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MODELO DE ARTIGO CIENTÍFICO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS
ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO ADJUNTA DE TRABALHO DE CURSO
ARTIGO CIENTÍFICO
O TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE REMOÇÃO DE ORGÃOS
DIGNIDADE, LIBERDADE, DIREITO A VIDA
ORIENTANDO (A): DANYELLA COSTA CARVALHO
ORIENTADOR (A): PROF. PERICLES ANTUNES BARREIRA
GOIÂNIA
2019
DANYELLA COSTA CARVALHO
O TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE REMOÇÃO DE ORGÃOS
DIGNIDADE, LIBERDADE, DIREITO A VIDA
Artigo Científico apresentado à disciplina Trabalho de Curso II, da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curso de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGOIÁS).
Prof. (ª) Orientador (ª): PROF. PERICLES ANTUNES BARREIRA
GOIÂNIA
2019
DANYELLA COSTA CARVALHO
O TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE REMOÇÃO DE ORGÃOS
DIGNIDADE, LIBERDADE, DIREITO A VIDA
Data da Defesa: ____ de __________ de _______
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
 Orientador: Prof. Titulação e Nome Completo Nota
_________________________________________________________
 Examinador Convidado: Prof. Titulação e Nome Completo Nota
Dedico ao Todo-Poderoso Deus por abençoar a minha vida todos os dias, me dando força, sabedoria e paciência para concluir esse trabalho.
Dedicatória
Agradeço primeiramente a Deus, que foi minha maior força nos momentos de angustia e desespero. Sem ele, nada disso seria possível. Obrigada, senhor, por ter me dado esperança, amor aos estudos, fé no meu coração e que alimentou meu foco e minha disciplina. 
Aos meus ídolos, meus pais, Maria do Amparo Costa da Silva e Natal Carvalho de Sousa, que são o meu porto seguro. Não importa se é dia de tempestade, com mar agitado e ventos fortes, ou dia de sol, com brisa suave e alegre canto de pássaros; sei que lá sempre poderei atracar e estar bem, segura e em paz. Também sou grata aos meus irmãos, Danyária e Wallysson, que me fizeram rir em tempos de puro estresse. Não posso deixar de agradecer ao mestre Pericles Antunes Barreira, que foi o meu orientador mais atencioso, e contribuiu muito com a realização dessa pesquisa. Sou grato a todos os professores que foram essenciais na minha vida acadêmica.
Meu eterno agradecimento a todos os meus amigos, que deram uma contribuição valiosa para a minha jornada acadêmica. Por fim, sou grata a todos que de alguma forma, direta ou indiretamente me ajudaram na realização do meu grande sonho. Obrigada pelos conselhos, palavras de apoio, puxões de orelha e risadas. Só tenho a agradecer e dizer que esse TCC também é de vocês.
Agradecimento
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................
INTRODUÇÃO ...........................................................................................
1. TRANSPLANTE DE ORGÃOS
1.1 APRESENTAÇÃO HISTÓRICA ACERCA DOS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS 
1.2 CONCEITOS DE TRÁFICO DE PESSOAS 
.
1.3 CONCEITOS DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS
2. O MERCADO HUMANO: COMPRA E VENDA DE ÓRGÃOS
2.1 CRIME ORGANIZADO / MERCADO NEGRO EM EXPANSÃO
 
2.2 LEGISLAÇÃO EM VIGOR APLICÁVEL NO BRASIL
3. DIGNIDADE HUMANA, LIBERDADE, DIREITO A VIDA
3.1 ENTRE A POBREZA E A ESPERANÇA
CONCLUSÃO ............................................................................................
REFERÊNCIAS ........................................................................................
O TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE REMOÇÃO DE ORGÃOS
DIGNIDADE, LIBERDADE, DIREITO A VIDA
DANYELLA COSTA CARVALHO[1: 1 Acadêmico (a) do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, danyellacostacarvalho@hotmail.com]
RESUMO
O tráfico de órgãos é um crime de amplitude global que surgiu devido à fila de espera para transplante e falta de doadores para suprir essa necessidade. Devido a isso, criminosos se infiltraram nas práticas ilegais e se apresentaram como a solução ilícita para aqueles que não toleram esperar por um órgão enquanto sua vida definha. Acostumados a infringir as leis, Os traficantes de órgãos operam de várias maneiras: as vítimas podem ser sequestradas e forçadas a desistir de um órgão, algumas, por desespero financeiro, concordam em vender um órgão, ou são enganadas ao acreditar que precisam de uma operação cirúrgica e o órgão é removido sem o seu conhecimento; algumas vítimas podem ser assassinadas, A corrupção possibilita a atuação de criminosos de alto nível e por vezes facilita o comercialismo de órgãos entre as fronteiras e torna todo o crime possível, viável e escondido, já que contribui com falsificação de autorizações para médicos, clínicas e mesmo os órgãos humanos, maquiando todo o esquema para que pareça totalmente legal. Criminosos geralmente tendem a procurar uma forma de ganhar dinheiro de maneira rápida e com baixo custo, o que na maioria das vezes põe em risco a vida da vítima-doadora. A combinação do desespero de quem precisa de um órgão com quem vive à margem da sociedade cria um espaço oportuno perfeito para que os exploradores ajam.
Palavras-chave: tráfico de órgãos; crime organizado; tráfico de seres humanos; compra e venda de órgãos.
INTRODUÇÃO
O intuito deste trabalho é o de analisar o tráfico de órgãos e seu impacto na saúde global que envolve desde os atores originários, que são os Estados, até os atores que ganharam importância depois da globalização e são valiosos para a existência do mundo: o ser humano. O fenômeno tráfico de órgãos de seres humanos até hoje atinge significativa parcela da população mundial, principalmente aquela que vive em condições precárias, sem recursos próprios suficientes e desamparados pelos seus respectivos Estados.
O crime organizado é notadamente uma das maiores fontes de violação aos direitos humanos, sendo a causa da vitimização de uma pluralidade de comunidades e indivíduos, tendo hoje a internacionalização como uma de suas características preponderantes. Na maior parte das vezes, o crime organizado para o tráfico de pessoas é exercido por organizações criminosas, o que impõe entender melhor esse instrumento de planejamento e realização de crimes.
É consenso que, para conseguir resultados eficientes no combate ao tráfico de pessoas exercido por organizações criminosas, a política criminal deve tender para a cooperação internacional. A previsão legislativa e a uniformização das legislações dos diversos países são necessárias para evitar a existência de verdadeiros paraísos penais, assim como é essencial o uso de meios modernos de obtenção de provas.
TRANSPLANTE DE ORGÃOS
1.1 APRESENTAÇÃO HISTÓRICA ACERCA DOS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS 
Inúmeros são os relatos que compõem a história dos transplantes. O primeiro deles, encontra-se registrado na Bíblia, no livro de Gênesis 2:21-22. Nesse relato Adão aparece como o primeiro doador. Outro relato milenar e até mitológico, trata-se da história de dois médicos chineses, Itoua To e Pien Tsio, eram gêmeos e nasceram em 287 d.C., tendo estudado medicina na Grécia e Cecília, na Ásia Menor. Conta-se que esses médicos teriam transplantado a perna de um soldado negro que acabara de morrer em outro homem, um velho branco que havia perdido a perna naquele mesmo dia. Eles atendiam as pessoas sem cobrar e, por isso, foram perseguidos, julgados e executados por Deocleciano e posteriormente, tornaram-se mártires e santos. Hoje, são os padroeiros dos médicos cirurgiões (Fundação Banco de olhos, 2000; Pereira, 2004).
Na história antiga existem lendas e escrituras de atos cirúrgicos de tentativa de transplantação, sendo que os eventos mais antigos remetem à Índia Antiga e à China.A antiga literatura chinesa descreve a realização de um transplante de coração e, ainda, a troca do rosto de uma mulher “feia” pelo rosto de uma bela jovem que estava a morrer (SÁ, 2003). A referida autora explica que os casos citados se tratam de mitos, histórias criadas por crenças passadas de gerações em gerações, as quais não podem ser entendidas como verídicas quando analisadas do ponto de vista racional, no entanto, para a autora, não há como negar que o método cirúrgico-terapêutico de transplantação de órgãos e tecidos para substituição de organismos afetados surgiu dos contos populares advindos da história mitológica, mas também do constante anseio humano à pesquisa de técnicas capazes de aumentar a qualidade e expectativa de vida.
As primeiras tentativas de transfusão de sangue foram sem sucesso até a descoberta dos diferentes tipos de sangue e suas mútuas compatibilidades ou incompatibilidades. A enorme necessidade e o grande uso de transfusão de sangue na Guerra de 1914-1918 propiciou o surgimento dos bancos de sangue para a armazenagem dos mesmos. Esse evento talvez foi um dos mais importantes passos na história dos transplantes. A transfusão de sangue, não trata da natureza dos problemas éticos e filosóficos associados com os transplantes de órgãos sólidos não regeneráveis tais como rins, corações, pulmões, pâncreas e fígados (Lamb, 2000). 
Apesar de todos os procedimentos de transplantes realizados terem sido fundamentais, o mais significativo para a história médico-cirúrgica dos transplantes de órgãos é o de coração, realizado na África do Sul em 1967 (PESSINI; BARCHIFONTAINE, 2014), quando o cirurgião Christian Barnard realizou a primeira transplantação cardíaca, substituindo o coração de um homem pelo coração de uma jovem que havia sofrido um acidente de trânsito, tendo seu cérebro sido destruído no impacto - o que levou a diversas discussões sociais sobre o assunto, tendo em vista a doadora ser considerada morta em razão da morte cerebral e não pela paralisação dos demais órgãos vitais (SÁ, 2003). 
Como afirma Catão (2004, p. 198): 
Verificou-se, por um lado, o fato de o receptor haver aceitado o imenso risco de uma operação dessa natureza, praticada pela primeira vez no mundo, porque tinha o convencimento de que não havia outra possibilidade de sobreviver. E, por outro lado, evidenciou-se o fato de pai da acidentada ter aceitado o transplante depois que os médicos o convenceram de que não restava esperança [...]. 
No Brasil, o primeiro transplante cardíaco foi realizado em 1968, pelo Dr. Zerbine (ANDRADE, 2008, p. 66). Neste caso, de acordo com Pessini e Barchifontaine (2014) o transplantado sobreviveu por 27 dias após a cirurgia, que foi realizada no Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). A referida intervenção alertou as autoridades brasileiras acerca da necessidade de um dispositivo legal que garantisse o direito de todos os envolvidos (médicos, doador, receptor). Isso porque a história humana já havia experimentado a prática médica sem qualquer cuidado com questões éticas ou relativas aos direitos fundamentais dos seres humanos – a exemplo das atrocidades cometidas em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial (ANDRADE, 2008).
Em 1997, os transplantes foram, por fim, regulamentados em todo o território nacional, por meio da Lei N. 9.434/1997 seu Decreto nº 2.268. Esta Lei, porém, sofreu algumas alterações pela Lei N. 10.211 em 2001, introduzindo o Registro Nacional de Doadores, estabelecendo a prioridade dos doadores na realização de necropsia (Instituto Médico Legal), em casos de morte violenta, devolvendo a família a decisão pela doação (doação consentida) e retornando a obrigatoriedade de autorização judicial para transplantes inter-vivos não aparentados. Adicionalmente, o Decreto nº 2.268/1997 regulamentou a Lei nº 9.434 e criou o Sistema Nacional de Transplantes, responsável pela infraestrutura da notificação de casos de ME, captação e distribuição de órgãos e tecidos, que é denominada de fila-única.
1.2 CONCEITOS DE TRÁFICO DE PESSOAS
O tráfico de pessoas possui diversas modalidades, podendo ser para fins de exploração sexual, trabalho forçado e servidão, trabalho doméstico, ou ainda para a remoção de órgãos (TERESI, 2012).
O Protocolo adicional à Convenção das Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo a prevenção, Repreensão e punição do tráfico de pessoas, em especial Mulheres e Crianças, chamado protocolo de Parlemo, ratificado pelo brasil por meio do Decreto 5017 de 12 de março de 2004, traz, em seu art.3°, a, a definição de tráfico de pessoas, IN VERBIS: 
A expressão "tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos. 
A partir da leitura da norma, depreende-se que o tráfico de pessoas apresenta três elementos constitutivos: o ato, o meio e o objetivo. O ato consiste no recrutamento. Transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas. O meio deverá caracterizar-se por ameaça ou uso de força, coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de situação de vulnerabilidade, ou entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios. A alínea b do mesmo artigo traz uma exceção á imprescindibilidade do meio para a caracterização do tráfico: presente o ato, se for a vítima criança (quaisquer pessoas com idade inferior a dezoito anos, nos termos da alínea c), configura-se o tráfico de pessoas independentemente de o meio empregado não estar previsto na alínea a. Por fim, o propósito é a exploração da vítima, que pode ser de vários modos: sexual, trabalho escravo. Remoção de órgãos, etc., sendo que o rol apresentado não é taxativo. 
Há tráfico de pessoas quando a vítima é retirada de seu ambiente, de sua cidade e até de seu país e fica com a mobilidade reduzida, sem liberdade de sair da situação de exploração sexual ou laboral ou do confinamento para remoção de órgãos ou tecidos.
 A mobilidade reduzida caracteriza-se por ameaças à pessoa ou aos familiares ou pela retenção de seus documentos, entre outras formas de violência que mantenham a vítima junto ao traficante ou à rede criminosa.
O tráfico humano é o comércio de seres humanos, mais comumente para fins de escravidão sexual, trabalho forçado ou exploração sexual comercial, tráfico de drogas ou outros produtos; para a extração de órgãos ou tecidos, incluindo para uso de barriga de aluguel e remoção de óvulos; ou ainda para cônjuge no contexto de um casamento forçado. 
O tráfico humano deu mais de 31,6 bilhões de dólares do comércio internacional por ano em 2015 e é pensado para ser uma das atividades de maior crescimento das organizações criminosas transnacionais. 
 
Segundo a ONU, o tráfico de pessoas movimenta anualmente 32 bilhões de dólares em todo o mundo. Desse valor, 85% provêm da exploração sexual.
O tráfico de pessoas é uma questão complexa e alarmante, a qual envolve diversos interesses, e como citado anteriormente, faz parte da história da humanidade. Apesar de já se ter superado, em tese, a distinção entre as raças e classes econômicas, o mercado humano nunca deixou de existir, seja para mão-de-obra, exploração sexual ou uso do corpo para fins terapêuticos e medicinais, como o transplante de órgãos e cobaias para testes experimentais (ALENCAR, 2007).
De maneira geral, o tráfico de pessoas consiste no ato de comercializar, escravizar, explorar e privarvidas, caracterizando-se como uma forma de violação dos direitos humanos por ter impacto diretamente na vida dos indivíduos. Se houver transporte, exploração ou cassação de direitos, o crime pode ser classificado como tráfico de pessoas, não importa se há supostamente um consentimento por parte da vítima.
O tráfico de pessoas é, em todo o mundo, o terceiro negócio ilícito mais rentável, logo depois das drogas e das armas. Essa prática não exclui nenhum país, nem indivíduos, mesmo que mulheres, crianças e adolescentes sejam as principais vítimas. Os países mais vulneráveis ao tráfico de seres humanos e à exploração sexual são os marcados pela pobreza, instabilidades políticas, desigualdades econômicas, países que não oferecem possibilidade de trabalho, educação e perspectivas de futuro para os jovens.
1.3 CONCEITOS DE TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS
No que diz respeito ao tráfico de órgãos, é essencial o esclarecimento de alguns conceitos fundamentais para a nossa compreensão.
Com relação ao tráfico de pessoas praticado com vistas à remoção de órgãos, o “Código Penal Brasileiro” não possui qualquer dispositivo legal específico. A matéria é disciplinada pela Lei n° 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, intitulada Lei dos Transplantes de Órgãos cujos artigos 14, 15 e 17 se aplicam à matéria em estudo: 
“Art. 14. Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei: 
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa.
 § 1.º Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe: 
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa (...)”. 
“Art. 15. Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação”.
 “Art. 17. Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos 18 desta Lei: Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa, de 100 a 250 dias-multa”.
Para a questão do “Tráfico de Órgãos” a “Declaração de Istambul” faz uma adaptação da definição existente no “Protocolo de Palermo”:
DEFINIÇÕES:
“O tráfico de órgãos consiste no recrutamento, transporte, transferência, refúgio ou recepção de pessoas vivas ou mortas ou dos respectivos órgãos por intermédio de ameaça ou utilização da força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de poder ou de uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou recepção por terceiros de pagamentos ou benefícios no sentido de conseguir a transferência de controle sobre o potencial doador, para fins de exploração através da remoção de órgãos para transplante.” (Declaração de Istambul, 2008). 
O comercialismo dos transplantes é uma política ou prática segundo a qual um órgão é tratado como uma mercadoria, nomeadamente sendo comprado, vendido ou utilizado para obtenção de ganhos materiais. 
As viagens para fins de transplantação são a circulação de órgãos, doadores, receptores ou profissionais do sector da transplantação através de fronteiras jurisdicionais para fins de transplantação. As viagens para fins de transplantação tornam-se turismo de transplantação se envolverem o tráfico de órgãos e/ou o comercialismo dos transplantes ou se os recursos (órgãos, profissionais e centros de transplantação) dedicados à realização de transplante a doentes oriundos de fora de um determinado país puserem em causa a capacidade desse país de prestar serviços de transplantação à respectiva população.
A Declaração de Istambul (2008) é o único documento de cunho internacional que procurou uniformizar as definições acerca do tráfico de órgãos e oferecer princípios orientadores na busca de programas para enfrentar este crime.
A legislação nacional criminaliza quem “vende” seu órgão, colocando-o no mesmo patamar do comprador ou facilitador, negando, assim, sua condição de vulnerabilidade e, consequentemente, de vítima. Esta condição amplia a dificuldade nas investigações neste tipo de crime, pois o “vendedor” se sentirá reprimido e não denunciará o esquema, mesmo que haja complicações pós-operatórias que compliquem sua saúde. Para garantir a não criminalização da vítima do tráfico de pessoas para remoção de órgãos, poder-se-ia, alternativamente, invocar o §5°do Art. 121 do Código Penal Brasileiro27 sobre a possibilidade do perdão judicial no homicídio culposo, ou seja, “se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Ainda assim, não basta o perdão judicial para o “vendedor” sentir-se confiante em denunciar e colaborar com as investigações, este tem de ter garantida a proteção e o acompanhamento médico.
O tráfico de órgãos ainda é evitado nas discussões políticas e acadêmicas por ser considerado como “lenda urbana” 62, os agentes do Estado preferem considerar que os indícios que vêm à tona não são sérios. De outro lado, cada vez mais são noticiados casos ocorridos em comunidades carentes de desaparecimento de crianças e adolescentes, cujos raros indícios não são adequadamente investigados.
2. O MERCADO HUMANO: COMPRA E VENDA DE ÓRGÃOS
2.1 CRIME ORGANIZADO/ MERCADO NEGRO EM EXPANSÃO 
 
Para Arruda (2004), o atual comércio humano é apenas mais contemporâneo, mas não é nada mais do que uma atualização das práticas antigas de utilização do ser humano.
 Com a globalização e a novas tecnologias de comunicação como a internet, a comercialização humana tornou-se incontrolável, não somente de órgãos e tecidos, mas também de mulheres e crianças para prostituição, prática comum na antiguidade. A sede pelo lucro se sobressaiu sob a ética e a moral e até mesmo sob a legalidade jurídica da comercialização, pouco importando as penalidades a ela cominadas (DINIZ, 2014).
 Nesse sentido, o corpo humano passou a ser traficado para diversos fins, desde a prostituição até para a comercialização de órgãos, gerando um problema de segurança mundial, conforme se verifica a seguir.
Segundo a ONU (2013, p.6,), “o mercado de órgãos reflete fortemente a divisão econômica e social dentro e, particularmente, entre os países”. Isso nota-se ao observar o perfil de receptores e vítimas-doadoras, aonde um vem de países desenvolvidos e o outro de países menos desenvolvidos, respectivamente. A vulnerabilidade, passada por grande parte de sociedade de países menos avançados, é uma das características definidoras que faz com que os traficantes de órgãos escolham suas vítimas-doadoras (SCHEPER-HUGHES 2005; SCHEPER-HUGHES 2009; ONU, 2013). 
Traficantes podem obter os órgãos de várias maneiras. Podem sequestrar, coagir, matar e vender pessoas vivas ou mortas, inteiras ou aos pedaços. Inúmeros são os casos e rumores de vítimas que foram ao hospital e tiveram seu rim retirado sem consentimento ou conhecimento
O tráfico de pessoas para fins de remoção de órgãos é uma das formas de tráfico de órgãos que mais tem estudos e relatórios no sistema internacional, seja de estudiosos sobre o tema, seja por organizações internacionais como a ONU e a UNODC. Mas essa não é a única face do tráfico de órgãos e nem de longe a mais comum. O mercado de órgãos é extenso, lucrativo, ilegal na maioria dos países do SI e antiético de acordo com a medicina (SCHEPER-HUGHES, 2000).
Naím (2006) afirma que devemos pensar nestes criminosos como agentes econômicos, para melhor entender sua atuação. Deste modo, há uma filtragem, como no comércio dos países de origem, trânsito e destino do órgão humano (que é sua mercadoria) e cada um deles é escolhido conforme algumas características observadas.
 Países de origem ou exportadores de órgãos na rota do tráfico são aqueles que, de alguma maneira, encontram-se instáveis, onde a fiscalização é irregular e insuficiente, onde há conflitos armados,refugiados, imigrantes ilegais e onde o monitoramento e julgamento dos criminosos é demorado, lento e facilmente corruptível (UNODC, 2012; OMS, 2007). Países de grande extensão e acesso ao mar também são visados, dado o fato de os Estados não conseguirem assegurar sua enorme fronteira constantemente (NAÍM, 2006). Grande parte da população destes países é marginalizada, tem baixo nível de instrução, são econômicos e socialmente vulneráveis, o que, como dito anteriormente, os torna alvos mais susceptíveis. 
Essas vítimas são marcadas com outras características como a vulnerabilidade, não só social e/ou econômica, mas também por questões de gênero, idade, imigração e status de refugiado (UNDOC, 2012; BUNDIANI-SABERI e DELMONICO, 2008). Promessas de facilidades no exterior ou um preço ofertado que pareça irresistivelmente alto – um rim brasileiro custa cerca de $ 6.000,00 para o primeiro intermediário (SHEPER-HUGHES, 2005) – atraem pessoas com o perfil supracitado. Iludidas com a quantia ou a promessa, elas mergulham em meio a essa prática criminal expondo seu corpo, sua dignidade, sua saúde e mesmo sua vida para alcançar um bem ou sonhos almejados.
2.2 LEGISLAÇÃO EM VIGOR APLICÁVEL NO BRASIL
A primeira legislação brasileira relativa a retirada de órgãos e tecidos do corpo humano foi a Lei n. º 4.280 de 1963, que previa sobre a extirpação de órgãos de pessoas falecidas, somente, sem regulamentar o transplante de órgãos entre vivos. Esta legislação era mais específica para o transplante de córnea, e previa a necessidade de autorização do cônjuge ou parentes até segundo grau do falecido, ou ainda, que houvesse uma declaração do falecido em vida na qual ele demonstrava sua intenção de ser doador de córnea (COLTRI et al., 2015). 
A Lei n. º 4.280/63 foi revogada pela Lei n. º 5.479/68, a qual regulamentou não somente a retirada de órgãos post mortem, mas também o transplante de órgãos 48 entre vivos (CATÃO, 2004). A referida legislação em vigor já previa, em seu artigo 1º, a obrigação de que a doação de órgãos ou tecidos post mortem fosse feita de forma gratuita, enquanto que o artigo 10 estabelecida que a doação entre vivos devia ser por fins humanitários ou altruísticos, conforme de verifica no texto já vetado: 
Art. 1º - A disposição gratuita de uma ou várias partes do corpo “post mortem”, para fins terapêuticos é permitida na forma desta Lei (grifo nosso). 
Art. 10 - É permitido à pessoa maior e capaz dispor de órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins humanitários e terapêuticos. § 1º A autorização do disponente deverá especificar o tecido, ou órgão, ou a parte objeto da retirada. § 2º Só é possível a retirada, a que se refere êste artigo, quando se tratar de órgãos duplos ou tecidos, vísceras ou partes e desde que não impliquem em prejuízo ou mutilação grave para o disponente e corresponda a uma necessidade terapêutica, comprovadamente indispensável, para o paciente receptor (grifo nosso). 
No entanto, a Lei n.º 5.479/68, apesar de ter trazido inovações quanto a gratuidade do ato e a possibilidade de transplante de órgãos entre vivos, ainda deixou muitas lacunas quanto ao assunto, sendo necessário a promulgação de uma legislação mais ampla (CATÃO, 2004).
 A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 199, § 4º sobre a criação de uma lei para estabelecer os critérios e regulamentações relativo a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, vedando, inclusive, qualquer tipo de comercialização do corpo (COLTRI et al., 2015): 
Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. [...] § 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.
 Portanto, tendo em vista o disposto na Constituição Federal, foi publicada a Lei n.º 8.489 em 1992, que disciplinou um pouco além sobre o transplante de órgãos, tecidos e partes do corpo humano entre vivos e post mortem. A lei, já no seu artigo 1º, estipulava expressamente que qualquer comercialização relativa as partes do corpo humano era vedada, devendo o ato de disposição ser gratuito (COLTRI et al., 2015). 
Quanto a disposição de órgãos post mortem, a lei inovou, autorizando a retirada dos órgãos se não houve declaração do de cujus em vida no sentido contrário, ou se não houvesse manifestação da família do falecido quanto a não doação dos órgãos. Desta forma, se o falecido não tivesse deixado documento público ou particular, conforme previa a lei, e os familiares não falassem nada a instituição de que não desejassem doar os órgãos, os médicos estavam autorizados a fazer a retirada (CATÃO, 2004), conforme se pode verificar no artigo vetado:
 Art. 3° - A permissão para o aproveitamento, para os fins determinados no art. 1° desta lei, efetivar-se-á mediante a satisfação das seguintes condições: I - por desejo expresso do disponente manifestado em vida, através de documento pessoal ou oficial; II - na ausência do documento referido no inciso I deste artigo, a retirada de órgãos será procedida se não houver manifestação em contrário por parte do cônjuge, ascendente ou descendente. 
Essa doação presumida gerou grandes debates jurídicos, pois não havia um controle sobre essas declarações e manifestações das famílias, dando espaço para o mercado de órgãos (CATÃO, 2004). Com isso, foi publicado o Decreto n.º 879/93, o qual alterou o artigo 3º, II da Lei 8.489/92, prevendo a necessidade de declaração dos familiares consentindo com a utilização do corpo do falecido para retirada de órgãos, o que obrigava as equipes médicas a consultar a família antes de realizar qualquer procedimento (CATÃO, 2004). 
Posteriormente, em 1997, foi publicada a atual legislação nacional acerca do transplante de órgãos, a Lei n.º 9.434/97, vigente até hoje, regulamentada pelo Decreto n.º 2.268/97, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 10.211 de 23/03/2001, revogando-se a Lei n.º 8.489/92 e o Decreto n.º 878/93.
Definido o conceito de transplante de órgãos, a própria lei estabelece quando o mesmo será permitido. Após a análise de seus artigos 9º e 10, é possível perceber que existem os requisitos gerais, que sempre são necessários, e os requisitos aplicáveis no caso de o transplante ser antes ou após a morte do doador.
 Requisitos gerais:
•.Deve ser de forma gratuita; 
• Para fins de tratamento;
• Só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde;
• Só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde; 
No caso de transplante após morte: 
• A retirada deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina; 
• Dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte; 
• Se for de pessoa juridicamente incapaz só poderá ser feita se permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais; 8 Revogada pela Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. 
• é vedado transplante de órgãos de pessoa morta não identificada. 
No caso do transplante de pessoa viva:
 •. Somente quando se tratar de órgãos duplos; Ou quando as partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não representegrave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental;
• O transplante não pode causar mutilação ou deformação inaceitável, e deve corresponder a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora; 
• Somente é permitido para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, autorizando mediante testemunhas especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada; Ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, também com autorização e mediante testemunhas especificando o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada.
 Em linhas gerais, esses são os principais requisitos para a realização do transplante de órgãos de forma legal, além de outras especificidades previstas nessa norma em seus artigos 11 e seguintes. 
Não obstante, ao exigir, por exemplo, que o transplante sempre deve ser de forma gratuita, que quando morto não pode ser realizado se o corpo não for identificado, e que quando vivo somente para determinados parentes, é fácil perceber que a exegese da lei busca evitar e dificultar o comércio de órgãos. Todas as medidas adotadas pela lei são para que os órgãos jamais possam ser vendidos ou comprados.
 Concomitante a isso, e coadunando com a ideia de que a lei pretende obstar a comercialização de órgãos, o seu artigo 11 proíbe a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social de anúncio que configure (BRASIL, 1997): 
• Publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos, relativa a estas atividades; 
• Apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada identificada ou não; 
• Apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em beneficio de particulares. Além de proibir o estímulo à doação de órgãos, para evitar o comércio. A Lei prevê como crime as seguintes condutas: 
• Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver sem os requisitos supracitados; 
• Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano; Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência ter sido obtidos em desacordo com os dispositivos da Lei; 
• Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência ter sido obtidos em desacordo com os dispositivos da Lei; 
• Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados; 
• Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o determinado pela Lei. 
Percebe-se que o rol de crimes previstos na Lei de Transplante de Órgãos é extenso, e todos eles visam coibir a comercialização de parte do corpo humano.
 A necessidade de se variar e diferenciar essas condutas em tipos diferentes está intimamente relacionada ao fato de que são diversos os agentes que atuam de forma conjunta para a realização do tráfico de órgãos. Aquele que vende, nem sempre é o doador, e aquele que compra, nem sempre é o receptor. Então a lei precisa ser minuciosa e detalhista para que todos os agentes, que de alguma forma contribuam para o delito, possam ser penalizados pelos seus atos respeitando a proporcionalidade e a gravidade de sua conduta. Isso pode ser observado através das condutas tipificadas nos artigos que vão do 14 ao 20 da referida norma, que serão melhor explorados mais adiante.
 Importante destacar também que a Lei de Transplantes, em sua origem, na antiga redação do artigo 4º, previa a doação compulsória do falecido, salvo quando constasse em documento de identificação expressamente que não era doador de órgãos. Observa-se: 
Art. 4º Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem.
 Isso gerou inúmeras críticas na doutrina, pois revelou uma verdadeira estatização do corpo humano sem vida. Uma das críticas girou em torno do fato de que a maior parte da população não iria saber de que deveria negar expressamente a remoção de seus órgãos em documento de identificação, sem o conhecimento que seus órgãos poderiam ser retirados post mortem (D´URSO, 1999, p. 56). Como sinala D’Urso, “Todavia, mesmo aqueles que souberem, e não desejarem ser doadores, terão de enfrentar obstáculos de toda ordem, pois, primeiramente, haverão de tratar desse assunto com um estranho; sendo assunto pessoal, sempre haverá constrangimento. (1999, p. 56). 
Dessa forma, a crítica também se insurgiu com relação ao constrangimento das pessoas que deveriam manifestar publicamente o seu desejo de não terem os seus órgãos removidos após a morte: 
Ocorre que o constrangimento maior é manifestar-se como não doador e verificar uma sutil censura de quem quer que seja, pois pela nova lei, o indivíduo é exposto à reprovação, não só do funcionário que o atende na repartição pública, mas sempre que apresentar seu documento em que constará a inscrição “NÃO DOADOR”, que por muitos será traduzido como “EGOÍSTA”. (D’URSO, 1999, p. 56). 
Esse aspecto da antiga redação da norma também já fora criticado pela Câmara dos Deputados, a doação compulsória:
 É relevante destacar que ao ser promulgada a Lei nº 9.434, de 1997, seu art. 4º estabelecia que salvo manifestação de vontade em contrário, presumia-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica ‘post mortem’, e regulamentava o registro de situação de doador ou de não doador na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação. Instituiu-se, assim, abruptamente, uma variante do consentimento presumido que não considerava a vontade dos familiares, o que destoava da prática vigente por décadas no país. Não houve respaldo da sociedade brasileira, e, na prática, nem mesmo da classe médica, pois menos de 2% dos profissionais registraram-se como doadores de órgãos (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004, p. 40).
 Diante disso, a Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001, revogou expressamente o artigo 4º e seus respectivos parágrafos, vedando a doação de órgãos salvo com a autorização da família, como já explicitado. No entanto, a lei ainda possui dispositivos que são alvos de crítica, pois permite em seu art. 9º que pessoas vivas doem órgãos a não parentes desde que haja autorização judicial, e que doem medula óssea a qualquer pessoa sem que haja autorização judicial. Observa-se: 
Foram entrevistadas 100 pessoas no final de 2001: sendo 20 promotores públicos, 20 juízes de Direito, 20 pessoas da população em geral – transeuntes da rodoviária –, 20 pacientes renais crônicos em lista de espera para transplante renal e 20 profissionais da equipe técnica de transplante renal na Universidade de Brasília. Um dos achados mais relevantes da pesquisa foi que todos os grupos entrevistados, incluindo os operadores de Direito – juízes e promotores públicos –, foram enfáticos no sentido de que a exigência de autorização judicial para a realização de transplante com doador vivo não-parente do receptor não representa óbice à comercialização de órgãos. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004, p. 32).
 Ou seja, por mais que a Lei de Transplantes tente obstar o Tráfico de Órgãos em muitos dispositivos, há aqueles que ainda são utilizados para o alcance desse fim, facilitando a prática criminosa. Porém, as críticas não se encerram nesses dispositivos. Talvez o mais polêmico deles, seja o art. 3º, que estabelece como requisito para a remoção de órgãos o diagnóstico de morte encefálica:
 Art. 3º. A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.Em virtude disso, a o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 1.480, de 08 de agosto de 1957, que em seu art. 3º determinou que a morte encefálica deverá ser consequência de processo irreversível e de causa conhecida. Sendo assim, a irreversibilidade do referido processo depende estritamente do contexto da capacidade tecnológica da medicina, o que leva o diagnóstico da morte encefálica a um conceito subjetivo do próprio médico, facilitando a realização de um laudo conveniente à vontade do médico que a diagnostique, podendo ser um facilitador na prática do tráfico de órgãos. Assim assevera o médico Dr. Luis Alcides Manreza, na CPI do Tráfico de Órgãos: 
O Dr. Luis Alcides Manreza esclareceu na CPI que a morte encefálica tem valor de morte clínica, salientando que o conceito de morte relaciona-se ao prognóstico de inviabilidade e de irreversibilidade, dependendo do contexto da capacidade tecnológica da medicina. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004, p. 53).
 Não obstante, é necessário dissociar o conceito de morte encefálica, do conceito de morte cerebral. O cérebro faz parte do encéfalo, e a morte daquele não significa necessariamente a morte deste (CORREA NETO, 2010, p. 4).
 Paralelamente a isso, o CFM publicou a Resolução nº 1.752, de 13 de setembro de 2004, que, considerando a impossibilidade do feto se manter vivo após o nascimento diante da ausência de cérebro, permitiu que diante da autorização dos pais em pelo menos quinze dias antes da data provável do nascimento, fosse realizado o transplante de órgãos do feto sem necessitar da constatação de morte encefálica. Essa Resolução contraria ferozmente a Lei de Transplante e acaba por regulamentar um crime. Sendo, portanto, objeto de crítica:
 Estando o bulbo encefálico funcionando no momento do nascimento, o que facilmente se observa nos casos de anencefalia pela presença de respiração, inexiste a morte encefálica, que é a única situação admitida na Lei de transplantes para a ‘retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante’. No caso de pessoas vivas, a mesma Lei não permite a retirada de órgãos que impeça o organismo do doador continuar vivendo. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2004, p. 49)
 Dessa maneira, o CFM ultrapassou suas atribuições previstas em lei, permitindo a remoção de órgãos de pessoas vivas onde não houve a falência de todo o encéfalo. 
No mesmo ano de publicação da Lei de Transplante, fora publicado o Decreto Regulamentador nº 2.268, de 30 de junho de 1997, que trouxe diversas disposições a respeito do transplante de órgãos e criou o Sistema Nacional de Transplante (SNT) em seu art. 2º e seguintes. O SNT possui como órgão central o Ministério da Saúde, como pode ser observado em seu art. 4º.
 Não obstante, é perceptível o fato de que o SNT é concentrado e centralizado no âmbito federal, tendo o Ministério da Saúde condições para controlar todos os procedimentos de transplante realizados no país. Porém, o Decreto previu também uma forma de desconcentrar as atividades do SNT para o âmbito estadual. Assim foram criadas as CNDO’s (Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos), estando previstas no art. 6º, com atribuições determinadas no art. 7º.
Dessa forma, considerando o comércio de órgãos para fins de transplantes intervivos, além de todas as falhas apontadas na legislação brasileira e no SNT, um fato motivador e preponderante para a prática do Tráfico de Órgãos, é a condição indigna – de miséria – de uma sociedade.
 Não obstante, tem-se, portanto, o conceito de que o crime de Tráfico de Órgãos não ocorre necessariamente de forma esporádica ou espontânea, é um crime que aproveita a condição de vulnerabilidade social alheia para a obtenção de alguma vantagem. Ou seja, é uma verdadeira exploração de outrem. 
O artigo 15 da Lei de Transplantes prevê como crime a conduta de comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, estipulando uma pena de reclusão de três a oito anos e multa de 200 a 360 dias-multas. Além disso, em seu parágrafo único, o artigo determina que incorrem nas mesmas penas as condutas de promover, intermediar, facilitar ou auferir qualquer vantagem com a transação. Sendo assim, de acordo com a redação desse artigo, o sujeito que, por exemplo, vende o próprio rim a outrem, é criminoso também, e não vítima do delito. Diante disso, é necessário saber se esse exemplo é uma hipótese de crime sem vítima, ou sem ofendido. Para tanto, deve-se analisar o sujeito ativo e passivo no delito de tráfico de órgãos. 
A doutrina a respeito desse assunto é extremamente escassa, restando da doutrina clássica do Direito Penal. Para Zaffaroni e Pierangeli: 
Os sujeitos podem ser ativo e passivo. Sujeito ativo é o autor da conduta típica. Sujeito passivo é o titular do bem jurídico tutelado. O sujeito passivo da conduta pode não ser o sujeito passivo do delito; aquele que sofre os efeitos do ardil ou engano no estelionato pode não ser necessariamente o que sofre os efeitos lesivos do patrimônio. (PIERANGELI e ZAFFARONI, 2002, p. 475).
 Em se tratando especificamente sobre o crime de Tráfico de Órgãos, considerando a doutrina clássica, pode-se afirmar que: 
Neste caso o sujeito ativo da ação poderia ser qualquer pessoa. Desde pessoas físicas a funcionários públicos, médicos, enfermeiros, familiares, enfim, qualquer pessoa. O sujeito passivo neste caso poderia ser dois. Se tratarmos do tráfico de órgãos intervivos será a própria pessoa que teve seu órgão retirado, porém se tratar do tráfico de órgão post mortem, será a família do morto. (BUONICORE, 2011, p. 20).
 Tendo em vista que o sujeito passivo do delito é o portador do bem juridicamente tutelado que fora ofendido, e que esse bem tutelado é a dignidade humana, como visto, o indivíduo que vende o próprio órgão nos moldes do art. 15 da Lei nº 9.434/97 é sujeito ativo e passivo do crime ao mesmo tempo. Ou seja, ele comente um crime contra si mesmo. 
Por outro lado, a jurisprudência posiciona-se de forma particular a depender do caso concreto. Na já mencionada “Operação Bisturi”, na qual pessoas aliciadas para venderem seus rins foram indiciadas no art. 15, o Juízo de Primeiro Grau da Sessão Judiciária de Pernambuco considerou que elas ostentavam somente a qualidade de vítima. No referido julgado, o M. M. Juízo entendeu que o consentimento delas para que tivessem seus órgãos removidos era viciado, ante a vulnerabilidade econômica que lhes pertencia (RECIFE, 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, Ação Penal n.º 2004.83.00.1511-2, Juíza Federal: AMANDA TORRES DE LUCENA DINIZ ARAUJO, 2004, p. 11).
 Isso significa que em se tratando de pessoa que vende os próprios órgãos por se encontrar em situação de vulnerabilidade econômica, ausente está o dolo12, o que torna a conduta atípica, pois perde seu elemento constitutivo.
 Assim entende Giovana Buonicore em seu estudo sobre tráfico de órgãos: “(...) especificamente no artigo 15, cabe ressaltarmos que o tipo objetivo será comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do ser humano. Já o tipo subjetivo seria o dolo, a intenção de retirar estes órgãos com o intuito de comercializá-los.” (2011, p. 22).
 Não obstante, além de atípica, o referido julgado entendeu ser a conduta antijurídica com base no artigo 23, I e 24, do Código Penal (RECIFE, 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, Ação Penal n.º 2004.83.00.1511-2, Juíza Federal: AMANDA TORRES DE LUCENA DINIZ ARAUJO, 2004, p. 11).
 E por fim, entendeu que além de atípica e antijurídica, a conduta imputada aos aliciados não se configurava como criminosa. Eis a justificativa: 
(...) a verdadeira mens legis, ao incriminar a conduta de quem vende órgão do próprio corpo, é a de que deve ser responsabilizado aquele que voluntária, livre e conscientemente, estando perfeitamente ciente das conseqüências de seu ato e por iniciativa sua, faz de seu corpo objeto de mercância, "coisificando" a dignidade humana. 
81. No caso em questão, com efeito, as pessoas ora apontadascomo sujeitos ativos do delito de vender partes do corpo, na verdade, são apenas sujeitos passivos da conduta daqueles que compraram seus rins valendo-se do consentimento viciado por eles emitido, o qual, por conseguinte equivale à ausência de consentimento. 12 Entendo como Dolo: “uma vontade determinada que, como qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinado.” (ZAFFARONI apud GRECO, 2008, p. 183). 
82. Tratam-se, pois, de vítimas do tráfico de seres humanos desbaratado no caso, às quais não reservam os ordenamentos jurídicos dos países qualquer punição, mas sim, ao revés, proteção. (RECIFE, 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, Ação Penal n.º 2004.83.00.1511-2, Juíza Federal: AMANDA TORRES DE LUCENA DINIZ ARAUJO, 2004, p. 12).
 Diante disso, é possível concluir que ante a enorme ineficácia do ordenamento jurídico brasileiro ao tutelar a venda de órgãos por parte de vulneráveis, e a omissão deste no tocante ao tráfico de pessoas para fins de remoção de órgãos, o julgador se vê obrigado a não aplicar a lei em sua literalidade com o intuito de não apenar as verdadeiras vítimas do crime.
3. DIGNIDADE HUMANA, LIBERDADE, DIREITO A VIDA
3.1 ENTRE A POBREZA E A ESPERANÇA
O Protocolo também tece acerca da invalidez do consentimento por parte da vítima-doadora na extração de seu órgão, dado o fato de que a mesma se encontra em situação de vulnerabilidade (seja ela social, econômica, étnica, de gênero, etc), tendo que escolher, por exemplo, entre vender um rim ou permanecer na pobreza opressiva. A integridade do corpo daqueles que são mais vulneráveis está sempre sob ameaça. (BELLAGIO TASK FORCE, 1997).
 Segundo a ONU (2013), o TSH/RO pode vir a ocupar um único país. Em geral são enganados com falsas promessas de empregos no exterior sob a perspectiva de melhorar de vida e/ou realizar algum sonho. Quando chegam ao país de destino, sofrem grandes ameaças, por vezes violentas, e extorsão, como dito a pouco e, ainda que se neguem a “doar” o rim, são por vezes dopados, drogados e tem seu órgão retirado à força (UN.GIFT, 2008). 
Tal prática faz uso ainda da migração livre da vítima-doadora, que concorda em viajar pelo engano que sofre porque vê nesta uma oportunidade estratégica de sobrevivência e melhoria de vida. O que às vezes ocorre é que logo descobre que foi enganada e vê-se como um animal encurralado em um lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas falando uma língua que ela não entende.
 No TSH/RO também há relatos de pessoas que foram sequestradas para essa finalidade (UN.GIFT, 2008; UNRIC) e muitos desaparecimentos forçados servem ao tráfico de órgãos. O exemplo dado no início deste capítulo sobre a criança chinesa, que por sorte foi deixada na rua para morrer, demonstra isso. Notase que o tráfico de pessoas constitui uma área cinzenta entre o movimento livre das pessoas entre as fronteiras e o movimento forçado, dado o fato de que elas são levadas a acreditar em sua melhoria de vida e condição social.
 Não é que o tráfico de órgãos seja inexistente. É que, diferente do tráfico de pessoas para o trabalho escravo e prostituição, o comércio de órgãos é um crime 32 não visto. No trabalho escravo ou prostituição, você tem o estabelecimento onde tais práticas ocorrem, pode averiguar as condições, documentos e outras coisas mais. Já a remoção de órgãos é coberta pela roupa e, na maioria dos casos, as vítimas continuam suas vidas de sempre. Os locais das práticas, muitas vezes, são clínicas especializadas e autorizadas e com participação indireta do cirurgião, como foi visto anteriormente, na doação recompensada. Essa invisibilidade é o que torna a afirmação de dados e abordagem de maneira verídica ou certa insuficiente, como apontada no relatório da UNODC.
Os pacientes que aguardam nas filas de espera de transplante no Brasil, devido a insuficiência ou mal funcionamento do seu órgão/tecido dentro do organismo, estão a mercê de uma série de fatores que influenciarão na expectativa de sua sobrevivência. O receptor precisará encontrar um doador compatível com o seu tipo sanguíneo para realizar o transplante, mas isso somente será possível se, respeitada a ordem na fila de espera, não haja outros pacientes que aguardam a mais tempo na fila, ou que estejam em condições mais graves de saúde e que também possuam compatibilidade sanguínea com o doador. Desta forma, além de ser necessário encontrar um doador compatível, é imprescindível que o receptor o encontre a tempo, pois a cada dia que passa o seu órgão perde ainda mais a funcionalidade, diminuindo a sua expectativa de sobrevivência.
 O sistema jurídico brasileiro prevê a inviolabilidade do direito à vida no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, e a defende como um pressuposto para todos os demais direitos:
 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]
Silva (2013, p. 200) explica que a vida “constitui fonte primária de todos os outros bens jurídicos”, e esclarece que “de nada adiantaria a Constituição assegurar outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos”.
Desta forma, no conceito da inviolabilidade do direito à vida como direito fundamental se insere o direito à existência, que é a defesa ao direito de viver e de lutar pela vida. O direito à existência “consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo. É o direito de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável” (SILVA, 2013, p. 200)
Nesse sentido, se questiona sobre o direito de existência do receptor de órgãos e tecidos, sobre o seu direito de lutar pela sobrevivência, independentemente dos meios utilizados. Sendo a inviolabilidade do direito à vida um direito fundamental do cidadão brasileiro, ele tem o direito reconhecido pelo ordenamento jurídico de lutar pela sua vida e garantir a sua existência. Quem lhe priva disso está indiretamente estabelecendo um marco na sua existência, conforme melhor explica Berlinguer (2004, p. 186): 
A expressão “comprar ou morrer” presta-se a afirmar que não há nenhuma outra alternativa: para sobreviver é necessário comprar ou vender. Quem se opõe a isso estabelece um arbítrio contra a liberdade pessoal e nega aos doentes na espera de um transplante a possibilidade de viver.
 Berlinguer e Garrafa (2001) explicam que as consequências de um sistema em que há um grande desequilíbrio entre a demanda e a oferta causam a necessidade de escolher entre comprar ou morrer; ou o doente aceita a imposição da legislação e se sujeita a violação de viver, ou afronta a legislação e compra um órgão, sem observar as consequências do seu ato para os demais. Com isso, se percebe a supervalorização da vida de um indivíduo, que luta pelo seu direito constitucional de garantir a sua existência.
Por outro lado, se tem o princípio fundamental intrínseco a todo ser humano, a dignidade. A dignidade da pessoa humana está elencada no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, representando um valor inerente à pessoa: 
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana [...]. 
A dignidade da pessoa humana é inalienável e indisponível, não admitindo limitações decorrentes de características pessoais, étnicas, religiosas, raciais ou de qualquer natureza. O ser humano, pelo simples fato de existir, possui dignidade, e dela não se disporá, pois mesmo que o indivíduo cometa os mais graves crimes condenados moralmente pela sociedade, ele manterá o seu direito indisponívelà 59 dignidade, que jamais lhe poderá ser retirado, nem mesmo pelo Estado (SARMENTO, 2016).
 O mesmo autor (2016, p. 105) explica que “essa dignidade que impõe a não instrumentalização da pessoa humana. Dela resulta o imperativo de que cada indivíduo seja concebido sempre como um sujeito, e nunca como um objeto”. Portanto, a dignidade da pessoa humana não permite a transformação do corpo em mercadoria, pois este não pode ser tratado como um meio para a realização dos fins da sociedade. Nesse mesmo sentido, Vieira (2017, p. 62) complementa: 
O princípio da dignidade, expresso no imperativo categórico, refere-se substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não como meio para a realização de objetivos de terceiros. A dignidade afasta os seres humanos da condição de objetos à disposição de interesses alheios. Nesse sentido, embora a dignidade esteja intimamente associada à ideia de autonomia, de livre escolha, ela não se confunde com a liberdade no sentido mais usual da palavra, qual seja, o da ausência de constrangimentos. A dignidade humana impõe constrangimentos a todas as ações que não tomem a pessoa como fim.
 Portanto, o ser humano, tendo a dignidade intrínseca em si, não deve se submeter a situações que lhe diminuam, que lhe humilhem ou que, de qualquer forma, lhe reduzam a dignidade, ou que lhe violem o mínimo existencial.
CONCLUSÃO
Depois da exposição feita neste trabalho, espero ter deixado evidente a necessidade de que sejam adotadas medidas repressoras dessa nova forma de criminalidade - cruel e desumana - que submete pessoas a condições de meros objetos apreçados pelo mercado e pelas forças econômicas.
Conclui-se que o tráfico de órgãos humanos se insere no caminho tênue entre a pobreza e a esperança, entre uma maneira de se conseguir um ganho financeiro e sobreviver, ainda que de forma ilegal. Como vimos à disparidade entre o alto número de pessoas em uma fila de espera e o baixo número de doadores disponível acaba por abrir uma fenda para este tipo de crime.
Diante disso, se esbarra na utilização do corpo como objeto, afrontando à dignidade da pessoa humana, uma vez que o indivíduo se torna meio para satisfação das necessidades da sociedade, vendendo-se como se objeto fosse. Neste aspecto, vê-se a utilização da classe baixa como meio para satisfação dos interesses e necessidades das classes altas, tendo em vista que, geralmente, quem vende os seus órgãos são pessoas de baixa renda que não conseguem manter o mínimo existencial para sobrevivência, e acabam sendo persuadidos pelos intermediários a venderem seus órgãos, como forma de enriquecimento rápido, o que não acontece.
É necessário esforço legislativo no sentido de permitir e facilitar a cooperação entre as autoridades policiais dos diversos países. O marco fundamental desta mudança de postura é o Protocolo sobre Tráfico de Pessoas presente na Convenção sobre o Crime Organizado da ONU. Ele precisa ser internalizado pelos países signatários de forma que seus preceitos possam ser tornados eficazes pelas legislações nacionais. A vontade política é fundamental para que os instrumentos e mecanismos dessa cooperação internacional se tornem possíveis. Portanto, deve-se fazer com que as autoridades saibam que o tráfico de seres humanos não é fantasia e, sim, uma realidade que traz prejuízos econômicos e morais para todos os povos e que precisa ser combatida de forma firme pelos governos mundiais.
Além dessas medidas políticas repressivas, é essencial que sejam realizadas medidas preventivas. Isso porque a ignorância das vítimas é a principal arma dos traficantes; mesmo que persistam as condições sociais e econômicas precárias, a posse de informação por parte de possíveis vítimas tornará mais difícil para os criminosos obter seus objetivos. Para isso é necessário que programas de conscientização e de atendimento a vítimas e potenciais vítimas sejam postos em prática de modo amplo e permanente.
Como não há outras formas de resolver o problema a curto prazo, é necessário que o governo, representado pelas associações responsáveis, promova o incentivo às doações de órgãos post mortem, pois somente com esse tipo de iniciativa que o Brasil alcançará o equilíbrio entre a oferta e a procura por órgãos, minimizando assim o tráfico de órgãos.
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