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33 Capítulo I Introdução O Brasil ficou independente em 1822, no contexto de uma vasta luta que imediatamente após as Guerras Napoleônicas opôs o velho sistema colonial europeu e os grandes interesses da nova economia e sociedade industriais da Grã-Bretanha. O governo colonial português na América do Sul foi derrubado com auxílio político e militar britânico, e o Brasil ficou firmemente vinculado à Grã-Bretanha em termos econômicos e políticos ao longo do século XIX. O comércio, as finanças e os investimentos britânicos forneceram os estímulos necessários à economia brasileira exportadora de café, enquanto as relações exteriores do Brasil imperial eram bem ajustadas aos interesses e direcionamentos das potências europeias, particularmente da Grã-Bretanha. Embora adaptados às condições locais, o liberalismo britânico e as ideias revolucionárias francesas já formavam o modelo ideológico das instituições brasileiras.3 A posição econômica dos britânicos no Brasil foi dominante até a década de 1880, quando novos concorrentes, principalmente estadunidenses, alemães e franceses, passaram a chegar. A influência econômica dos recém-chegados cresceu constantemente até a Primeira 3 Existe uma extensa bibliografia sobre a preeminência britânica no Brasil durante o século XIX. Sobre o processo de independência, ver E. Viotti da Costa, “Introdução ao Estudo da Emancipação Política”, in C. G. Motta (org.), Brasil em Perspectiva (São Paulo, 1967); J. H. Rodrigues, Independência, Revolução: A Política Internacional (Rio de Janeiro, 1975); e C. Freitas, George Canning e o Brasil (São Paulo, 1958). Sobre questões econômicas e sociais, ver A. Manchester, British Pre-eminence in Brazil: Its Rise and Decline (Chapel Hill, 1933); L. Bethell, The Abolition of the Brazilian Slave Trade (Cambridge, 1970); R. Graham, Britain and the Onset of Modernization in Brazil (Cambridge, 1968); e A. C. Castro, As Empresas Estrangeiras no Brasil (Rio de Janeiro, 1979). GERSON MOURA 34 Guerra Mundial, quando a influência alemã ruiu. A partir de então, os interesses dos Estados Unidos gradativamente substituíram o comércio e os investimentos britânicos, que estavam em declínio contínuo. Já em 1929, os Estados Unidos eram o principal parceiro comercial do Brasil, e assumiam um papel de liderança no financiamento de outros aspectos da economia cafeeira de exportação. Do ponto de vista político, o governo brasileiro tentou contrabalançar a influência britânica nos seus assuntos exteriores por meio de uma política proposital de aproximação com os Estados Unidos. Esta política, levada a cabo pelo Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores do Brasil nos primeiros anos do século XX, não era de mera adesão às políticas estadunidenses, mas pretendia ajudar o Brasil a reduzir a influência europeia. A participação brasileira na Primeira Guerra Mundial indicou que já nesta época os Estados Unidos desempenhavam um papel importante na definição da política externa brasileira.4 A turbulência que abalou os alicerces das estruturas econômicas, sociais e políticas ocidentais, da crise de 1929 até irromper a Segunda Guerra Mundial, teve efeitos semelhantemente radicais no Brasil: depressão econômica, revolução política, o crescimento de movimentos sociais organizados em moldes socialistas e fascistas, e competição entre as Grandes Potências para aumentar sua presença no Brasil. Enquanto a Grã-Bretanha permanecia numa posição de recuo defensivo, a Alemanha novamente entrou na corrida por influência econômica e política contra os Estados Unidos. O Brasil teve que responder ao novo desafio e redefinir todos os aspectos de sua vida, inclusive a política externa. A América Latina e a política internacional na década de 1930 A crise econômica de 1929 perturbou o funcionamento do sistema capitalista, tanto no âmbito das economias nacionais quanto no da interação financeira e comercial que alimentava a economia internacional, baseada no princípio geral da divisão de trabalho entre países industrializados e não industrializados. Embora as respostas dadas à crise pelos estados 4 A substituição da influência econômica britânica no Brasil pelos interesses dos Estados Unidos foi estudada por V. Valla, A Penetração Norte-Americana na Economia Brasileira (Rio de Janeiro, 1979), e P. Singer, “O Brasil no Contexto do Capitalismo Internacional”, in B. Fausto (org.), História Geral da Civilização Brasileira, v. 8 (São Paulo, 1975). D. Platt defende a ideia de que a retirada britânica da América Latina ao final do século XIX não era sintoma de um declínio geral do poder de concorrência britânico, mas de um esforço deliberado de se concentrar nos mercados interno e do Império e mudar o caráter da indústria britânica; ver Latin America and British Trade, 1806-1914 (Londres, 1972). O esforço deliberado do Brasil de reduzir a influência política europeia foi estudado por B. Burns, The Unwritten Alliance (Nova York, 1968). Ver também C. Lafer, “Uma interpretação do sistema de relações internacionais do Brasil”, Revista Brasileira de Política Internacional, n. 39/40, 1967. INTRODUÇÃO 35 capitalistas não fossem idênticas, elas tinham certas características em comum, em particular uma intervenção estatal mais decisiva na economia nacional, seja na forma de legislação, controle ou até investimento direto. Ao mesmo tempo, na esfera internacional, medidas de proteção econômica foram tomadas de modo a obter ou reter mercados exclusivos, assim rompendo com o padrão vigente de livre comércio. Alguns países, Grã-Bretanha e França em especial, foram capazes de enfrentar o período de depressão econômica com relativo êxito graças a suas moedas fortes e impérios coloniais. As potências “excluídas” (Alemanha, Japão e Itália) se viam diante de uma situação econômica mais difícil e tendiam a estabelecer alguma forma de “autossuficiência” econômica. Não obstante, as alianças políticas que apoiavam governos fascistas exigiam políticas sociais e econômicas que reforçavam os oligopólios e reduziam os salários, assim agravando, ao invés de resolver, problemas tais como o desenvolvimento de mercados internos.5 Como estes eram países que precisavam importar matérias-primas industriais e exportar seus produtos, eles tinham que garantir a existência de mercados externos. Por outro lado, o caráter vingativo de seus planos políticos levou os estados fascistas a tentar adquirir colônias ou áreas de influência e a começar campanhas nesse sentido. Sua resposta política à crise econômica e social era a rota mais curta rumo à guerra.6 O fascismo era uma das expressões da crise política que permeou a década de 1930. Sob o fardo de problemas sociais pavorosos, para os quais não possuíam soluções nem meios de implantá-las, os Estados liberais se tornaram alvos fáceis para os ataques da esquerda e da direita, que os acusavam – por diferentes razões – de serem ultrapassados. Os partidos de centro perdiam terreno a cada eleição, e o espectro político se tornava cada vez mais polarizado, com a direita representando movimentos nacionalistas e fascistas, e a esquerda representando movimentos socialistas e comunistas. A década foi de governos autoritários – até as democracias parlamentares experimentaram alterar o equilíbrio de poder, com a intenção de fortalecer o poder executivo. A mesma crise ocorreu no âmbito ideológico. As frustrações que haviam se acumulado desde a Primeira Guerra Mundial e os problemas não resolvidos na esfera social e econômica produziram uma crítica 5 Especialistas em economias fascistas já enfatizaram esta questão; ver C. Bettelheim, L’Économie Allemande sous le Nazisme (Paris, 1971), v. II, pp. 101-116; e D. Guérin, Fascisme & Grand Capital (Paris, 1971), cap. 9. Algum desacordo com relação a estas determinações econômicas se encontra em