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8. Autonomia privada e consentimento informado
  2 AUTONOMIA PRIVADA E CONSENTIMENTO INFORMADO
O poder de autodeterminação do paciente na área médica/biológica é tratado como “consentimento informado”, no campo jurídico utiliza-se as expressões “autonomia privada” ou “autonomia da vontade”.
 A autonomia privada constitui-se, portanto, em uma esfera de atuação do sujeito no âmbito do direito privado, mais propriamente um espaço que lhe é concedido para exercer a sua atividade jurídica. Os particulares tornam-se, desse modo, e nessas condições, legisladores sobre seus próprios interesses.
 Tem-se então o indivíduo tendo o poder de “legislar” sobre os seus próprios interesses no âmbito do direito privado, mas como este deve manifestar sua autonomia privada enquanto paciente em uma relação médico/paciente?
 Exercer a autonomia privada a fim de produzir efeitos jurídicos exige do indivíduo o cumprimento de requisitos de validade especiais, quais sejam: informação, discernimento e ausência de condicionadores externos diretos.
  Pelo requisito da informação, o paciente tem o direito de no momento de emitir sua decisão estar esclarecido do diagnóstico, do tratamento adequado e de seus efeitos positivos e negativos. Salientando que a informação deve ser acessível e dialógica, não tendo apenas caráter de informação.
 Acerca do discernimento, necessário se faz que o paciente seja capaz de compreender a situação em que se encontra, podendo este estabelecer diferença, distinguir e fazer apreciação do caso.
 A ausência de condicionadores externos diretos reflete que a vontade deve ser livre, não comportando qualquer vício, sejam eles sociais ou do consentimento.
 A intervenção médica também deve observar algumas condições pautadas na autonomia privada no paciente:
 a) o paciente, o representante ou o responsável precisa ser informado do diagnóstico, da evolução da enfermidade, das alternativas de tratamento, seus riscos, benefícios e possíveis sequelas;
b) a intenção do agente de saúde voltar-se-á para uma finalidade positiva, devendo os efeitos positivos da intervenção ser proporcionalmente superiores aos efeitos negativos;
c) a técnica interventiva terá de ser imprescindível, não podendo ser substituída por outra com menos efeitos negativos.
 O consentimento informado é o elemento central da relação médico/paciente, e o Código de Ética Médica (Resolução 1.931/2009) proíbe o médico de:
 Art. 22. Deixar de obter consentimento informado do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
 Assim, o médico deve sempre agir com cautela, respeitando o paciente e à sua família, sendo vedado a este deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, excetuando da comunicação direta apenas quando esta puder causar dano ao paciente, caso em que deverá comunicar ao seu representante legal.
 2.1 Objeção de consciência a tratamento médico
Poderia o médico deixar de proceder à transfusão de sangue em paciente Testemunha de Jeová? Deveria ou não respeitar sua vontade, em se tratando de pessoa maior e capaz? Acaso procedesse a transfusão, poderia ser responsabilizado por danos a integridade psicofísica do paciente? Poderia ser condenado por ter respeitado a vontade do paciente?
 
Diante das questões propostas deve salientar que o respeito a autonomia privada do paciente deve ser estendido aos seus valores religiosos, morais e familiares, que não podem ser desconsiderados pelos profissionais da área médica.
 Em se tratando de pessoas maiores e capazes é possível a objeção à transfusão de sangue desde que essa manifestação seja expressa, devendo o médico neste caso cientificá-lo das consequências que tal atitude pode causar à sua vida. Diante da falta de manifestação ou documento que prova a objeção, o ato deve ser praticado.
 Tal entendimento encontra respaldo no fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, no princípio da liberdade e na seara dos direitos da personalidade.
 A questão se mostra tortuosa quando estamos diante da objeção de consciência por parte de incapazes, situação em que pais que professam religiões que proíbem transfusões de sangue impedem a realização desta em seus filhos. Nestes casos seguindo o entendimento de Sá e Naves deve-se proteger o melhor interesse da criança, garantindo-lhe a vida, cabendo ao médico realizar os procedimentos com ampla liberdade e independência.
 A Recomendação 1/2016 do CFM defende que a conduta do médico já não pode limitar-se à constatação de risco de morte para transfundir sangue compulsoriamente, mas precisa levar em consideração as recentes alternativas disponíveis de tratamento ou a possibilidade de transferência para equipes com profissionais treinados em tratamentos através de substitutos do sangue
 
 
 9. Dados genéticos humanos
 2 DADOS GENÉTICOS HUMANOS
Ao propormos na aula de hoje o debate biojurídico dos dados genéticos humanos, colocamos em pauta mais uma vez a dignidade da pessoa humana. Ao tratar de identidade genética tem-se o fundamento biológico de cada ser humano, todos temos uma correspondência de genoma irrepetível, uma identidade pessoal.
 Relacionado à identidade pessoal de cada um, pode-se saber a origem genética, a verdade sobre a própria progenitura, saber sobre diagnósticos e prognósticos de doenças, fatores que influenciam na formação do indivíduo e em sua dimensão de liberdade.
 O direito à intimidade genética é construído com base no principio constitucional da intimidade, que denota do direito de determinar as condições de acesso às informações pessoais do indivíduo e nos direitos da personalidade, considerados necessários, vitalícios, indisponíveis, extrapatrimoniais e intransmissíveis. Nessa seara, Sá e Naves propõem as indagações: quem seriam os sujeitos ativos do direito à intimidade genética? Realizada a pesquisa com o consentimento do sujeito ativo, e se este recusar saber a verdade? O direito de não saber dos resultados das pesquisas afigura-se direito personalíssimo, devendo, portanto, ser sempre respeitado? O que fazer se o indivíduo se nega a conhecer o resultado da pesquisa e ainda não permite que se disponibilize a informação aos familiares que poderiam se ver afetados?
 Todos esses problemas biojurídicos surgiram com a possibilidade do conhecimento das informações genéticas trazidas a partir da década de 1990 com o Projeto Genoma Humano (PGH), que possibilitou o mapeamento, sequenciamento e descrição do genoma humano.
 Com o surgimento das tais informações conflitos e dúvidas vem surgindo no âmbito jurídico e não encontram respaldo legal para sua resolução. No Brasil as legislações que abordam especificamente os dados genéticos são a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 340/2004, aos sujeitos de pesquisa deve ser oferecida a opção de escolher entre serem informados ou não sobre o resultado de seus exames. Os dados genéticos resultantes de pesquisas associados a um individuo identificável não poderão ser divulgados a nem ficar acessiveis a terceiros notadamente a empregadores, empresas seguradoras e instituições de ensino. O individuo não pode ser escolhido ou preterido por conta de caracteristicas genéticas, estas não podem ser critério que defina oportunidades e deveres que estabelece normas para pesquisas genéticas com seres humanos, e a Lei 12.037/2009 que dispõe sobre a identificação criminal e que esta poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. Dados constantes dos bancos de dados de perfis genéricos terão caráter sigiloso , as informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado
No âmbito internacional já é possível identificar legislações específicas sobreos dados genéticos humanos. Um dos marcos da normatização jurídica sobre o assunto é a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, de 1997, que preocupada com possíveis discriminações estabelece a necessidade de se garantir o respeito à dignidade e aos direitos humanos, independente das características genéticas do indivíduo.
 Outro documento de ordem internacional é a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos, de 2003. Mais específica do que a anterior, esta traz e definição e alcance de certos termos e adverte que as características genéticas não são capazes de descrever por completo e identidade pessoal, que é composta por fatores complexos.
 2.1 Identidade genética
O conceito de identidade genética diz respeito ao genoma de cada ser humano e o direito à identidade afigura-se como o direito à diferença, sendo vedado como já vimos na aula de clonagem, a repetibilidade programada e alteração dessa base biológica.
 A identidade biológica compõe um dos vários elementos que definem a pessoa humana, atuando como substrato e não como fator final de sua definição. Os dados genéticos são capazes de identificar os indivíduos, revelar enfermidades e informações sobre parentesco.
 2.2 Intimidade genética
O poder de autodeterminação do indivíduo pautado no reconhecimento da autonomia privada também deve ser analisado para o controle dos dados genéticos e a tomada de decisão após sua coleta. Sendo os dados genéticos geracionais, as informações obtidas através destes podem ser úteis para terceiros, mas a revelação destes sem prévia e expressa concordância do sujeito pesquisado figura como afronta à intimidade do indivíduo, assim a intimidade individual atinge o nível genético.O direito à intimidade genética “pode ser definido como o direito de determinar as condições de acesso à informação genética ”.
 O direito à intimidade é garantido na CF/88 pelo disposto no inciso X do artigo 5º e também a Resolução 466/2012 do CNS protege a confidencialidade e a privacidade de qualquer pesquisa que envolva seres humanos, ao dispor: 
III.2 – As pesquisas, em qualquer área do conhecimento envolvendo seres humanos, deverão observar as seguintes exigências:
i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a proteção da imagem e a não estigmatização dos participantes da pesquisa, garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das comunidades, inclusive, em termos de autoestima, de prestígio e/ou de aspectos econômicos-financeiros.
 De maneira ainda mais restrita a Resolução 340/2004 também do CNS se volta especificamente para a proteção dos dados genéticos.
III.4 – Aos sujeitos de pesquisa deve ser oferecida a opção de escolher entre serem informados ou não sobre resultados de seus exames.
III.11 – Os dados genéticos resultantes de pesquisas associados a um indivíduo identificável não poderão ser divulgados nem ficar acessíveis a terceiros, notadamente a empregadores, empresas seguradoras e instituições de ensino, e também não devem ser fornecidos para cruzamento com outros dados armazenados para propósitos judicias ou outros fins, exceto quando for obtido o consentimento do sujeito da pesquisa.
O direito de não conhecer os resultados apresenta problemas na ordem jurídica no momento em que as informações não forem de interesse apenas do indivíduo pesquisado, mas também de seus familiares. Como fundamento para resolver tal embaraço seguimos o entendimento de Sá e Naves que afirmam que os dados genéticos obtidos nas pesquisas pertencem a pessoa pesquisada, mas o direito de acesso aos dados genéticos e o direito à intimidade não são absolutos, assim, diante do caso concreto e resguardada as devidas peculiaridades, pode haver razão para que a informação seja disponibilizada á família.Indo além do problema suscitado de acesso aos dados genéticos a familiares tem-se ainda a necessidade de sigilo para empregadores, seguradoras e instituições de ensino, como preceitua a determinação III.11, estes não podem valer-se de tais dados para critérios de seleção, pois estaríamos diante da discriminação genética.
 O indivíduo não pode ser escolhido ou preterido por conta de características genéticas, estas não podem ser critério que defina oportunidades e deveres. Por isso há que se regular o uso abusivo e indiscriminado do direito ao conhecimento da identidade genética, prática que traz inúmeros benefícios mas também pode figurar como ofensa a direitos personalíssimos do indivíduo.
 A aula de hoje ainda que nos apresente conceitos extremamente técnicos da genética, do confronto destes com os princípios jurídicos, nos leva ainda a uma reflexão muito maior, a partir da identidade genética é possível nos perguntar quem realmente somos? E se entendêssemos verdadeiramente nossas origens, de onde e de quem viemos, que somos seres plurais, formados por diferentes povos, de diferentes nacionalidades, muitos dos discursos de ódio, preconceitos e discriminações existentes se anulariam.
 
DIREITO AO CORPO COMO EXPRESSÃO DA DIGNIDADE
Na aula de hoje retomamos conceitos estudados na disciplina de Direito Civil Parte Geral para problematizar as questões biojurídicas. Compreender o direito ao próprio corpo como expressão da dignidade humana será essencial para que possamos avançar na disciplina e discutir os temas das próximas três aulas, que tratará de transexualidade, mutilações corporais voluntárias e doação de órgãos e tecidos.
 Quando estudamos direitos da personalidade compreendemos que o indivíduo exerce direito sobre o seu próprio corpo – direito à proteção de sua integridade física e o direito de dispor de seu próprio corpo – consubstanciando uma manifestação concreta da personalidade humana. O direito ao próprio corpo é fundamental e personalíssimo, pois este é o “instrumento pelo qual a pessoa realiza a sua missão no mundo fático”.
 Na defesa da personalidade humana o corpo humano em sua integridade deve ser preservado e protegido na órbita jurídica, o que não quer dizer que deva sofrer limitações em prol da ditadura de uma maioria, é o que sustenta Vianna ao afirmar: 
 
O direito ao próprio corpo ainda está longe de ser conquistado e reconhecido como um direito fundamental da pessoa humana. As normas limitando a autonomia dos corpos estão por todas as partes: limitações à sexualidade, ao uso de drogas psicotrópicas, à liberdade de expressão e até mesmo à vida e à morte. Tudo em nome de um suposto bem maior: a coletividade. A maioria destas normas de regulação dos corpos, porém, não evita que haja lesão a direito alheio, mas tão somente impõe um modelo de conduta que a maioria julga adequado. Ao tratar das liberdades individuais, estas só podem ser limitadas se o exercício de uma determinada autonomia provocar dano a outrem. Diante disso, pessoas maiores e plenamente capazes deveriam ser livres para utilizar e dispor de seus corpos, desde que essas ações não prejudiquem aos outros.
O Código Civil em seu art. 13 dispõe sobre os atos de disposição do próprio corpo, que salvo por exigência médica, são vedados quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Assim, dispor do próprio corpo é permitido desde que não inviabilize a vida, a saúde ou importe em deformação permanente, ou ainda, que não atente aos princípios que norteiam a vida em sociedade, os bons costumes.
 O regramento estaria em consonância com nossa realidade se não dispusesse do trecho “contrariar os bons costumes”, mas o que são bons costumes? Qual a finalidade de se dispor de corpos próprios quando estas ações não atingem a terceiros e nem inviabilizam a vida ou a saúde do indivíduo?
 No campo da sexualidade é que se percebem as maiores limitações jurídicas sobre os corpos em nome dos bons costumes. O Código Penal em seu artigo 217-A dispõe que se um garoto ou garota de 13 anos mantiver relação sexual consensual com um homem/mulher maior de 18 anos (uma prostituta, por exemplo), este poderá ser condenado a uma pena que varia de 8 a 15 anos.
 Na mesma seara,manter casa de prostituição também é crime com pena de 2 a 5 anos (art.229 CP), mais uma inconveniente regulação do corpo de pessoas “maiores e capazes que deveriam ter o direito de dispor do seu próprio corpo da forma que considerassem mais conveniente”.
Vivenciamos em nosso ordenamento legislações ainda bem conservadoras e tribunais que se mostram moralistas quando da aplicação do Direito sobre questões que versam sobre a liberdade dos corpos e as práticas sexuais minoritárias.
 Vianna exemplifica a questão ao discorrer sobre decisão do Tribunal de Justiça de Goiás (Ap. 25220-2/213) que absolveu um acusado de violentar outro homem ao sob o argumento de que a violência teria ocorrido em uma prática de sexo grupal. Dentre os fundamentos para tal decisão está a informação que “a prática de sexo grupal é ato que agride a moral e os costumes minimamente civilizados. Se o indivíduo, de forma voluntária e espontânea, participa de orgia promovida por amigos seus, não pode ao final do contubérnio dizer-se vítima de atentado violento ao pudor” (hoje estupro). Vê-se que o tribunal negou o direito à liberdade sexual àqueles que optam por práticas sexuais moralmente reprováveis pela maioria.
 Outras questões também tratada por nossas legislações dão pouca, ou quase nenhuma liberdade aos interessados em dispor do próprio corpo, tais como aborto, eutanásia, esterilização.
 
Conforme anteriormente dito, se a conduta do indivíduo não causa lesão ou risco a direitos alheio há que ser proibida, e diante disso há que se lutar pela “libertação dos corpos das normas impostas pelo arbítrio da maioria”.
 
11. Transexualidade: uma questão de identidade gênero e de direito
 
2 TRANSEXUALIDADE: UMA QUESTÃO DE IDENTIDADE DE GÊNERO E DE DIREITO
 “Não havia um objeto a ser enfrentado para prosseguir minha estranha caminhada existencial. Percebi, então, que o sem sentido e o sem valor da minha angústia me tornava um estrangeiro neste mundo tão cheio de categorias. A ironia era precisar de um rótulo, do que todos tentam fugir”. 
 Os temas ligados a sexo, sexualidade e gênero permeiam a discussões jurídicas em diversas áreas do Direito e no biodireito não seria diferente, por isso na aula de hoje vamos falar de identidade de gênero! Para se chegar a temática da transexualidade que é o tema proposto na discussão biojurídica, partiremos da desconstrução de alguns conceitos e na análise das possibilidades jurídicas pertinentes ao tema.
 2.1 Definição de sexo biológico, gênero e orientação sexual
Embora em nossa sociedade grande parte da população englobe em uma só definição sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual, a diferenciação destes se mostra primordial para a análise da transexualidade no campo do biodireito.
 a) sexo biológico: é constituído por características fenotípicas (órgãos genitais, barba, mama, etc) e genotípicas (gene masculino XY e feminino XX). Diz respeito as características biológicas do indivíduo.
b) orientação sexual: ligado a atração, é o gênero pelo qual o indivíduo se sente atraído físico e/ou emocionalmente.
c) identidade de gênero: se refere ao gênero com que a pessoa se identifica. O processo que localiza o sujeito no mundo a partir das diferenças de sexo.
d) gênero: elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e é uma forma primária de dar significado as relações de poder.
2.2 Noção de transexualidade
Ao conceituar e diferenciar sexo biológico, orientação sexual e identidade de gênero percebe-se que a sexualidade humana vai além da seara biológica, mostra-se uma construção cultural que abarca aspectos biológicos, psíquicos e comportamentais.
 O direito à identificação sexual se insere no campo dos direitos da personalidade e a transexualidade pode ser entendida como uma condição de desacordo entre o sexo anatômico (biológico) e o sexo psicológico. O transgênero é aquele que transcende as definições convencionais de homem e mulher, indo contrário às normas sociais associadas ao seu sexo biológico e divergindo do seu gênero de nascimento.
 A Organização Mundial da Saúde (OMS), em sua Classificação Internacional das Doenças (CID), ainda considera a transexualidade como um transtorno mental de identidade de gênero. Porém, pesquisas atuais vêm sendo realizadas no México, Brasil, França, Índia, Líbano e África do Sul, demonstrando que mudanças na identidade de gênero não são doenças, tais discussões devem ser apresentadas em 2018 na 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da OMS, que servirá como referência médica para os países membros.
 As pesquisas demonstram que as questões psiquiátricas na população transexual são produto da violência e discriminação que sofrem e não, como se classifica atualmente, produto da sua transexualidade.
 Não existe um consenso na literatura da área sobre as causas da transexualidade. Especialistas defendem como uma condição neurológica, podendo inclusive estar ligada a algum fator genético. Na vanguarda, a França já retirou o transexualismo da lista de transtornos mentais desde 2010, tal tendência deve ser seguida por outros países com a revisão da CID.
 Os critérios diagnósticos para Transtorno de Identidade de Gênero são advindos da Classificação Internacional de Transtornos Mentais e de Comportamento da Organização Mundial de Saúde, a qual o Brasil é filiado, sendo este o documento que necessariamente deverá ser seguido em nosso país nas avaliações médicas oficiais.
 Ainda hoje, por ser a transexualidade considerada um transtorno mental no Brasil as diretrizes diagnósticas revelam que a identidade transexual deve ter estado presente persistentemente por pelo menos dois anos e não deve ser um sintoma de “um outro” transtorno mental, tal como uma esquizofrenia, nem estar associada a qualquer anormalidade intersexual, genética ou do cromossoma sexual.
 A Resolução CFM nº 1.955/2010 dispõe sobre os critérios mínimos a serem adotados para a definição da transexualidade a fim de tratamentos médicos, quais sejam:
 a) Desconforto com o sexo anatômico natural;
b) Desejo expresso de eliminar genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;
c) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;
d) Ausência de transtornos mentais.
 A transexualidade pode ser analisada por diferentes meios, que não se anulam mas devem se complementar, considerada por critérios médicos, genéticos, biológicos, jurídicos, sociais, comportamentais, psicológicos e dentre outros, a luta pela sua despatologização é necessária diante dos preconceitos que sofrem essa população por divergirem do padrão único e binário imposto pela sociedade.
 Para um transexual, não há possibilidade de "melhora" ou de deixar de sentir-se parte do sexo oposto mediante um tratamento psicológico/psiquiátrico. O acompanhamento psicoterápico, quando necessário, serve para entender as manifestações deste conflito de identidade de gênero e aprender a lidar com o quadro buscando minimizar o sofrimento psíquico.
2.3 Possibilidade jurídica de cirurgia e seus reflexos
O direito a integridade do indivíduo denota-se do direito da personalidade, e este possui um caráter unitário que engloba a integridade física e a psíquica. Diante de tal entendimento a cirurgia de redesignação sexual não tem caráter destrutivo, mas sim corretivo, garantindo àquele que se propõe a realiza-la o livre desenvolvimento de sua personalidade, adequando o sexo biológico/morfológico ao sexo psíquico. Diante da complexidade do procedimento médico, todos os exames devem ser procedidos para que não se tenha dúvidas sobre a transexualidade do paciente. A Resolução CFM nº 1.955/2010 estabelece que a seleção dos pacientes para cirurgia de redesignação sexual obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:a)Diagnóstico médico de transgenitalismo;
b)Maior de 21 (vinte e um) anos;
c)Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.
 No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a Portaria 2.803/2013 define o Processo Transexualizador como um procedimento garantido pelo SUS e estabelece as diretrizes do procedimento.
 Para a pessoa trans realizar a cirurgia de redesignação sexual não é necessário autorização judicial, visto que esta carece de exames médicos e psicológicos, não cabendo ao juiz examinar tais aspectos. Após a cirurgia, aspectos jurídicos deverão ser avaliados, tais como alteração do registro civil.
2.4 Registro Civil 
Realizada a cirurgia de redesignação sexual o transexual se depara com um prenome e gênero inadequado em seu registro civil, visto que estes não mais condizem com seu sexo biológico/morfológico, agora já adequado ao sexo psíquico.Apesar da alteração não resguardar respaldo expresso na legislação vigente, doutrina e jurisprudência já vem adotando posicionamento que garante a possibilidade de livre desdobramento da personalidade, assim procedendo a retificação do prenome e a modificação do gênero em casos de cirurgia de redesignação sexual.
Divergência ainda existe acerca da anotação a ser feita no registro informando que se trata de averbação, em nosso entendimento tal ato incentiva a discriminação, devendo o ordenamento se valer de outros meios para garantir direitos de terceiros, desde que este não acarrete a exposição da pessoa. Este também foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1008398/SP:
Entendeu a Ministra Nancy Andrigui que fazer constar a observação sobre a alteração sexual na certidão implicaria na exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. Ressaltou, ainda, que a tendência mundial é de adequar juridicamente a realidade do transexual.
Indo além da possibilidade de alteração do registro civil em casos de cirurgia de redesignação sexual e pautado na ideia de que a transexualidade não se fundamenta unicamente na questão do sexo biológico/morfolófico, o STJ em decisão inédita em 09/05/2017, concedeu o direito dos transexuais à retificação do prenome e do sexo/gênero no registro civil não condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização.
O entendimento firmado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu o pedido de modificação de prenome e de gênero de transexual que apresentou avaliação psicológica pericial para demonstrar identificação social como mulher. Para o colegiado, o direito dos transexuais à retificação do registro não pode ser condicionado à realização de cirurgia, que pode inclusive ser inviável do ponto de vista financeiro ou por impedimento médico.
No pedido de retificação de registro, a autora afirmou que, apesar de não ter se submetido à operação de transgenitalização, realizou intervenções hormonais e cirúrgicas para adequar sua aparência física à realidade psíquica, o que gerou dissonância evidente entre sua imagem e os dados constantes no registro civil.
As questões jurídicas dos transexuais são muitas, além das expostas temos o uso do nome social, a utilização de banheiro público, a carência de legislação específica, a criminalização da transfobia, e muitos outros pontos que visam garantir a dignidade de vida destes.
 
 
2 MUTILAÇÕES CORPORAIS VOLUNTÁRIAS
Conforme viemos estudando desde o início do semestre, diante dos constantes avanços biotecnológicos e medicinais que ocasionam diferentes meios de alteração da estrutura física do indivíduo, sejam estas de forma benéfica ou maléfica, a integridade física tem hoje relevante e importante proteção jurídica.
 Pela previsão trazida no artigo 13 do Código Civil brasileiro, salvo por exigência médica, é vedado o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
 Ao utilizar “bons costumes” o legislador apresenta um termo aberto e incompatível com a sociedade atual e com a ordem constitucional vigente. A disposição de partes do corpo em vida pode acontecer quando a pessoa for juridicamente capaz, ocorrendo de forma gratuita, para fins terapêuticos ou transplante, mas este será o tema da nossa próxima aula, hoje vamos nos ater a dois grupos de pessoas, os apotemnófilos, ou wannabes, pessoas que desejam suprimir uma parte do seu próprio corpo, e aqueles que praticam bodymodification, que se caracteriza pela realização de modificações extremas e permanentes no corpo, de modo a transformá-lo visível e definitivamente.
Entre os procedimentos frequentemente identificados de bodymodification, estão a escarnificação, pela promoção de cicatrizes em forma de desenhos na pele, por meio de cortes com a retirada da pele; a bifurcação da língua, pela respectiva divisão em duas partes, de modo a conferir-lhe aspecto semelhante à de um lagarto ou cobra; implante de objetos de formatos e materiais variados sob a pele; nulificação, remoção de partes do corpo ou de membros inteiros; e o branding, aplicação de metal aquecido na pele a fim de provocar queimadura e consequente cicatrização.
 Diferente destes são os apotemnófilos, ou wannabes, estes são indivíduos que, embora tenham o corpo saudável, acreditam que parte dele (geralmente um membro) não são compatíveis com o próprio corpo, com sua imagem e por isso o rejeitam. Como parte do processo de rejeição os wannabes buscam a amputação daquela parte do corpo que não identificam como parte de si para que então se reconciliem com sua imagem física.
 Apesar da similaridade dos wannabes com os transexuais que desejam a cirurgia de redesignação sexual, tema de nossa última aula, aqueles tem características específicas que os afastam das questões de gênero.Inicialmente cabe salientar que ao contrário do transtorno de identidade sexual, a apotemnofilia ainda não possui suas causas e tratamentos cientificamente determinados, e a redesignação é uma exceção à disposição do próprio corpo, devendo assim ser interpretada restritivamente. Já a apotemnofilia ainda não possui tratamentos testados e comprovados, nem há estudos que comprovem esse distúrbio.
 Outra questão a ser levantada que diferencia o tratamento dado aos wannabes é que a cirurgia de redesignação sexual embora importe em diminuição permanente da integridade física, não transforma o indivíduo em pessoa com deficiência, o que acarretaria aos wannabes no caso de amputação de um membro. Neste caso o indivíduo amputado voluntariamente seria considerado uma pessoa com deficiência e, como tal, gozaria do amparo de um sistema protetivo e promocional de direitos das pessoas com deficiência.
 Porres e Rodriguez criticam os excessos cometidos na busca de se preservar a todo custo a liberdade (ou autonomia) e o desinteresse em se promover a educação para que cada um seja capaz de estabelecer limites adequados e normas razoáveis para sua vida. Nesse sentido questiona-se se a realização de uma cirurgia de amputação em wannabes, mesmo após um período de acompanhamento terapêutico deste, não seria uma hipótese de supervalorização da autonomia privada?
 A apotemnofilia e os wannabes precisam ainda de estudados científicos para serem compreendidos, e a partir disso buscar tratamentos adequados que permitam que os profissionais da saúde trabalhem com estes, agindo de acordo com os princípios bioéticos, tais como beneficência e não maleficência. Quanto aos praticantes de bodymodification, as modificações para serem toleráveis, devem ser realizadas sob a égide do direito ao corpo e da liberdade, exercendo o direito que lhe é devido, estando a licitude destes estabelecida pelos limites descritos em lei, não podendo admitir-se a prática quando diminui permanentemente a integridade física do indivíduo.
 13. Doação de órgãos e tecidos
  DOAÇÃO DE ÓRGÃOS E TECIDOS
A Lei nº 4.280 de 1963 foi primeiro dispositivo legal do ordenamento brasileiro que discorreu acerca da destinação dos órgãos e tecidos, abrindo a possibilidade de dispor partes do corpo morto, desde que houvesseautorização escrita do de cujus ou não oposição do cônjuge sobrevivente, ou parentes de até segundo grau, ou até mesmo de corporações religiosas ou civil responsáveis. Posteriormente, a Lei nº 5.470 de 1968, avançou quando permitiu que pessoa absolutamente capaz pudesse dispor de órgãos e tecidos, entretanto esta não foi regulamentada, gerando assim obstáculos para a aplicação.
 A Constituição Federal de 1988, artigo 199, § 4º, dispôs as condições e requisitos para retirar órgãos, tecidos e substâncias humanas vedando sobre estes qualquer tipo de comercialização.
 O Código Civil, em seu artigo 13, parágrafo único, dispõe:
 Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
 Em 5 de fevereiro de 1997 foi publicada a Lei nº 9.434, modificada pela Lei nº 10.211/01, que regulamenta a doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
 A atual redação, dada pelas alterações trazidas pela Lei nº 10.211/01, permite a disposição gratuita dos tecidos, órgãos e partes do corpo humano em vida ou após a morte, para realizar transplante ou tratamento, entretanto o sangue, esperma e óvulos não estão compreendidos. Tal exclusão deve-se ao fato destes terem regulamentação própria.
 Dentre as alterações propostas está a supressão da indicação no documento de identificação (RG) se a pessoa era doadora ou não, preservando assim seus direitos constitucionais. Determinou também que a autorização, em relação aos incapazes, fosse realizada de forma expressa por ambos os pais, ou responsáveis legais; vedou a retirada de órgãos e tecidos de pessoas não identificadas e determinou que nos casos de óbito sem assistência médica, ou em decorrência de causa mal definida, a remoção pode ser feita desde que haja autorização do patologista do serviço de verificação de óbito.
 O transplante de órgãos é um tratamento que consiste na substituição de um órgão ou de um tecido doente de uma pessoa por outro sadio, doado por uma pessoa viva ou falecida. O transplante pode oferecer a cura de uma doença ou quando esta não possibilitar, poderá controlar uma doença sobre a qual não se tinha controle.
 A doação de órgãos é negócio jurídico caracterizado pela disposição gratuita “post mortem” ou “inter vivos” de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com exceção do sangue e gametas, configurando-se uma transmissibilidade excepcionada de direitos da personalidade.
 2.1 Modalidades de doação
Por transplante pode-se entender a retirada de um órgão com função própria de um organismo para instalar em outro, a fim de que exerça neste as mesmas funções originais. Assim, há quatro espécies de transplantes: 
a) xenotransplante: utiliza-se órgão ou tecido de outras espécies para substituir o do ser humano;
b) autotransplante: o doador e o receptor é a mesma pessoa, extirpando órgão e tecido de uma parte do corpo para posterior implantação em outra;
c) isotransplante: o doador e o receptor possuem características genéticas idênticas, como os gêmeos univitelinos, apresentando maior grau de compatibilidade;
d) alotransplante: método mais comum de transplante, no qual doador e receptor são da mesma espécie, mas não possuem características genéticas idênticas.
 2.3 Disposição post mortem de tecidos, órgãos e partes do corpo para fins de transplante
Na doação de órgãos e tecidos post mortem é imprescindível o diagnóstico da morte encefálica, conforme disposto pela Resolução nº 1.480/97 do Conselho Federal de Medicina, devendo tal morte ser declarada por médicos que não participem da equipe de remoção e transplante, bem como ser comunicada pela instituição hospitalar à Central de Notificações, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) de seu estado. Entende-se como morto o indivíduo que apresenta cessação irreversível das funções cardíaca e respiratória ou cessação irreversível de todas as funções do encéfalo, incluindo o tronco cerebral. 
Os laudos dos exames alusivos ao diagnóstico de morte encefálica e aos os procedimentos cirúrgicos referentes ao transplante devem permanecer nos arquivos da instituição por no mínimo cinco anos.
 Para realizar a doação, é necessária a autorização da família do de cujus, correspondente ao cônjuge ou parente maior de idade, obedecendo a linha sucessória, ou colateral até o segundo grau, por meio de documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte, bem como a aceitação pelo receptor. É considerada idônea qualquer manifestação de vontade escrita do doador a respeito de disposição de seus órgãos e tecidos após a morte, devendo a família ou cônjuge autorizá-la quando da omissão do falecido. Este é um ponto relevante, pois é imprescindível que o doador, em vida, informe sua família sobre sua intenção de doar, facilitando o trâmite de doação e deixando a família psicologicamente preparada para lidar com a questão.
 2.4 Disposição de tecidos, órgãos e partes do corpo humano vivo para fins de transplante e tratamento
A doação de órgãos inter vivos é permitida com relação aos órgãos duplos, ou partes renováveis do corpo que não comprometam a vida ou integralidade física do doador, devendo este ser capaz, gratuitamente e com fins terapêuticos ou para transplante em cônjuge, parentes consanguíneos até o quarto grau, ou em qualquer pessoa mediante autorização judicial, salvo no caso da medula óssea.
 Neste tipo de doação a capacidade do doador deve ser manifestada por seu consentimento expresso, exigência decorrente do princípio da autonomia privada. O doador deve autorizar expressamente e especificar qual órgão ou tecido será doado, podendo revogar tal autorização a qualquer tempo, já o incapaz com compatibilidade imunológica comprovada poderá fazer doação de medula óssea mediante autorização de ambos os pais ou representante legal com autorização judicial. Mulheres gestantes possuem o mesmo tratamento que o incapaz, podendo realizar apenas o transplante de medula óssea, desde que não traga riscos à sua saúde e do feto. O autotransplante também é possível, desde que haja consentimento do paciente ou de seus pais ou representante legal se for incapaz.
 2.5. Lista única de espera
O sistema de lista única é organizado pela Secretaria de Saúde de cada estado, podendo ser nacionais e regionais. Entretanto, a distribuição dos órgãos e tecidos tem caráter estadual e, na hipótese de um órgão ser captado mas não ser transplantado no estado de origem, é verificada a existência de um receptor compatível na região. Em caso negativo, o órgão é disponibilizado na fila nacional de espera.Por meio do Decreto nº 2.268/97, criou-se o Sistema Nacional de Transplante, o qual se submete ao Ministério da Saúde, com competência para captar e distribuir órgãos, coordenando os transplantes e promovendo a inscrição de pacientes em potencial para receber mencionados transplantes.A lista única possui indicações necessárias para localizar rapidamente o receptor e verificar a compatibilidade, de acordo com a ordem de inscrição na lista para cada tipo de órgão, tecido ou parte do corpo, podendo ser desrespeitada caso os exames apontem incompatibilidade entre doador e receptor. As listas se diferenciam de acordo com o órgão ou tecido, por exemplo, para córnea (tecido) a lista é única, e a posição em lista obedece a data de cadastramento do paciente junto à Central de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos, já para os órgãos sólidos (rim, fígado, coração, pulmão e pâncreas) a lista de espera é subdividida conforme os grupos sanguíneos (A, B, AB e O).Diante do número de pessoas que aguardam um órgão e até falecem a espera de um transplante, surgiu um mercado negro de comercialização de órgãos, em que compradores e intermediadores se dirigem a países em que grande parte da população possui baixa renda e péssimas condições de sobrevivência com o objetivode adquirir órgão de indivíduos vivos, mediante pagamento, e revender às pessoas interessadas em burlar a fila.
 Um caso no Brasil de burla à fila de espera ocorreu com a “Operação Fura-Fila” da Polícia Federal, que, no ano de 2008, prendeu o ex-coordenador do Rio Transplante e médico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Joaquim Ribeiro Filho, acusado de chefiar uma equipe de médicos que fraudava a fila única de transplantes de fígado, mediante pagamento.
Buscando extirpar o mercado humano de órgãos e em uma tentativa de desenvolver campanhas de conscientização paralelas às realizadas pelo Estado, diversas entidades promovem trabalhos a fim de demonstrar à sociedade a importância do gesto de doar, como a Semana Nacional de Doação de Órgãos, realizada pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos em parceria com o Ministério da Saúde e entidades médicas, a fim de que a fila de espera seja reduzida e mais pacientes necessitados possam ter uma nova chance de vida.
2.6 Biodireito
O artigo 15 do Código Civil prevê a proteção à inviolabilidade do corpo humano, relacionando o dever da informação do paciente e a responsabilidade civil dos médicos. No mesmo sentido o artigo 25 do Código de Ética Médica e a Resolução nº 1.154/84 da CFM determinam o dever de informar o paciente e sua família do diagnóstico e dos procedimentos que devem ser adotados, vedando a utilização de terapias não utilizadas no país, por meio do artigo 31 Código de Ética. E a Resolução nº 1.246/88 da CFM, em seu artigo 46, proíbe a realização de qualquer procedimento sem o conhecimento e o esclarecimento do paciente ou de seu responsável.
O dever de informar o paciente tem o objetivo de aumentar sua autonomia pessoal nas decisões que lhe afetarem o bem estar físico e psíquico, devendo ser respeitada por todos, inclusive equipe médica.
14. Exame de DNA, imageamento cerebral e polígrafo
 2.1 Identificação humana por DNA: aplicações e limites
Cada ser humano possui um perfil genético exclusivo, com a exceção dos gêmeos monozigóticos que compartilham do mesmo conjunto de genes. Como a molécula de DNA possui regiões específicas com considerável variabilidade genética, pode-se comparar o DNA a um código de barras capaz de identificar e comparar indivíduos, determinando inclusive a existência ou não de vínculo genético entre estes.Com o crescente emprego da “prova do DNA” nos tribunais brasileiros, ganha importância uma questão fundamental: as análises laboratoriais e a interpretação dos resultados dos exames de DNA são infalíveis? A Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é o orgão público competente para avaliar os procedimentos técnicos em laboratórios analíticos. De acordo com as suas normatizações, todas as etapas da cadeia de custódia das amostras biológicas devem ser documentadas de modo apropriado, a fim de evitar contaminações e a adequação das condições de trabalho. Por fazerem uso de técnicas de engenharia genética, as tipagens genéticas devem também obedecer as normas estabelecidas na Lei de Biossegurança N° 8.974/95.Do ponto de vista das aplicações práticas na atividade pericial forense, os exames de DNA são empregados, dentre outros, nos seguintes casos:
Identificação de suspeitos em casos de violência sexual (estupros, atentado violento ao pudor, atos libidinosos);
Identificação de cadáveres carbonizados ou em decomposição;
Identificação de corpos mutilados;
Identificação de peças ósseas e órgãos humanos;
Investigação de paternidade;
Produção de perfis de material genético recuperado a partir de evidências de natureza biológica presentes em suportes diversos encontrados em locais de crimes (manchas de sangue, manchas de esperma, manchas de saliva, pêlos e outros)
Ressalta-se que falta de fiscalização adequada e padronização dos exames somada ao desconhecimento que muitos magistrados têm de que os testes não são isentos de erros pode interferir nos julgamentos. Tais circunstâncias, certas vezes, tornam imprescindível a nomeação de um perito competente para avaliar os procedimentos laboratoriais adotados e auxiliar na análise dos resultados no contexto do caso.
Aos advogados, juizes e a comunidade científica cabem estar atentos ao fato de que os testes absolutamente não são infalíveis, como ocorre com qualquer outra atividade humana. Deve-se implementar no Brasil, conforme já ocorre em outros países, rigorosos padrões de qualidade para se garantir a credibilidade de tão importante ferramenta.
2.2 Imageamento cerebral e polígrafo como meios de prova
Criado por John Larson em 1921, o polígrafo, conhecido popularmente como detector de mentiras, consiste em um aparelho que analisa as reações fisiológicas, como alterações dos batimentos cardíacos ou do ritmo da respiração, de um sujeito ligado a sensores enquanto questionado.
Em verdade, o polígrafo não chega a ser realmente um detector de mentiras, até porque não consegue reconhecê-las, apenas registra oscilações comportamentais enquanto alguém é submetido a interrogatório. Não tem a capacidade de concluir se uma pessoa inventa ou não aquilo que diz, podendo estar dizendo a verdade, mas apresentar alterações fisiológicas por conta do nervosismo decorrente da situação.
Em razão disso, eficácia desse dispositivo é muito questionada, pois carece de cientificidade, sendo vários os meios de burlar seu sistema e de alterar seus resultados.
O polígrafo já foi causa de muitas confusões ao ser utilizado como prova no processo penal, trazendo um resultado contraditório ao conjunto probatório colhido nos autos. O famoso caso do serial killer Green River Killer é exemplo disso.
Gary Leon Ridgway, suspeito de matar dezenas de mulheres na década de 80 em Seattle, nos Estados Unidos, foi submetido ao teste do polígrafo em 1987 e “passou”. Apenas em 2001, por meio de exames de DNA, foi possível conectar Ridgway a algumas das vítimas do serial killer. Logo após, Ridgway acabou confessando o assassinato de 48 mulheres, sendo condenado à prisão perpétua, em dezembro de 2003.
O teste do detector de mentiras, portanto, já foi muito utilizado em todo o mundo como meio de produção de prova no sistema penal, sob a premissa de quase sempre funcionar, tendo uma alta probabilidade de acertos. O fato é que, no processo penal brasileiro, a palavra “quase” não se encaixa. Para condenar um indivíduo, é necessária certeza absoluta da materialidade e autoria do crime. Não havendo essa certeza, inocente é até que se prove o contrário.
No processo penal, então, a lógica do teste do polígrafo é bem simples: o nervosismo tem o condão de transformar o inocente e honesto em culpado, assim como manter a calma pode inocentar o culpado e mentiroso. Não há garantias e, em razão disso, o uso do polígrafo, principalmente como prova de acusação, é proibido no Brasil.
Analisando sob essa perspectiva, o detector de mentiras, na seara processual penal, é uma prova ilícita, uma vez que é produzido sem observar a norma – até porque nosso país carece de legislação que regule seu uso -, principalmente no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais do acusado, não sendo permitido pelo ordenamento que este produza provas contra si mesmo. Dessa forma, a utilização dos resultados de teste de polígrafo em qualquer processo, penal ou não, fere a Constituição Federal (artigo 5º, inciso LVI).
Mentir é algo inerente do ser humano, que, às vezes, mente sem sequer saber que está mentindo, acreditando cegamente naquilo que reproduz como verdade. Como diria Machado de Assis, “a mentira é muitas vezes tão involuntária como a respiração”, e isso, aliado à falta de fundamentos científicos e jurídicos e à pouca exatidão dos resultados são motivos suficientes para entender por que o uso do polígrafo como prova no processo penal é, e deve continuar sendo, proibido no Brasil
 
 
 TESTAMENTO VITAL
As diretivas antecipadas de vontade são um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criado na década de 60 nos Estados Unidos da América.
 Esse gênero possui duas espécies: TestamentoVital e Mandato Duradouro que, quando previstos em um único documento, são chamados de Diretivas Antecipadas de Vontade.
 O testamento vital é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos cuidados, tratamentos e procedimentos que deseja ou não ser submetida quando estiver com uma doença ameaçadora da vida, fora de possibilidades terapêuticas e impossibilitado de manifestar livremente sua vontade.
 É importante que este documento seja redigido com a ajuda de um médico de confiança do paciente, contudo, o médico terá o papel apenas de orientar a pessoa quanto aos termos técnicos, não deve o profissional de saúde impor sua vontade ou seus interesses pessoais, pois a vontade que está sendo manifestada é exclusivamente do paciente. É ainda importante o auxílio de um advogado afim de evitar que haja disposições contrárias ao ordenamento jurídico brasileiro.
 O mandato duradouro é a nomeação de uma pessoa de confiança do outorgante que deverá ser consultado pelos médicos, quando for necessário tomar alguma decisão sobre os cuidados médicos ou esclarecer alguma dúvida sobre o testamento vital e o outorgante não puder mais manifestar sua vontade. O procurador de saúde decidirá tendo como base a vontade do paciente. Ressalte-se que é possível fazer um testamento vital sem nomear um procurador de saúde, contudo, é desejável a nomeação.
 Juridicamente, embora os artigos 1.857 e 1.858 do Código Civil atestarem que o testamento é ato pelo qual alguém dispõe da totalidade dosseus bens, ou parte deles, para depois de sua morte, o parágrafo segundo do artigo 1857 traz uma modalidade não patrimonial deixando claro que as clausulas não patrimoniais são validas.Assim, poderá o testador reconhecer filhos havidos fora do casamento (artigo 1.729, parágrafo único) reabilitar o filho indigno (art 1.818,) instituir fundação (art 62) , imposição de clausulas restritivas se houver justa causa (artigo 1. 848), etc. 
No Brasil ainda não existe legislação sobre o tema, contudo, isso não significa que o testamento vital não seja válido. Não é apenas a existência de lei que torna legal um instituto no direito brasileiro. Isto porque o ordenamento jurídico brasileiro é composto por regras, que são as leis, e princípios, que são normas jurídicas não específicas, precisando assim de serem interpretadas diante do caso concreto.
 Temos na Constituição Brasileira os princípios da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, III, Constituição da República Federativa do Brasil), da Autonomia Privada (princípio implícito no art. 5o) e a proibição constitucional de tratamento desumano (art. 5o, III). Significa dizer que a Lei Maior do Brasil reconhece o direito à vida desde que esta seja digna e mais, reconhece a autonomia da pessoa. Assim, obrigar uma pessoa a se submeter a um tratamento que ele não deseja quando este não terá função de lhe devolver uma vida plena é degradante.Interessante notar que o Conselho Federal de Medicina aprovou no dia 30.08.2012 a resolução n. 1995/12 que permite ao paciente registrar seu testamento vital na ficha médica ou no prontuário. Esta resolução representa um grande avanço no Brasil, pois vincula o médico à vontade do paciente. Inclusive, o Poder Judiciário reconheceu a constitucionalidade dessa resolução. Contudo, é necessária a edição de uma lei específica para evitar questionamentos sobre a validade desses documentos e regulamentar questões específicas sobre o registro, prazo de validade, idade mínima do outorgante, entre outros.
 2.1 O que o testamento vital não é?
1. O testamento vital não é sinônimo de Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV), ele é uma espécie de Diretivas Antecipadas.
 2. O testamento vital não é um documento que vale para estados clínicos curáveis, mas sim exclusivamente para doenças ameaçadoras da vida (mais conhecidas como doenças graves e incuráveis).
 3. O testamento vital não é um documento sobre eutanásia, suicídio assistido, ortotanásia e/ou distanásia. Trata-se de um documento de manifestação de vontade do paciente, que valerá para situações de terminalidade da vida, quando o paciente não puder manifestar sua vontade. Seu conteúdo variará de acordo com o ordenamento jurídico do país em que for feito e aplicado. Por exemplo, no Brasil, o conteúdo mais comum é a recusa de tratamentos fúteis (distanásia), com vistas à garantir a ortotanásia (considerada, comumente como morte boa. Mas se estivéssemos em um país em que a eutanásia fosse permitida, seria possível que o conteúdo versasse sobre o pedido de eutanásia).
 4. O testamento vital não é autocuratela. E nem a autocuratela é uma espécie de Diretivas Antecipadas de Vontade. As DAV são documentos de manifestação de vontade do paciente sobre cuidados, tratamentos e procedimentos médicos, que tem como espécies o testamento vital e o mandato duradouro, não se confundindo com a nomeação – pela própria pessoa – de um terceiro para gerir a vida civil dessa pessoa quando esta estiver incapacitada de fazê-lo autonomamente.
 5. O testamento vital não é um documento médico e nem uma decisão compartilhada entre médico e paciente. Trata-se de um documento do paciente que pode ser feita em qualquer lugar (e não apenas em um consultório médico ou estabelecimento de saúde).
 6. O testamento vital não um documento de recusa de tratamento, mas sim um documento feito pelo paciente para escolher os cuidados, tratamentos ou procedimentos a ser ou não submetido quando estiver em fim de vida. Logo, é plenamente possível que o paciente aceite um tratamento em um testamento vital.
 7. O testamento vital não é um documento de recusa de transfusão sanguínea do paciente testemunha de Jeová.. A recusa de transfusão sanguínea pode ser feita em qualquer documento autêntico, por exemplo, em uma declaração unilateral de vontade. Pode, também ser feita em um testamento vital, contudo, é preciso ter em mente que nesse caso só valerá para situações de terminalidade da vida.
 2.2 Implicações jurídicas da Resolução 1.995/2012 CFM
Ao analisar sobre os efeitos jurídicos da Resolução CFM 1.995/12, salienta-se que assim como as demais expostas e discutidas na disciplina de Biodireito, esta tem força de lei entre a classe médica, mas não se pode afirmar que as diretivas antecipadas de vontade estejam legalizadas no Brasil. Faz-se necessário regulamentar, pois o CFM não possui competência legal para regulamentar tal matéria no âmbito geral.
 Acerca dos sujeitos habilitados para realizar as diretivas antecipadas a Resolução em comento foi silente, sites especializados e a doutrina que discorre do tema afirmam que apenas os maiores de 18 anos e os menores emancipados podem realiza-la. Para que se realize as diretivas antecipadas, primordial é que se analise o discernimento do outorgante, haja vista que a capacidade é gênero do qual são espécies a capacidade de direito e a de fato. A capacidade de fato não é, sempre, sinônimo de discernimento, pois é possível que um paciente seja civilmente capaz, mas o médico constate que o mesmo está utilizando medicamentos que afetem suas faculdades mentais ou, ainda, que a doença esteja afetando sua possibilidade de fazer escolhas autônomas. Quanto a especificação dos tratamentos que podem ser aceitos ou recusados, a mera informação de que o paciente pode recusar tratamentos extraordinários não é satisfatória sob o ponto de vista da praticidade do instituto. Isto porque existem pontos polêmicos sobre a classificação de certos tratamentos ou procedimentos como cuidados paliativos ou tratamentos extraordinários, especialmente a suspensão de hidratação e nutrição.
 Outro ponto a se considerar é a obrigatoriedade do registro em cartório de notas e criação de Registro Nacional. O CFM, como órgão de classe, não tem competência para determinar que as diretivas antecipadas de vontade sejam, obrigatoriamente, registradas em cartório. Contudo, essa formalidade se faz imperiosa para garantir ao declarante que sua vontade será seguida. A criação de um Registro Nacional de DiretivasAntecipadas também é recomendada, para possibilitar maior efetividade no cumprimento da vontade do paciente, de modo a não correr o risco de que a declaração se torne inócua.
 A Resolução CFM 1.995/12 estabelece, no parágrafo segundo do artigo segundo, que o médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente. Ou seja, o CFM regulamentou que o papel dos médicos é apenas registrar no prontuário os desejos do paciente. Contudo, o papel do profissional vai bem além da transcrição da vontade do paciente. A ele cabe não apenas transcrever as diretivas antecipadas, mas, como técnico, auxiliar o declarante quanto aos tratamentos e procedimentos que podem ou não ser recusados.
 Apesar do avanço proporcionado pela edição da Resolução CFM 1.995/12, tal avanço ocorre em uma perspectiva localizada, pois se cinge ao âmbito médico e dos demais profissionais de saúde estudiosos do tema. É preciso, porém, ter em mente que a resolução não esgota o tema, pelo contrário, demonstra a necessidade de legislação específica sobre as diretivas antecipadas de vontade a fim de regulamentar questões ainda controversas.
 
16. Direito de morrer
  Direito de morrer
Ainda que a morte faça parte da vida, este tema, de maneira geral, não faz parte do diálogo cotidiano de nossa sociedade, parece não sermos preparados psicologicamente para lidar com o estado morte.
 O termo eutanásia foi criado no século XVII por Francis Bacon, este deriva do grego e pode ser traduzido como “boa morte”, “morte apropriada”, ou mesmo direito de morrer.
 Nos dias atuais, a eutanásia vem sendo entendida como a ação médica que tem por finalidade abreviar a via das pessoas. Assim, o indivíduo que se encontra em grave sofrimento decorrente de doença e sem perspectiva de melhora, consente ao médico a possibilidade de lhe produzir o evento morte. Nas palavras de Sá e Naves:
 É a conduta, por meio de ação ou omissão do médico, que emprega, ou omite, meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida.
 Pela análise da eutanásia tem-se envolvido dois elementos, a intenção e o efeito da ação. A intenção de realizar a eutanásia pode gerar uma ação, neste caso tem-se a eutanásia ativa, quando se tem a intenção de encurtar a vida de um paciente, como por exemplo a utilização de uma injeção letal.
 A intenção de realizar a eutanásia pode também advir de uma omissão, quando se dá a não realização da ação que teria indicação terapêutica naquele caso. Assim, estamos diante da eutanásia passiva, ou ortotanásia, que consiste na não iniciação de um tratamento ou na suspensão do mesmo, ocorrendo o não prolongamento desnecessário da vida.
 Em situação oposta encontra-se a distanásia, que se configura pelo prolongamento do processo de morrer, quando o médico insiste na administração de tratamentos que já não são úteis, visando apenas o prolongamento da vida.
 A mistanásia é um termo pouco utilizado, mas representa a morte miserável, antes da hora, conhecida como eutanásia social. Pode ocorrer em casos de omissão de socorro, erro médico, negligência, imprudência e imperícia.
Ortonásia : morte correta, morte pelo seu processo natural. O doente já esta em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural
 Outra figura que aparece no tema morte é o suicídio assistido, que embora próximo da eutanásia não são figuras equivalentes:
 Na eutanásia, o médico age ou omite-se. Dessa ação ou omissão surge, diretamente, a morte. No suicídio assistido, a morte não depende diretamente da ação de terceiro. Ela é consequência de uma ação do próprio paciente, que pode ter sido orientado, auxiliado ou apenas observado por esse terceiro. 
Tanto a eutanásia quanto o suicídio assistido tratam-se de mortes voluntárias, devendo ser observada a vontade do paciente.
 
2.1 Regras do Direito Brasileiro
A eutanásia no Brasil, em suas diferentes formas, é tratada pelo Direito Penal Brasileiro como homicídio, ainda que privilegiado. Pela regra trazida no artigo 121, paragrafo 1º, do Código Penal, o ato de tirar a vida de outrem que se encontre em grande sofrimento pode ser considerado motivo de relevante valor moral, o que não tira do agente a prática do homicídio, apenas o privilegia por este ter sua pena reduzida de um sexto a um terço.
 O referido parágrafo não determina quem seja o agente, podendo ser este qualquer pessoa, desde que compelida por motivo de relevante valor moral. Deste entendimento, verifica-se que não há no ordenamento brasileiro a exigência de que a eutanásia seja praticada por médico, como é apresentada tecnicamente. No suicídio assistido também não há determinação legal que a orientação e ou auxílio devam ser prestados por médico.
 Acerca da ortotanásia, a Resolução CFM 1.805/2006 regulamentou a prática corriqueira nas UTI’s, a suspensão de procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente terminal. É dever do médico diagnosticar e determinar o alcance da enfermidade, e sua possibilidade de cura, a partir daí, cabe ao paciente de acordo com a autonomia que lhe é garantida constitucionalmente exercer a opção de limitar ou suspender o tratamento.
Suicídio assistido : permissão na Holanda, Bélgica, Suiça . "Turismo Morte"
 Muitas são as discussões que envolvem a liberdade e a eutanásia, e estas devem levar em conta a sociedade a qual pertencemos, indo além da mera subsunção de um fato a norma posta, pois assim “seria como arremessar palavras ao vento sabendo, desde já, que elas não alçarão voo algum e, certamente, repousarão no ponto do qual foram lançadas: o nada”