de seu repertório ou para que o com- portamento reforçado seja adicionado ao seu repertório (quadro D da Figura 1). Após essa aprendizagem, é possível supor alguns efeitos: “ficar no armário” (apre- sentado na Figura 2) e/ou homofobia “internalizada” (apresentado na Figura 3).! A Figura 2 apresenta contingências tríplices que podem estar envolvidas no padrão comportamental de “ficar no armário” (quadro A) e de expor-se em contextos mais seguros (quadro B). Os contextos mais seguros são aqueles nos quais há maior probabilidade de acesso a reforçadores tendo em vista a ocorrência de com- portamentos homossexuais. Para algumas pessoas, o padrão apresentado no qua- dro A é exclusivo (isto é, algumas pessoas comportam-se publicamente sempre de forma heterossexual) e, para outras, ele é predominante, ocasionalmente ocorrendo o padrão complementar apresentado no quadro B (isto é, outras pessoas se com- portam de forma heterossexual em certos contextos e de forma homossexual em outros). Comportar-se de forma a evitar comportamentos homossexuais ou apresen- �102 �103 Fi gu ra 3 . P os sív eis e fe ito s d a ap re nd iza ge m d a ho m of ob ia – pa dr ão co m po rta m en ta l c ar ac te rís tic o da h om of ob ia “in te rn ali za da ”. tar comportamentos públicos típicos de heterossexuais pode produzir reforçadores sociais como aceitação (reforçamento positivo) ou, pelo menos, passar despercebi- do (reforçamento negativo). Quando o comportamento é apresentado de forma cari- catural ou exagerada, as contradições entre comportamentos públicos (heterosse- xual) e privados (homossexual) poderão produzir punição como a rejeição (quadro A). Há também a possibilidade de haver rejeição mesmo em contextos mais segu- ros; entretanto, essa rejeição provavelmente ocorre em menor frequência e é uma ocorrência natural de relações interpessoais nas quais não é possível agradar a to- dos. É bem provável que indivíduos que obtêm reforçadores através desse padrão comportamental de “ficar no armário” tenham dificuldades de assumir sua homosse- xualidade e permaneçam se comportando assim por muito tempo.! Figura 2. Possíveis efeitos da aprendizagem da homofobia – padrão comportamental característico do “ficar no armário”.!! A Figura 3 apresenta um esquema de uma cadeia comportamental relaciona- da à ocorrência da homofobia “internalizada”, considerando várias possibilidades de comportamentos e as consequências que eles produzem. Nesta figura, é possível observar como os comportamentos que produzem contato com estímulos aversivos (culpa, medo, ansiedade, rejeição, desprezo, etc.) e o desconforto quanto à própria �104 sexualidade, que caracterizam a homofobia “internalizada”, acontecem numa com- plexa cadeia comportamental na qual o indivíduo, após sofrer as devidas con- sequências para as respostas emitidas, pode ter como resultado o fortalecimento do medo e da rejeição da própria sexualidade. ! O indivíduo que está frequentemente entrando em contato com situações aversivas pode desenvolver um padrão comportamental de fuga e esquiva. Os ho- mossexuais que, na sua história, tiveram seu comportamento guiado por contingên- cias de reforçamento negativo e por punição quanto à sua sexualidade, com maior frequência fugirão e se esquivarão de aceitar sua orientação homossexual (Pedro- sa, 2006). Essa análise, porém, deve ser realizada considerando a história individual e as particularidades de cada caso, isto quer dizer que a Figura 3 apenas pretende oferecer uma análise das possíveis ocorrências relacionadas à homofobia “internali- zada” e cada história individual informará se tais análises correspondem à sua reali- dade. ! Como já foi visto, a homofobia “internalizada” ocorre em função do contato com contingências aversivas. Uma história de contato com contingências aversivas pode produzir também alterações comportamentais e problemas psicológicos seve- ros (Sidman, 1989/1995). Para avaliar tal possibilidade, Newcomb e Mustanski (2010) realizaram uma meta-análise de estudos sobre homofobia “internalizada” e sua correlação com transtornos de ansiedade e depressão. Foi realizado um levan- tamento bibliográfico considerando os estudos publicados até agosto de 2008, utili- zando-se as bases de dados PsycINFO, PubMed, ProQuest, American Psychologi- cal Association Division 44 e Sexnet. Os autores avaliaram cinco variáveis: gênero dos participantes, ano em que os dados foram coletados, tipo de publicação, idade dos participantes das amostras e tipo de sintomatologia investigada entre os ho- mossexuais (depressão e ansiedade). Trinta e um artigos, publicados de 1986 a 2008, se adequaram aos critérios da pesquisa e totalizaram registros de 5831 parti- cipantes (gays, lésbicas e bissexuais). Os resultados indicaram que não houvedife- rença da homofobia “internalizada” entre homens e mulheres, apesar de parecer que os homens sofrem mais discriminação do que as mulheres, do ponto de vista dos autores. Em relação ao ano de publicação e ao tipo de publicação, não houve diferença na quantidade de descrições sobre a homofobia “internalizada” relaciona- da a sintomas de ansiedade e depressão no decorrer dos anos e nos diferentes ti- pos de publicação dos estudos. Quanto à idade dos participantes dos estudos, a pesquisa revelou que, quanto maior a idade, maior a homofobia “internalizada” e os sintomas de ansiedade e depressão. Para os autores, os dados referentes à idade indicam que os participantes mais velhos podem ter acumulado, ao longo do tempo, problemas comportamentais, já que vivenciaram sua sexualidade numa época em que ela era menos tolerada. No caso do tipo de sintomatologia investigada entre os homossexuais, os dados revelaram que existe uma moderada correlação positiva entre homofobia “internalizada” e transtornos de ansiedade e depressão, isto é, al- �105 tos escores de homofobia “internalizada” estão correlacionados com altos escores de sintomas de ansiedade e/ou depressão. É importante esclarecer que os dados de Newcomb e Mustanski (2010) apresentam uma correlação entre duas variáveis e que não é possível indicar uma relação causal. Provavelmente, essas duas variá- veis sejam determinadas por uma (ou mais) variável(is) que não foi(ram) investiga- da(s), como a história de vida ou de aprendizagem ou, ainda, o contexto no qual os indivíduos estão inseridos.! Ao se falar de homofobia “internalizada”, é importante esclarecer que o termo “internalizado” não está de acordo com a proposta da Análise do Comportamento, pois o que ocorre nas relações humanas são comportamentos e estes estão locali- zados nas interações que ocorrem no ambiente e não dentro das pessoas (Baum, 1994/1999). O termo pode dar a ideia de que algo estava fora e passou a estar den- tro do indivíduo. Na verdade, o que ocorre é que inicialmente a homofobia não faz parte do repertório do indivíduo e pode ser aprendida através do contato com as contingências. Dessa maneira, uma nova forma de agir, de pensar e de sentir pode começar a ocorrer com frequência nas interações que o indivíduo estabelece com seu ambiente. Considerando esta forma de compreender o fenômeno, o termo ho- mofobia “internalizada” foi mantido neste trabalho por ele ser largamente utilizado na literatura sobre homossexualidade e por se referir também ao medo e ao desconfor- to que o indivíduo pode ter em relação à sua própria homossexualidade.! No filme, também há exemplos de homofobia “internalizada”. Em duas cenas, Bobby demonstra medo e vergonha quanto à sua sexualidade: quando vai a um bar gay e é beijado por um homem e quando recebe um beijo no rosto de seu namorado em um parque. Os sentimentos negativos de Bobby quanto à sua homossexualida- de, que foram aprendidos com as regras da mãe, são expressos no seguinte diálo- go:! ! Bobby: “Quando ele (seu namorado) me toca em público, ou, ‘Deus me livre’, me beija, eu me afasto. Eu sinto vergonha”.! Mary: “Porque você sabe que é errado!”.! Bobby: “Porque você me disse que é errado. (...) Me desculpe! Eu não sou o Bobby perfeitinho que você sempre quis. Mas não posso continuar pedindo perdão por isso, mãe! Aceite-me como eu sou ou esqueça!”.! Mary: “Eu não vou ter um filho gay!”.!! Além disso, Bobby vive constantemente se lembrando das regras da mãe de que a homossexualidade é um pecado, não é natural. Sofrendo com a rejeição, o preconceito da mãe e as dificuldades para lidar com o ambiente coercitivo no qual estava inserido, o protagonista opta pelo suicídio como um ato extremo para acabar com seu sofrimento.! Após este acontecimento, Mary encontra o diário de Bobby onde lê: “Não posso deixar ninguém descobrir que não sou hetero. Seria tão humilhante. Meus �106 amigos me odiariam, minha família... Já os ouvi demais!”. Mary tenta se livrar da culpa e do sofrimento da perda do filho buscando apoio em uma igreja, onde há um padre que apóia os jovens gays e, a partir disso, conhece uma mãe de um jovem homossexual e um grupo de pais e amigos de homossexuais. Mary começa a fre- quentar o grupo e aprende novas regras a respeito da homossexualidade, como na cena em que diz ao padre: “Agora eu sei porque Deus não curou o Bobby. Não cu- rou porque não havia nada de errado com ele”. Há outra cena do filme que mostra Mary expressando seus sentimentos em relação à perda do filho e revelando as consequências aversivas de sua conduta para com a homossexualidade de Bobby: ! ! Quando ele disse que era homossexual, meu mundo caiu. Eu fiz tudo que pude para curá-lo de sua doença. Há oito meses, meu filho pulou de uma ponte e se matou. Eu me arrependo amargamente da minha falta de conhecimento sobre gays e lésbicas. Percebo que tudo que me ensinaram e disseram era odioso e desumano. Se eu ti- vesse investigado além do que me disseram, se eu tivesse simplesmente ouvido meu filho quando ele abriu o coração pra mim... Eu não estaria aqui hoje, com vo- cês, plenamente arrependida. (...) Eu não sabia que, cada vez que eu repetia ‘con- denação eterna aos gays’, cada vez que eu me referia ao Bobby como doente, per- vertido e perigoso às nossas crianças, sua autoestima e seu valor próprio estavam sendo destruídos. (...) A morte de Bobby foi resultado direto da ignorância e do medo de seus pais quanto à palavra ‘gay’.!!! �107 Considerações Finais!! O objetivo do presente trabalho foi apresentar uma análise dos comportamen- tos das personagens do filme “Orações para Bobby”, no que diz respeito aos atos de coerção e homofobia e seus respectivos efeitos. Para a Análise do Comporta- mento, a coerção é um tipo de conduta que visa punir comportamentos considera- dos inadequados e a homofobia pode ser vista como uma prática coercitiva que tem como objetivo punir comportamentos homossexuais.! “Orações para Bobby” mostra uma mãe homofóbica que punia os comporta- mentos do filho em nome de sua crença religiosa, sustentada pelo contexto das dé- cadas de 1970 e 1980, quando, embora estivesse emergindo uma nova concepção da homossexualidade pelos principais órgãos de saúde, a sociedade ainda não ti- nha condições de avaliar ou mudar seus valores quanto à sexualidade humana. Mesmo com os novos conhecimentos desse e do atual contexto quanto à homosse- xualidade, Guimarães (2009) revela que muitos profissionais da saúde, inclusive psicólogos, veem a homossexualidade como uma doença, perturbação ou desvio do desejo sexual e que, sendo assim, merece tratamento ou reabilitação. Sabe-se, no entanto, que a homossexualidade não é uma doença e sim um jeito de ser e de ex- pressar a sexualidade que está presente desde a antiga história da humanidade, não sendo passível de “cura” (Pedrosa, 2006). ! O Conselho Federal de Psicologia, por meio da resolução 001/99, estabele- ceu uma nova forma de atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual. Além disso, os psicólogos podem atuar em acordo com o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (2004) que desenvolveu o programa “Brasil Sem Homo- fobia”, reconhece o preconceito por orientação sexual e tem como objetivo a reparação da cidadania de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexu- ais. Os psicólogos também podem contribuir com pesquisas e conheci- mentos sobre a sexualidade humana em geral, objetivando maior escla- recimento e colaborando para que as pessoas possam exercer sua sexualidade de forma livre e responsável.!! Referências Bibliográficas!! Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, com- portamento e cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari, & E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.! Blumenfeld, W. J. (2004). Conceitos de homofobia e heterossexismo. Retira-do de http://homofobia.com.sapo.pt/definicoes.html em 10 de junho de 2010.! Caixeta, V. C. (2007). O preconceito em relação ao homossexual e o desenvolvi- mento de um repertório socialmente hábil. Em E. N. Cillo & M. R. M. Santos �108 (Orgs.), Ciência do Comportamento: Conhecer e avançar (Vol. 6, pp. 208-217). Santo André: ESETec.! Cardoso, F. L. (2008). O conceito de orientação sexual na encruzilhada entre sexo, gênero e motricidade. Revista Interamericana de Psicologia, 42, 69-79.! Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (D. G. de Souza, trad. coord.). Porto Alegre: Artmed.! Conselho Federal de Psicologia (2005). Código de Ética Profissional de Psicólogo. Brasília, DF.! Conselho Federal de Psicologia (1999). Resolução nº. 001/99. Estabelece normas de atua- ção para psicólogos em relação à questão da orientação sexual. Brasília, DF.! Conselho Nacional de Combate à Discriminação (2004). Brasil Sem Homofobia: Programa de combate à violência e à discriminação contra GLTB e promoção da cidadania ho- mossexual. Brasília, DF.! Costa, R. P. (1994). Os onze sexos: As múltiplas faces da sexualidade humana. São Paulo: Gente.! Durkheim, E. (1895/2001). As regras do método sociológico. São Paulo: Nacional.! Ferretti, M. (1998). Homossexualidade: Um olhar antropológico. Pesquisa em Foco, 6, 153- 161.! Forastieri, V. (2005). História da ciência e a diversidade de orientações sexuais: Natureza, cultura e determinismo. Candombá Revista Virtual, 1, 1-15.! Guimarães, A. F. P. (2009). O desafio histórico de “tornar-se um homem homossexual”: Um exercício de construção de identidades. Temas em Psicologia, 17, 553-567.! Hardin, K. N. (2000). Auto-estima para homossexuais: Um guia para o amor próprio (D. Kle- ve, trad.). São Paulo: Edições GLS.! Junqueira, R. D. (2009). Escola e homofobia. Pátio: Revista Pedagógica, 50, 28-31.! Lasso, P. (1998). Sociologia da homossexualidade: Uma aproximação. Em M. Vidal, J. M. F. Martos, J. Gafo, P. Lasso, G. Higuera & G. Ruiz (Orgs.), Homossexualidade: Ciência e consciência (pp. 65-79). São Paulo: Edições Loyola.! Lunn, V. (1993). Combater a homofobia. Retirado de http://homofobia.com.sapo.pt/comba- ter.html em 09 de junho de 2010.! Marinho, C. A., Marques, E. F. M., Almeida, D. R., Menezes, A. R. B. & Guerra, V. M. (2004). Adaptação da escala de homofobia implícita e explícita ao contexto brasileiro. Paidéia, 14, 371-379.! Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed.! Mott, L. (2000). Homossexual também é ser humano: A construção da cidadania de gays, lésbicas e travestis no Brasil. Universidade e Sociedade, 10, 90-94.! Mott, L. (2003). Crônicas de um gay assumido. Rio de Janeiro: Record.! Mucci, L. I. (2005). Homoerotismo. Retirado de http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/H/ho- moerotismo.htm em 06 de junho de 2010.! Müller, W. (2000). Pessoas homossexuais. Rio de janeiro: Vozes.! Naphy, W. (2006). Born to be gay: História da homossexualidade. Lisboa: Edições 70.! Nascimento, M. A. N. (2010). Homofobia e homofobia interiorizada: Produções subjetivas de controle heteronormativo? Athenea Digital, 17, 227-239. Retirado de http://psicologia- �109 social.uab.es/athenea/index.php/atheneaDigital/article/view/652 em 05 de junho de 2010.! Newcomb, M. E. & Mustanski, B. S. (2010). Internalized homophobia and internalizing men- tal health problems: A meta-analytic review. Clinical Psychology Review, 30, 1019-1029.! Pedrosa, J. B. (2006). Segundo desejo. São Paulo: Iglu.! Pedrosa, J. B. (2010). Garoto rebelde: Surgimento da homossexualidade na criança. São Paulo: Biblioteca 24x7.! Pereira, H. & Leal, I. (2002). A homofobia internalizada e os comportamentos para a saúde numa amostra de homens homossexuais. Análise Psicológica, 1, 107-113.! Pocahy, F. A. & Nardi, H. C. (2007). Saindo do armário e entrando em cena: Juventudes, sexualidades e vulnerabilidade social. Estudos Feministas, 15, 45-66.! Raich, R. M. (2008). O condicionamento encoberto. Em V. E. Caballo (Org.), Manual de téc- nicas de terapia e modificação do comportamento (pp. 315-334). São Paulo: Santos Editora.! Sánchez, F. L. (2009). Homossexualidade e Família: Novas estruturas. Porto Alegre: Art- med.! Sidman, M. (1989/1995). Coerção e suas implicações (M. A. Andery, & T. M. Sério, trads.). São Paulo: Editorial Psy.! Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov & R. Azzy, trads.). São Paulo: Martins Fontes.!!! �110 “INVICTUS”: UMA LIÇÃO SOBRE ANÁLISE DE CONTINGÊNCIAS!! Raquel Maria de Melo !26 Universidade de Brasília!! Alessandra Rocha de Albuquerque! Universidade Católica de Brasília! “Invictus” é uma adaptação para o cinema do livro “Conquistando o ini- migo: Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul”, de John Carlin (“Playing the enemy: Nelson Mandela and the game that made a nation”, 2008). O filme retrata o período em que Mandela (Morgan Freeman) sai da prisão, em 1990, após 27 anos de detenção, é eleito presidente da África do Sul e inicia a reestruturação e o processo de unificação do país a partir do fim do apartheid. São enfatizadas a participação vitoriosa da equipe sul-africana na Copa Mun- �111 E-mail: melo.rm@gmail.com 26 Título do filme: “Invictus”: Conquistando o inimig! Título original: “Invictus”! Ano: 2009! Diretor: Clint Eastwood! Roteiro: Anthony Peckham! Produtores: Clint Eastwood, Robert Lorenz, Lori McCreary e Mace Neufeld! Lançado por: Warner Bros. Pictures / Spyglass Entertain- ment / Revelations Entertainment / Mace Neufeld Producti- ons / Malpaso Productions dial de Rúgbi, de 1995, e a habilidade de Nelson Mandela em utilizar o esporte como meio de integração social.! Ao assumir a presidência em 1994, Mandela encontra um país com pro- blemas em várias áreas: economia, educação, saúde, habitação, segurança e, principalmente, a segregação racial. Para lidar com estas situações, Mandela faz a opção de se aproximar e conhecer a minoria branca (denominada de afri- kaners, traduzido por africânderes) a partir da identificação do que explica o comportamento deste grupo, ao invés de adotar uma estratégia de vingança com base na violência, opressão e humilhação que caracterizaram o período do apartheid. ! A realização da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 na África do Sul foi utilizada por Mandela como uma oportunidade para diminuir a segregação ra- cial. O rúgbi era o jogo favorito dos brancos e não apreciado pelos negros, que preferiam o futebol e torciam por qualquer adversário do time de rúgbi da África do Sul, o Springboks. Como estratégia, Mandela convida para uma reunião François Pienaar (Matt Damon), capitão da equipe sul-africana, e inicia um pro- cesso conjunto para transformar o desacreditado time do Springboks em cam- peão mundial e, ao mesmo tempo, fazer com que a população se una e apóie o time em busca deste objetivo.! Na etapa de preparação para a copa do mundo, a campanha publicitária destaca a imagem do único jogador negro (Chester Williams, interpretado por McNeil Hendricks) do Springboks e o time tem como uma de suas atribuições �112 desenvolver atividades de iniciação ao rúgbi em bairros pobres. O capitão do time assume a sua função de líder e segue as orientações de Mandela ao bus- car estratégias de jogo que levem o time a superar as suas limitações e a obter o melhor desempenho de cada um dos jogadores. O Springboks vence todos os adversários e conquista o título na final contra a equipe da Nova Zelândia, considerada a favorita. Durante a decisão, o estádio lotado, com cerca de 63 mil pessoas, torce, incentiva o time, e comemora a vitória. Assim, como plane- jado por Mandela, a nação arco-íris, composta por representantes de várias et- nias, se uniu emtorno de um mesmo objetivo. A hostilidade em relação a tudo que o rúgbi simbolizava no período do apartheid foi superada. !! Análise Teórica!! O referencial da Análise do Comportamento será utilizado para caracte- rizar a relevância da análise de contingências no planejamento de mudanças em comportamentos sociais, previamente mantidos por controle aversivo. Se- rão analisados diferentes trechos do filme que demonstram que o comporta- mento é explicado a partir da história de interações do indivíduo, ou grupo, com o ambiente (físico ou social), ou seja, a partir de análises funcionais. Assim, será possível abordar a questão do ensinar enquanto programação de contin- gências de reforço que resultam em mudança de comportamento a partir da análise das interações em determinados grupos (e.g., time de rúgbi e os segu- ranças do presidente Nelson Mandela), e de uma forma mais ampla, das con- tingências estabelecidas pelo governo enquanto agência de controle. ! O Apartheid e o Governo enquanto Agências de Controle! ! Apesar de a questão do apartheid não ser o tema central do filme “Invic- tus”, é importante descrever suas principais características, uma vez que as interações sociais entre negros e brancos ali retratadas são resultantes da his- tória passada e presente produzida pelas contingências estabelecidas pelo go- verno, a partir de leis de segregação racial.! ! O apartheid (separação em africâner) foi um regime de segregação raci- al adotado na África do Sul no período de 1948 a 1994. Nesse regime, a mino- ria branca, de origem principalmente inglesa e holandesa, detinha o poder polí- tico e econômico, enquanto aos grupos pertencentes a outras etnias, compos- tos em sua maioria por negros, eram impostas várias leis que restringiam os seus direitos políticos e sociais (e.g., educação, saúde, posse de terra e local de moradia). Dentre as principais leis do apartheid, podem ser citadas: a proibi- ção do casamento entre brancos e negros, a obrigação de declaração de regis- tro de cor para todos os sul-africanos, a proibição de circulação de negros em determinadas áreas das cidades, a criação de bantustões (bairros só para ne- �113 gros), a separação de serviços públicos (e.g., banheiros, ônibus, restaurantes) para brancos e negros e a criação de um sistema diferenciado de educação para as crianças nos bantustões .!27 O apartheid resultou em revoltas e manifestações populares. O movi- mento antiapartheid foi liderado por Mandela, foi preso em 1962 e condenado à prisão perpétua com trabalhos forçados. Conforme a revolta se tornava mais frequente e violenta, as organizações estatais respondiam com o aumento da repressão e da violência. Esta situação mobilizou a comunidade internacional. Em 1973, a Assembléia Geral das Organizações Nacionais Unidas (ONU) de- clarou o apartheid um “crime contra a humanidade” e, em 1986, os Estados �114 http://pt.wikipedia.org/wiki/apartheid disponível em 02/11/10.27 Unidos decretaram o embargo econômico contra a África do Sul. A pressão 28 internacional fez com que, no início dos anos 90, o presidente Frederik de Klerk iniciasse as negociações para por fim ao apartheid e libertasse Nelson Mande- la. Em 1992, cerca de 70% dos eleitores brancos votaram a favor do fim do apartheid em um plebiscito. de Klerk e Mandela receberam o Prêmio Nobel da Paz (1993), uma nova Constituição não-racial passou a vigorar e os negros adquiriram direito ao voto. As primeiras eleições multirraciais na África do Sul foram realizadas em 1994, e Nelson Mandela foi eleito presidente. !29 Esta caracterização histórica nos permite analisar a primeira cena do filme que mostra o carro em que se encontra Nelson Mandela, após ser liberta- do, escoltado por outros carros e motos, trafegando em uma estrada que divide duas realidades sociais distintas. De um lado, garotos negros, mal vestidos, jo- gam futebol em um terreno baldio. Ao reconhecerem Nelson Mandela, gritam seu nome e acenam alegremente na lateral da estrada. Do outro lado, crianças brancas, uniformizadas, treinam rúgbi em um campo gramado sob a supervisão de um técnico. O time interrompe o treino, observa o cortejo passar, e o técnico informa que se trata de um “terrorista” que foi libertado. A diferença entre as duas realidades está relacionada com as contingências estabelecidas pelo go- verno a partir do regime do apartheid (leis previamente descritas), as quais re- sultaram em diferentes histórias de interação entre os dois grupos e dos seus membros com os recursos ambientais disponíveis (e.g., saúde, educação, la- zer) . Tais histórias são fundamentais para que se possam explicar os compor- tamentos dos indivíduos de cada um destes grupos . !30 ! Para a abordagem analítico-comportamental, o comportamento é multi- determinado, ou seja, múltiplas variáveis o determinam. É influenciado por três níveis de variação e seleção: filogenético, ontogenético e cultural (Andery, Mi- cheletto & Sério, 2007; Skinner, 1953/1981, 1981; Todorov & de-Farias, 2009), os quais devem ser considerados em uma explicação (análise e descrição) mais ampla do comportamento. O nível filogenético está relacionado às carac- terísticas herdadas, funcionamento e estrutura do organismo; o nível ontogené- tico diz respeito à história de aprendizagem de cada indivíduo; e o nível cultural se refere às peculiaridades da cultura em que o indivíduo está inserido (práti- cas culturais).! As contingências estabelecidas pelo governo, por meio das restrições �115 Embargo: É a proibição do comércio e da comercialização com um determinado país (http://pt.wi28 - kipedia.org/wiki/Apartheid disponível em 02/11/10). http://www.Ibge.gov.br/ibgeteen/datas/discriminação/apartheid.html.org/wiki/Apartheid, disponível 29 em 02/11/10. de-Farias e Lima-Parolin (2007) realizaram análise semelhante sobre o preconceito racial ilustrado 30 no filme “Crash: No limite”.! impostas aos negros ao longo dos anos, fizeram com que os dois grupos, membros da espécie humana, com histórias filogenéticas semelhantes, fossem expostos a ambientes físico e social distintos. O acesso limitado à educação, saúde, alimentação e restrição de moradia a determinados espaços geográfi- cos resultaram na aquisição de repertórios diferentes pelos negros e compor- tamentos hostis entre os gru- pos de diferentes etnias. A manutenção da diferença en- tre as duas realidades soci- ais foi legalmente garantida pelo governo por meio das leis de segregação racial. ! ! De acordo com Skin- ner (1953/1981), a lei é “o enunciado de uma contin- gência de reforço mantida por uma agência governa- mental. (…) Uma lei é uma regra de conduta no sentido de que especifica as con- sequências de certas ações que por seu turno ‘regem’ o comportamento” (p. 322). Assim, as leis do apartheid podem ser analisadas como regras que proibiam a convi- vência entre brancos e ne- gros, estabeleciam acessos diferenciados aos recursos ambientais, e previam pena- lidades caso não fossem cumpridas. Desta forma, os enunciados das regras funci- onam como estímulos dis- criminativos verbais que indicam uma contingência: se o comportamento ocor- rer em determinada situação, então uma consequência será mais – ou menos – provável (Baum, 1994/1999). Conforme destaca Skinner (1953/1981), o con- trole exercido pelo governo se dá, geralmente, por meio da punição e o com- portamento obediente, fazer ou seguir o previsto nas leis, evita a punição:!! O governo usa seu poder para ‘manter a paz’ – para restringir comportamentos �116 que ameaçam a propriedade e as pessoas de outros membros do grupo. Um governo que possui apenas o poder de punir pode fortalecer o comportamento legal somente pela remoção de uma ameaça de punição a ele contingente. Al- gumas vezes isto é feito, mas a técnica mais comum é simplesmente punir as formas ilegaisdo comportamento (Skinner, 1953/1981, p. 320).!! A segregação racial pode também ser analisada de acordo com o nível cultural de seleção do comportamento por consequências enquanto uma práti- ca cultural. Uma prática cultural “envolve repetição de comportamento operante análogo entre indivíduos de uma dada geração e entre gerações de indivíduos” (Glenn, 1991, p. 60). O comportamento replicado é, portanto, chamado de uma prática cultural (Glenn & Malagodi, 1991; Todorov & de-Farias, 2009). Nas prá- ticas culturais, as consequências agem sobre o grupo “e o efeito sobre o grupo, não mais as conseqüências reforçadoras para os membros individuais, que é responsável pela evolução da cultura” (Skinner, 1981, p. 502). Entre a popula- ção branca, comportamentos que podem ser considerados de segregação ra- cial, tais como uso de rótulos verbais pejorativos em relação aos negros, agressões físicas, recusa em compartilhar os mesmos espaços públicos que os negros, uso de uma língua diferente da falada pelos negros, foram transmitidos e mantidos ao longo de várias gerações em que perdurou o apartheid. Algumas agências de controle – o governo, por meio de leis, do controle social da polícia e do exército, e medidas econômicas; a mídia (ao relacionar a etnia racial com comportamentos considerados positivos ou negativos); a escola (ao definir o que era ensinado para os membros de cada grupo) – selecionaram as práticas culturais que garantiram à minoria branca condições econômicas, acesso à saúde, educação e habitação de melhor qualidade em comparação com o que os negros tinham acesso. ! Entretanto, é um engano supor que o controle exercido pelo governo por meio de punições produz submissão passiva. Tais contingências podem gerar comportamentos de reação por parte dos grupos controlados, ou seja, contra- controle, conforme destacado por Skinner (1953/1981):!! O governo e o governado compõem um sistema social (…). O governo manipu- la as variáveis que alteram o comportamento do governado e se define em termos de seu poder de assim fazer. A mudança no comportamento do gover- nado provem de volta um reforço ao governo, explicando a continuação de sua função (…) O controle excessivo gera também comportamento da parte do controlado sob a forma de fuga, revolta, ou resistência passiva (pp. 329-330). !! ! Os fatos históricos, previamente descritos, mostram que o apartheid re- sultou em reações de revolta por parte dos negros, uma evidência de contra- controle, as quais desencadearam repressões constantes do governo e, con- �117 sequentemente, novas manifestações e protestos. Líderes do movimento do apartheid foram presos, dentre estes Nelson Mandela. Reações de contracon- trole são frequentemente observadas em contextos sociais onde predominam contingências aversivas (Sidman, 1989/1995), as quais serão abordadas na seção seguinte deste capítulo. ! Análise de Contingências: A Estratégia Utilizada por Mandela! ! A descrição do contexto histórico, caracterizado pela exposição prolon- gada dos negros às contingências aversivas acima descritas, estabelece o re- ferencial para analisar algumas cenas do filme que mostram como era, inicial- mente, a interação entre brancos e negros em pequenos grupos e a estratégia utilizada por Mandela para lidar com tais situações. Contingências aversivas envolvem punição e reforçamento negativo ou coerção, conforme Sidman (1989/1995). Diversas cenas do filme ilustram o princípio do reforçamento ne- gativo, de acordo com o qual se verifica a ocorrência de comportamentos que resultam na remoção ou adiamento na apresentação de estímulos aversivos . !31 No primeiro dia como presidente, Mandela percorre o corredor em dire- �118 Estímulo aversivo: é um evento ou mudança no ambiente que (1) reduz a probabilidade do com31 - portamento que o produz como consequência; ou (2) aumenta a probabilidade do comportamento que o elimina, adia ou evita a sua apresentação. O comportamento que elimina o estímulo aversivo é denominado fuga; o comportamento que adia ou evita o estímulo aversivo é chamado de esquiva. A situação (1) caracteriza a punição, enquanto a situação (2) descreve o reforçamento negativo (Cata- nia, 1998/1999; Skinner, 1953/1981). ção ao seu gabinete, cumprimenta com gentileza os funcionários, enquanto al- guns deles caminham apressadamente segurando caixas com pertences pes- soais. A história de conflitos entre brancos e negros durante o período do apartheid, previamente descrita, o término desse regime de segregação racial, e a posse de um presidente negro estabelecem o contexto para comportamen- tos de se afastar, de evitar o contato social com os representantes do novo go- verno, pois estes impedem o contato com possíveis estímulos aversivos. Os comportamentos de “prevenção” adotados pelos funcionários – arrumar os ma- teriais e se preparar para ir embora – evitam humilhações futuras ou uma pos- sível demissão e, portanto, poderiam ser considerados comportamentos de es- quiva (reforçamento negativo). ! Ao presenciar tais comportamentos dos funcionários, Mandela convoca uma reunião e apresenta a eles duas opções: abandonar o trabalho ou perma- necer e ajudar a construir uma “nação arco-íris” (sem diferenças entre brancos e negros). Mandela ressalta que o conhecimento dos funcionários será muito importante e que aqueles que ficarem devem realizar o seu trabalho da melhor forma possível, para ajudá-lo a governar. Tal estratégia evidencia que os com- portamentos dos funcionários foram valorizados, ou seja, os desempenhos com competência foram reforçados positivamente, e são apresentadas duas alter- nativas de escolha, uma que envolve perda de reforçadores (e.g., salário, re- conhecimento social) e, outra, a apresentação de tais reforçadores positivos. ! ! Entre os membros da equipe de seguranças de Mandela, observam-se inicialmente comportamentos hostis dos negros em relação aos brancos que integravam a equipe da guarda pessoal do ex-presidente. Quando os quatro guarda-costas do ex-presidente se apresentam e informam que foram convo- cados, pelo presidente Nelson Mandela, para compor a nova equipe de segu- rança, Jason Tshabalala (representado por Tony Kgoroge), o chefe da equipe, fica irritado. A presença de pessoas que trabalhavam para a polícia, ou como segurança, foram anteriormente associadas a agressões físicas e verbais (US – estímulos incondicionados) que eliciavam respostas de ansiedade e irritação (UR – respostas incondicionadas). Em decorrência de tais associações, deno- minadas de condicionamento respondente, respostas de ansiedade e raiva passaram a ser eliciadas pela presença dos seguranças brancos do antigo go- verno (CS – estímulos condicionados), tornando-se, portanto, respostas condi- cionadas (CR). Adicionalmente, a irritação (CR) eliciada pela presença dos se- guranças brancos (CS) desempenha, também, função de estímulo discriminati- vo para respostas que poderiam impedir ou evitar o contato com tais estímulos, o que é exemplificado pelo comportamento de Jason de questionar o presiden- te Mandela sobre a composição da equipe de segurança (Figura 1). Como Mandela mantém a sua decisão e pede para que ele se esforce para conviver de forma harmoniosa com todos os seguranças, Jason interrompe a argumen- �119 tação e concorda em mudar a sua forma de agir. Tais comportamentos evitam a desaprovação do presidente (reforçamento negativo). ! Figura 1. Representação esquemática de relações funcionais observadas no filme (as siglas correspondem a CS: estímulo condicionado; US: estímulo incondicionado; CR: resposta condicionada; UR: resposta incondicionada; SD: estímulo discriminativo; R: resposta; e Csq à consequência). !! �120 Na cena previamente descrita, novamente Mandela evita o uso de con- trole aversivo. Ao conversar com Jason, ressalta a qualificação e a competên-cia dos seguranças do ex-presidente; argumenta que o presidente se apresen- ta em público na companhia dos guarda-costas e que a “nação arco-íris” deve começar pela composição da sua equipe; destaca também a importância da “reconciliação” e do “perdão”; e pede, gentilmente, que Jason acate o seu pe- dido. Nesta cena, podemos destacar também a importância que Mandela atri- bui ao comportamento que deve ser utilizado como exemplo, ou da aprendiza- gem a partir do comportamento do modelo. Ao usar o time do Springboks e a Copa do Mundo de Rúgbi, até então símbolos da segregação racial e da mino- ria branca, como uma oportunidade para diminuir a segregação, Mandela o faz também acreditando na força do modelo como meio de mudança e na possibi- lidade de que tais mudanças se generalizem para outros contextos (quando é informado de que um bilhão de pessoas no mundo acompanharão a Copa do Mundo, afirma que “esta é uma grande oportunidade”). Em uma das cenas do filme, os jogadores do Springboks são informados de que deveriam visitar cri- anças negras em regiões desfavorecidas do país. As imagens desta visita são transmitidas por um telejornal e, ao assisti-las, Mandela comenta que “estas imagens valem mais do que mil discursos”. ! Em situações naturais de interação social, o comportamento do líder de um grupo pode funcionar como modelo que os outros seguem e copiam. Em tais situações, a probabilidade de modificar o comportamento dos membros do grupo é alta, uma vez que o líder (modelo) controla a liberação de reforçado- res, estabelece o que pode ou não ser feito e o seu próprio comportamento é mantido por consequências reforçadoras, as quais também poderão ser apre- sentadas quando comportamentos similares aos do modelo ocorrerem (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999; Mazur, 2002). Em diferentes cenas do filme, Mandela apresenta comportamentos de respeito ao próximo e que favorecem a interação social, tais como sorrir com freqüência, cumprimentar as pessoas (e.g., aperta a mão, coloca a mão no ombro) e verbalizações que demonstram preocupação e consideração em relação aos outros (e.g., pergunta como vão a pessoa e sua família), sem considerar a sua função profissional, etnia ou nível social. Merecem destaque três cenas. Na primeira, após a solenidade de aber- tura de um jogo de rúgbi, Mandela se afasta dos seguranças, caminha entre o público até localizar e, posteriormente, cumprimentar um torcedor com a nova bandeira da África do Sul. Em outra cena, durante a visita do capitão do time de rúgbi, Mandela pergunta como vai o tornozelo do jogador, sugere que ele se sente em um local onde a luz não incomode os seus olhos (o capitão é branco e tem olhos claros), pergunta como ele prefere o chá e pessoalmente lhe serve, e menciona que o chá “foi uma das boas contribuições, herança dos ingleses”. Em uma terceira cena, um dos seguranças brancos de Mandela, ao ser questi- �121 onado a respeito de como é o presidente, responde que, quando trabalhou para o ex-presidente, seu trabalho era ser invisível e que, para Mandela, nin- guém é invisível – “o presidente atual descobriu que eu gostava de toffee inglês (um tipo de bala de caramelo) e trouxe para mim de sua visita à Inglaterra”. Nestas situações sociais e em outras similares, tais comportamentos de Man- dela são reforçados pelo comportamento das outras pessoas que retribuem o sorriso ou o cumprimento, e respondem com gentileza às suas perguntas. As- sim, os exemplos mostram que as análises feitas por Mandela destacam os aspectos funcionais do comportamento e, por outro lado, ao se comportar de maneira coerente com tal análise, apresenta o modelo do comportamento ade- quado, mostra a resposta “adequada” e como ela deve ser executada, ou seja, a sua estrutura ou topografia. Adicionalmente, a presença de Mandela e o que ele representa (o governo sob o controle da população negra) estão correlacio- nados com contingências reforçadoras. ! Ao longo do filme, são ilustradas interações entre os seguranças que se caracterizam por trabalho em equipe, pois a qualidade do resultado obtido (a segurança do Presidente) depende do desempenho de cada um, e pela dimi- nuição de comportamentos hostis e aumento da ocorrência de comportamen- tos pró-sociais tais como sorrir, cumprimentar e falar de assuntos de interesse comum. À medida que os seguranças negros começam a apresentar compor- tamentos pró-sociais similares aos do Presidente Mandela, tais comportamen- tos são reforçados pelos seguranças brancos em situações naturais de intera- ção social. A Copa do Mundo funciona como ocasião para comportamentos de �122 aproximação entre os seguranças e o rúgbi passa a ser tema comum das con- versas. O contexto da competição e a campanha do governo de apoio ao time da África do Sul aumentam o valor reforçador de diversos aspectos relaciona- dos ao rúgbi (e.g., informações sobre as regras e os jogos disputados) e au- menta a ocorrência de comportamentos que resultam no acesso a tais con- sequências. As pessoas que conhecem as regras do jogo compreendem os comentários esportivos, os movimentos de uma jogada e participam de conver- sas com outras pessoas enquanto assistem aos jogos ou, dito de outra forma, discriminam se os comentários são coerentes ou não de acordo com o que de fato ocorreu, se o árbitro marcou uma falta corretamente e qual a pontuação atribuída para cada tipo de jogada. Assim, ao longo do filme, observa-se que os comportamentos que resultam em informações sobre tal esporte passaram a ocorrer com mais freqüência assim como os comportamentos de assistir e tor- cer, os quais produzem reforçadores naturais, bem estar, diversão. Esta mu- dança na interação entre os seguranças é ilustrada na cena em que, após al- gumas explicações sobre o jogo, todos os seguranças jogam rúgbi no jardim de maneira cooperativa, sorriem e conversam de maneira descontraída, ou seja, a prática do esporte produz reforçadores inerentes à atividade.! Outra cena que ilustra o efeito da exposição a contingências aversivas é a que mostra duas senhoras, uma negra e uma branca, durante a doação de roupas para crianças de uma comunidade pobre. Um garoto negro rejeita a camisa do time de rúgbi da África do Sul (Springboks) e sai correndo. Quando a senhora branca pergunta por que o garoto não aceitou a camisa, a senhora negra explica que “se o garoto usá-la, ele irá apanhar dos outros”, pois a cami- sa do Springboks representa o apartheid. A população negra demonstrava hos- tilidade por tudo relacionado ao Springboks (e.g., uniforme, bandeira, hino) e, nas competições, torcia sempre para o adversário, como pode ser visto no pri- meiro jogo apresentado no filme entre o Springboks e um time da Inglaterra. Este exemplo demonstra, como anteriormente descrito, que diferentes variáveis controlam o comportamento. Mesmo sob condição de privação de agasalhos, proteção contra baixa temperatura, o garoto apresentou expressão facial de insatisfação na presença da camisa do Springboks e rejeitou a doação. Assim, as respostas emocionais funcionaram como estímulos antecedentes para o comportamento de fuga, acenar negativamente com a cabeça e correr para longe, afastar-se do estímulo aversivo (camisa do Springboks). ! Como analisado anteriormente, a presença dos brancos eliciava respon- dentes (e.g., ansiedade, raiva), pois foi associada a agressões físicas e verbais durante o período do apartheid. Como o rúgbi era uma atividade esportiva pra- ticada por brancos, os uniformes, a bandeira e o hino em competições foram também emparelhados arbitrariamente com a presença dos brancos, que, como já dito, por condicionamento respondente, eliciava respostas emocionais. �123 Tal ampliação da classe de estímulos que elicia respondentes ou que resulta em comportamentos de fuga e esquiva poderia ser explicada por relações arbi- tráriasentre estímulos (ver, por exemplo, o conceito de equivalência de estímu- los, em Albuquerque & Melo, 2005; Sidman, 1994; Sidman & Tailby, 1982). ! A hostilidade em relação ao time do Springboks aparece de forma mais marcante durante uma reunião do NSC (National Sports Concil). Esta reunião tinha como pauta a votação da mudança das cores e emblema do Springboks, bem como a mudança do nome do time. Os comportamentos dos líderes do NSC podem ser considerados exemplos de contracontrole (ou contrarreação) decorrentes da exposição prévia a contingências aversivas, exposição esta se- guida por mudança nas contingências quando o grupo, anteriormente controla- do, passa a exercer cargos públicos, com poder de decisão. Comportamentos semelhantes de contracontrole e repetição de ciclos de coerção e contracontro- le são destacados por Sidman (1989/1995): !! Coerção severa, então, gera contrarreação quase automática. Mas isto não termina aí. Retaliação bem-sucedida provê reforçamento rápido e po- deroso. Aqueles que estavam por baixo tornam-se os poderosos, aqueles que eram os temidos opressores agora buscam seu favor. É fácil ver como a agressão poderia tornar-se um novo modo de vida para os inicialmente subservientes. O próprio sucesso da contra-agressão pode colocar em movimento uma estrutura autoperpetuadora de um modo de vida agressi- vo. Aqueles que anteriormente nada tinham agora tudo têm. A agressão que levou às novas vantagens pode agora ser usada para ajudar a mantê- las. A todo momento vemos revolucionários transformarem-se em cópias carbono dos regimes que derrubaram; o ciclo de coerção e represália repe- te-se incessantemente (Sidman, 1989/1995, p. 223).! �124 ! ! ! Na continuidade desta parte do filme, ao ser informado sobre o tema discutido, Mandela interrompe suas atividades no gabinete e decide compare- cer à reunião do NSC. Na reunião, faz um pronunciamento contra a mudança dos símbolos do time de rúgbi e considera que é importante não tirar dos bran- cos aquilo que eles valorizam. Argumenta que, nos 27 anos em que esteve preso, estudou os brancos, conheceu seus costumes, língua, livros e poesias. Tais informações foram importantes para que pudesse aprender como interagir com eles de maneira pacífica e com respeito. Podemos considerar que a forma como Mandela analisa esta situação de conflito, assim como várias outras co- mentadas neste capítulo, apresenta características de uma análise das contin- gências em vigor. Suas intervenções demonstram uma análise funcional dos vários aspectos envolvidos com a previsão das consequências de optar por uma ou outra alternativa de escolha: (i) agir como os brancos durante o apartheid, ou seja, perpetuar o uso de contingências aversivas, ou (ii) tentar identificar variáveis que poderiam fazê-los contribuir para a reconstrução do país, ou seja, utilizar contingências que priorizem o reforçamento positivo de comportamentos relevantes para a convivência social. Se, no contexto caracte- rizado no filme (término do apartheid e negros no controle do governo – situa- ção antecedente), o governo priorizasse a vingança, a partir de confisco de bens, restrição de acesso aos serviços públicos, desqualificação e proibição de tudo que os brancos valorizavam (respostas), possivelmente ocorreriam mais hostilidades e conflitos entre os grupos (consequências). Na verdade, é isto que a minoria branca esperava que acontecesse quando os negros assumiram o poder, o que é ilustrado em uma cena em que um pai de família verbaliza que tem medo de que o novo governo (do Presidente Mandela) tire o emprego de- les e tudo que possuem. Diferente do esperado, Mandela argumenta que a po- pulação negra deve surpreender os brancos com “compaixão, moderação e generosidade. Não é hora de vingança (....). Brancos não são inimigos, são companheiros sul-africanos, são parceiros na democracia”. Esta análise mostra que, no mesmo contexto, um comportamento alternativo, restabelecer o rúgbi e aceitar seus símbolos, poderia ser um passo para favorecer a aceitação do novo governo. Assim, a minoria branca, que no governo de Mandela ainda mantinha o controle da polícia, do exército e da economia, poderia trabalhar em conjunto para a reconstrução do país, sem segregação racial.! As análises previamente apresentadas de diversas cenas do filme suge- rem que as estratégias utilizadas por Mandela apresentam características das intervenções feitas no contexto de ensino. De acordo com Skinner (1968/1972), ensinar é “arranjar contingências de reforço” (p. 4). Arranjar contingências refe- re-se a planejar o ensino, ou seja, definir as condições diante das quais o com- portamento deverá ocorrer e as consequências ou mudanças no ambiente que �125 deverão seguir o comportamento. Os exemplos analisados mostram a relevân- cia da análise funcional para a identificação do efeito de contingências aversi- vas e das diferentes variáveis que afetam o comportamento social, e, princi- palmente, para o planejamento de contingências que favoreçam as interações entre membros de diferentes grupos sociais e etnias (para análise semelhante, ver de-Farias & Lima-Parolin, 2007). ! As Contingências Envolvidas nas “Fontes de Inspiração”! ! A questão da causalidade do comportamento é abordada no filme a par- tir de explicações que pressu- põem que causas internas, tais como “força de vontade” e “ins- piração”, resultam em compor- tamentos manifestos. Podemos observar explicações de tal tipo nas cenas que abordam a estra- tégia utilizada por Mandela para ajudar o capitão do time de rúgbi a cumprir a sua difícil tarefa de liderar o time para conquistar a vitória, o título de campeão da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995.! ! Durante o encontro com o capitão do time de rúgbi (Fran- çois Pienaar), Mandela busca informações sobre a sua “filoso- fia de liderança” e lhe faz per- guntas sobre como liderar o time de tal forma a tirar o máximo de cada um e fazer com que os jo- gadores superem as próprias expectativas. O capitão mencio- na que faz uso do exemplo, ou seja, demonstra o que deve ser feito e de que maneira. Mande- la sugere como alternativa o uso da “inspiração” e relata que, en- quanto esteve preso na Ilha Robben, as palavras de um poema o ajudaram a se “manter em pé”, a não desistir, apesar de todas as dificuldades. O hino da África do Sul negra, Nkosi Sikelele (Deus abençoe a África), também é citado �126 por Mandela como uma fonte de inspiração para que ele faça o melhor, supere as próprias expectativas, ao governar o país. Pienaar ouve atentamente os re- latos das experiências pessoais do Presidente e comenta que, em algumas ocasiões, selecionou uma música com palavras de incentivo para os jogadores ouvirem no ônibus a caminho de um jogo. ! ! Na véspera do jogo de estréia do Springboks na Copa do Mundo de Rúgbi contra o time da Austrália, Mandela vai até o centro de treinamento, cumprimenta pelo nome e com um aperto de mão cada um dos jogadores, de- seja boa sorte a todos, e entrega o poema previamente mencionado ao capi- tão do time. Trata-se do poema “Invictus”, do escritor inglês William Er- nest Henley (1849-1903):!! Do fundo desta noite que persiste A me envolver em breu - eterno e espesso, A qualquer deus - se algum acaso existe, Por mi’alma insubjugável agradeço.! Nas garras do destino e seus estragos, Sob os golpes que o acaso atira e acerta, Nunca me lamentei - e ainda trago Minha cabeça - embora em sangue - ereta.! Além deste oceano de lamúria, Somente o Horror das trevas se divisa; Porém o tempo, a consumir-se em fúria, Não me amedronta, nem me martiriza. ! Por ser estreita a senda - eu não declino, Nem por pesada a mão que o mundo espal- ma; Eu sou dono e senhor de meu destino; Eu sou o comandante de minha alma.!! O poema é apresentado no filme durante a visita doSpringboks à prisão da Ilha Robben, em cenas em que o capi- tão, dentro da cela onde Mandela esteve preso, imagina o Presi- dente nesse espaço restrito e quebrando pedras juntamente com ou- tros presos. ! As cenas previamente comentadas ilustram afirmações típicas do senso comum e sugerem que a superação de dificuldades ou a obtenção de um re- sultado positivo é decorrente das causas internas (e.g., “inspiração”, “vontade”, “expectativa”), as quais seriam, no caso do filme, desencadeadas por um poe- ma ou pela descrição verbal de como alguém foi bem sucedido em tais situa- ções. Tais explicações são rejeitadas pela Análise do Comportamento, que se constitui como uma proposta externalista e anti-mentalista (Skinner, 1953/1981; 1974/1982). Para Skinner (1953/1981), explicações mentalistas, que buscam �127 as causas do comportamento dentro do organismo, tendem a obscurecer as variáveis disponíveis para uma análise científica e não conseguem explicar aquilo a que se propõem. Uma das limitações apontadas para as explicações mentalistas encontra-se no fato de estas serem redundantes (Baum, 1994/1999): !! Explicações mentalistas inferem uma entidade fictícia a partir do compor- tamento, e então afirmam que a entidade inferida é a causa do comporta- mento. Quando se diz que uma pessoa come verduras pelo desejo de man- ter-se saudável ou por sua crença no vegetarianismo, essa descrição se origina antes de tudo da observação do comportamento de comer verduras; portanto, a razão para se dizer que há um desejo ou uma crença é a ação. Essa ‘explicação’ é inteiramente circular: a pessoa tem o desejo por causa de seu comportamento, e exibe o comportamento por causa do desejo (Baum, 1994/1999, p. 52).!! ! O uso da “inspiração” de Pienaar ou da “força de vontade” dos jogadores do Springboks para explicar o excelente desempenho do time durante a Copa do Mundo são claramente redundantes – a “inspiração” e “força de vontade” que explicam o desempenho dos jogadores são inferidas a partir do próprio de- sempenho.! Para a Análise do Comportamento, os eventos tradicionalmente tratados como mentais (e.g., pensar, sentir) não são tomados como causas do compor- tamento e sim como eventos privados – ambientais e comportamentais – que, como quaisquer outros (públicos), devem ser compreendidos a partir da análise das interações envolvidas (Skinner, 1953/1981; Tourinho, 1997). Simonassi, Tourinho e Silva (2001) afirmam que:!! Os eventos privados são definidos por Skinner como estímulos e respostas acessíveis de modo direto apenas ao próprio indivíduo a quem dizem res- peito (Skinner, 1945, 1953/1965, 1969, 1974). Nenhuma natureza especial precisa ser suposta; nenhum apelo à metafísica se torna necessário para explicá-los. Como fenômenos comportamentais, estímulos e respostas pri- vados são dotados de natureza física e podem ser interpretados com os mesmos conceitos com os quais se interpretam os fenômenos públicos. A inacessibilidade à observação pública, que confere especificidade aos eventos privados, pode ser momentânea e circunstancial (p. 134).!! ! A partir de tais considerações, o termo “inspiração”, utilizado no filme para se referir a uma “força interior”, não tem valor como explicação do com- portamento e deve ser substituído por uma análise funcional de comportamen- �128 tos desempenhados . A análise do comportamento de Pienaar revela a ocor32 - rência de comportamentos públicos e privados, inseridos em contextos especí- ficos, que produziram diferentes consequências reforçadoras, dentre elas a vi- tória de um time desacreditado. Por exemplo, Mandela, ao convidar Pienaar para uma conversa, na qual demonstra interesse pelo rúgbi e levanta a possibi- lidade de um bom desempenho do Springboks na Copa do Mundo, funciona como um contexto (estímulo discriminativo) que estabelece a ocasião para que Pienaar “busque fazer o melhor” e sinaliza consequências sociais reforçadoras (valorização pelo presidente, contribuição para dissipar a segregação racial na África, resgate da credibilidade do Springboks). “Fazer o melhor”, portanto, não é decorrente de “inspiração” (fornecida pelos estímulos discriminativos poema ou música ), mas está sob controle de eventos ambientais externos. Adicional- mente, após um jogo contra a Inglaterra, a menos de um ano da Copa, no qual o Springboks foi derrotado e severamente criticado, muitas mu- danças estratégicas ocorreram: o treinador e o manager do time fo- ram demitidos; o novo treinador estabeleceu uma rotina de treino e preparação física extenuantes (em uma cena do filme, o novo treinador afirma que o Springboks pode não ser o melhor time do mundo, mas será o de melhor preparo físico); e Mandela passou a apoiar amplamente o time (comparecendo a trei- nos, e valorizando os jogadores com elogios e agradecimen- tos pelo desempenho). ! Em um momento posterior, que retrata o período de realização da Copa do Mundo, são mostrados os jogadores do Springboks assistindo ao jogo do All Blacks (time da Nova Zelândia, considerado o melhor time e adversário do Spring- boks na final) contra a Inglaterra; enquanto assistem ao jogo, analisam as jogadas e planejam impedir que o principal jogador da Nova Zelândia (Lomu) avance na final. No dia da final (Spring- boks x All Blacks), 62 mil torcedores brancos e negros lotam o estádio, cantam, acenam e um avião Jumbo 747 sobrevoa o estádio, desejando boa sorte ao time. Mandela entra em campo vestindo o uniforme do Spring- boks, cumprimenta cada jogador e diz para o capitão que o país está orgulhoso (reforço social para o bom desempenho apresentado até o momento e contexto para o comportamento de jogar a final). Durante o jogo, Pineaar pede tempo e estabelece uma estratégia para que o seu time neutralize Lomu. O Springboks faz um excelente jogo, ganha a final e Mandela, pessoalmente, entrega a taça ao capitão, agradece pelo que fez ao país, enquanto brancos e negros come- moram juntos (consequências reforçadoras). Estas análises explicitam os con- �129 Análise semelhante, aplicada ao conceito de personalidade, pode ser vista na análise comporta32 - mental do filme “Curtindo a vida adoidado” (Moreira, 2007). troles externos (ambientais) que atuaram sobre os comportamentos de Pienaar e demais jogadores, antes e durante a Copa do Mundo, sem recorrer a eventos internos como causas do comportamento. ! Deve-se lembrar, contudo, que a Análise do Comportamento não rejeita a existência/ocorrência de eventos privados, os quais podem ser tratados como comportamentais (operantes ou respondentes) ou ambientais (estímulos dis- criminativos, eliciadores, reforçadores ou aversivos). Em uma cena, Pienaar, ao receber o telefonema de Mandela convidando-o para um chá e ao dirigir-se ao palácio do governo, mostra-se tenso, inseguro e ansioso. A tensão e ansiedade podem ser interpretadas como eventos privados; tais sentimentos, contudo, não são responsáveis pelo pronto atendimento de Pienaar ao convite do presi- dente, tampouco por ele “fazer o melhor”. ! ! Cabe aqui um esclarecimento adicional a respeito do papel dos eventos privados em uma análise funcional do comportamento: eventos privados po- dem ser comportamentos e, como tal, parte de uma contingência, ou podem ser subprodutos de contingências de reforçamento que atuam sobre outros comportamentos (Abreu-Rodrigues & Sanabio, 2001; Tourinho, 1997). No exemplo citado no parágrafo anterior, o convite de Mandela a Pienaar é um es- tímulo (eliciador) que produz alterações internas no capitão, como a ansiedade, e estabelece a ocasião (estímulo discriminativo) para que a resposta de ir ao encontro do presidente ocorra e seja consequenciada. A resposta de ir ao en- contro do presidente é analisada como um operante sob controle de suas con- sequências, enquanto a ansiedade é considerada um subproduto das contin- gênciasatuantes sobre o comportamento de atender ao convite do presidente. Já no caso de um evento privado como parte da contingência (ou seja, como comportamento), pode-se citar o exemplo hipotético de um jogador de rúgbi que, diante de uma configuração do jogo (e.g., posicionamento dos adversári- os, colocação da bola – estímulos discriminativos) analisa rapidamente as pos- sibilidades de jogada (pensa – comportamento privado) e decide por passar a bola para um jogador específico (comportamento público), produzindo assim um ponto para o time (reforço). Neste caso, a análise privada feita pelo jogador é parte da contingência e não subproduto desta.!! Considerações Finais!! ! A análise do filme “Invictus” aqui apresentada explorou o potencial expli- cativo da Análise do Comportamento para lidar com fenômenos sociais. Skin- ner (1953/1981) afirma que tais fenômenos são objetos de estudo legítimos da Análise do Comportamento; apesar disso, o estudo do comportamento em so- ciedades não foi foco de interesse dos analistas do comportamento por quase meio século (Todorov & Moreira, 2004). ! �130 ! As interações entre indivíduos de grupos raciais diferentes, destacadas no filme como produto do apartheid, foram analisadas a partir da identificação de variáveis ambientais, históricas e atuais, relacionadas com os níveis de va- riação e seleção ontogenético e cultural. Foram descritas algumas contingênci- as típicas deste regime de segregação racial mantidas pelo governo, assim como os efeitos sobre o comportamento dos membros dos diferentes grupos. ! ! As análises de contexto realizadas por Mandela, assim como as estraté- gias que ele utilizou para lidar com conflitos entre grupos formados por brancos e negros (e.g., seguranças e funcionários do seu gabinete) e para transformar o time de rúgbi, previamente associado com o apartheid, em símbolo nacional (“um time, uma nação”) são, conforme discutido neste capítulo, demonstrações claras de análises funcionais como recurso para o planejamento de mudanças ambientais que resultaram na substituição de contingências aversivas por con- tingências de reforçamento positivo. Desta forma, Mandela pode ser conside- rado um mestre (um professor) quando consideramos a proposta de definição de ensinar de Skinner (1968/1972), pois habilmente ensinou comportamentos a partir da utilização de contingências de reforçamento positivo (e.g., apresenta- ção de comportamentos modelos, uso de reforçadores sociais) e criou oportu- nidades para que as interações entre membros de grupos de diferentes etnias resultassem em reforçadores naturais (e.g., diversão durante um jogo de rúgbi entre os seguranças, vitória na decisão da Copa do Mundo a partir da partici- pação de cada jogador nas estratégias propostas pelo capitão do time). Adicio- nalmente, ao focalizar o envolvimento de Mandela na missão de ajudar o time do Springboks a ganhar a Copa do Mundo de Rúgbi, o filme nos permite discu- �131 tir a questão da causalidade do comportamento em termos de eventos ambi- entais externos, físicos e sociais.! ! Referências Bibliográficas!! Abreu-Rodrigues, J. & Sanabio, E. T. (2001). Eventos privados em uma psicoterapia externalista: Causa, efeito ou nenhuma das alternati- vas? Em H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 7. Exploran- do a variabilidade (pp. 177-185). Santo André: ESETec.! Albuquerque, A. R. & Melo, R. M. (2005). Equivalência de estímulos: Conceito, implicações e possibilidades de aplicação. Em J. Abreu- Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: Pes- quisa, teoria e aplicação. Porto Alegre: Artmed.! Andery, M. A., Micheletto, N. & Sério, T. M. (2007). Modo causal de seleção por conseqüências e a explicação do comportamento. Em M. A. Andery, T. M. Sério & N. Micheletto, Comportamento e causalidade. http://www.- pucsp.br/pos/experimental/graduacao/Downloads/comportamento_causalida- de_2009.pdf.! Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, comportamento e cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari, & E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.! Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (D. G. de Souza, trad. coord.). Porto Alegre: Artmed. ! de-Farias, A. K. C. R. & Lima, K. D. V. (2007). Crash – no limite: Uma análise compor- tamental de preconceitos e comportamentos discriminatórios. Em A. K. C. R. de- Farias & M. R. Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 211-233). Santo André: ESETec.! Glenn, S. S. (1991). Contingencies and metacontingencies: Relations among behavio- ral, cultural and biological evolution. Em P. A. Lamal (Ed.), Behavioral analysis of societies and cultural practices (pp. 39-73). New York, NY: Hemisphere.! Glenn, S. S. & Malagodi, E. F. (1991). Process and content in behavioral and cultural phenomena. Behavior and Social Issues, 1, 1-14.! Mazur, J. E. (2006). Learning and behavior, 6a Ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall.! Moreira, M. B. (2007). Curtindo a vida adoidado: Personalidade e causalidade no Behaviorismo Radical. Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 11-29). Santo André: ESETec.! Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior: A research history. Boston, MA: Authors Cooperative.! Sidman, M. (1989/1995). Coerção e suas implicações (M. A. Andery, & T. M. Sério, trads.). São Paulo: Editorial Psy. ! �132 Sidman, M. & Tailby, W. (1982). Condicional discrimination vs maching-to-sample: An expansion of the testing paradigm. Journal of the Experimental Analysis of Behavi- or, 37, 5-22.! Simonassi, L. E., Tourinho, E. Z. & Silva, A. V. (2001). Comportamento privado: Aces- sibilidade e relação com comportamento público. Psicologia: Reflexão e Crítica, 14, 133-142.! Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.! Skinner, B. F. (1953/1981). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes. ! Skinner, B. F. (1968/1972). Tecnologia do ensino (R. Azzi, trad.). São Paulo: EPU.! Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. da P. Vilalobos, trad.). São Pau- lo: Cultrix. ! Todorov, J. C. & de-Farias, A. K. C. R. (2009). Desenvolvimento e modificação de prá- ticas culturais. Em A. L. F. Dias, A. C. P. M. Passarelli, F. L. Melo & M. A. S. Morais, Ciência do comportamento: Conhecer e avançar (Vol. 7, pp.79-90). Santo André: ESETec.! Todorov, J. C. & Moreira, M. (2004). Análise experimental do comportamento e socie- dade: Um novo foco de estudo. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17, 25-29.! Tourinho, E. Z. (1997). Eventos privados em uma ciência do comportamento. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: Vol 1. Aspectos teóricos, meto- dológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 174-187). Santo André: ESETec.!!! �133 ! “MEU PAI, UMA LIÇÃO DE VIDA”: ANÁLISE DE CONTINGÊNCIAS DURANTE A VELHICE!! Alessandra Rocha de Albuquerque !33 Universidade Católica de Brasília!! Raquel Maria de Melo! Universidade de Brasília! ! O filme “Meu pai, uma lição de vida” apresenta a história de três gera- ções de uma família ao enfrentar as mudanças biopsicossociais que ocorrem durante a fase de envelhecimento. John Tremont (Ted Danson) é um executivo bem sucedido em Nova York que retorna à casa dos pais, Jake Tremont (Jack Lemon) e Bette (Olympia Dukakis), após a internação da mãe em decorrência de um ataque cardíaco. Bette é uma mulher racional, controladora, autoritária e que não permite que o marido realize as atividades diárias sozinho ou tome decisões. Durante o período de internação de Bette, John precisa permanecer com seu pai, Jake, para acompanhá-lo e ajudá-lo. John percebe, no contato �134 E-mail: arocha@ucb.br33Titulo do filme: Meu Pai, uma Lição de Vida! Título original: Dad! Ano: 1989! Diretor: Gary David Goldberg! Roteiro: Gary David Goldberg, baseado em romance de William Wharton! Produtores: Gary David Goldberg, Joseph Stern! Estúdio: Amblin Entertainment inicial com o pai, o quanto este havia mudado nos dois últimos anos (tempo em que não se viam), tornando-se menos autônomo; decide então ensiná-lo a fa- zer as tarefas diárias – tais como vestir-se, comer, lavar as louças – e estimula- o a tomar decisões e voltar a dirigir. A interação constante de Jake e John, du- rante o período de internação de Bette, foi marcada pela aproximação de am- bos e melhora do vínculo afetivo entre eles. Neste contexto Billy, o filho de John (Ethan Hawke) que pouco convive com ele desde que este se divorciou de sua mãe, decide visitar os avós ao ser avisado pela tia (Annie) do que ocorrera com Bette. Logo após Bette receber alta e retornar para casa, a família vivencia um novo drama ao descobrir que Jake está com câncer. Ao ser informado do diag- nóstico, Jake entra em estado de choque, tem alucinações e permanece seda- do. John questiona o tratamento e decide levar o pai para casa. Entretanto, Jake tem uma crise, é novamente internado e permanece em coma durante vá- rios dias. Para cuidar do pai, John decide ficar no hospital e, na tentativa de ajudar na sua recuperação, leva fotos para o quarto e conversa com ele com muita frequência, até o dia em que, ao acordar, tem uma surpresa ao ver o pai sentado na cama. Jake está lúcido, reconhece e conversa com o filho e os fun- cionários do hospital. Ao retornar para casa, Jake começa a viver intensamente e a se comportar como um jovem – pratica esportes (por exemplo, golfe, corri- da, flexões), veste roupas extravagantes, o interesse sexual aumenta, e relata para os familiares seus delírios sobre uma vida alternativa, na qual ele é um jovem fazendeiro trabalhador, tem uma esposa compreensiva e carinhosa e quatro filhos. Estas mudanças de comportamento incomodam Bette, que em alguns momentos fica irritada, mas depois decide deixar o marido assumir o controle para que eles possam juntos viver melhor e se divertir. O quadro de saúde de Jake piora, o câncer se espalha para o sistema linfático, ele é nova- mente internado, mas agora reage bem ao diagnóstico mantendo-se lúcido até a morte. John e Billy, que inicialmente mantinham uma relação hostil, permane- ceram unidos durante a etapa final da vida de Jake, se conheceram melhor e se tornaram companheiros.!! Análise Teórica!! ! O presente capítulo tem por objetivo analisar o filme “Meu pai, uma lição de vida” de uma perspectiva analítico-comportamental, enfocando princípios básicos do comportamento (reforçamento, punição, etc.) de modo a ilustrar, para estudantes que estão iniciando seu contato com esta perspectiva, tais princípios. Será explorado o comportamento de Jake, com especial atenção às interações entre as díades Jake-Bette e Jake-John, bem como será abordada a velhice, como um estágio do desenvolvimento humano, sob a perspectiva teó- rica em questão.! �135 ! A Análise do Comportamento é uma abordagem psicológica que tem como objeto de estudo as interações organismo-ambiente; ambiente, neste caso, definido de forma ampla e englobando o mundo físico, social, biológico e histórico (Matos, 1997; Skinner, 1953/1981; Todorov, 2007). Neste processo de interação, os organismos apresentam comportamentos variados, os quais mo- dificam o ambiente e são por ele modificados em um processo contínuo a partir do qual comportamentos são selecionados. Ao longo da vida ocorrem mudan- ças na estrutura biológica e no funcionamento do organismo (por exemplo, mo- tor, sistemas sensoriais, produção de hormônios) que possibilitam interações diferenciadas com objetos, pessoas e eventos, as quais podem variar de acor- do com a cultura na qual o indivíduo está inserido. Desta forma, os comporta- mentos que caracterizam cada indivíduo em um determinado momento de sua vida são decorrentes de sua história pessoal de interação contínua e variada com o ambiente (Bijou & Baer, 1978/1980).! ! O instrumento de estudo destas interações organismo-ambiente é a con- tingência, definida como uma formulação que especifica uma relação de de- pendência entre eventos ambientais ou entre eventos ambientais e comporta- mentais (Todorov, 1985, 2007). A menor unidade de análise de interações or- ganismo-ambiente é a contingência de dois termos, a qual descreve a relação entre eventos ambientais eliciadores (que produzem respostas) e a resposta produzida por tais eventos. A contingência de três termos é considerada pela Análise do Comportamento como a unidade fundamental de estudo das intera- ções de interesse e especifica a interação entre: (1) o contexto que estabelece a ocasião para que uma dada resposta seja afetada por determinada con- seqüência (estímulo antecedente), (2) a resposta (ou classe de respostas) e (3) as conseqüências seletivas que a seguem (Skinner, 1974/1982; Todorov, 1985). ! ! Ao processo de identificação e descrição dessas relações de dependên- cia entre eventos comportamentais e ambientais dá-se o nome de análise de contingências (Meyer e cols., 2010; Sidman, 1989/1995) ou análise funcional (Meyer, 1997). Moreira e Medeiros (2007) afirmam que analisar funcionalmente o comportamento consiste, basicamente, em encaixá-lo em um paradigma ope- rante ou respondente e identificar seus determinantes. A seguir será feita uma breve definição de alguns dos princípios básicos de condicionamento respon- dente e operante para, na sequência, apresentar a concepção analítico-com- portamental de desenvolvimento humano e analisar funcionalmente os compor- tamentos de algumas das personagens do filme.! Breve Definição dos Princípios Básicos do Comportamento! ! Skinner (1981) concebe o comportamento como multideterminado e re- sultante de três níveis de variação e seleção – filogenético (o qual envolve as �136 características definidoras da espécie); ontogenético (relativo à história de aprendizagem do indivíduo) e cultural (o qual engloba práticas culturais trans- mitidas de geração em geração) – classificando-os em duas categorias funcio- nalmente definidas: respondentes e operantes. ! ! Os comportamentos respondentes são aqueles eliciados por estímulos antecedentes, podem ser incondicionados (selecionados filogeneticamente) – por exemplo, a contração pupilar diante de exposição a um estímulo luminoso ou assustar-se diante de um som alto – ou aprendidos (condicionados) – por exemplo, arrepio ao ouvir o nome de uma pessoa. O princípio fundamental de aprendizagem respondente é o condicionamento clássico ou Pavloviano (Baldwin & Baldwin; 1986; Catania, 1998/1999; Millenson, 1967; Skinner 1953/1981) que envolve a apresentação de um estímulo neutro (definido como aquele que não elicia uma dada resposta) emparelhado a um estímulo eliciador incondicionado, de modo que o estímulo originalmente neutro passe a eliciar uma dada resposta. A compreensão do comportamento e condicionamento respondente se insere em uma contingência de dois termos, onde um estímulo elicia uma resposta.! ! Os comportamentos operantes, por sua vez, são emitidos (e não elicia- dos), modificam o ambiente (produzem consequências) e são retroativamente modificados por ele (Catania, 1998/1999; Moreira & Medeiros, 2007; Skinner, 1974/1982). A análise do comportamento operante se insere no modelo de con- tingência tríplice (estímulo antecedente – resposta – estímulo conseqüente) sendo que os estímulos antecedentes apenas estabelecem o contexto de emissão de operantes (não têm função eliciadora de operantes) e os conse- quentes atuam seletivamente sobre tais comportamentos.! ! O comportamento operante pode ser descrito por dois tipos de relação entre o comportamento dos organismos e suas consequências:o reforçamento, que torna a ocorrência de um comportamento mais provável, e a punição, que a torna menos provável (Catania, 1998/1999; Tomanari, 2004). O reforçamento pode tornar uma dada resposta mais provável por esta produzir a apresentação de reforçadores positivos – reforçamento positivo (por exemplo, quando John conversa francamente com seu filho Billy, expressa seus sentimentos e Billy responde às suas perguntas com sinceridade, sem ironia) – ou a remoção/evi- tação de estímulos aversivos – reforçamento negativo (por exemplo, no início do filme, Jake frequentemente fazia o que Bette determinava, evitando assim, confrontos com a esposa). Os operantes mantidos por reforçamento negativo são classificados como fuga e esquiva, sendo que o primeiro, quando emitido, produz a interrupção de um estímulo aversivo presente e o segundo previne/ evita um estímulo aversivo (Catania, 1998/1999; Moreira & Medeiros, 2007). ! ! A punição pode diminuir a probabilidade de ocorrência de uma dada resposta pela apresentação de um estímulo aversivo, contingente à emissão �137 da mesma – punição positiva (por exemplo, as críticas de Bette aos comporta- mentos autônomos de Jake produziram como efeito a diminuição da frequência de tais comportamentos) – ou pela remoção de reforçadores positivos – puni- ção negativa (por exemplo, se Bette e Jake se atrasassem, ao chegarem ao mercado não encontrariam os produtos em promoção naquele dia). Operantes podem também ser enfraquecidos se a condição original de reforçamento for interrompida, ou seja, a resposta deixar de ser seguida do reforçador que a mantém; a este princípio denomina-se extinção operante (Catania, 1998/1999; Moreira & Medeiros, 2007).! As definições acima destacam a relação da resposta com suas con- seqüências, todavia, como já citado, os estímulos antecedentes (a partir da cor- relação com os consequentes da resposta) estabelecem a ocasião para que uma dada resposta seja afetada por determinada consequência e devem ser considerados em uma análise operante; tais estímulos são denominados dis- criminativos (por exemplo, escova com pasta de dente sobre a bancada do ba- nheiro estabelece a ocasião para Jake escovar os dentes). Quando diferentes estímulos discriminativos exercem controle sobre uma mesma classe de res- postas denomina-se o processo de generalização. Contrariamente, quando es- tímulos diferentes controlam classes diferentes de resposta, denomina-se dis- criminação (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999, Moreira & Medeiros, 2007). Estímulos discriminativos podem ser verbais e descritores de contingências, neste caso são denominados regras e o operante sob seu controle de compor- tamento controlado por regras (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). Quan- do Jake executa em sequência os comportamentos especificados por John em cartões para a realização de tarefas domésticas, tais como lavar louças ou ar- rumar a casa, podemos dizer que o comportamento de Jake está sob o contro- le de regras, as instruções escritas do que deve ser feito para realizar cada ta- refa. ! Os comportamentos respondentes e operantes, bem como os eventos a eles relacionados (estímulos antecedentes e consequentes) podem ser classifi- cados como públicos ou privados. Segundo Tourinho (1997): !! (…) privado é aquilo que só está acessível de forma direta ao indivíduo no inte- rior de quem ele ocorre. É apenas nesse sentido que há uma diferença entre público e privado. O privado é tão físico quanto o evento público e pode ser igualmente interpretado com os conceitos de uma ciência do comportamento, isto é, pode ser interpretado em termos de estímulos e respostas cuja única especificidade reside em seu caráter de inacessibilidade à observação pública direta (p. 177).! ! ! ! De acordo com essa classificação, as diversas interações entre Jake e John e entre Jake e a esposa (Bette) ilustram comportamentos públicos e os �138 delírios de Jake, ou seja, a imaginação de uma vida alternativa na qual ele é um jovem fazendeiro com uma esposa mais jovem e quatro filhos, exemplifi- cam comportamentos privados.! Muitos dos princípios básicos do comportamento são ilustrados com bastante clareza nas interações entre os membros da família Tremont. As aná- lises que se seguem, contudo, privilegiarão os comportamentos de Jake.! Velhice: A Abordagem Analítico-Comportamental do Desenvolvi- mento Humano! ! A análise do comportamento de Jake, personagem principal da história, cujo repertório comporta- mental é diferenciado na primeira e segunda metade do filme, evidencia a natureza interacional, multideter- minada e adaptativa do comporta- mento. Nas cenas iniciais do filme tem-se Jake como uma pessoa de idade avançada, apático, dependen- te da esposa na execução de tarefas rotineiras (por exemplo, vestir-se, comer, dirigir) e lento na execução de tarefas que realizava com auto- nomia (por exemplo, escovar os den- tes, cuidar das plantas na estufa). Este padrão comportamental inicial de Jake é comum em boa parte das pessoas idosas em nossa sociedade e ilustra algumas das características da velhice como um estágio de de- senvolvimento. ! ! A psicologia do desenvolvi- mento é comumente definida como um campo de estudo que se ocupa das mudanças progressivas que ocorrem com as pessoas ao longo da vida – no tamanho, fisiologia, comportamentos, etc. (Papalia, Olds & Feldman, 2009) e, segundo Novak e Pe- láez (2004), busca respostas para duas questões fundamentais: “o que se de- senvolve?” e “como se desenvolve?”. Tradicionalmente este campo de estudo responde à primeira questão, propondo a existência de estágios de desenvol- �139 vimento sequenciais previsíveis, biologicamente determinados, descrevendo o desenvolvimento. A segunda questão pressupõe a investigação de processos e explica o desenvolvimento (Novak & Peláez, 2004; Rosalez-Ruiz & Baer, 1997). ! ! A Análise do Comportamento se interessa pelas propriedades funcionais e não topográficas dos eventos comportamentais e ambientais (Catania, 1998/1999). “Na mesma linha, a evolução do comportamento é abordada não como uma sucessão de topografias comportamentais, mas a partir da emer- gência das relações organismo-ambiente, como resultado de processos seleti- vos” (Tourinho & Neno, 2006, p. 94), ou seja, de uma perspectiva analítico- comportamental, desenvolvimento é compreendido como mudanças progressi- vas nas interações dos organismos com o ambiente ao longo do curso de vida (Bijou & Baer, 1980). Estas mudanças, contudo, não seguem uma direção pré- determinada, !! (…) não há etapas sucessivas a serem cumpridas na evolução do comporta- mento individual, nem elas dependem necessariamente da passagem de um período determinado de tempo. Ainda que a filogênese tenha nos preparado para certas aprendizagens, tornando-nos sensíveis a certos estímulos particu- lares e aptos a emitir certas respostas, contingências de reforço definirão o curso e a direção da aprendizagem (Tourinho & Neno, 2006, p. 97).!! ! Deste modo, a concepção de desenvolvimento da Análise do Compor- tamento considera os três níveis de variação e seleção citados anteriormente (Skinner, 1953/1981, 1974/1982; Vasconcelos, Naves & Ávila, 2010): filogenéti- co (relacionados à história da espécie), ontogenético (relacionados à história do indivíduo) e cultural (relacionados às práticas culturais). Ao considerá-los, dá importância às variáveis biológicas e genéticas (Carvalho-Neto & Tourinho, 1999), mas enfatiza os processos de aprendizagem (interações) aos quais indi- víduos, biologicamente constituídos, são expostos ao longo de sua vida. Além disso, tais indivíduos estão inseridos em contextos culturais e serão também produto de uma cultura. ! ! O termo senescência é utilizado para definir mudanças biológicas, rela- cionadas ao avanço da idade, que aumentam a suscetibilidadeà morte (Silva, 2006). Dentre as mudanças de natureza biológica, típicas da velhice, podem ser citadas algumas endógenas – desaceleração da reprodução celular, dege- neração dos órgãos, diminuição da acuidade visual – e outras físicas, publica- mente observáveis – rugas, cabelos brancos, lentidão locomotora. Tais mudan- ças exemplificam o processo de seleção filogenética uma vez que são parte do processo natural de envelhecimento e comum aos seres vivos de diferentes espécies. No caso em análise, as características de Jake exploradas no início do filme (por exemplo, apatia, lentidão) exemplificam o processo de seleção filogenética e ilustram a vulnerabilidade do organismo, típica da senescência, �140 haja vista a sucessão de problemas de saúde apresentados por Jake que coin- cidem com a chegada de John à sua casa. Organismos e pessoas, contudo, não se desenvolvem independentemente e as mudanças biológicas estão em constante interação com as contingências ambientais (Skinner, 1983). Por exemplo, na velhice, na medida em que os “os músculos se tornam mais lentos e fracos, menos coisas podem ser feitas com sucesso” (Skinner, 1983, p. 239). ! ! A análise do nível cultural de seleção é fundamental para a compreen- são do processo de desenvolvimento e da velhice como parte deste. Tal nível de seleção é representado pelas práticas culturais, as quais “são definidas em termos de comportamentos que são replicados por indivíduos, intra e intergera- ções, em um sistema sociocultural” (Vasconcelos e cols., 2010, p. 139). Pes- quisas que investigam concepções e representações sociais sobre o idoso/ve- lhice (por exemplo, Paulino, 2007; Santos, 2002; Silva, 2006; Veloz, Nascimen- to-Scholze & Camargo, 1999) dão luz às práticas culturais dominantes na soci- edade ocidental e, de modo geral, indicam conceitos predominantemente nega- tivos relacionados à velhice, tais como: relaciona-se a doença, dependêcia e morte; envolve perda da capacidade de trabalho, de laços familiares (abando- no) e de atrativos físicos. No caso específico de Jake observa-se que ele, aos poucos, vai deixando de desempenhar diferentes atividades, como se não ti- vesse mais condições de fazê-las (por exemplo, divertir-se, dirigir), seja por im- possiblilidade física ou por inadequação pela idade. Em outro momento do fil- me, quando conversa com Bette na estufa, após o jantar japonês, Jake diz que Bette e as demais pessoas olham para ele e veem um velho, mas que não é assim que se sente. Essa afirmação de Jake sugere uma expectativa das pes- soas, em especial Bette, em relação a ele, em função da sua idade e aparên- cia. No início do filme Jake demonstrava concordar e se comportar de acordo com tais expectativas, todavia, após a experiência de autonomia vivida com o filho, Jake demonstra sentir-se novamente capaz e passa a comportar-se de forma diferente, frustrando Bette que, num primeiro momento apresenta dificul- dades para lidar com o novo Jake. ! ! A importância da seleção no nível ontogenético para o processo de de- senvolvimento fica elucidada quando são analisadas as mudanças comporta- mentais apresentadas por Jake ao longo do filme. Adicionalmente, a constata- ção destas mudanças exemplifica a noção de que a filogênese prepara os or- ganismos para determinadas aprendizagens, todavia é a interação com o meio que define o curso da mesma (Carvalho-Neto & Tourinho, 1999; Tourinho & Neno, 2006). Toda a análise que se segue explora fundamentalmente os pro- cessos de seleção ontogenética, apesar de se entender que estes três níveis são inseparáveis e simultaneamente necessários para a compreensão do comportamento em toda a complexidade que o caracteriza. !! �141 Análise Funcional dos Comportamentos de Jake. A internação de Bette e a presença de John na casa dos pais marcam o processo de mudança de Jake que volta a fazer coisas que havia deixado de fazer (por exemplo, lavar a lou- ça, sair de casa, ir ao bingo, dirigir), demonstra maior autonomia (preparar o café da manhã para o filho) e passa a fazer coisas que nunca havia feito (por exemplo, vestir roupas extravagantes, buscar aproximação dos vizinhos, jogar golfe). A forma como Bette e John interagiam com Jake eram claramente distin- tas e favoreceram a apresentação e manutenção de padrões comportamentais diferentes neste.! ! Os Quadros 1 e 2, que se seguem, apresentam, de forma esquemática, comportamentos de Jake inseridos em uma relação contingencial tríplice bem como o princípio básico presente na interação analisada, com foco nas intera- ções com Bette (Quadro 1) ou John (Quadro 2). Na primeira coluna de cada figura são apresentados os estímulos antecedentes (discriminativos ou elicia- dores), na segunda as respostas apresentadas por Jake (emitidas ou eliciadas), na terceira as conseqüências seletivas que seguiram determinada resposta (reforçadoras ou aversivas) e, finalmente, na quarta coluna, o nome do princípio em vigor. !! Estímulos Antecedentes Respostas de Jake Estímulos Consequentes Princípios 1 Bette separa e organiza a roupa de Jake sobre sua cama e fala: “Vista-se, quero estar lá quando eles abrirem” Levanta da cama e veste- se ! (Comportamento controlado por regra) Fica pronto para sair Reforçamento Positivo Evita repreensões da esposa Reforçamento Negativo 2 Objetos de higiene pessoal sobre a bancada do banheiro, separados e organizados previamente por Bette. Escova de dentes com pasta. Realiza a higiene matinal (escova os dentes, penteia os cabelos, lava o rosto) Fica pronto para sair Reforçamento Positivo Evita repreensões da esposa Reforçamento Negativo 3 Na mesa do café da manhã, comida e bebida previamente organizadas por Bette Alimenta-se Fica alimentado e pronto para sair Reforçamento Positivo Evita repreensões da esposa Reforçamento Negativo 4 Na mesa do café da manhã, comida e bebida previamente organizados para Jake Pega o açucareiro Bette fala: “Já coloquei açúcar, uma é suficiente Punição Positiva 5 Pão sem manteiga Segura a faca para pegar manteiga na manteigueira Bette retira a faca de sua mão e passa a manteiga para Jake Punição Positiva �142 6 No hospital, John e Bette discutem a respeito do que Jake tem comido (coq au vin) Fala carinhosamente para Bette se acalmar e não ficar agitada Bette e John param de discutir Reforçamento Negativo 7 Bette retorna para casa; almoço em família; toda família reunida Faz um brinde dizendo “Para minha noiva. Você está de volta ao seio de sua família, onde é o seu lugar” Bette responde “Noiva? Você já bebeu hoje Jake?” Punição Positiva8 Família reunida durante o almoço comemorativo do retorno de Bette para casa; Billy e Bette sentados próximos de Jake Fala olhando para Billy: “Adorei o seu brinco. Acha que devo colocar um?” Bette responde com ironia: “É muito bonito! Eu tenho um broche que combina” Punição Positiva 9 Família reunida durante o almoço, conversando Apresenta olhar distante e lacrimeja, depois afirma que está feliz ! (Comportamento respondente) 10 Jake recebe alta do hospital e está novamente em casa Apresenta, juntamente com Billy e John, suas roupas novas para Bette e Annie Bette gargalha, aplaude e beija Jake Reforçamento Positivo 11 A presença de Bette Sente-se excitado ! (Comportamento respondente) Visita os vizinhos, apresentando-se Bette o acompanha, receptividade dos vizinhos Reforçamento Positivo 12 Crianças dos vizinhos na casa de Jake Cuida e brinca com as crianças em companhia de Bette Bette contribui; crianças se divertem; Jake também de diverte Reforçamento Positivo 13 Família reunida; jantar japonês sugerido por Jake Pede para Bette passar o arroz (em japonês) Bette atira as tigelas de comida sobre a mesa e diz que não quer nada disso, que já se esforçou o suficiente Punição Positiva 14 John e Bette discutem durante o jantar japonês, John insulta a mãe e Bette bate-lhe na face Chorando pede para que não briguem e diz que acaba com ele ouvi-los falando deste modo Briga é cessada Reforçamento Negativo 15 Bette vai conversar com Jake na estufa após o ocorrido no jantar japonês. Diz o quanto lhe magoa este outro mundo (fantasias sobre a família vivendo em uma fazenda em Nova Jersey). Pergunta a ele se “era tão ruim estar aqui com ela” Compartilha com ela o que sente e afirma que perderam o rumo ao longo da vida, do quanto se esqueceram da vida que já desejaram. Diz que quer voltar a dançar com Bette antes de morrer. Bette beija-o e posiciona-se para dançar Reforçamento Positivo �143 Quadro 1. Análise funcional dos comportamentos apresentados por Jake com foco nas interações da díade Jake-Bette.!! ! O Quadro 1 traz alguns exemplos de contingências de reforçamento po- sitivo atuando sobre os comportamentos de Jake quando este está em intera- ção com Bette (linhas 1, 2, 3, 10, 11, 12, 15 e 16). Entretanto, inicialmente, as consequências reforçadoras positivas são disponibilizadas pelo ambiente físico (por exemplo, linhas 1, 2 e 3), mais do que pelo social (por exemplo, linhas 10 e 12), aqui representado pela esposa. As interações com Bette são marcadas, predominantemente, por contingências coercitivas (aversivas) de reforçamento negativo (linhas 1, 2, 3, 6, 14 e 16) e punição positiva (linhas 4, 5, 7, 8 e 13). ! ! Segundo Sidman (1989/1995), o controle coercitivo produz efeitos cola- terais que comprometem nossas relações cotidianas. Dentre os efeitos colate- rais descritos na literatura destacam-se dois, por sua relação mais estreita com os comportamentos de Jake: (1) o efeito supressivo da punição pode ser gene- ralizado para outras respostas que não apenas a punida e (2) pessoas punidas aprendem a evitar a punição e o agente punidor (Baldwin & Baldwin, 1998). Observa-se que Jake, no início do filme, apresenta um repertório comporta- mental empobrecido, pouco variável (apático, dependente); são comuns situa- ções nas quais Bette pune comportamentos de Jake, em especial os que de- monstram autonomia, criticando-o ou se antecipando a Jake, fazendo por ele o que ele poderia realizar sozinho (por exemplo, passar manteiga no pão ou adoçar a própria bebida). Ao punir algumas respostas de autonomia de Jake não apenas a resposta diretamente punida é enfraquecida, mas também res- postas semelhantes; este fenômeno é denominado de supressão generalizada de resposta (Baldwin & Baldwin, 1998). Segundo Sidman (1989/1995) “os efei- tos de coerção, particularmente se o reforçamento negativo é forte ou constan- te, podem espalhar-se para esferas da conduta aparentemente não-relaciona- das” (p. 57), dito de outro modo, “estímulos punitivos podem ter efeitos inde- pendentes de sua relação de contingência com as respostas” (Catania, 1998/1999, p. 113) e é o que se observa nos casos de supressão generalizada.! ! Baldwin e Baldwin (1998) afirmam que histórias repetitivas de punição com supressão generalizada produzem “o indivíduo inibido, aquele que tem medo de falar, que nunca toma a frente, que teme conseqüências aversivas por todo lado” (p. 323). O padrão comportamental descrito por Baldwin e Baldwin (1998) corresponde ao padrão apresentado por Jake e o filme sugere, apesar de não remeter o espectador ao passado com cenas de flashback, que Bette 16 História de predomínio de exposição a contingências aversivas na relação com Bette Alucinações de um mundo melhor (esposa amorosa, família mais numerosa e em harmonia) Evita contato com as insatisfações rotineiras de seu casamento Reforçamento Negativo Situações encobertas alegres, harmônicas Reforçamento Positivo �144 sempre se relacionou com as pessoas de maneira geral e, com Jake em espe- cial, usando de estratégias coercitivas e, portanto, que Jake foi sistematica- mente exposto a situações cotidianas de coerção. Ainda que a coerção a que Jake foi historicamente exposto tenha sido “branda” e, muitas vezes, topografi- camente “disfarçada” de zelo, cuidado, atenção, seu efeito sobre o repertório comportamental de Jake foi de supressão. Um exemplo disso ocorre quando ao se antecipar a Jake passando manteiga em seu pão, Bette contribui para que o comportamento de Jake de tomar seu café da manhã de forma autôno- ma seja enfraquecido, portanto, trata-se de um exemplo de punição positiva. Todavia, ao se antecipar a Jake passando manteiga em seu pão Bette demons- tra cuidado com o marido. ! ! Com relação ao segundo efeito colateral destacado – pessoas punidas aprendem a evitar a punição e o agente punidor – tem-se no delírio de Jake, classificado pelo psiquiatra como um quadro de “esquizofrenia bem sucedida”, um exemplo de esquiva. Desde a primeira cena o filme retrata Jake se imagi- nando casado com uma esposa afetuosa, com uma família mais numerosa e morando em uma fazenda em Nova Jersey (linha 16 do Quadro 1); ao criar este “mundo paralelo” Jake não só se afasta das contingências aversivas pre- dominantes em seu mundo real (esquiva) como também produz reforçadores positivos encobertos (um mundo mais satisfatório). Esta análise do delírio de Jake como esquiva é coerente com a interpretação analítico-comportamental dos eventos privados, os quais são entendidos como eventos físicos que só se diferenciam dos públicos em função de serem acessíveis diretamente apenas às pessoas que o experienciam (Skinner, 1974/1982). Segundo Tourinho (1997) eventos privados podem ser comportamentos e, como tal, são parte de uma contingência ou podem ser subprodutos de contingências de reforçamento que atuam sobre outros comportamentos. Na situação analisada as duas inter- pretações são possíveis na medida em que o delírio de Jake parece relaciona- do à predominância de contingências coercitivas que atuam sobre outros com- portamentos (portanto, um subproduto de contingências), mas estas também atuam como comportamentos encobertos, que produzem conseqüências priva- das e, portanto, são parte da contingência. ! ! Outros exemplos de esquiva são apresentados no filme. Percebe-se que Jake aprendeu, ao longo de sua vida em comum com Bette, a não “contrariá- la”, portanto, a esquivar-se de possíveis repreensões e críticas da esposa ten- do muitos de seus comportamentos mantidos por reforçamento negativo (linhas 1, 2 e 3 do Quadro 1). Todavia, ao esquivar-se de punições da esposa, Jake passa, também, a restringir assituações reforçadoras em sua vida. Por exem- plo, quando questionado por John a respeito do motivo de ter deixado de dirigir, Jake explica que sua carteira expirou há dois anos, que não fez nova prova de direção por ter medo de não passar e que “um bom motorista sabe quando não �145 é mais um bom motorista”. Em outro momento do filme, Bette diz que aceita ir para a praia em Venice desde que não seja com Jake dirigindo. Ao permanecer sem licença para dirigir, Jake esquiva-se de críticas da esposa e também de uma possível reprovação na prova de direção, todavia mantém-se dependente de Bette para sair de casa e, portanto, com mais limitações para divertir-se (por exemplo, ir ao bingo ou à praia) e resolver questões domésticas (por exemplo, ir ao mercado). Observa-se, portanto, no caso de Jake, um círculo vicioso em que comportamentos são expostos sistematicamente a contingências coerciti- vas, a variabilidade comportamental diminui, seu repertório comportamental mostra-se empobrecido e, deste modo, as possibilidades de exposição a con- tingências alternativas de reforço tornam-se mais escassas.! ! Skinner (1983) afirma que nossa cultura não é generosa em reforçar o comportamento de pessoas idosas e propõe como estratégia para lidar com as mudanças e limitações biológicas impostas pela idade a construção de um am- biente abundantemente reforçador. Um ambiente mais reforçador é aquele em que o idoso consegue executar com sucesso, ou com o mínimo de dificuldade, os comportamentos de acordo com as suas capacidades e limitações. A utiliza- ção de óculos, agendas e o uso do corrimão para apoio durante o banho são alternativas que amenizam limitações de visão, esquecimento e desequilíbrio e possibilitam mais experiências e oportunidades para o idoso interagir com o ambiente físico e social. Adicionalmente, se manter ocupado, aprender coisas �146 novas e realizar atividades de lazer favorecem o contato com reforçadores po- sitivos decorrentes do fato de ser bem sucedido e das interações sociais propi- ciadas por tais atividades (Skinner & Vaughan, 1983/1985). ! O Quadro 2, que destaca as interações entre Jake e John, evidencia presença irrestrita de contingências de reforçamento positivo, caracterizando mudanças nas contingências atuantes sobre os comportamentos de Jake (pre- dominantemente coercitivas na interação com Bette) as quais relacionam-se a alterações positivas em seu repertório comportamental.! ! John, ao chegar à casa dos pais e se deparar com o processo degene- rativo de Jake, passa a estimulá-lo a realizar coisas que já não vinha realizan- do, criando condições para que se engaje em diferentes tarefas (fornecendo ou atuando como estímulo discriminativo), as quais são seguidas por reforçadores sociais (aceitação, aprovação de John) e naturais (casa arrumada quando Jake a arruma, por exemplo). Uma vez que o reforço fortalece o comportamento que o produz e que John, deliberadamente, valoriza (reforça) comportamentos de maior autonomia do pai, Jake rapidamente e gradualmente torna-se mais e mais independente e ativo durante o período de convivência com o filho. Con- tingências de reforçamento positivo passam também a predominar na relação de Jake e Bette (Quadro 1, linhas 10, 12, 15 e 16) na medida em que Jake passa a se comportar de forma diferente e, em especial, após seu retorno para casa depois do período de internação. ! ! Observa-se que a partir do reforçamento de diferentes comportamentos autônomos de Jake estes passaram a ocorrer diante de situações novas (por exemplo, ao acompanhar John a uma reunião de trabalho Jake decide perma- necer – mesmo contrariando a sugestão do filho – e faz comentários por escrito a respeito de sua análise da reunião – “ele está mentindo”), exemplificando o processo de generalização de estímulos. !! �147 � ! Quadro 2. Análise funcional dos comportamentos apresentados por Jake com foco nas intera- ções da díade Jake-John.! Estímulos Antecedentes Respostas de Jake Estímulos Consequentes Princípios 1 John chega de viagem à casa dos pais Cumprimenta John com um aperto de mão e diz que é bom vê-lo (Comportamento controlado por regra) John retribui o aperto de mão e comentário Reforçamento Positivo 2 John se aproxima de Jake que cochila em frente à TV e diz que é melhor dormirem Jake se levanta e vai para o quarto (Comportamento controlado por regra) John auxilia-o e acomoda-o para dormir Reforçamento Positivo 3 Na mesa do café da manhã, comida e bebida previamente organizados para Jake; Bette ausente e John presente Lê o jornal e procura os anúncios de promoção antes procurados por Bette; Conversa com John sobre diferentes assuntos Encontra tickets promocionais; John conversa com Jake de forma amistosa, sem críticas Reforçamento Positivo 4 John ensina o pai a lavar a roupa Jake separa as roupas brancas e de cor com John (Comportamento controlado por regra) John considera o posicionamento de Jake Reforçamento Positivo 5 John pergunta a Jake qual o melhor caminho para o supermercado Responde que não sabe bem, pois é Bette quem sempre dirige John faz perguntas a fim de descobrir porque o pai parou de dirigir e afirma que o pai sempre foi um bom motorista Reforçamento Positivo 6 Manhã, horário do café Acorda antes de John, prepara o café sozinho e serve John John agradece o café Reforçamento Positivo 7 Bette internada há alguns dias Pede para visitar Bette, argumenta que é seu marido e que deveria ter o direito de fazê-lo É levado para ver Bette Reforçamento Positivo 8 Louça suja na pia da cozinha; John entrega para Jake cartões coloridos com instruções Diz para John que acha que pode lavá-la; coloca o boné para “trabalhar melhor” (boné que Bette não gosta que ele use) e brinca que John deveria vender a idéia de colocar cartões com instruções para realizar as atividades domésticas John concorda, orienta-o e manifesta aprovação com o boné Reforçamento Positivo 9 John escreve vários cartões com a sequência de passos de diferentes tarefas domésticas para Jake (lavar a louça, limpar o chão, forrar a cama) Realiza as tarefas com autonomia (Comportamento controlado por regra) Casa limpa e arrumada; John convida-o para se divertirem um pouco Reforçamento Positivo 10 Convite de John para se divertirem Vai ao bingo com John John, inicialmente, parece não se divertir Reforçamento Positivo �148 ! Outro aspecto que se destaca na interação de Jake e John, particular- mente nos primeiros dias de convivência, refere-se ao controle do comporta- mento de Jake por regras, também evidente na interação com Bette (Quadro 2, linha 1). Regras são estímulos discriminativos verbais que especificam contin- gências (Skinner, 1969/1980) e um comportamento controlado por regra é um comportamento que está sob controle deste estímulo discriminativo verbal (Baldwin & Baldwin, 1998; Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). Quando John orienta o pai na realização das tarefas domésticas rotineiras, seja expli- cando-o como fazer ou disponibilizando instruções escritas (Quadro 2, linhas 2, 4 e 9) tem-se, no comportamento verbal de John, um exemplo de regra e, no de Jake, um exemplo de comportamento controlado por regra. Cabe acrescen- tar que regra, assim como qualquer outro estímulo discriminativo, não é a “cau- sa” do comportamento operante e que operantes controlados por regra são, como qualquer outro, mantidos diretamente por suas conseqüências (Baum, 1994/1999). O uso de instruções para a realização das atividades domésticas provavelmente acelerou o processo de aprendizagem de Jake e garantiua produção de estímulos reforçadores; a produção destes estímulos é que forta- leceu e manteve o comportamento de Jake. ! ! Skinner (1969/1980) aponta a rapidez do processo de aprendizagem e a redução de estimulação aversiva como vantagens do controle por regra, toda- via, o comportamento controlado por regra é menos sensível a mudanças nas contingências que o comportamento aprendido e controlado por exposição di- reta às contingências (Baum, 1994/1999; Catania, 1998/1999). Esta menor sensibilidade do comportamento controlado por regras fica evidente no filme quando, em decorrência do adoecimento e internação de Bette e, portanto mu- dança nas contingências, Jake tem dificuldades de vestir-se só, de ir para cama deitar-se ou decidir se uma roupa é branca ou de cor (sugere ligar para Bette no hospital e consultá-la), sendo que estes e outros comportamentos vi- nham sendo controlados por regras.! ! A Análise do Comportamento, como já foi dito, compreende comporta- mentos funcionalmente, em oposição à topograficamente. Isso significa que comportamentos (respondentes ou operantes) e eventos ambientais (reforça- dores, aversivos, discriminativos, eliciadores) são definidos por suas funções e não por suas formas (Catania, 1998/1999); deste modo, um evento topografi- camente único pode assumir diferentes funções. ! ! As análises funcionais apresentadas até o momento focalizaram as ações de Jake (analisadas como o segundo elemento da contingência tríplice) em interação com o meio. Muitas das conseqüências produzidas pelas respos- tas de Jake foram sociais e, neste caso, representadas pelas ações das de- mais personagens. Uma mudança no foco da análise, de modo que as ações de Bette ou John sejam consideradas como respostas (e não como eventos �149 antecedentes/conseqüentes das ações de Jake), explicita as interações envol- vidas nas trocas organismo-ambiente, evidenciando que não apenas o compor- tamento de Jake é modificado em função do das demais personagens mas também o de Bette e John são afetados pelo de Jake. A seguir apresenta-se a análise funcional dos comportamentos de Bette e John com ênfase na díade Bette-Jake e John-Jake.!! Análise Funcional dos Comportamentos de Bette. Quando o comportamento de Bette é considerado como foco da análise, verifica-se que fornecer instruções para o marido (por exemplo, “Jack, querido está na hora de levantar”; “Vista- se”) resulta em conseqüências reforçadoras positivas (Jack segue prontamente o comando) e evita estímulos aversivos (por exemplo, chegar atrasado e per- der as ofertas do supermercado). Comportamentos que resultam na interrup- ção do comportamento de Jake (Quadro 1, linha 4: Dizer “Já coloquei açúcar, uma é suficiente” quando Jake pega o açucareiro – Estímulo antecedente; linha 5: Retirar a faca da mão de Jake e passar a manteiga no pão logo que Jake coloca a mão na faca – Estímulo antecedente) produzem reforçadores positivos (refeição concluída mais rapidamente) e evitam estímulos aversivos (por exemplo, sujeira na mesa, duração longa da refeição). Desta forma, a dinâmica da interação entre Jake e Bette, mostra a funcionalidade dos comportamentos de cada um deles uma vez que são mantidos por conseqüências disponibiliza- das pelo outro membro da díade em determinada situação antecedente (estí- mulos do ambiente físico ou social). A mútua influência comportamento-ambi- ente e a funcionalidade da relação Jake-Bette é relatada por Jake em uma cena do filme na qual conversa com Bette na estufa e diz que ela assumiu o controle de tudo e que ele deixou. ! ! A funcionalidade descrita é “ameaçada” com o retorno de Jake para casa após seu período de coma. Jake mostra-se mais disposto, autônomo, re- toma a vontade de viver (em uma cena do filme diz para Bette: “Nunca soube de alguém que morreu de tanto rir, Bette. Mas não seria ótimo?” e em outra afirma “Morrer não é pecado, mas deixar de viver sim”), passa a sair mais, pra- ticar esportes, usar roupas extravagantes e mostra-se menos preocupado com o que as pessoas irão pensar a seu respeito (diz para Bette, “Você olha para mim, assim como os outros e enxerga apenas um homem velho. Mas por den- tro me sinto com 19 anos. E ajo como tal”). Estas mudanças se refletem em al- terações nas contingências dominantes na relação Jake-Bette (antes Bette dava instruções, Jake seguia e livrava-se de punição) de modo que os reforça- dores que habitualmente seguiam o comportamento de Bette (Jake seguia suas instruções e limitava-se a fazer o que ela julgava adequado) deixaram de segui-lo. Esta situação de interrupção da contingência de reforçamento vigente é um exemplo de extinção operante e, o padrão comportamental apresentado �150 por Bette é também característico do processo de extinção. A extinção, além de produzir redução na taxa da resposta, produz também alterações marcantes na topografia da resposta com aumento inicial na variabilidade e magnitude da mesma (Catania, 1998/1999; Millenson, 1967). Como já citado anteriormente Bette passa a se relacionar com Jake de forma mais reforçadora e menos co- ercitiva quando este retorna para casa após o período de coma, indicando um enfraquecimento dos comportamentos anteriormente apresentados por Bette – ditar normas, fazer as coisas por Jake e criticá-lo. Esta mudança na forma de lidar com Jake, contudo, não é imediata, mas é acompanhada, inicialmente, de (a) desorganização do repertório comportamental de Bette (Bette, que sempre estava segura, sabia o que fazer e ditava as normas, começou a não saber o que fazer), (b) intensificação das respostas anteriormente reforçadas (durante o jantar japonês Bette mostra-se claramente desconfortável com toda a situação e, em determinado momento dá fim ao jantar jogando as travessas de comida sobre a mesa, relata seu desconforto e sua recusa em tolerar as mudanças de Jake) e (c) surgimento de respostas emocionais (Bette mostra-se apreensiva, insegura, com medo – fala para John que está com medo e que quer seu mari- do de volta); padrão este característico do processo de extinção. !! Análise Funcional dos Comportamentos de John. A análise dos comportamen- tos de John indica a predominância de contingências de reforçamento positivo atuando sobre seu repertório “profissional” – sucesso, dinheiro, poder e reco- nhecimento. Simultaneamente, ao dedicar-se intensamente ao trabalho, John se esquiva de contingências aversivas que atuam sobre seu repertório social- afetivo-familiar – ausência de uma companheira, de convívio com o filho com o qual mantém uma relação ríspida, contato com uma mãe dominadora e um pai que se deixa dominar. O adoecimento da mãe obriga John a afastar-se do tra- balho e a conviver com a família após 2 anos sem encontrá-la. No primeiro contato com o pai, John, apesar de demonstrar preocupação e tristeza com o processo de envelhecimento do mesmo (pergunta para a irmã “quando ele fi- cou tão ruim?”), indica à irmã que tem que retornar ao trabalho em poucos dias. Deste modo, ao estimular a maior autonomia do pai (orientar, fornecer instru- ções passo a passo, criar alternativas para o pai desempenhar comportamen- tos diferenciados e se divertir) seu comportamento é, retroativamente, reforça- do positivamente pelo progresso e satisfação evidenciados pelo desempenho de Jake e, também, negativamente, na medida em que cria condições de “li- vrar-se” da responsabilidade de permanecer com Jake e afastado do trabalho.! ! Todavia, na medida em que o convívio com Jake se mantém, John mos- tra-se cada vez mais envolvido com o pai e menos preocupado com o trabalho (muda sua agenda de trabalho e diz para a irmã que não precisa se preocupar em procurar alguém para ficar com o pai), tem oportunidade de rever seu papel �151 como filho e também como pai, e seu comportamento fica predominantemente sob controle de contingências de reforçamentopositivo (em uma cena do filme a irmã comenta o quanto o pai está bem e o quanto John tem feito bem a ele. John responde: “Ele tem sido ótimo para mim também. Estamos nos divertindo.”). John e Jake passam a se comportar com cumplicidade (Jake chama John, e não Bette, quando urina sangue) e de forma mais afetiva (pas- sam a se abraçar e a declarar que se amam). Quando Jake recebe o diagnósti- co de câncer e entra em estado de choque (não reconhece os familiares e alu- cina), John decide cuidar do pai em casa, todavia seu comportamento é punido positivamente, pois Jake tem uma crise durante a noite, a qual coloca sua inte- gridade física em risco e John leva-o de volta ao hospital. ! ! No retorno ao hospital Jake entra em estado de coma e o médico que o acompanha autoriza John a ficar com o pai se “isso o faz sentir-se melhor”. Du- rante este período de internação, John dorme no quarto com o pai e conversa frequentemente com ele, mantém contato físico constante com Jake e auxilia as enfermeiras nos cuidados diários. Os comportamentos de cuidar de Jake, emitidos por John, são intensos (alta frequência), ilustrando a presença de con- �152 tingências de reforçamento tanto positivo quanto negativo. Tais comportamen- tos podem ser compreendidos como esquiva (portanto, reforçados negativa- mente) na medida em que são mantidos pela evitação de estímulos aversivos – ao cuidar de Jake, John impede que ele seja tratado com displicência no hospi- tal e adia sua morte (em conversa com a irmã John diz: “Tenho a impressão de que se eu ficar lá falando ele não vai morrer”) ao mesmo tempo em que apazi- gua sua culpa por não ter cuidado do pai na velhice e “paga” a dívida que tem ao saber que o pai cuidou da família por 30 anos trabalhando em um emprego que não gostava. O cuidar também é reforçado positivamente pela melhora do pai, reconhecimento pela família e oportunidade de reaproximação de Billy.! ! É interessante também ressaltar que as mudanças de comportamento de John em relação ao seu pai (Jake) também se estendem para as interações entre John e seu filho (Billy), as quais são inicialmente hostis. John critica com freqüência o comportamento do filho, o que ilustra a punição. Por exemplo, quando questiona o filho a respeito de ter abandonado a escola, a justificativa do filho é considerada por John inaceitável, ele diz que se o filho se interessar apenas por diversão não conseguirá ter um bom emprego no futuro. Diante de tais críticas, Billy responde de forma irônica, em tom de brincadeira, um com- portamento de fuga, pois evita a continuidade das críticas de John. Por outro lado, Billy demonstra afetividade e carinho pelo avô (Jake), os dois conversam sobre diferentes assuntos de maneira tranquila e trabalham juntos na estufa, o que demonstra uma relação que se mantém por reforçadores positivos. Na medida em que John se envolve com o tratamento do pai e as diversas situa- ções vivenciadas são marcadas principalmente por reforçadores positivos, ele passa a se comportar de maneira diferente com o próprio filho: Muda a forma de fazer perguntas sobre os interesses e planos do filho, ouve os argumentos do filho com atenção e evita fazer críticas. Adicionalmente, na fase do filme em que Jake vive intensamente, Jake, John e Billy, por exemplo, vestem roupas extravagantes e se divertem fazendo diferentes dramatizações. Tais interações reforçadoras fortalecem a ocorrência de comportamentos que possibilitam fazer atividades conjuntas entre John e Billy e torna o estarem juntos uma situação por si só reforçadora.!! Considerações Finais!! ! A análise do filme “Meu pai, uma lição de vida” não se propôs a ser exaustiva, na medida em que as interações envolvendo outras personagens (Billy, Annie, Mario, médicos, dentre outros) não foram exploradas. O capítulo se concentrou em ilustrar os princípios básicos do comportamento presentes nas interações entre a personagem principal (Jake), sua esposa e filho explici- tando as mútuas influências exercidas no processo de interação organismo- �153 ambiente. ! ! O processo de desenvolvimento humano, com ênfase em seu estágio final (velhice), de uma perspectiva analítico-comportamental, foi abordado e ilustrado a partir da análise do comportamento de Jake. Tal análise evidenciou a natureza multideterminada do comportamento resultante dos três níveis de variabilidade e seleção – filogenético, exemplificado pelo processo biológico de envelhecimento; ontogenético, ilustrado pelas interações indiossincráticas de Jake com seu ambiente e cultural. ! A descrição das contingências vivenciadas por Jake nas interações com seus familiares demonstrou a importância de se considerar o que um indivíduo é capaz de fazer, em quais situações, e as mudanças produzidas no ambiente físico e social, a partir de uma perspectiva funcional. Quando as situações vi- venciadas são caracterizadas por contingências coercitivas (primeira parte do filme), repertórios comportamentais empobrecidos e com pouca variabilidade foram observados (por exemplo, apatia, lentidão, dependência). Por outro lado, contingências marcadas por reforçamento positivo (segunda parte do filme) fo- ram associadas com interações sociais positivas, afeto, aquisição de novos e variados comportamentos. Portanto, a análise funcional se mostrou relevante para identificar aspectos relacionados com a ocorrência/ma- nutenção de determinados comportamentos e fatores que podem ser modificados a fim de melhorar a qualidade de vida da pessoa ido- sa. !! Referências Bibliográficas!! Baldwin, J. D., & Baldwin, J. I. (1998). Behavior principles in everyday life. New Jersey: Prentice Hall.! Baum, W. M. (1994/1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, com- portamento e cultura (M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari, & E. Z. Tourinho, trads.). Porto Alegre: Artmed.! Bijou, S. W., & Baer, D. M. (1978/1980). O desenvolvimento da criança: Uma análise comportamental (R. R. Kerbauy, trad.). São Paulo: EPU.! Carvalho Neto, M. B., & Tourinho, E. Z. (1999). Skinner e o lugar das variáveis bioló- gicas em uma explicação comportamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15 (1), 45-53.! Catania, A. C. (1998/1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição (D. G. de Souza, trad. coord.). Porto Alegre: Artmed.! Matos, M. A. (1997). Com o que o behaviorismo radical trabalha? Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodoló- gicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 45-53). Santo André: ARBytes.! �154 Meyer, S. B. (1997). O conceito de análise funcional. Em M. Delitti (Org.), Sobre com- portamento e cognição: Vol. 2. A prática da análise do comportamento e da tte- rapia cognitivo-comportamental (pp. 31-36). São Paulo: ARBytes.! Meyer, S. B., Del Prette, G., Zamignani, D. R., Banaco, R. A., Neno, S. & Tourinho, E. Z. (2010). Análise do comportamento e terapia analítico-comportamental. Em E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs.), Análise do comportamento: Investigações históricas, conceituais e aplicadas (pp. 153-174). São Paulo: Roca.! Millenson, J. R. (1967). Princípios de Análise do Comportamento. Brasília: Coordena- da Editora.! Moreira, M., & Medeiros, C. A. (2007). Princípios básicos de Análise do Comportamen- to. Porto Alegre: Artmed.! Novak, G., & Peláez, M. B. (2004). Child and adolescent development: A behavioral systems approach. California: Sage Publications.! Papalia, D. E., Olds, S. W., & Feldman, R. D. (2009). Desenvolvimento humano. São Paulo: McGraw-Hill.! Paulino, L. S. (2007). Representações sociais de velhice, cegueira e direitos sociais em instituições especializadas em deficiência visual. Dissertação de Mestrado em Serviço Social não publicada, UFRJ, Rio de Janeiro.! Rosalez-Ruiz, J., & Baer, D. M. (1997). Behavioral cusps: A developmentaland Prag- matic concept for behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 30, 533–544.! Santos, G. A. (2002). Os conceitos de saúde e doença na representação social da ve- lhice. Revista Virtual Textos & Contextos, 1. Retirado de http://revistaseletroni- cas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/viewFile/937/717, em fevereiro de 2011.! Sidman, M. (1989/1995). Coerção e suas implicações (M. A. Andery, & T. M. Sério, trads.). São Paulo: Editorial Psy. ! Silva, M. E. V. (2006). “Se fosse tudo bem, a velhice era boa de enfrentar!” Racionali- dades leigas sobre envelhecimento e velhice - Um estudo no Norte de Portu- gal. Tese de doutorado em Sociologia não publicada, Universidade Aberta de Lisboa, Lisboa.! Skinner, B. F. (1953/1981). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes. ! Skinner, B. F. (1969/1980). Contingências de reforço (R. Moreno, trad.). São Paulo: Abril Cultural.! Skinner, B. F. (1974/1982). Sobre o Behaviorismo (M. P. Villalobos, trad.). São Paulo: Cultrix. ! Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504.! Skinner, B. F. (1983). Intellectual self-management in old age. American Psychologist, 38, 239-244.! Skinner, B. F., & Vaughan, M. E. (1983/1985). Viva bem a velhice: Aprendendo a pro- gramar a sua vida (A. L. Neri, trad.). São Paulo: Summus.! Todorov, J. C. (1985). O conceito de contingência tríplice na análise do comportamento humano. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 1, 75-88.! Todorov, J. C. (2007). A psicologia como o estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 23, 57-61.! �155 Tomanari, G. Y. (2004). A seleção do comportamento por suas conseqüências. Ciência e educação: Construindo saberes na diversidade, Feira de Santana, BA. Reti- rado de http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=23729, em janeiro de 2011.! Tourinho, E. Z. (1997). Eventos privados em uma ciência do comportamento. Em R. A. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição: Vol 1. Aspectos teóricos, meto- dológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 174-187). Santo André: ESETec.! Tourinho, E. Z., & Neno, S. (2006). Análise do comportamento e desenvolvimento hu- mano: O passado prevê o futuro? Em D. Colinvaux, L. B. Leite & D. D. Dell’A- glio (Orgs.), Psicologia do desenvolvimento: Reflexões e práticas atuais (pp. 91-112). São Paulo: Casa do Psicólogo.! Vasconcelos, L. A., Naves, A. R. C. X., & Ávila, R. R. (2010). Abordagem analítico- comportamental do desenvolvimento. Em E. Z. Tourinho & S. V. Luna (Orgs.), Análise do comportamento: Investigações históricas, conceituais e aplicadas (pp. 125-151). São Paulo: Roca.! Veloz, M. C. T., Nascimento-Scholze, C. M., & Camargo, B. V. (1999). Representações sociais do envelhecimento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12, 479-501. !! �156 ! “A NOVA ONDA DO IMPERADOR”: APRENDIZA- GEM DE HABILIDADES SOCIAIS E O ESTABE- LECIMENTO DE RELAÇÕES DE AMIZADE!! Yvanna Aires Gadelha-Sarmet !34 Universidade de Brasília! Super Infância Psicologia Infantil!! Patrícia Serejo de Jesus! Super Infância Psicologia Infantil! MafaGafo Escola para Bebês!! Penélope Ximenes! Universidade de Brasília! Super Infância Psicologia Infantil! �157 E-mail: yvanna@unb.br 34 Título do filme: “A nova onda do imperador”! Título original: The emperor’s new groove! Ano: 2000! Diretor: Mark Dindal ! Produtor: Randy Fullmer! Lançado por: Walt Disney Pictures ! “A nova onda do imperador”, lançado no ano de 2000, é um filme doce e curto. Sua característica especial é relacionada ao seu personagem principal: um anti-herói, arrogante, egocêntrico e cruel. A mensagem transmitida ao longo do filme é a de que ajudar os outros e fazer amigos é bom, enquanto o egoís- mo, a prepotência e a petulância são ruins. No entanto, essa lição não é trazida à tona com sentimentalismo ou drama. Ao contrário, o filme usa uma linguagem leve e bem humorada.! O título do filme deriva de um conto popular chamado “A nova roupa do imperador”, no qual, similarmente, um imperador obcecado por poder põe suas vontades sempre em primeiro lugar, em detrimento das necessidades de seu povo. No caso do filme “A nova onda do imperador”, o ambiente físico e a cultu- ra nos quais a história se desenrola baseiam-se no Império Inca, que existiu na América do Sul, onde atualmente é o Peru. Kuzco é o nome do principal perso- nagem, inspirado no nome da cidade peruana considerada capital do Império Inca (Cusco). Pacha, coadjuvante essencial no transcorrer da história de Kuz- co, teve seu nome derivado de um importante mandante do Império Inca, Pa- chacuti. O cenário para o desenrolar da trama é cuidadosamente construído, observando-se elementos da cultura inca e de culturas sul-americanas: estra- das, rios, casas e animais domésticos típicos. No entanto, é possível observar incongruências e anacronismos ao longo do filme, o que promove um efeito humorístico, priorizando assim a mensagem transmitida pela história, e não sua autenticidade.! O filme se passa em uma antiga civilização Inca fictícia, na qual Kuzco é o imperador egoísta e cruel. Ele tem uma arrogância que combina com o tama- �158 nho de seu reino, de modo que, com ele, tudo é: “eu sou”, “eu tenho”, “eu que- ro”, “eu posso”. No início da trama, o imperador Kuzco decide se ver livre de Yzma, sua conselheira pessoal, bastante sábia e traiçoeira. Após sua demissão sem justa causa, a bruxa Yzma planeja tomar o trono do imperador, envene- nando sua bebida com uma poção enfeitiçada. No entanto, ao invés de causar sua morte, como havia planejado, a poção de Yzma o transforma em uma lha- ma. A feiticeira pede que seu atrapalhado ajudante, Kronk, livre-se de Kuzco, mas ele escapa das garras de Kronk, e acaba se vendo na companhia de um gentil camponês, Pacha, que acredita que existe bondade em todas as pesso- as, mesmo no egocêntrico Kuzco. Pacha havia sido chamado por Kuzco, antes de ele ser transformado em um animal, para informá-lo que sua vila seria des- truída para a construção de um parque aquático particular: a Kuzcotopia. Pa- cha, muito decepcionado com o imperador e desolado com a perda que teria, reconhece o imperador transformado em lhama e faz com ele um acordo. Jun- tos, Pacha e Kuzco buscariam restaurar sua forma humana e recolocá-lo em seu trono de imperador e, em contrapartida, Kuzco construiria Kuzcotopia em outro lugar. Ao longo da jornada rumo ao castelo imperial, Kuzco e Pacha apoi- am e defendem um ao outro, embora Kuzco frequentemente traia a confiança do amigável e paciente Pacha. Kuzco aprende a observar as consequências do seu comportamento e tem em Pacha um modelo a seguir de maneira a estabe- lecer uma relação de parceria, confiança, cumplicidade e amizade. !! Análise Teórica!! A Análise do Comportamento é uma ciência relativamente nova que teve origem na filosofia behaviorista proposta por Skinner (1904-1990). A Análise do Comportamento busca a compreensão de como e porque o comportamento acontece, é mantido e modificado. Uma definição convencional a considera como uma prática científica na qual se investigam as relações organismo-am- biente (Castanheira, 1999).! O analista comportamental infantil utiliza a análise funcional como impor- tante instrumento para compreensão da demanda do seu cliente criança e de seus clientes família e escola. Por meio da análise funcional, os “comportamen- tos-problema” são considerados nas suas interações com outros comporta35 - mentos e com o ambiente em que o cliente está inserido. O psicoterapeuta faz um arranjo detalhado dos estímulos antecedentes e consequentes contingen- tes ao “comportamento-problema” e também dos esquemas de reforço que po- �159 Os comportamentos-problema de uma criança devem ser analisados a partir de sua interação com35 os diferentes contextos. Desse modo, o mesmo comportamento poderá ser visto ou não como pro- blema dependendo da situação em que ocorre. Essa visão ajuda a evitar que o problema seja colo- cado na criança, como sendo um traço de personalidade imutável. dem manter o “comportamento-problema”. A análise funcional é um processo importante para uma intervenção bem sucedida (Conte & Regra, 2000).! Recursos Lúdicos! Na psicoterapia analítico-comportamental infantil, o psicoterapeuta utiliza procedimentos além do relato verbal para possibilitar a descrição de sentimen- tos e pensamentos: a modelação, a modelagem, o treino discriminativo, o re- forçamento diferencial e a aprendizagem de resolução de problemas. Por meio de estratégias lúdicas, como o brincar, ler livros, assistir a filmes, desenhar e jogar, o terapeuta promove ocasiões para emissão de “comportamentos-pro- blema” de modo a intervir diretamente sobre eles, ou cria condições para con- duzir a criança na compreensão de seu próprio comportamento, especificando os antecedentes e consequentes (Conte & Regra, 2000).! �160 As estratégias lúdicas dão à criança a oportunidade de utilizar suas ex- periências reais e imaginárias para aprender e fortalecer comportamentos ver- bais e não verbais. O comportamento verbal está presente na maior parte do tempo nas interações psicólogo-criança e também quando as crianças conver- sam consigo mesmas, interpretando personagens, ou quando conversam com seus brinquedos. O contexto da fantasia proporciona a modelagem de compor- tamentos verbais e não verbais, além do reforçamento de habilidades sociais (Moyles, 2002). ! ! De acordo com Vasconcelos (2005), um dos meios de transmissão da cultura de um povo é a literatura. Pode-se admitir que os filmes são também meios de transmissão de valores, crenças e regras e que neles são apresenta- dos diversos padrões de comportamento. A leitura de histórias, bem como a apresentação e a discussão de filmes com as crianças, são ferramentas impor- tantes no contexto clínico quando permitem que a criança adquira e fortaleça comportamentos de observação, reflexão, crítica, sensibilidade às necessida- des do outro e de expressão de sentimentos e pensamentos. ! ! Além de permitir que as crianças informem sobre seus sentimentos e descrevam comportamentos e eventos importantes, os filmes, quando usados no contexto terapêutico, permitem que as crianças aprendam respostas alter- nativas aos seus “comportamentos-problema”. Por meio da exibição de um fil- me, o psicoterapeuta conduz a criança na análise do comportamento dos per- sonagens, na avaliação das contingências que o determinam e, a partir daí, ajuda a criança a pensar em alternativas comportamentais para os persona- gens. Esse treino, com o uso da fantasia e da brincadeira, leva a criança a en- contrar alternativas de ação, inicialmente para os personagens de suas brinca- deiras, que depois podem ser generalizadas para as situações de sua vida (Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000). ! ! Falar do comportamento dos personagens de um filme é uma aproxima- ção gradual para depois falar de si mesmo (Regra, 2000) e, por isso, é um ins- trumento útil na psicoterapia infantil. Para essa autora, quando a criança é le- vada a identificar os padrões de comportamento dos personagens da história que têm relação com os seus padrões de comportamento e de seus familiares, estabelece-se uma ponte entre a fantasia e a realidade, e a criança é conduzi- da a falar de si mesmo e de suas relações, diante da audiência não punitiva do terapeuta.! ! Em outras palavras, a utilização de histórias, sejam elas lidas ou assisti- das, permite um intercâmbio entre fantasia e realidade que contribui para a formação de conceitos sobre as relações sociais e posterior mudança de com- portamento (Vasconcelos, 2005). Com o uso da história, é possível refletir so- bre contingências, tornando-a um instrumento de aprendizagem da análise funcional do comportamento. Por meio da análise das contingências apresen- �161 tadas na história, é possível identificar os comportamentos dos personagens, seus antecedentes e consequentes, mostrando para criança a relação entre esses eventos. A partir daí, a criança pode adquirir competência para sugerir mudanças nos antecedentes, no comportamento dos personagens, e nas con- sequências, brincando de criar novas histórias. Desse modo, o repertório de comportamentos pode ser aumentado, e comportamentos mais adaptativos podem ser adquiridos, emitidos e reforçados, o que faz com que sua frequência aumente.! Habilidades Sociais! Habilidades sociais representam uma classe de comportamentos que é, talvez, a mais importante e funcional para crianças e jovens que chegam à te- rapia com transtornos emocionais e de comportamento. No decorrer da vida, o �162 ser humano precisa aprender continuamente novas habilidades. Essa necessi- dade se deve principalmente à constante transformação do ambiente social (Del Prette & Del Prette, 1999). O estudo das habilidades sociais torna-se rele- vante principalmente quando se observa que as relações interpessoais podem ser prejudicadas por respostas de agressão ou timidez, por exemplo. Assim sendo, a ocorrência de comportamentos que dificultam ou alteram a qualidade das interações de crianças e adolescentes, além de ser um problema em si mesmo, pode ocasionar problemas adicionais, já que altera o curso de desen- volvimento de outros comportamentos. ! De acordo com Caballo (1986, citado por Del Prette & Del Prette, 2001): !! (…) habilidade social é o conjunto de comportamentos emitidos por um indiví- duo no contexto interpessoal, que expressa sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse indivíduo de modo adequado à situação, respeitando esses comportamentos nos demais, e que geralmente resolve uma situação ao mesmo tempo em que minimiza a probabilidade de problemas futuros (p. 238). !! Para Caballo (2003), existem duas dimensões de habilidades sociais: (a) a dimensão descritiva, que se refere à classe de comportamentos molares (fa- zer e responder perguntas; fornecer feedback, falar em público) e moleculares (contato visual, postura, velocidade e entonação da voz, sorrisos, gestos), que, juntamente com as situações em que ocorrem, configuram o conteúdo das ha- bilidades sociais e que podem ser aprendidas; e (b) a dimensão avaliativa ou competência social, que é o grau de adequação desses comportamentos em termos de consequências imediatas ou futuras. Existe também a dimensão pessoal das habilidades sociais, referentes aos comportamentos e processos privados que acompanham o desempenho social, incluindo as percepções, ex- pectativas, conhecimento das normas e valores socioculturais que facilitam ou dificultam o desempenho socialmente habilidoso (Del Prette & Del Prette, 2001). ! Em uma das obras mais recentes de Del Prette e Del Prette (2005), são utilizados três termos importantes: (a) o desempenho social, que se refere a qualquer tipo de comportamento emitido na relação com outras pessoas e in- clui tanto os desempenhos que favorecem a qualidade dos relacionamentos como os que prejudicam; (b) as habilidades sociais, que são diferentes classes de comportamentos sociais que contribuem para a competência social, favore- cendo um relacionamento saudável e produtivo com as demais pessoas; e (c) a competência social, que é a capacidade que a pessoa possui de articular pen- samentos, sentimentos e ações, de acordo com uma situação e com a cultura, gerando consequências positivas para o indivíduo e suas relações. ! De acordo com Del Prette e Del Prette (2005), existem sete principais classes que são consideradas essenciais e indispensáveis para o desempenho �163 totalmente competente da criança: (a) autocontrole e expressividade emocio- nal; (b) civilidade; (c) fazer amizades; (d) solução