Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Argamassas industriais com incorporação de granulado de cortiça Dina Frade1, António Tadeu2, Isabel Torres2, Paulo Amado Mendes2, Nuno Simões2, Gina Matias2, Ana Neves2 1Secil Martingança, Portugal, dina.frade@secil.pt 2CICC, Departamento de Engenharia Civil, Universidade de Coimbra, Portugal, tadeu@dec.uc.pt, itorres@dec.uc.pt, pamendes@dec.uc.pt, nasimoes@dec.uc.pt Resumo: O presente estudo refere-se a uma inovação na formulação de argamassas industriais, em que o agregado foi parcialmente substituído por granulado de cortiça. Estas argamassas foram caracterizadas segundo a norma EN 998, tendo sido realizado sobre estas outro tipo de ensaios para melhorar a caracterização das mesmas em parâmetros como o comportamento térmico e acústico. A apreciação dos resultados de resistência mecânica e resistência ao gelo-degelo foram os indicadores avaliados para perspetivar a durabilidade das referidas argamassas. Pretende-se ainda avaliar a rentabilidade da sua aplicação em obra com um caso de estudo. Palavras–chave: Inovação; Argamassas Industriais; Granulado de cortiça. 1. INTRODUÇÃO Os revestimentos e acabamentos das paredes constituem parte significativa da envolvente dos nossos edifícios e desempenham um papel importantíssimo no seu comportamento, já que, podemos dizer, constituem a “pele” que assegura a proteção das mesmas. São os elementos mais expostos, quer às ações climáticas, quer às ações mecânicas e, ainda, às ações ambientais. O desempenho global de uma parede não depende apenas de um dos seus componentes, mas sim da globalidade do conjunto tosco-revestimento. As exigências funcionais dependem de agentes mecânicos, eletromagnéticos, térmicos, químicos ou biológicos. Alguns destes agentes atuam mais sobre o revestimento, outros agem principalmente sobre o tosco e outros ainda sobre o conjunto [1]. O cumprimento de exigências funcionais como estanquidade à água, permeabilidade ao vapor, isolamentos térmico ou acústico depende muito do desempenho do revestimento. As características exigidas aos revestimentos das paredes são cada vez mais severas, quer ao nível do comportamento mecânico, quer ao nível do comportamento térmico ou mesmo ao nível do desempenho acústico. Um dos revestimentos tradicionais que continua muito presente nos nossos edifícios é o revestimento à base de argamassas [2]. Nesse sentido, tem-se observado, cada vez mais, a aposta na introdução de novos constituintes na sua composição com o objetivo primeiro de conseguir melhorar o seu comportamento. Nos últimos anos tem-se assistido à crescente utilização de argamassas industriais, por via das inúmeras vantagens que introduzem. Um aspeto muito importante é que estas argamassas, contrariamente às argamassas tradicionais, permitem assegurar um controlo eficaz na sua composição e respetiva produção. Salienta-se, por último, a crescente especialização das argamassas pré-doseadas, não apenas as destinadas a reboco mas também a outras aplicações como, por exemplo, à execução de juntas de assentamento. Estas argamassas apresentam diferentes propriedades químicas e mecânicas apropriadas às funções a desempenhar. Importa salientar a importância que as questões energéticas, nomeadamente de comportamento térmico dos edifícios, cada vez mais assumem, por via das exigências dos regulamentos que vão impondo sucessivamente métodos de produção e produtos de desempenho térmico melhorado. De igual modo, as preocupações com o conforto acústico conferido por paredes exteriores e interiores também não têm sido descuradas, levando à adoção de soluções construtivas exigentes, capazes de conferir elevados níveis de isolamento acústico. Com efeito, os requisitos acústicos estabelecidos nos regulamentos europeus mais recentes impõem, para grande parte dos edifícios, designadamente, valores mínimos dos índices de isolamento a sons de condução aérea que obrigam ao desenvolvimento e caracterização de técnicas e soluções inovadoras. Nesse sentido, foram desenvolvidas duas argamassas industriais com introdução de grânulos de cortiça em substituição parcial do agregado: uma argamassa de reboco para projeção mecânica e uma argamassa de alvenaria leve para aplicação manual ou mecânica. O objetivo deste trabalho foi caracterizar o seu comportamento mecânico, térmico e acústico. Nos pontos seguintes iremos descrever os ensaios realizados, apresentar os resultados obtidos e apresentar um caso de estudo. 2. ENSAIOS REALIZADOS Foram realizados ensaios de caracterização do comportamento mecânico, higrotérmico e acústico, para os dois tipos de argamassas industriais. A água de amassadura foi determinada tendo por base o valor de espalhamento pretendido, de forma a garantir uma boa trabalhabilidade: para a argamassa de reboco partiu-se de um valor indicativo de espalhamento de 135 mm e considerou-se 124 mm de espalhamento para a argamassa de alvenaria. Todas as argamassas foram preparadas e condicionadas em conformidade com as indicações de cada uma das normas de ensaio específicas utilizadas. O número de provetes a ensaiar foi estabelecido de acordo com a respetiva norma. No caso da determinação da resistência ao gelo-degelo, não havendo norma de ensaio para este tipo de produto, recorreu-se ao procedimento existente para determinação da resistência ao gelo-degelo de pedra natural, aferindo, posteriormente, a redução da capacidade mecânica, quer através da determinação do módulo de elasticidade, quer através da caracterização das resistências mecânicas, de acordo com o procedimento descrito na norma EN 1015-11 [3], relativa a argamassas. Os provetes de ensaio utilizados foram os mais comuns para este tipo de produto: prismas com dimensões de 40 mm x 40 mm x 160 mm. 2.1 Caracterização mecânica e higrotérmica 2.1.1 Argamassa de reboco A caracterização mecânica e higrotérmica da argamassa de reboco com aglomerado de cortiça envolveu ensaios de determinação da massa volúmica da argamassa no estado fresco, da consistência por espalhamento, da resistência à flexão e compressão, da permeabilidade ao vapor de água, da retração (segundo a norma de determinação da retração de argamassas para juntas), da resistência adesiva, da absorção de água por capilaridade, da massa volúmica da argamassa no estado endurecido, do teor em ar, da resistência ao gelo-degelo, da condutibilidade térmica, da porosidade e diâmetro dos poros e do calor específico. Na Tabela 1 são apresentados todos os resultados obtidos nos ensaios realizados. Tabela 1: Resultados obtidos nos ensaios realizados à argamassa de reboco com cortiça. Ensaio Norma Resultados Água da amassadura --- 31,60 % Massa volúmica de argamassa no estado fresco EN 1015-6 [4] 1200 kg/m 3 Determinação da resistência à flexão e compressão (28 dias) EN 1015-11 [3] Rf = 3,3 N/mm2 Rc = 9,8 N/mm2 Retração de argamassas para juntas de ladrilhos EN 12808-4 [6] Retração = 3,17 mm/m Determinação da consistência por espalhamento EN 1015-3 [7] 136 mm Resistência adesiva de argamassa de reboco EN 1015-12 [8] Fu Sup. tijolo = 0,34 N/mm2 Fu Sup. betão = 0,65 N/mm2 Modos de fratura: A e C Determinação da absorção de água por capilaridade de argamassas. EN 1015-18 [9] 0,05 Massa volúmica aparente seca de argamassa no estado endurecido EN 1015-10 [10] 910,00 kg/m 3 Ar Contido EN 1015-7 [11] 30,00 % Módulo de elastecidade BS 1881-5 [12] 1009,8 MPa Determinação da resistência ao gelo-degelo de argamassa NP EN 12371 [13] Decréscimo do ME (28 ciclos) = 2,1 % Decréscimo da RC (28 ciclos) = 3,5 % Condutibilidade térmica EN 12667 [14] λ = 0,163 W/(m.ºC) Porosidade e diâmetro dos poros ISO 15901-1 [15] 46,63 % Calor específico --- 1,199 J/(g.K)ME – Módulo de elasticidade RC – Resistência à compressão Após análise dos resultados concluímos que, de acordo com a norma de especificação de argamassas de reboco (EN 998-1) [16], a argamassa de reboco analisada poderá ser classificada como CS IV relativamente à resistência à compressão aos 28 dias. Quanto à absorção de água por capilaridade, a argamassa poderá ser classificada como W2. Verifica-se ainda que a argamassa poderá ser considerada uma argamassa leve, uma vez que a massa volúmica no estado endurecido é inferior a 1300 kg/m3. Quanto à condutibilidade térmica podemos dizer que a argamassa pode ser considerada na categoria T1. De acordo com a norma de especificação, esta argamassa poderá ser incluída na categoria T (argamassa térmica). Estamos perante uma argamassa com uma baixa condutibilidade térmica comparativamente aos rebocos tradicionais. Estes últimos, de acordo com a informação Técnica de Edifícios nº 50, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (ITE 50) [17] apresentam valores compreendidos entre 1,3 e 1,8 W/(m.ºC), respetivamente para massas volúmicas entre os 1800 e 2000 kg/m3 e superiores a 2000 kg/m3. Deste modo, em relação aos rebocos tradicionais, a argamassa com aglomerado de cortiça contribuirá para uma melhoria do desempenho térmico das soluções construtivas em que se aplique. A determinação do calor específico é extremamente relevante nas situações em que se pretende efetuar a avaliação do comportamento dinâmico das soluções construtivas. O calor específico, a condutibilidade térmica e a massa volúmica de cada um dos materiais que compõem a solução construtiva vão ser determinantes no atraso térmico e na capacidade de armazenamento de energia dessas soluções. Neste caso, a difusividade térmica é de 1,26x10-7 m2/s, valor inferior ao que geralmente se obtém com argamassas tradicionais. Em termos do comportamento face à presença de água, também podemos dizer que esta argamassa poderá revelar um bom desempenho, na medida em que o valor do coeficiente de absorção de água determinado é bastante reduzido e o valor do coeficiente de permeabilidade ao vapor é adequado. Relativamente ao comportamento mecânico, tendo em conta o valor reduzido obtido para a retração, considera-se que será uma argamassa pouco suscetível à fissuração. Por outro lado, os valores obtidos, quer de resistência à flexão e à compressão, quer de resistência adesiva, são bastante aceitáveis para uma argamassa de reboco. A reduzida massa volúmica permite uma maior versatilidade relativamente ao tipo de utilização. No ensaio de gelo-degelo, verificou-se uma redução do módulo de elasticidade, ao fim de 28 ciclos, pouco significativa. À partida, o resultado obtido revela que se está perante uma argamassa de elevada durabilidade em situações de exposição que possam desencadear ciclos de gelo-degelo. 2.1.2 Argamassa de alvenaria A caracterização da argamassa de assentamento com cortiça envolveu ensaios de determinação da massa volúmica da argamassa no estado fresco, da consistência por espalhamento, da resistência à flexão e compressão, da permeabilidade ao vapor de água, da retração (segundo a norma de determinação da retração de argamassas para juntas), da absorção de água por capilaridade e da massa volúmica da argamassa no estado endurecido. Na Tabela 2 são apresentados todos os resultados obtidos nos ensaios realizados. De acordo com a norma de especificação de argamassas para alvenaria, EN 998-2:2010 [18], poderá classificar-se a presente argamassa, relativamente à resistência à compressão, como M 2,5. Esta argamassa tem uma resistência à compressão elevada, podendo ser utilizada, de acordo com o Eurocódigo 6 [19], na execução de juntas de alvenaria estrutural. Quanto à condutibilidade térmica, a argamassa apresenta um valor bastante baixo, o que poderá ter algum contributo na melhoria do desempenho térmico da alvenaria [20]. Tabela 2: Resultados obtidos nos ensaios realizados à argamassa de alvenaria com cortiça. Ensaio Norma Resultados Água da amassadura --- 40,00 % Massa volúmica de argamassa no estado fresco EN 1015-6 [4] 1030 kg/m 3 Determinação da resistência à flexão e compressão EN 1015-11 [3] Rf = 1,5 N/mm2 Rc = 3,5 N/mm2 Permeabilidade ao vapor de água de argamassas EN 1015-19[5] Wvp = 2,49x10-11 kg/m.s.Pa µ = 7,8 Retração de argamassas para juntas de ladrilhos EN 12808-4 [6] Ret = 2,68 mm/m Determinação da consistência por espalhamento EN 1015-3 [7] 126 mm Determinação da absorção de água por capilaridade de argamassas EN 1015-18 [9] 0,1 Massa volúmica aparente seca de argamassa no estado endurecido EN 1015-10 [10] 860,00 kg/m3 Condutibilidade térmica EN 12667 [14] λ = 0,125 W/(m.ºC) Foi efetuada uma comparação, em termos de desempenho térmico, da argamassa de alvenaria com cortiça relativamente a uma argamassa tradicional de cimento e uma argamassa não tradicional de cimento. O cálculo apresentado na Tabela 3 foi efetuado de acordo com as normas ISO 6946:2007 [21] e EN ISO 10211:2007 [22]. Considerou-se um bloco térmico de betão leve com 28 cm de espessura como suporte, uma argamassa tradicional de cimento, com uma massa volúmica compreendida entre 1800 kg/m3 e 2000 kg/m3 e coeficiente de condutibilidade térmica de 1,3 W/(m.ºC), e uma argamassa não tradicional com uma massa volúmica entre 750 kg/m3 e 1000 kg/m3 e um coeficiente de condutibilidade térmica de 0,40 W/(m.ºC). Os valores indicados de condutibilidade térmica foram retirados da informação Técnica de Edifícios nº 50, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (ITE 50) [17]. Tabela 3:Variação do coeficiente de transmissão térmica para um bloco de betão leve com uma resistência térmica de 0,89 m2.ºC/W. Espessura de assentamento mm 10 15 RT Global m2.ºC/W 0,96 0,93 Argamassa tradicional λ = 1,30 W/(m.ºC) UGlobal W/(m2.ºC) 1,04 1,07 RT Global m2.ºC/W 1,08 1,08 Argamassa não tradicional λ = 0,40 W/(m.ºC) UGlobal W/(m2.ºC) 0,93 0,93 RT Global m2.ºC/W 1,14 1,14 Argamassa de alvenaria com cortiça λ = 0,1247 W/(m.ºC) UGlobal W/(m2.ºC) 0,88 0,88 ∆Uglobal - Argamassa tradicional % -18,2% -21,6% ∆Uglobal - Argamassa não tradicional % -5,7% -5,7% 2.2 - Ensaios de caracterização do desempenho acústico No sentido de proceder à caracterização do desempenho acústico das argamassas industriais com integração de aglomerado de cortiça, estas foram utilizadas como parte integrante de soluções construtivas do tipo parede de alvenaria de tijolo cerâmico. O desempenho acústico daquelas soluções, incorporando argamassas de reboco e de alvenaria com cortiça, foi analisado através de medições efetuadas em laboratório, nas câmaras acústicas horizontais do ITeCons (uma descrição deste sistema de medição e ensaio e da sua caracterização pode ser consultada nos trabalhos [23 e 24]). Avaliou-se o isolamento sonoro normalizado para sons de condução aérea, na gama de frequências entre 100 e 5000 Hz, e calculou-se o índice de isolamento sonoro para sons de condução aérea, Rw, segundo as normas NP EN 20140-3 [25] e EN ISO 717-1 [26]. Com estes objetivos, foram executadas duas paredes de alvenaria de tijolo cerâmico com 22cm de largura. a) b) Figura 1 – Aspecto das paredes, instaladas nas câmaras acústicas, na fase de realização dos ensaios - a) Parede sem reboco com argamassa de alvenaria corrente; b) Parede sem reboco com argamassa incorporando cortiça. O primeiro provete ensaiado compreendeu uma parede simples de alvenaria, com dimensões de 3,16m *3,16m≈10m2, em tijolos cerâmicos com 22cm de largura, sem aplicação de reboco. Os blocos cerâmicos foram assentes com argamassa de alvenaria corrente "M10", nas juntas horizontais e verticais entre blocos (a esta parede foi atribuída aref.ª “Parede 1, não rebocada”, sendo ilustrada na Figura 1a)). A segunda solução construtiva testada correspondeu a uma parede simples de alvenaria com aproximadamente 10m2, em tijolos cerâmicos com 22cm de largura, sem aplicação de reboco, tendo sido neste caso os blocos cerâmicos assentes com argamassa de alvenaria com introdução de granulado de cortiça, nas juntas horizontais e verticais entre blocos (parede referida como “Parede 2, não rebocada”, podendo ser observada na Figura 1b)). Posteriormente, esta parede foi rebocada em ambas as faces. O reboco da face exterior é composto por "RHP" com aglomerado de cortiça, com cerca de 40mm de espessura, revestido com uma camada de "RBR20" areado, com 3mm de espessura. O reboco da face interior é composto por "RHP PLUS Interior", com cerca de 10mm de espessura, com acabamento areado (parede designada pela ref.ª “Parede 2, rebocada”). A partir dos ensaios realizados nas câmaras acústicas, determinaram-se, de acordo com as normas NP EN 20140-3 [25] e EN ISO 717-1 [26], os valores do índice ponderado de isolamento sonoro para sons de condução aérea, Rw, e dos correspondentes termos de adaptação espectral (C; Ctr; C100-5000; Ctr 100-5000) das paredes anteriormente descritas. Estes valores resumem-se na Tabela 4. Por sua vez, apresentam-se de forma gráfica, na Figura 2, os valores determinados, por banda de frequência de um terço de oitava, para o isolamento sonoro a sons de condução aérea normalizado, R. Tabela 4 – Resultados obtidos nas câmaras acústicas do ITeCons (índice de isolamento a sons de condução aérea e termos de adaptação espectral) Parede 1, não rebocada Parede 2, não rebocada Parede 2, rebocada índice de isolamento Rw [dB] 41 38 43 termos de adaptação espectral (C; Ctr) (-1; -3) (-1; -2) (0; -3) (C100-5000; Ctr 100-5000) (0; -3) (0; -2) (1; -3) Comparando os valores do isolamento sonoro normalizado das duas paredes sem reboco (Tabela 4), verifica-se que a incorporação de cortiça na argamassa de assentamento dos tijolos de alvenaria se traduziu num decréscimo de 3dB para o índice de redução sonora. As correspondentes curvas, na Figura 2, apresentam um andamento próximo até aos 1250Hz, ocorrendo uma quebra de isolamento de cerca de 7dB aos 1600-2000Hz, na curva de isolamento da parede com argamassa de alvenaria com cortiça. Analisando os resultados obtidos nos ensaios da segunda parede, pode verificar-se que o ganho obtido, em termos de índice ponderado de redução sonora, com a aplicação de reboco em ambas as faces é de 5dB. Neste caso, a aplicação dos rebocos nas faces da parede permitiu corrigir duas quebras acentuadas na curva de isolamento, observadas nas frequências de 400 e 1600-2000Hz, melhorando muito na gama alta de frequências. A curva de isolamento sonoro para sons de condução aérea referente ao provete rebocado é sempre superior à do pano de parede de alvenaria simples sem reboco, atingindo esta diferença valores superiores a 10dB e apresentando um desempenho significativamente superior para frequências acima de 1250Hz. Figura 2 – Isolamento sonoro para sons de condução aérea normalizado das paredes testadas, em alvenaria de tijolo cerâmico com as argamassas industriais em desenvolvimento. 3. CASO DE ESTUDO A aplicabilidade em obra destas argamassas, foi um dos pressupostos iniciais no desenvolvimento das argamassas em estudo. Não se pretendia só realizar um trabalho de investigação, mas também que ele fosse traduzido em produtos comerciais para uso geral na construção e com domínio de aplicação específico. A rentabilidade na aplicação das argamassas em obra, em coerência com as argamassas disponíveis no mercado, com recurso aos agregados comuns, foi sem dúvida um dos parâmetros importantes deste desenvolvimento. 3.1 Produção em fábrica das argamassas O doseamento em unidade industrial das argamassas, não é um processo simples, mas a experiência já anteriormente desenvolvida para outro tipo de agregados, contribuiu para o sucesso do mesmo. As argamassas foram então preparadas e ensacadas em embalagem de 12 kg e enviadas para obra. 3.1.1 Argamassa de reboco A argamassa de reboco foi aplicada numa nave industrial, onde a estrutura projetada era em betão pré-fabricado, conforme a Figura 3. Figura 3 – Vista global da obra e pormenor do suporte. Nesta obra específica, o projetista, para além de uma melhoria no desempenho térmico, pretendia uma argamassa com um baixo módulo de elasticidade, ou seja, uma baixa tendência à fissuração, devido à elevada exposição à vibração da estrutura em causa. O suporte de aplicação da argamassa de reboco era bloco de betão, apresentando-se como principal área sensível a transição entre a alvenaria e os pilares de betão pré fabricados, conforme a Figura 3, estas superfícies caracterizadas pela muito baixa absorção, foram devidamente tratadas recorrendo a um primário de aderência e posteriormente com recurso a rede de fibra de vidro anti alcalina, no seio da argamassa de reboco. A aplicação foi realizada mecanicamente, através de máquina de projetar com doseamento automático de água, conforme Figura 4. Figura 4 – Equipamento de projeção. Projeção. Aperto da argamassa de reboco. Quarenta e oito horas após a aplicação da argamassa de reboco, esta foi revestida com uma argamassa hidráulica com cerca de 2 mm de espessura, para a realização do acabamento pretendido e posteriormente pintada. A obra decorreu em Maio de 2011. A apreciação por parte do aplicador foi positiva, tratando-se na opinião deste de uma argamassa muito semelhante às argamassas comuns, mas cujos processos manuais de aplicação adquirem grande ligeireza, devido à leveza desta. A avaliação realizada em Janeiro de 2012 indica-nos a permanência das características do revestimento, conforme objetivo inicial. 3.1.2 Argamassa de alvenaria A argamassa de alvenaria, testada em obras diversas, apresenta uma apreciação muito positiva por parte do aplicador, conforme Figura 5, embora com uma trabalhabilidade significativamente distinta das argamassas de alvenaria comuns. Figura 5 – Aplicação da argamassa de alvenaria. Futuramente, serão realizadas aplicações em obra recorrendo também a aplicação mecânica, por facilitar consideravelmente a trabalhabilidade da mesma e aumentar a rentabilidade da aplicação. 4. CONCLUSÕES A substituição parcial do agregado por granulado de cortiça tem sido alvo, nos últimos anos, de alguns estudos e trabalhos de investigação sobre argamassas cujas conclusões se têm revelado encorajadoras. Neste trabalho, pretendeu-se avançar no sentido da caracterização de argamassas industriais com incorporação de cortiça, apresentando um elevado controlo de produção e uma composição motivada pelo desenvolvimento de argamassas leves, mais sustentáveis e com desempenhos mecânico, higrotérmico e acústico melhorados. Deste modo, para os casos de duas argamassas com cortiça em desenvolvimento, designadamente uma argamassa de reboco para projeção mecânica e uma argamassa de alvenaria leve para aplicação manual ou mecânica, foram elencados os ensaios de caracterização dos comportamentos mecânico, térmico e acústico, tendo sido igualmente apresentados os correspondentes resultados. São de salientar os valores obtidos que permitem classificar estas argamassas como leves, a sua baixa condutibilidade térmica e os bons desempenhos do ponto de vista da retração, da exposição à água e a ciclos de gelo-degelo. No que diz respeito ao desempenho acústico observado em soluções construtivas de paredes de alvenaria de tijolo cerâmico com aplicação daquelas argamassas, foi possível observar que, globalmente, o comportamento acústico destes sistemas construtivos não se afastarásignificativamente do observado em soluções de alvenaria com argamassas tradicionais. Por último, descreveu-se ainda um caso de estudo, que permitiu salientar a versatilidade das argamassas desenvolvidas bem como a rentabilidade da sua aplicação em obra, de forma coerente com as argamassas tradicionais existentes, com recurso a agregados correntes. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à empresa “Secil Martingança” e ao “ITeCons - Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da Construção” o apoio disponibilizado para a realização deste trabalho, nomeadamente aos técnicos António Nascimento, José Nascimento e Saúl Martins. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [1] LUCAS, J. A. Carvalho - "Exigências funcionais de revestimentos de paredes" - ITE 25, LNEC, Lisboa, 1990. [2] Faria Rodrigues, M. P. (2004). “Argamassas de revestimento para alvenarias antigas – contribuição para o estudo da influência dos ligantes”. Tese de Doutoramento, Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa. [3] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 11: Determination of flexural and compressive strength of hardened mortar - EN 1015-11, European Committee for Standardization, Brussels, 1999. [4] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 6: Determination of bulk density of fresh mortar - EN 1015-6, European Committee for Standardization, Brussels, 1999. [5] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 19: Determination of water vapour permeability of hardened rendering and plastering mortars - EN 1015-19, European Committee for Standardization, Brussels, 2002. [6] CEN, Grouts for tiles - Part 4: Determination of shrinkage - EN 12808-4, European Committee for Standardization, Brussels, 2009. [7] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 3: Determination of consistence of fresh mortar (by flow table) - EN 1015-3, European Committee for Standardization, Brussels, 1999. [8] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 12: Determination of adhesive strength of hardened rendering and plastering mortars on substrates, EN 1015-12, European Committee for Standardization, Brussels, 2000. [9] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 18: Determination of water absorption coefficient due to capillary action of hardened mortar. EN 1015-18, European Committee for Standardization, Brussels, 2002. [10] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 10: Determination of dry bulk density of hardened mortar. EN1015-10, European Committee for Standardization, Brussels, 1999. [11] CEN, Methods of test for mortar for masonry – Part 7: Determination of air content of fresh mortar. EN 1015-7, European Committee for Standardization, Brussels, 1999. [12] BRITISH STANDARD, Methods of Testing concrete – Part 5: Methods of testing hardened concrete for other than strength. [13] IPQ, Métodos de ensaio para pedra natural. Determinação da resistência ao gelo. NP EN 12371. Instituto Português da Qualidade, 2010. [14] CEN, Thermal performance of building materials and products. Determination of thermal resistance by means of guarded hot plate and heat flow meter methods. Products of high and medium thermal resistance, EN 12667, European Committee for Standardization, Brussels, 2001. [15] ISO, Pore size distribution and porosity of solid materials by mercury porosimetry and gas adsorption -- Part 1: Mercury porosimetry, ISO 15901-1, International Organization for Standardization, 2005. [16] CEN, Specification for mortar for masonry. Rendering and plastering mortar, EN 998-1, European Committee for Standardization, Brussels, 2010. [17] Santos, C. A. Pina dos; Matias, Luís – Coeficientes de transmissão térmica de elementos da envolvente dos edifícios. Lisboa: LNEC, 1990 Informação Técnica de Edifícios nº 50 (ITE 50). [18] CEN, Specification for mortar for masonry. Masonry mortar, EN 998-2, European Committee for Standardization, Brussels, 2010. [19] CEN, Eurocode 6 - Design of masonry structures - Part 1-1: General rules for reinforced and unreinforced masonry structures, EN 1996-1-1, European Committee for Standardization, Brussels, 2005. [20] Simões, N., Coelho, D., Martins, S. e Tadeu, A., 2010 – “Influência das Juntas de Argamassa no Desempenho Térmico de Paredes de Alvenaria”, 3º Congresso Português de Argamassas de construção, Sob a Égide da Energia, 18 e 19 de Março, Lisboa, Portugal. [21] ISO, Building components and building elements. Thermal resistance and thermal transmittance. Calculation method, ISO 6946, Organization for Standardization, 2007 [22] CEN, Thermal bridges in building construction. Heat flows and surface temperatures. Detailed calculations, EN ISO 10211, European Committee for Standardization, Brussels, 2007. [23] Castro, I., Tadeu, A:, António, J., Moreira, A., Amado Mendes, P. e Godinho, L., 2008 – “Câmaras móveis ITeCons para a realização de ensaios acústicos: Parte II – Preparação e caracterização das câmaras horizontais”, in CD-Rom Acústica 2008, 20-22 de Outubro, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. [24] Tadeu, A:, Godinho, L., Bandeira, F., António, J., Amado Mendes, P. e Castro, I., 2008 – “Câmaras móveis ITeCons para a realização de ensaios acústicos: Parte I – Descrição e projecto das câmaras”, in CD-Rom Acústica 2008, 20-22 de Outubro, Universidade de Coimbra, Coimbra, Portugal. [24] IPQ. Acústica. Medição do isolamento sonoro de edifícios e de elementos de construção. Parte 3: Medição em laboratório do isolamento sonoro a sons aéreos de elementos de construção, NP EN 20140-3, Instituto Português da Qualidade, 1998. [25]. CEN, Acoustics. Rating of sound insulation in buildings and of building elements. Airborne sound insulation, EN ISO 717-1, European Committee for Standardization, Brussels, 1997.
Compartilhar